P/1_ Bem, seu Expedito, boa noite. Então, para começar, eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R _ Rubens Dias dos Santos.
P/1_ E o senhor nasceu quando?
R_ 27 de março de 1941.
P/1_ E aonde?
R_ 1941.
P/1_ Mas em que cidade?
R_ Aqui mesmo em Maués.
P/1_ E chamam o senhor de Rubens por aí?
R_ É, não, em todas as partes. Banco, repartições conhecem por esse Rubens. Mas a parte menor, é, a parte mais humilde, só por Expedito. Porque lá Rubens não tem.
P/1_ E como é que o senhor ganhou esse apelido de “Expedito”?
R_ Eu reconheci quando eu comecei a estudar. Porque a professora chamava Rubens Dias dos Santos, ficava lá e eu não sabia responder. “Você!” “Eu, é?” “Seu nome é Rubens!” “Não, Rubens eu não sei, eu me chamo Expedito”. Aí que eu fui saber que o meu nome era Rubens.
P/1_ Só quando o senhor foi pra escola que o senhor descobriu que o seu nome era Rubens?
R_ Só.
P/1_ E qual é a origem dos seus pais?
R_ São filhos daqui mesmo, acho que é parte indígena, porque são filhos daqui mesmo,.
P/1_ E qual era o nome deles?
R_ Isidro Gabriel dos Santos, do pai, e a mãe, Anadir dos Santos. Ela é filha do interior daqui de Maués, uma comunidade que hoje já é uma, já é um município. Ela nasceu lá, num rio chamado Massauari. Todos eles nasceram, o pai e mãe lá, e vieram para Maués e aqui começaram a construir família. De irmão só tem eu e uma irmã já, duas irmãs, aliás, o resto foram embora.
P/1_ Foram pra onde?
R_ Diz o pessoal, “foram conversar com Deus”.
P/1_ Quantos irmãos o senhor teve?
R_ Sete.
P/1_ Desses, quantos continuam vivos? O senhor falou...
R_ Três. Duas irmãs, uma por parte de mãe e uma por parte de pai.
P/1_ E estão todas em Maués?
R- Tão todas.
P/1_ Que profissões que eles têm?
R_ Agricultor, uma é funcionária e outra agricultora.
P/1_ Funcionária da Prefeitura? Funcionária da Prefeitura?
R_ Do Estado. Uma é do Estado. E a outra é agricultora, mas já é aposentada também né?.
P/1_ Agricultura com guaraná?
R_ Mandioca, guaraná...
P/1_ E como que era a cidade da sua infância?
R_ Olha, eu me criei aqui mesmo. Meus pais, perdi minha mãe com 9 anos. Com o meu pai, perdi meu pai eu tinha 27 anos. Eu tinha família, tudo. Fui criado aqui, estudei aqui nesse grupo Santina Filizola e só. Só tenho o 2º ano primário, mas me sinto tão bem que não me queixo daquilo que aprendi. Fui vereador, fui agricultor, fui vereador, fui Secretário de Obras e hoje eu sou, vamos dizer, sou um secretário. Cargo comissionado. Mas também sou agricultor, pecuarista. Você tem que trabalhar pra todo lado, trabalho com guaraná. Guaraná eu trabalho há muitos anos, já faz uns dez anos que eu trabalho com guaraná.
P/2_ Deixa eu entender um pouco. Eu queria que o senhor contasse um pouquinho como que era essa Maués de quando o senhor era criança. O que que ela era diferente de hoje?
R_ Tinha muita coisa diferente. Porque eu ainda me lembro que só tinha duas ruas, né? Quando eu me entendi.
P/2_ Quais que eram?
P/2_ Era essa, Pereira Barreto, e a Floriano Peixoto, essa de lá. E aí depois foram começando... Entrou os prefeitos, foram começando a abrir as ruas. Hoje, Maués já tá muito moderna. Tem muita coisa que a gente já pode se admirar até. Ela começou depois que teve um prefeito chamado Luís Canindé. De lá começou a crescer bastante, não é? Os prefeitos que vieram, vieram com vontade de trabalhar.
P/2_ Isso era em que época?
R_ Como?
P/2_ Que época que era isso?
R_ Era em 88, é 88. Na época que eles eram, que ele era prefeito, eu era vereador. Trabalhei como vereador um ano e depois ele me tirou para Secretário de Obras. Trabalhei três anos como Secretário de Obras. A gente trabalhou um bocado, tanto na cidade como no interior. Foi o ano que o guaraná deu R$ 22,00 o quilo. Muita gente ganhou dinheiro e conseguiu o que queria, né? Com o preço do guaraná bom. De lá... vou dizer uma coisa pra você, eu não acho tão difícil o guaraná, nem tão caro também o guaraná, nem tão barato, só é dispendioso porque - desculpe porque ás vezes eu erro alguma coisa - é, é dispendioso porque aqui a mão de obra é muito caríssima, né? Em 64, eu fui na Bahia que eu trabalhava com um senhor chamado Flaviano, comprava guaraná pra ele aqui, Amazônia Indústria de Guaraná, e lá o rapaz mostrou uma terra de cinco anos de trabalho, abandonado, capim, mortinho. Você vai no Amazonas, com cinco anos você corta no machado ou moto-serra, porque lá é, com dois anos. Então, isso que é nossa dificuldade aqui, pra gente não conseguir, quer dizer, se o preço do guaraná está hoje em R$ 9,00 parece, comprando a R$ 9,00, tá de R$ 9,00, R$ 10,00, ele quase não compensa porque a mão de obra é muito dispendiosa. O produtor se torna muito, ele não tem ajuda de ninguém. Às vezes o banco ajuda por pouco tempo. E “às vez” o camarada não dá nem conta do que tirou e aí o problema é sério pra ele e pro banco também, quer receber e ele não tem como pagar. Fica esse problema, porque se ele tira um hectare a essa razão de R$ 3.000,00 por hectare não dá pra ele fazer, a mão de obra é muito custosa. Fica encontrando dificuldade...
P/1_ Agora, eu queria só um pouquinho, antes de a gente chegar efetivamente ao guaraná, contar um pouquinho ainda da sua infância, da sua juventude, contar mesmo toda a sua vida. Ainda na infância, que o senhor brincava, de que o senhor brincava? Qual era o tipo de brincadeira?
R_ É até pouco tinha brincadeira, porque no interior não tem que não seja a bola, né? Era só a bola mesmo, e mais era a pescaria. Criança do interior você pode, menino de 9 anos, 12 anos, o que ele sabe muito bem é pescar, porque não tem outra coisa. Os vizinhos ás vezes “mora difícil”, longe. Não tem como a pessoa chegar lá pra ele trazer o outro pra brincar com a gente, brinca só, a gente sempre brincava só. Só era eu, os vizinhos era distante, não tinha ninguém pra brincar. Só dia de domingo, depois de 10 anos, 11 anos, que eu comecei a bater bola, saía aos domingos para ir pras comunidades, duas horas de canoa remando, não tinha motor né, para poder bater uma bola lá onde tinha um campo. O resto das brincadeiras era pescar.
P/1_ A sua casa era no interior?
R_ Era no interior. Eu me criei no interior. Eu vim pra cidade já com 14 anos, não, 16 anos...
P/1_ E como que era essa casa?
R_ A casa era até boa, assim. Era taipa. A taipa é aquele barro, barrinho. Era feita de, era coberta de palha, mas era cercada de taipa. Tinha a cozinha da onde trabalhava na agricultura, tinha o barracão onde trabalhava no guaraná, que o meu pai tinha sete guaranazais, ele colhia assim, uma base de hoje, 3 toneladas de guaraná. Porque naquela altura dava muito guaraná, dava muito. Num hectare de guaraná você trabalhar colhia seiscentos quilos, quatrocentos quando não dava. E hoje, um hectare de guaraná quando dá 100 quilos, 120, é muito. Não sei por que diminuiu? As técnicas aumentaram, tem muitos “agrônomo” que trabalha aí e não entende. Naquele tempo não, era só plantar e “Deus dará”. Deus dá a terra pra viver.
P/2_ E antes de plantar, o senhor plantar o guaraná, o senhor teve outra atividade?
R_ Mandioca. A mandioca. A gente plantava a mandioca no terreiro. Era a outra que a gente colhia assim, outra agricultura. Era o guaraná e a mandioca, só isso.
P/1_ Mas isso aí ainda era com seus pais?
R_ Isso era com meus pais.
P/1_ Quando o senhor começou pra si mesmo?
R_ Eu comecei a ajudar ele. Na idade de 9 anos perdi a minha mãe e comecei a ajudar ele, né? Trabalhar até os 16 anos, que eu construí família e eu tinha que trabalhar pra família. Mas eu sempre ajudava meus pais, até no final. Começou com muito sacrifício, o guaraná ficou, a gente foi pro mato, ficou só na roça. No tempo que ele se aposentou, já vivia aposentado, vivia do trabalho, da pesca, trabalhando assim arroz com o pessoal, ganhando diária. Depois eu fui pra Embrapa, pra Samasa, pro Fomento, naquelas alturas era o Fomento. Trabalhei nove anos no Fomento junto com o doutor Vitor. Inclusive a gente tem que falar sempre do guaraná nessas histórias porque sempre ele está no meio, tipo a Coca-Cola, sempre está no meio, né? Na época que eu trabalhei, tinha 14, 16 anos, parece, 17 anos, trabalhava no Fomento, o Fomento, sempre assim, no meio tinha o trabalho com guaraná, inclusive o doutor Vitor foi o fundador da, do clonado aqui, que hoje é clonado, naquele tempo chamava “estaca”. Nós plantamos a primeira estaca no jacá, naquelas, que não era sacola, era umas tabuinhas enroladas, um laminado de madeira, a gente foi a primeira experiência. com ele. Dia 24 de junho de 1963. 63, primeira clonada, o clonado é o que tem mais produção. Naquele tempo era só tirar a filetada do mato assim, eles sabiam quantos ramos tinha caído lá, mas dava que nem fruta dava até fruta... A vida de Maués foi o guaraná, a vida de Maués foi o guaraná, tinha pilação assim, bem umas sete pilação de guaraná. Pro Rosa, trabalhei muito pro Rosa, quando eu tinha 18 anos. 22 anos eu fui pro Exército. Em 64, que houve aquela Revolução, me pegaram lá. Manaus, aí eu tenho que ficar. Fiquei dezoito meses.
P/1_ Explique pra gente como é que foi isso. Como assim “pegaram” o senhor?
R_ Olha, eu morava numa casa, tinha um filho daqui de Maués que, era Renato o nome dele, Salum, ele me conhecia e quando naquela altura que pegaram o pessoal, teve algumas pessoas que denunciaram Maués que tinha comunista aqui, né? Era um delegado que tinha, chamado Lauro Campos, muita gente. Em Maués, em Maués as pessoas assim, as pessoas de classe mais alta, foi escalado pra lá, né? E esse rapaz me conhecia e sabia que eu conhecia e pegou lá, “porque eu vou te buscar lá. Vou falar com o tenente”, “Que tenente?” “Lá no quartel.” Aqui na General Osório. E aí foi, fui lá e ele me perguntou, o tenente sentou e me perguntou que eu tinha que falar umas coisas com ele porque se eu devia estar sabendo se não fosse a experiência do povo, o Brasil hoje seria a parte comunista. Quem sabe que estava acontecendo tanto sangue derramado pelas ruas, porque você não ia ver sua filha, não-sei-que... é, agarrado à sua família, não era costume “Muito bem. Quero que você me informe aí as pessoas que são comunistas lá, né?” Eu disse: “Tenente, eu não sei nem o que é isso. Porque eu trabalho num serviço, eu saio 5 horas pro meu trabalho e chego 6 horas da tarde, vou procurar outro rumo pra trabalhar, sustentar minha família. Então, não sei nem o que é isso. Nem sei quem é as pessoas.” “Tem certeza?” digo, “Tenho certeza.” “Tá bom, então você está liberado”. Passou dois dias, de novo, ele lá. Rapaz, ele mandou me buscar de novo. Aí eu fui. Cheguei lá, ele disse: “Olha, você é de Maués, filho de Maués. Você está intimado a servir junto com a gente, porque qualquer coisa você vai lá e sabe quem são as pessoas que a gente precisa...” Aí, eu falei: “Tá bom.” Não podia sair. Aí fiquei, mas não aconteceu de eu vir aqui. A única que pegaram foi o Seu Lauro, que pegaram lá. Mas ele não era, porque em pouco tempo ele saiu, né? Prenderam ele só.
P/1_ Qual era o nome dele?
R_ Lauro Campos.
P/1_ Lauro Campos?
R_ Ele era delegado aqui. Inclusive quando foi, ele era delegado da Fazenda. Quando foi daqui, foi com um motor, naquele tempo era difícil, pegou um motor particular e foi. Lá numa comunidade tinha um guaraná como contrabando, eles pegaram. E quem tava carregando esse guaraná para embarcar fui eu. Aí, eu não tinha nada que ver, eu era mandado do dono do barco. Eu, quando tava no Exército, que eu estava sentado assim, às vezes entrava lá, algemado, tocado lá pelos soldados, dois sargentos. Aí eu, quando ele entrou assim, também não procurei saber o que aconteceu com ele. Depois de uns três meses eu vinha no ônibus pra onde eu morava, bateu assim nas costas e era ele. “Oi rapaz, tudo bem?” Contou a história, o que tinha acontecido. Eu também contei. Eu ainda estava no Exército. Aí pronto, fiquei lá até dezoito meses e dei baixa. Passei pra cabo, fiz um curso pra ser cabo, nem curso, era instrução que falava. Passei pra cabo. E depois eu tinha minha família aqui, eu tava tanto tempo longe, perguntou pra mim se eu queria seguir carreira. Não, eu queria dar baixa para poder vir embora. Passei cinco, três meses de cabo e vim embora. Aí vim, lá foi que eu comecei a trabalhar .... inclusive me casei. Inclusive fui viúvo dessa mulher, que tá com quinze dias que morreu, essa mulher que era a minha mulher mesmo, né? Tava casado com ela, tá com quinze dias que morreu.
P/1_ Essa, que o senhor está falando, é a sua primeira mulher. É isso?
R_ Minha primeira mulher. Que era casado com ela. Católico e civil. Tá com quinze dias que faleceu.
P/1_ Então, aí o senhor casou, o senhor saiu do Exército...
R_ Eu saí do Exército, casei, fui trabalhar na Embrapa
P/1_ Aí o senhor foi trabalhar na Embrapa?
R_ Na Embrapa, que era Fomento naquele tempo...
P/1_ Foi trabalhar com o “seu” Vitor?
R_ Trabalhava junto com o “seu” Vitor.
P/1_ E já tinha as suas plantações de guaraná?
R_ Não. Eu tinha ainda com meu pai junto, meu pai que tinha, nessas alturas era o meu pai que tinha, né?
P/1_ E porque o senhor resolveu, o senhor mesmo, plantar guaraná?
R_ Porque depois que eu saí da Embrapa, saí lá da Embrapa, eu fui trabalhar na Ambev, que agora é Ambev. Naquele tempo era Samasa. Trabalhei 12 anos de matador de área assim pra plantio. Trabalhava como empreiteiro. Depois eu vim, quando terminei de plantar, derruba da área, eu resolvi fazer um pra mim também, 7 hectares. E aí eu fiz. Plantei, só que hoje eu não tenho mais essa área, já tenho outra, vendi, tenho outra área, pequena, pouca produção, mas tá bom. Eu tenho um pecuarista, pequeno pecuarista, e até o pessoal parente que tem, e eu, não deu certo a vida da gente e me dei bem com outra mulher. E teve três filhos, inclusive um que trabalha na Prefeitura, que é Secretário de Finanças, parece. Jacques Monteiro Martins. Conhece? Já viu?
P/1_ Não, ainda não conheci.
R_ Ele trabalha lá. Aí, num deu certo a vida da gente. Quando não dá não tem o que discutir, né? E me mudei e estou com essa aqui agora. Me mudei e estamos há 17 anos. Ela me disse uma vez, ela disse pra mim, “olha, vai viver, ficar....” É, a gente tem aquele gosto, aquela vontade de fazer o que ainda tinha antes quando era novo. E quando você é novo, eu acho que você perde muitas coisas. Porque eu devia ter mais as coisas se eu começasse a pensar mais novo. Um guaranazal grande, bem bacana, bonito, que área tinha bastante. Agora é difícil você achar uma área pra trabalhar. Naquele tempo tinha muita área bonita. Não pensava, pensava na, “o que ganhar já está”. Porque o rapaz quando é mais novo... E agora tem gente de certa idade, conheço um rapaz que tem lá um terreno lá, não quer nada com a vida. Eu sempre pensei ter alguma coisa. Já comprei, possui 7 carros, já vendi, é aquela história. Hoje estou concentrado, mas também a idade já está espiando pra gente. Esse é que é o negócio.
P/2_ Deixa eu perguntar, seu Expedito, hoje o senhor vende guaraná como? Em semente, pó?
R_ Não, eu vendo mais beneficiado.
P/2_ Como que é?
R_ O bastão, faço o bastão pra vender. O pó, faço o pó. É mais o bastão, o pó tem pouco, porque o pó, tem muita gente que vende o pó e às vezes a gente não gosta de se meter muito no negócio dos outros. Cada vez que um camarada tá com um negócio, eu prefiro deixar pra ele. O bastão, porque tem pouca gente que faz o bastão. Que é o Tavinho, eu, o Pedro Dias, que é um irmão de criação, e o pessoal, o pessoal indígena que faz o bastão, ali do outro lado o senhor Neves. A maior parte não faz. Também até eles acham dificultoso pra vender. Porque se você não tiver um contato com o pessoal de Cuiabá ou daqui mesmo que seja bom você vai trabalhar assim, quase louco, porque não tem pra quem vender. Ontem mesmo tinha um rapaz oferecendo aí na rua 20 quilos. Ninguém quis comprar dele, principalmente porque o guaraná estava verde esse, você comprar verde é perigoso você perder, porque é botar no fogo ele parte. Aí é perigoso. O pessoal “não quero, não”.
P/1_ Financeiramente é mais vantajoso o senhor vender em bastão?
R_ É, tem mais um lucrinho porque a gente tem esse negócio de 0,3%.
P/1_ O senhor poderia dar assim a idéia de proporção, de se vender em semente dá tanto, se vender em bastão dá tanto...
R_ É porque hoje, por exemplo, o pessoal está dizendo que a semente dá R$ 10,00. Você vende a R$ 10,00, se você vender pilado, por exemplo, a R$ 17,00 você ganha assim R$ 1,70 por quilo. Se você vender em pó a R$ 20,00, você ganha R$ 2,80 por quilo. E se vender, por exemplo, em caroço, você perde essas quantidades. Quer dizer, hoje em dia qualquer coisa dentro do bolso é dinheiro. Qualquer numerozinho é bom pra entrar. Eu até que gosto dele, mas é meio trabalhoso com ele
P/2_ O bastão que o senhor faz, é só com o guaraná da sua produção ou o senhor compra de outros?
R_ Não, eu compro, eu compro. Eu compro pra, eu tenho só um pouquinho, eu tenho só tenho 170 pés. Eu vendi o maior, fiquei só com uns pedacinhos, porque eu pensei mais na pecuária, não é? Porque a pecuária é um dinheiro assim que você trabalha com ele e no dia que você perrear, você pega o boi, vai vender e você pegou dinheiro. É pouco, mas já pegou. E a tal da perreia. Mesmo que a roça, roça é um produto que você não tem lucro pra venda, mas se você pegar dois, três sacos de farinha pra vender.
P/1_ Por que as pessoas que produzem, elas mesmas não beneficiam, elas preferem vender pro senhor?
R_ Talvez eles não tenham assim, vamos dizer, experiência. Tem produtor, chefe, que tira uma tonelada de guaraná, mas se ele for pilar ele estraga tudinho. Ele não sabe. Não tem base, ele não tem base, você precisa conhecer o material quando está bom de enrolar, quando está bom de pilar. Porque o guaraná clonado ele não é próprio pra pilar não. Ele não pega o que nós chamamos liga. Ele não faz elástico. Porque o guaraná para ele ser bom ele tem que, elástico. Aí ele é bom. Mas se você puxar, ele não está bom, ele vai empocar. Ele vai empocar, esse é que é o problema.
P/2_ Então o senhor identifica desse jeito o guaraná que é bom?
R_ É.
P/2_ Mas o senhor compra na semente, como é que o senhor identifica na semente?
R_ Olha, a gente amassa, descasca, se tiver soltando bem a casca, ele é branquinho assim meio, não é moreno dentro da casquinha. Então, você, aquele é bom. Agora, pra você saber que vai pegar bem liga, aí é que tá o negócio, você só vai saber quando for pilar. Por exemplo, eu comprei um saco que era clonado e não pegou liga. Teve que fazer pó. Bonito o guaraná, mas não faz. Nós temos aqui vários municípios, por exemplo, como ali, Urucará, está produzindo muito guaraná, mas o guaraná de lá não pega liga. Parintins não pega liga. Fora daqui de Maués, numa distancia assim maior, já não pega liga.
P/1 Por que o guaraná clonado não dá liga?
R_ Eu acho que é devido muito ao adubo que eles põem. Não é o clonado, é o adubo. Porque tem clonado aí, que nunca levou adubo, que pega liga. Não tem aquela banana clonada, que tão, porque existe uma diferença de três vezes você planta ela quando foi clonada, você tem um paladar, se você plantar a segunda vez, tirando a muda dela, a terceira vez ela já é normal. Ela já não tem mais aquela, aquele paladar que tem a primeira, modifica. Eu acho que assim no guaraná, porque eu acho que seja o adubo, pode ser guaraná adulto, clonado, eu não sei, mas se levou adubo, porque eu adubei uns pés meus aí e não pegou liga, não pega liga. Até prefiro tirar, é bonito o guaraná,branquinho, bem gostoso. Eu acho que o adubo é muito forte, porque joga muito, ou muita cafeína ou tira a cafeína, o guaraná de Maués tem 5.5 de cafeína, e de outras parte têm 2,5, 3, 1,5, conforme a distância. Acho que esse adubo tira, porque na época que eu trabalhava com o doutor Flaviano, que era Amazônia Indústria de Guaraná, que eu comprava pra ele aqui 100, 200 toneladas por safra, eu comprava pra ele, ele fazia análise, mas não existia esse guaraná clonado. Existia guaraná de outros municípios, que vinha e ele sabia, porque fazia análise, aprovava, né? Aí, Barreirinha, outros municípios fora daqui, né? Agora, daqui não, é 5.5 e pega uma liga boa. Um guaraná cheiroso, você sente, você conhece o guaraná de Maués só pelo cheiro assim, um guaraná cheiroso, gostoso. Acho que tem algum problema aí, acho que pra mim que é a cafeína que é mais.
P/1_ E quando o guaraná não dá liga pra fazer o bastão, quando o senhor soube que não dá liga assim, pra quem nunca viu, vai?
R_ Pela,pela, pela, pela 20 minutos, você puxa tá bonito, se não tem, se em 20 minutos e lê não liga, não tem liga.
P/2_ E não tem uma coisa das rachaduras, também? De uns bastões que ficam com rachaduras?
R_ Aí é que está o problema. Se ele não espicha, não liga, ele só, arrebentando tipo, vamos dizer assim, uma farinha molhada, ela não liga, ela quebra. Se ela está assim, ela arriscou de empocar porque ele não tem a união dentro, você une aquilo está tudo assim, como dizer, quase separado, então o ar, até na fabricação, por exemplo, você tem o padeiro que não tem experiência ele empoca. Você tem que amassar, amassar, amassar, até tirar o ar dentro da massa pra você fazer exaustão. Se você amassar e embolar, ele fica com ar dentro e na hora que esquenta, o ar quer sair e ele vai,vai,e aí pá.
P/1_ E aí, quando ele tem a rachadura, também dá problema de mofo. Não é isso?
R_ É, quando tem a racha..., é difícil você vender quando está rachado, pois se você vende por exemplo, o pessoal cobram 20 aí, né? E você cobra 20, o rachado você vende por 8, por 10. Quer dizer, você compra o guaraná por 10, tem a mão de obra, que paga R$ 2,00 por quilo, vai vender por R$ 10,00, tem prejuízo né? É melhor você não fazer. Por isso que o pessoal não faz, porque eles não têm experiência. Tem muita gente que não sabe nem como é que pila, e é produtor. É só pessoas que conhecem. Eu, eu pilei, o ano passado eu tive um prejuízo danado, porque empocou muito, eu deixei lá por conta de um rapaz que chegou lá, disse que sabia e quando fui ver, não sabia nada. Esse ano eu parei porque eu vi que o rapaz não tava muito bom, eu parei. Eu tenho um pouco de guaraná lá pra pilar mas acho que não vou pilar mais não, vou vender em pó. Arrumei um negócio de pozinho aí pra vender toda semana, quer dizer, é melhor fazer isso, que você não tem despesa, não tem trabalho, do que vender, você querer fazer bastão e ter prejuízo mais tarde.
P/2_ Conta pra gente como é que, quais são os passos pra você ter um bom guaraná? O que é que você precisa fazer para ter um guaraná de qualidade?
R_ Você tem que fazer uma catação, que nós chamamos, tirar a segunda, que é um pretinho, tirar todo o segundo fora, deixar só mesmo o primeira que é aquele branquinho. Aí você faz uma produção boa. Mas você misturar tudo, principalmente aquela casquinha, você tem que tirar bem aquela casquinha. Que aquilo parece cabelo, não apodrece aquilo. Não apodrece, fica seguro aí. Aqui, nessas “baixa” aí, tem muito guaraná ficava assim com 2, 3 metros de fundura e você acha. Você acha casquinha de guaraná lá no fundo, não apodrece não. Apodrece as cascas, mas aquela casquinha é perigoso. Então, você tem que catar bem pra fazer um produto bom, não é? Se você não tiver um produto bom, também você não tem venda. O ano passado eu tive prejuízo porque o camarada fez um serviço péssimo pra mim.
P/2_ Mas eu digo assim, pra quem planta, desde a plantação, como é que a pessoa tem a garantia que vai ter um guaraná de qualidade? O que tem que fazer para ele colher um guaraná de qualidade?
R_ Olha, primeiro negócio tem que apanhar o guaraná quando ele está bem aberto. Se você apanhar verde, é risco ele dar pretinho. Porque ele seca e dá pretinho. Mas se você apanhar ele bem aberto, quando abre a, aí você vai colher e não deixar demorar. Porque você traz e vai guardar num lugar , num canto, numa sala, assim. A vão beneficiar, porque se você deixar, por exemplo, cinco dias, ele preteja, fica pretinho, tanto fica pretinho a casca como fica pretinho lá dentro. Aí você vai beneficiar e sai um produto ruim. Por que o guaraná do índio é um produto que tem valor e é bem tratado, porque ele vai lá no campo e ele apanha o que está aberto, Porque ele dá aquela penca, que nós chamamos, os cachos. E aí se tiver, no cacho, por exemplo, se tiver 50 sementes e só tiver 10 abertas ele só tira as 10 que tá lá, o resto fica lá, pro outro dia estar aberto e ele tira no outro dia. Ele não tira fechado. Ele chega em casa e já vai torrar. Se ele chegar ao meio-dia, se ele chegar às seis horas da tarde, já vai torrar, numa hora dessa ele tá torrando aquilo lá e vai sair um guaraná branquinho e bonito, não tem como. Ele não pisa, porque se você pisar no guaraná no que amassa a semente ela já estoura lá dentro e se você deixar pra torrar amanhã, ele já avermelha. Tem um leite lá dentro, dele, vermelho, aí no outro dia já sai um guaraná vermelho. Mas se você, primeiro que pisa, mas se pisar levar o guaraná no forno, ele sai um guaraná branquinho, bonito, porque não dá tempo dele avermelhar. É como você passa na sua roupa uma casca, passa umas horas e você vê que está vermelho. Se você passar e tirar logo, ele sai, mas se você deixar umas horas, não sai mais não. Aquele vermelho também fica e não sai mais não. E o guaraná ele é um, basta dizer que ele é, o pessoal fala aí que ele tem uma parte indígena, né? Foi criado pelos índios, não sei. Uns dizem lá que morreu uma mulher, enterraram, nasceu um cabelo, uma árvore, dos olhos o guaraná, dos olhos já nasceu o guaraná. É uma lenda. Mas, foi criado por eles, foi. Talvez eles fizeram experiência, se foi bom, aprovou e os civilizados veio foi levando e... O estado que consome mais guaraná no Brasil chama-se Cuiabá, Mato Grosso, Cuiabá. Se todos os estados consumissem guaraná como eles consomem não tinha guaraná que desse. Era uma briga. Talvez nós estivesse vendendo aqui o bastão por R$ 30,00, R$ 40,00, porque lá pra eles é R$30,00, R$ 40,00 que eles vendem, né? Porque um bastãozinho daquele é R$ 5,00, lá. São 10”bastão”, são R$ 50,00. Então, nós, aqui é que vendemos barato, dessa maneira porque não tem como consumir tanto, mas se outra cidade consumisse, iria falar que não tinha guaraná que agüentasse, que desse. Tinha a Bahia que plantou quantidade, Alta Floresta, tinha muito guaraná que foi daqui para plantar. Os primeiros homens que trabalhavam aqui em guaraná, que tinham pilação, eles não vendiam guaraná, semente crua, para fora. Camarada vinha comprar 30, 20 quilos de semente crua, eles dizia “rapaz, vem buscar amanhã que eu te vende”. Eles mandavam ferver a semente e vendiam pro cara. Plantava lá e não brotava. Então, eles diziam: “Ah, guaraná não brota. Só brota em Maués”. Eles faziam isso. Já os filhos deles não, com vontade da grana. “Vende a tonelada. Não tô nem aí.”. Hoje, ó, querem que o preço seja bom, mas não tem como, em toda paragem tem guaraná. Tem na Bahia, tem em Alta Floresta, Cuiabá mesmo já tem...
P/1_ Eu queria que o senhor contasse pra gente, o senhor é um especialista em, um mestre em fazer o bastão de guaraná, queria que o senhor contasse pra gente como que faz o bastão de guaraná?
R_ Nós temos assim de tudo jeito. Por exemplo, se você vai fazer do índio, meio quilo, você pega um quilo, dá pro pilador, pila e quando tiver no ponto você tira e divide, né? E amassa, amassa vai fazendo assim, uns bastões assim de 30 centímetros, 20 centímetros, de 250 sempre dá 20 centímetros, ... e os pequenos, me falaram que o seu Neves tem aí uns guaraná de 125 gramas, ele divide um quilo por oito, dá 125, Se você quiser fazer de 100 gramas, dá 10, como eu faço de 100 gramas, dá 10. Divide. Faz uma tara na balança que dê 10 porque aí você põe um quilo seco pro pilador, mas só que ele põe ¼ de água em cada quilo, ¼ de água já pesa um pouco. Então, aí você tem uma tara, nós chamamos de tara, um peso que divide em 10, depois de 5, porque aquela água vai saindo, saindo até ficar num quilo certo.
P/1_ E aí, você não tem que por pra defumar , esse pão...
R_ Aí você pega o guaraná, depois de estar ali na mesa, algumas horas pilado, vai pro “muquiador”, nós chamamos, muquiador é um girau, uma ripinha lá, ele põe assim o fogo mais ou menos nuns 70º e aí ele fica ali sempre mexendo, pra lá, pra lá. Leva duas horas, três horas aquele fogo ali, né? Então, o guaraná vai secando aos poucos. Também não é um fogo muito, não pode passar disso, tem que ser controlado ali. Controle, tem gente também, tanto o pilador como quem recebe pra cortar, como quem vai muquiar, nós chamamos muquiar, o muquiador que é o mais importante. Porque se ele tiver uma base na própria mão ele já controla o fogo, ele sabe que se tiver muito ardido ta muito alto, ele já tem que tirar. Aí, porque se o guaraná for velho ele tem que por no fogo lento, se for novo, num fogo melhor. Então, é isso que acontece. De lá você deixa esfriar, que ele fica mole, fica mole, mole, mesmo. Depois que sai do pilão ele fica um pouquinho durinho, ainda, depois que vai pro fogo ele amolece de novo. Aí põe pro lado, ele torna a endurecer. Aí você carrega em cima. Nós chamamos cumbeiro, uma casinha assim, com umas prateleiras tipo assim, a gente coloca esse e faz um grandão em cima e coloca em cima. Aí tem um fogo mais lento já, um fogo bem calminho, só aquela brasa, aquela brasa ali, aquela quentura assim, vamos dizer assim uns 20º, 30º de quentura. Se você atear também ele lá, já racha. Tem que ser ali, lento, até 20 dias, 30 dias. Tem gente que vende até por um pouco menos, mas o melhor é 20 dias, que fica bem torradinho.
P/1_ Isso é o processo completo?
R_ O processo. Em 20 dias tá pronto. Aí pode usar, passa até 2 anos até, tando bem sequinho passa dois anos se você... E é melhor você tomar ele com bastão, ralar na língua do peixe, pirarucu, um peixe que tem aqui, tem uma língua dura que o pessoal rala o guaraná. Por mais dura que seja, mas rompe. Aí, você, se você fazer pó é pouco tempo, pouco tempo, aí joga o paladar fora. Porque pó é pó.
P/1_ O senhor ainda participa da colheita?
R_ Ainda.
P/1_ E como é que é um dia típico seu no dia da colheita?
R_ Passa um dia, três dias, dois. Quando o guaranazal é grande, você não finda não. Quando começa só acaba de colher no dia quando acaba o guaraná. Porque você vai colhendo, quando você chega no fim, volta pra traz que o guaraná tá no ponto de novo. E aí volta de novo, às vez não chega nem no meio, já tá aberto pra traz. E abre rápido.
P/1_ Por que eles não abrem juntos? É isso?
R_ Não, não. No tempo eles nunca abrem junto. O café, por exemplo, tem café A tem café lá, tira naquele estado, ele costuma amarelar de uma vez só, já o guaraná não. Ele amarela, mas para abrir, se tiver, por exemplo, 40 cachos numa árvore, abre cinco hoje, passa outros cinco abre de novo, e assim vai. Nunca abre de uma vez só, muito difícil. Tem árvore de guaranazal que abre de uma vez só, quando tá bem bonita é só uma colheita que você faz, acaba tudo. Mas tem outros que é um aqui, depois, quando não aquela árvore está aberta, essa aqui não está, aquela são poucos, aquela não tem nada, e assim vai. Eu sei que não termina só de uma vez não. Passa mais ou menos um mês nessa luta.
P/1_ O senhor, particularmente, fica um mês na colheita? É isso?
R_ Um mês na colheita. Porque o meu é pequeno, não é? Não tem como demorar. Mas um rapaz lá todo dia ele tá apanhando, um pouquinho pra jarra, hoje ele trouxe aquele pouco lá que você viu.
P/1_ Bem, o senhor trabalhou 12 anos na fazenda Santa Helena?
R_ Foi.
P/1_ O senhor poderia contar um pouco como foi essa experiência?
R_ Trabalhei lá, eu fui trabalhar como empreiteiro de abertura de campo, não é? Do campo para o trabalho. Terminei, depois eu passei a trabalhar como empreiteiro da área. Depois eu fui trabalhar como funcionário, tomar conta de turma assim, tomar conta de umas sessenta pessoas, mais ou menos. Ganhava carteira assinada mas com produção. Trabalhava com produção, ganhava produção. Uma época até que naquela época era bom a gente trabalhar lá, a gente trabalhava, mas também ganhava um dinheirinho, né? Aonde a gente ganhou um dinheirinho foi nessa época. Depois foi, foi, foi, quando eu fui vereador, eu não podia mais dar manutenção lá e saí. Aí, eu saí e fui pra Prefeitura. Fui vereador, secretário de obras, três anos, de lá eu sai, de novo, aí eu fui Presidente Figueiredo, daí tornei voltar, foi o tempo que o prefeito Sidnei mandou me chamar pra gente trabalhar na campanha. Trabalhamos”, ele ganhou e aí ele me chamou pra Obra, eu fui lá. Até hoje eu estou.
P/2_ O senhor trabalhou lá na Samasa com o Kyoshi Okawa, não é isso? O senhor trabalhou com o Kyoshi Okawa, o agrônomo?
R_ Doutor Okawa?
P/2_ Isso.
R_ É.
P/2_ O senhor pode contar como foi essa experiência de trabalhar com ele?
R_ Olha, o doutor Okawa era um agrônomo muito, que ele trabalhou também na Embrapa, né? Trabalhei com ele também na época que ele trabalhava na Embrapa, né? Ele era um agrônomo, não tinha como falar nada, né? Porque nós trabalhava na parte de adubação, com adubo, plantio, a gente fazia plantio. Ele já tinha uma experiência, como eu trabalhei na Embrapa, ele já confiava como fazer. E junto com doutor Vitor, que a gente trabalhou junto, a gente trabalhou bem. Depois na limpeza, confiava, sabia que se dava conta, trabalhei todo esse tempo lá. Trabalhei 12 anos agora era... comecei como empreiteiro, depois fui funcionário, aí quando eu fui vereador, que eu saí e eu não voltei mais. Aí mudou muita coisa, mudou muita coisa. Tinha que ter firma, eu não tinha mais firma, também não cheguei mais a pegar a oportunidade de ir lá porque o próprio governo me deixava. “Não, não, fica com a gente aí” E ficava lá, na cidade.
P/1_ Nesse tempo todo que o senhor ficou por lá, o senhor viu avanços na forma de plantar o guaraná? Do que eles faziam lá na fazenda Santa Helena?
R_ Olha, porque naquela época a gente plantava o guaraná como semente, semeava a semente pra fazer a muda. Depois que eu saí foi que eles fizeram clonado, depois que eu saí de lá. Hoje, nunca mais eu fui lá, eu tenho muito tempo que eu não fui, fui no ano retrasado lá pra levar uma máquina, pra fazer um trabalho lá, abrir um viveiro pra eles, tive que acompanhar e eles trabalhavam com clonado. Eles me disseram que o que estavam valendo, a situação maior era o clonado, que tá dando melhor. Aí é o que eu lhe digo, não sei porque, antes, quando os meus pais trabalhavam, qualquer guaranazalzinho dava seiscentos, quatrocentos quilos, hoje em dia precisa de seiscentos e tantos hectares, alguma coisa assim, trezentos, nem mais sei quantos hectares tem porque aumentaram muito. Diz que colhe 35 toneladas, 30... Pouca produção pra muita área. E não é só ela não, é todo mundo que planta guaraná está abandonando o guaraná porque não está dando mais. Você sabe que nesse ano num deu, acho que num deu 150 toneladas até agora. Daqui da produção de Maués, porque muito é abandonado. Além de abandonado, o guaraná não tá dando, não deu, às vezes não dá. Porque a pessoa tem 5 hectares e colhe 500 quilos. Não tem como. Não tem como limpar, não tem como tratar, beneficiar o guaranazal.
P/2_ Da outra vez o senhor contou pra mim que participou de uma reunião na Bahia, na década de 60 ...
R_ Foi...
P/2_ Eles estavam discutindo como implantar o guaraná...
R_ Em 64, eles, eu fui com esse que era meu patrão, doutor Flaviano Guimarães, eu fui daqui de Maués pra lá, ele me... “Rapaz, tu vai pra Bahia comigo”. “Doutor, estou desprevenido. “Não, tu vai.” E lá foi. Nós fomos participar de um evento de guaraná, 270 quilômetros de Bahia pro mato. Era um japonês e a Brahma, eles não tinham experiência, não tinham como plantar o guaraná, mas tavam plantando, tavam fazendo as sementes. E teve aquele papo, aquelas conversas, um monte de agrônomos e eu, 2.º ano primário, mas trouxeram da Embrapa e quando foi na hora H, todo mundo, era 22 agrônomos, japoneses, contava isso, contava aquilo, planta o guaraná na estaca, ela sobe, não-sei-que, põe um fio que ele vai agarrando com aquela garrinha como nós chamamos, ele tem tipo um negócio assim. Você vai agarrando, você corta 3 paus, vai agarrando e mais 3 e vai dando, ele vai dar tantas toneladas, num sei quantos quilos... Aí ele me apresentou como agrônomo do Amazonas. Aí, quando chegou minha vez, teve que pensar um pouco, falei que o guaraná, pra nós aqui no Amazonas, também não desclassifiquei ninguém, o guaraná do Amazonas era dessa maneira assim, assim era plantado. Até semente era colocada da onde tem aquela polpazinha, pro lado esquerdo, com a barriga pro nosso lado era mais fácil de brotar do que qualquer maneira.
P/2_ O Antonio Carlos Magalhães?
R_ Não sei o que Magalhães, que o filho dele morreu...
P/2_ Antonio Carlos Magalhães.
R_ O filho dele era senador e morreu. E ele era o governador na época e me deu o troféu. Mas eu falei, “olha aí”, os outros, agrônomos, vieram conversar se era aquilo. Estava falando aquilo como se tivesse aqui agora conversando, sem saber se estava pegando alguma prática. Acho que pegaram, porque plantaram guaraná na Bahia, ficou bacana, até cortaram, diz que pessoal muito já cortou...
P/1_ Mas, nessa época que o senhor foi já havia produção de guaraná?
R_ Não, eles estavam fazendo primeiro as mudas, estavam semeando as mudas. Até as mudas eu expliquei como era feita, adubo, adubada as mudas, as sacolinhas apropriadas para receber a terra, a semente, plantar no lugar definitivo, também, afofar bem a terra, por causa das formigas que gosta de cortar o brotinho quando vem saindo, são danadas pra cortar. Mas você sabe que essa vida é tão bacana, tão ligeira, e é tão prática pra trabalhar que eu fiz um plantio no ano passado e o camarada foi plantar com todas sacolas dentro. “E cadê as sacolas?” “Ah,tá lá” Fui lá pra ver e teve que desenterrar tudinho para rasgar as sacolas, aquilo apodrece, e a lona rompe também, a raiz. É como adubação, por exemplo. Se você não souber adubar o guaraná, você vai matar. Teve muito no interior aí que mataram hectares e hectares de guaraná, adubando sem saber, não é? Porque não teve uma técnica pra saber adubar, mata, muito adubo mata. Vamos dizer, cada hectare tinha assim quatro, cinco mil pés, morria mil, mil e quinhentos. Por quê? Porque as pessoas que ia plantar tinham, vamos dizer, 10 gramas em cada peça. Uma latinha com 10 gramas. Sessenta gramas que fosse, uma área tirada com metro de 5 centímetros, com cabo da enxada pra você semear aquilo, 30 alqueires nas costas doido pra acabar aquilo. Aonde caia aqueles bolões lá é como se você tivesse se perdido numa mata, ficasse 10 dias lá, e comesse feijão com mocotó. Você “tava” lascado. Mesma coisa a plantinha, essas plantinhas prum adubo. Muito bom o adubo, mas eu sou mais adubo orgânico. Eu gosto de adubo orgânico, preparo adubo orgânico.
P/1_ O senhor usa o adubo orgânico?
R_ Eu uso adubo orgânico.
P/1_ Como é o seu adubo orgânico?
R_ Eu planto, por exemplo, eu boto a terra preta, o capim, a casca de azedo, vamos dizer, banana ou qualquer fruta, estrume de boi e sempre misturando a terra, de forma que fica uma química que, quase igual ao adubo químico, não é? Qualquer planta dá. Qualquer planta dá. Qualquer planta dá porque elas vão comer aquilo que tem lá, que nós chamamos de microbianos. O que ela se alimenta. Eu prefiro adubo orgânico do que o químico. Químico, quer dizer, é bom. O Ribamar tem um guaranazal muito frutífero com adubo químico. Agora, eu, por exemplo, se eu fizer com adubo orgânico, eu sei como fazer. Um monte de terra lá ao redor da planta não vai sentir, mas se eu não souber, eu vou usar a química e eu vou matar a planta que tá lá. Quer dizer, eu não sei fazer, não sei quanto é, quer dizer eu sei fazer mas não sei falar pro povo que não sabe. Muita gente que não sabe e mata a plantinha com adubo químico, e eu tenho medo dela por isso.
P/1_ O senhor também disse pra mim que morou em Roraima pra tentar implantar o guaraná lá?
R_ Roraima? Não, Presidente Figueiredo.
P/1_ Onde fica?
R_ É quase pra lá pra Roraima mesmo. Fica aí na estrada de Manaus, quilômetro 107. De lá pra Roraima é bem perto.
P/1_ Mas ainda é Amazonas? Não é isso?
R_ É Amazonas.
P/1_ E como foi essa experiência?
R_ Olha, eles estavam fazendo plantio como a Samasa fez aqui, como a Ambev tem. O primeiro plantio eles fizeram lá, inclusive o Ribamar é o técnico de lá. Porque foram fazer uma “derruba” e as covas, na primeira. Aí foi o tempo que o Sidnei me chamou pra cá e eu abandonei tudo e vim. Como a gente é amigo, é filho da terra, irmão, como a gente se diz, não ia abandonar. Um chamado dele.
P/1_ Quem chamou? Desculpa.
R_ O Sidnei, que era prefeito naquela época. Eu preferi perder lá e vir pro lado dele.
P/1_ Então isso é recente?
R_ É.
P/1_ Que ano mais ou menos?
R_ Uns quatro anos atrás. Não, seis anos atrás.
P/1_ O senhor também trabalhou pra Brahma, comprando guaraná daqui?
R_ Esse Flaviano Guimarães.
P/1_ Como é que era essa história?
R_ Ele comprava pra Brahma. Comprava 100 toneladas, 200 toneladas por ano, por safra. Naquele tempo dava guaraná. Agora, se você fazer um contrato de 100 toneladas corre o risco de você não cumprir. Principalmente porque começou guaraná de R$ 7,00, hoje ele está R$ 10,00, se você for fazer um contrato pra R$ 7,00 você perde, não tem como.
P/1_ Mas como que era essa negociação? O senhor ia em cada produtor e negociava?
R_ Não, eu tinha uma abertura de uma lojinha ali, a porta aberta, naquele tempo. Hoje, você chega o motor aí o pessoal cai n’água 20, 20, 20, pra ganhar R$ 0,20 assim. O cara, você tem dinheiro pra comprar guaraná, ele cai n’água pra ganhar R$ 0,20, se ele comprar, se comprar 10 quilos num dia já ganhou um dinheirinho, se comprar 100 quilos ganha mais ainda, comprar uma tonelada são R$ 200,00 que ele cobra, mas é difícil. Naquele tempo, não. Você sentava numa mesa lá e o produtor vinha: “Compra guaraná?” “Compro”. “Quanto você dá?” “Tanto”. “Vou buscar.” Hoje não, você diz “quanto você dá no guaraná?” “Rapaz, te dou R$ 9,00.” Ah, pô, o cara tá dando R$ 10,00, o Barroso tá dando de R$ 10,00 ali.” Aí ele vem pra cá. Às vezes nem tá. É eles que querem mais preço. Tem aquele que chega lá no Barroso, “Rapaz, te dou R$ 10,00.” “Ah, não, vou ali, tão dando R$ 11,00.” E assim, preço , já é outro, eu comprava pro Flaviano, (...) o Tibiriça que comprava também e a gente comprava e dava guaraná, 600, 500... Sobrava. Nesse tempo aí tinha gente andando pra vender o guaraná e não tinha pra quem. E hoje você anda atrás dele pra comprar.
P/1_ O senhor ficou nessa coisa de ficar comprando o guaraná pra Brahma durante quanto tempo? Mais ou menos.
R_ Doze anos. Passei 12 anos comprando pro Flaviano, não era pra Brahma, pra mim o negócio era com o Flaviano. Quem começou a comprar aqui foi um senhor que até já morreu, seu Alcides. Trabalhava com ele, quando ele foi embora aí o dono, que era o Flaviano, veio e me contratou e fiquei trabalhando com ele. Depois fui lá,um bocado de tempo comprei o guaraná, era quase como um comprador todos os anos. Tinha até um apelido que chamavam nas rádios aí, faziam propaganda pros produtores, me chamavam de “bigode de ouro”. “Bigode de ouro” porque eu comprava guaraná de todo mundo. Eu comprava mais caro do que a Samasa, se a Samasa desse 12, eu dava 13 e aí eu comprava o guaraná. A Samasa não podia mexer porque tinha um contrato lá com eles que se era pra aquele preço, só depois de fazer reunião, pápápá. Eu não tinha reunião, era eu mesmo. “Quanto a Samasa deu?” Comprava de seu finado Lopes, Mario Lopes, do Mercado Lopes. Tinha uma cooperativa aqui que tinha muito guaraná, eu comprava dela. Cem, duzentas toneladas eu comprava por safra pra ele, Flaviano. Hoje em dia não tem nada mais. Acabou com tudo.
P/1_ E o que o senhor conhece aqui das histórias das plantações de Maués?
R_ Promoção?
P/1_ Não, das plantações. A história da cidade, de quem plantava, quem foram os primeiros a plantar, assim, fora os índios?
R_ Guaraná? Olha, isso aí eu não sei te explicar, porque quando eu me entendi já tinha vários produtores, e tinha muito mais do que agora. E tinha um rio aqui chamado Apocutaua que a maior produção de guaraná era de Apocutaua, e os melhores “produtor”, o melhor guaraná que tinha era de Apocutaua. Só de lá eles colhiam uma base assim de cem, duzentas, trezentas toneladas. Vinha barco lotado de guaraná só do produtor. Aqui, do outro lado, daqui pra cima tinha pouco, (...) era pouco, A maior produção era de lá. E aqui de Maués. A maior parte dessas cidades aqui era guaranazal. Tinha o guaranazal do seu Carlos Esteves, o guaranazal do seu Pedro Cardelli, tinha o guaranazal do pai do Sidnei, Raimundo Leite, do avô, do pai dele parece. Todo mundo, isso aqui era guaranazal pra traz. Era a primeira rua, a segunda e depois guaranazal.
P/1_ E quando que começou a mudar isso?
R_ Dessa época que eu estou dizendo que o prefeito era o Luís Canindé, com o Beto Marques. Aí começou a fazer as ruas, entrar no guaranazal. Olha, ali onde é, do lado do cemitério onde é a escola Padre Leão e aonde é aqueles postes lá, tudo aquilo era guaranazal. Tudo aquele cercado era guaranazal e mais pra lá. Tudo ali foi guaranazal frutífero. Lá onde é o estádio, depois do estádio, naquela beirada, um pouquinho, tudo era guaranazal. Lá pra outro, pra onde o bairro agora da... Ramalho Júnior, tudo era guaranazal, seu Ferdinando, ... tudo era guaranazal, muito difícil ter uma mata próxima que não fosse guaranazal, a mata que tinha era de vizinho com vizinho.
P/2_ Queria que o senhor contasse pra gente também um pouco da experiência que o senhor teve como vereador?
R_ Olha, não foi muito assim uma experiência boa porque foi só um ano. Mas fiz várias emendas, era projetos que foi colhido alguns projetos...
P/1_ O senhor ficou um ano só, o senhor falou?
R_ Só um ano só.
R_ Porque o vereador, se ele quiser ajudar o povo que votou pra ele, tem que gastar do bolso, não é? Como Secretário de Obras você ajuda naquilo que você tem na Secretaria pra ajudar. Não assim dar tudo que tem, mas dar uma ajuda pra eles...
P/2_ Por exemplo?
R_ O cara que precisa um saco de cimento, ele tendo na obra ele arruma. Morre uma pessoa, não tem quem faça uma, uma... catatumba pra ele, aí ele vai na Secretaria e o secretário tem como mandar fazer. Ele sendo vereador ele não tem como fazer. Nem pense nisso pra ele.
P/1_ E as pessoas costumar ir pedir mesmo?
R_ Muitos. Muito não, sempre as pessoas mais humildes, que não tem como, vão pedir. E sempre o prefeito manda ajudar, sempre o prefeito manda fazer tudo aquilo. Que eles merecem. A pessoa, morre o camarada e ele não tem nem onde cair morto, né? Quanto mais aonde ele possa que está vivo. É isso.
P/2_ E de que forma que o senhor consome o guaraná?
R_ Consumo?
P/2_ Isso.
R_ Olha, tomo ele assim em pó. Tomo três vezes por dia. Tem dias que o guaraná tira o sono, não sei, dá não. Porque eu tomo ele às 5 horas da manhã, tomo assim meio dia, depois do almoço, e tomo ele de tarde, 3 horas. Se eu tenho negócio de um sonho, se eu não tiver querendo dormir, a mulher já sabe, tempera uma dose e me dá. Se eu tiver com muito sono, tomo uma dose e fico mais atento. É assim. Não sei como é isso, não posso explicar o que é que ele tem, o que é que ele faz, porque pra mim é tudo aquele, pra mim é tudo que eu penso com ele assim, com ele e graças a Deus tem ajudado. O pessoal toma assim como um suco. Eu tomo, por exemplo, como um suco. Eu não senti, eu senti uma vez. Eu fui, no tempo que eu era vereador eu fui no Marau, inclusive com o prefeito e com o vice-prefeito, aí o pessoal lá e o índio tem o negócio de chamar a gente de branco e eu não entendia o que ele falava, ele trazia numa cuia assim “Ah, sapó” . Sapó é o guaraná, é o nome que eles têm. Aí, eu tomava, sem açúcar, gosto forte, que porre! Deu uma fome, uma fome, uma fome o negócio ali, “Prefeito, vamos embora que eu tô morrendo de fome”. Rapaz, aquela foi bacana! Foi a vez que eu senti do guaraná. Agora o pessoal sente, viu?
P/1_ Sente o que?
R_ Por exemplo, eu até hoje, te digo assim: eu tomo guaraná e me sinto bem na parte, ahn, vamos dizer assim, moral, né? Eu acredito que seja o guaraná, porque idade eu tenho já 64 anos.
P/1_ O que o senhor quer dizer “ficar bem, moral”?
R_ É. Então, uns tomam até pra diarréia. Um pouquinho de limão, um pouquinho de sal, guaraná, normaliza. Eu vou lhe falar um negócio, eu acho que eu já estou assim meio, como é que eu digo, assim, tá até no organismo, porque se eu não tomar, um dia que eu não tomo, eu sinto uma dor de cabeça, no outro dia fico assim, agoniado, aquela coisa, tenho que tomar o guaraná. E aí, pronto.
P/1_ Hum...
R_ Nós tínhamos um time aqui que era o Esporte Maués, tinha um amigo que conhece, o Jamico, e aí teve que jogar bola, mandava ralar, corria que só ele, até passar o efeito do guaraná. Ele dizia que dava uma agilidade pra ele danada. Eu acho que é.
P/2_ Explique como é que o senhor faz o guaraná, assim. Como se fosse uma receita?
R_ Uma colher de chá, num copo com água, açúcar ao gosto. Se quiser bem doce, se quiser pouquinho açúcar, mas é uma colher de chá com um copo com água. 100% natural.
P/1_ E fora essa coisa da diarréia, as pessoas tomam o guaraná pra outros tipos de doença?
R_ Olha, eu ainda não vi, mas a diarréia eu já vi. Outros tipos, assim pra dor de cabeça, foi lá, o pessoal tá indisposto. Tem indisposição, toma uma dose de guaraná e sente disposição. Isso aí acontece. Eu conheci um senhor, onde eu nasci, no interiorzinho aí atrás, um senhor chamado, moreno, chamado Francisco Simões de Oliveira, ele tomava guaraná cinco hora da manhã, trabalhava até meio-dia sem tomar nada, só guaraná, em jejum, e, sem açúcar, tomava em jejum também, sem açúcar. Nunca teve nada na vida, no dia que ele adoeceu foi pra morrer. Mas tinha noventa e tantos anos.
P/1_ E tomar guaraná, pode fazer mal?
R_ Pra uns faz. O médico até proíbe para algumas pessoas, porque ele ataca os nervos. Quando não está acostumado ele ataca os nervos, fica.... fica ruim. Tem algumas pessoas que se sentiu mal tomando guaraná. Não tem costume, toma muito grosso, você não pode tomar grosso. Se você nunca tomou, tem que tomar um tipo que você vê que não vai lhe fazer mal, né? Assim, como eu estou falando, uma colher de chá para um copo de guaraná, um copo de água, copo comum. Agora, se você for botar duas colheres, já exagerou. Ai você vai dar, se não tiver costume, vai dar qualquer problema.
P/1_ O senhor conhece algum caso de alguém que passou mal?
R_ Já. Inclusive uma menina que trabalhou lá em casa, nunca tinha tomado, foi tomar meio grosso, ela começou a varrer e quando chegou lá na frente foi ver estava no sofá, caída. Não sabia o que tinha, era o guaraná. Tem muitos que aconteceu alguns casos. A pessoa toma demasiado. A pessoa tomou grosso, sente qualquer coisa. Tem que tomar controlado, senão ele vai sentir qualquer coisa. Não tendo o costume, ele vai sentir. Ataca os nervos, ataca essas coisas. O médico até proíbe às vezes pra certas pessoas, porque ataca o coração, não sei o que. Acho que isso serve pra tudo, é por exagero.
P/1_ Agora, seu Expedito, a gente está também aqui, caçando aqui, alguns “causos” de Maués. Eu sei que o senhor é um homem que sabe de muitos “causos”, muitas histórias daqui. Eu gostaria que o senhor, se o senhor quisesse, contasse pra gente alguma história de referência relacionada ao guaraná, mas também se não for relacionada ao guaraná, uma história que o senhor ache interessante colocar isso no livro ou gravar pra gente levar para os outros lugares, uma história daqui, (...) uma história de Maués.
R_ No assunto guaraná, essas são as maiores que eu estou dizendo. Agora, assim, histórias, só sei assim histórias moral demais. Não dá pra contar assim...)
P/1_ Pode contar. Se o senhor achar que vale...
R_ Só tenho histórias assim, diz que meio imoral, né? Não é bem imoral, mas é imoral....Mas se você vê a gente conta uma. Se você achar que ir lá, se não cortar, corta lá o barato. É, posso falar?
P/1_ O senhor que sabe.
R_ Aí tinha uma senhora chamada Maria e a outra era Antônia. E aí a Antônia foi convidar a Maria: “Comadre Maria, vão embora amanhã na igreja?” E ela disse: “Ah, vamos comadre”. “Então vamos” “Cedo venho te chamar!” “Tá bom”. Quando foi cedo ela foi chamar “Comadre Maria, comadre Maria. É comadre, vamos embora que tá na hora”. “Espera deixa eu tomar um banho ligeiro”. “Tá.” Ficou lá esperando, ela tomou banho, ela saiu de lá, “vamos embora”. Saíram de lá. Chegaram na igreja, já tinha um bocado de gente e aí o padre chamou: “Dona Antônia?” Ela veio, “Comadre, sente aqui na frente”. Aí a comadre Antônia disse, o padre disse “Dona Antônia, você vai pro coral”. Aí ela disse “Tá bom”. Quando ela sentou, que ela chegou lá onde o padre estava, ela viu a comadre Maria tava sem calcinha, né? “Puxa vida, a comadre Maria tá sem calcinha!” Ela fazia assim, a comadre Maria confirmava. Ela na entendia, né? Aí arrumaram assim, começou o coral, vamos embora, “Dona Antonia”, o padre disse, “Dona Antônia comece o coral.” E aí a dona Antônia pegou o microfone e começou - “ Comadre Maria / nhanha tá de fora / Ave Maria / sou de fé agora” Aí o padre pegou o microfone: “Ave, ave, eu vi já faz hora” O padre tava só de pano lá na comadre dela.
P/1_ Bom, seu Expedito, pra terminar...
R_ Essa aí, se não for, pode cortar. A gente conta assim, uma história...
P/1_ Pra terminar, eu gostaria que o senhor dissesse pra gente o que o senhor achou de contar a história da sua vida aqui?
R_ Com vocês? Ótimo, bom, apesar que eu tô meio assim, não sei o que vai acontecer, mas achei bom, porque a gente tem aquela intimidade, tem aquela amizade, tem aquele respeito um pelo outro e sabe que aí existe alguma coisa, né? Por exemplo, vocês eu tenho assim respeito porque vocês vieram de longe pra fazer isso aí, alguma coisa de bem vem, não vem de ruim, né? Eu acho que vocês também acharam, é, por exemplo, a capacidade de me trazerem até aqui, ou irem na minha casa, convidar pra gente fazer uma palestra dessa, vamos dizer, eu agradeço bastante, o conhecimento, o que vocês confiaram pra gente fazer. Uma coisa ótima, que a gente sempre, se todo ano tivesse, assim, pra ser conhecido. Porque eu já fiz uma vez com o pessoal da Cultura e tem gente que até hoje me reconhece, nunca me viu, “Você que passa na televisão?” Então, a gente tem aquele conhecimento longe. Porque eu pouco conheço o Brasil, todo. Conheço poucas, poucas paragens. Conheço Bahia, Recife, Cuiabá, Rio, só. Só conheço isso. Não tenho assim aquele conhecimento grande. Porque nunca teve oportunidade. Eu fui assim, pra Cuiabá eu fui cobrar um rapaz que me devia. Não cheguei a falar com ele. Pro Rio, eu fui convidado de um amigo. E assim, pra onde eu já andei, fui mais convidado assim. Onde vai, onde você vai. “Tempo que ce não aparece, aparece lá” Pra dizer, vou pra tal ..., tem um parente lá, amigo, filho. Meus filhos tão todos aqui, família é toda daqui mesmo, não tenho fora ninguém. Tem pra Manaus algumas pessoas..., no Amazonas mesmo, mas fora daqui não tenho conhecimento. Era só.
P/1_ Está certo, seu Expedito. Eu agradeço a sua entrevista e muito obrigado.
R_ Obrigado, eu também. Se precisar nós estamos lá naquela casa que o senhor viu. Não é moradia, é onde é esconderijo.
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