Chegou esse tempo da festa das tribos Muirapinima e Mundurucu. Aí foi que vieram as camisas para eu fazer com as lembranças de Juruti, com desenhos dos índios para eu colocar nas camisas. Pela primeira vez, pisei numa máquina de costura dessas, sem saber como. Mas eu aprendi logo. E foi o que ac...Continuar leitura
resumo
Sabázinha nos conta a história de sua família, as agruras e brincadeiras da infância na Vila de Tabatinga. Sabemos aqui sobre a morte de sua mãe, quando Sabázinha tinha 9 anos, e de sua consequente peregrinação entre a casa das tias aos 12 anos, em busca de trabalho. Depois, Sabázinha nos conta que trabalhou com políticos da região e em meio disso começou sua experiência materna. Além disso, a depoente nos fala das lendas de Juruti, de seu antigo bar e de seu trabalho em costura.
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P/1 – Sabazinha, a gente começa com seu nome completo, local e data de nascimento.
R- Meu nome, Sebastiana Gomes Pinheiro. Eu nasci dia 20 de janeiro de 58, em Vila da Tabatinga.
P/1 – E Sabazinha vem desde cedo, esse nome, esse apelido vem desde pequenininha?
R – Desde pequena. Minha tia ...Continuar leitura
P/1 – Sabazinha, a gente começa com seu nome completo, local e data de nascimento.
R- Meu nome, Sebastiana Gomes Pinheiro. Eu nasci dia 20 de janeiro de 58, em Vila da Tabatinga.
P/1 – E Sabazinha vem desde cedo, esse nome, esse apelido vem desde pequenininha?
R – Desde pequena. Minha tia talhava roupa, e eu em cima.
P/1 – E Sabazinha era “Ah, Sabazinha para cá, Sabazinha para lá”? Era apelido já?
R – É. Sou conhecida em Juruti por Sabazinha.
P/1 – Conta um pouquinho dos seus pais? Qual é o nome deles?
R – O meu pai era Sebastião Batista Pinheiro, e Raimunda Gomes Pinheiro. São falecidos.
P/1 – Qual era a atividade deles?
R – Os meus pais trabalhavam em roça, na comunidade. Aí, no mandato do Madson, ele me trouxe para Juruti. Aí eu vim para cá, e consegui trazer a minha família, todos para cá.
P/1 – A gente vai voltar um pouquinho, eu queria saber, os seus pais plantavam o que, que tipo de roça?
R – A mandioca, a maniva. E ele vivia de pescaria também, pescava. Trabalhava na roça e pescava.
P/1 – E a mandioca, Sabazinha, era o que? Ele vendia a farinha?
R – Não. Papai não vendia farinha. Ele plantava para a gente consumir, e para algumas pessoas. Ele vendia, mas pouco.
P/1 – Como era a comunidade? Descreve para a gente, para quem não conhece a comunidade.
R – A nossa comunidade é uma comunidade pequena, uma vila. Nós nos criamos ali, vivendo aquela vida de comer peixe com farinha, que é demais de bom. E era essa a nossa vida.
P/1 – Que peixe que você gostava mais?
R – Ah, o que eu gosto mais é de Acari, de Jaraqui, que é de lá, Caratinga, o Tucunaré, aquele que eu fui atrás... O Tambuatá. São os peixes que a gente consome lá. E tem o jacaré também que eu gosto claro.
P/1 – Como é que faz o jacaré?
R – Guisado.
P/1 – Guisado?
R – É. A gente o corta, aí lava muito bem, tempera, com cheiro verde, coloca bem alho.
P/1 – Alho?
R – É.
P/1 – Achei que era só sal, assim...
R – Não, a gente tempera ele muito bem.
P/1 – E aí tira aquele couro, como é que é?
R – É, tira aquele couro, fica só a massa. Lava com limão.
P/1 – Mas é jacaré pequeno?
R – É pequeno, os jacarés menores.
P/1 – Pequeno a carne é mais mole?
R – É, verdade.
P/1 – E a sua casa, Sabazinha, como é que era?
R – A minha casa, ela está agora coberta de telha, mas a minha casa era coberta de palha e embarreada. Que até agora está lá, a gente não quer tirar não.
P/1 – Está lá ainda?
R – Está.
P/1 – Bacana. Mas você vai visitar ainda?
R – Eu visito.
P/1 – É de alguém da sua família, ou não?
R – É da minha irmã. Meu pai deixou, em vida, ele deu tudo para a gente, cada pedacinho de terra ele deu para cada filho.
P/1 – Entendi. E quantos irmãos você tinha?
R – Eu tenho cinco irmãs.
P/1 – E algum homem?
R – Só um homem.
P/1 – Qual é o nome dele?
R – É Antonio Gomes Pinheiro. Chamo de Todi.
P/1 – E as outras irmãs, as mulheres?
R – São a Maria do Carmo, a Raimunda, a Páscoa, a Maria, e a Saúde. São essas, são seis.
P/1 – E como era quando pequenininha, esse monte de irmãos brincando?
R – Ai, só vendo uma foto para lhe mostrar. (risos). Era muito bom
P/1 – Do que vocês brincavam, conta um pouco para a gente?
R – A gente fazia a boneca de pano, a gente costurava a boneca, aí vestia, fazia os vestidos, já tinha aquela coisa, aquele dom, que acho que Deus deu de nascimento. Aí eu fazia aquelas bonecas, vestia aqueles vestidos bonitinhos, aí a gente ficava brincando, com as vizinhas.
P/1 – Mas a sua mãe costurava também?
R – Não. Mamãe não costurava.
P/1 – Você aprendeu a fazer com quem?
R – Com a minha tia Leonor.
P/1 – Conta um pouco dessa tia para a gente.
R – A minha tia, ela mora lá no Largo Grande.
P/1 – Mas conta como ela é. Descreve um pouco ela para a gente.
R – Ela está idosa já, está do jeito da comadre, mas ela ainda está viva.
P/1 – Mas ela morava perto de você naquela época?
R – Não, ela morava longe. Largo Grande fica distante de Tabatinga. No interior.
P/1 – Quanto tempo?
R – Uma hora e meia eu acho.
P/1 – Uma hora e meia de barco?
R – De barco só.
P/1 – E aí você a visitava quando? Como você aprendia com ela a costurar?
R – Quando eu morava com ela. Meu pai me deu para ela, para eu ficar.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Conta essa história então para a gente.
R – Pois é. Minha mãe morreu. Aí nós ficamos... Eu fiquei com nove anos. Aí de lá o meu pai achou que eu deveria ir para lá, eu também queria ficar lá com ela, que ela era uma tia boa para mim. Aí eu fui para lá, fiquei lá com ela.
P/1 – Como era a casa dela?
R – A casa dela é assoalhada, coberta de palha. Lá ela cria galinha, cria pato, cria carneiro, cria gado, cria tudo.
P/1 – E ela costurava para fora?
R – Não, ela costurava assim, uma pessoa encomendava uma roupa para ela, ela costurava. Assim que ela vivia.
P/1 – E não era máquina? Era na mão?
R – Na máquina, aquelas antigas.
P/1 – Grandes.
R – É.
P/1 – Eu não conheço nada de costura. Então conta como funcionava a máquina antiga, pedal...
R – Pedal. Lá é só pedal.
P/1 – Não tinha nada de... E até hoje é assim, ou já mudou?
R – Não, é assim mesmo, pedal. Porque lá eles não têm essa luz que nós temos aqui.
P/1 – Ah, não? Como é a luz no interior?
R – Lamparina. Continua assim.
P/1 – E a mata? Conta para mim o que vocês faziam na mata? Os bichos. Tinha muito bicho lá?
R – Olha, para lá eles tem o marreco, na época de verão, marreco, pato do mato, tudo essas coisas dá. Dá ovo de tracajá, mauari, tudo essas coisas dá. Quando é tempo de tracajá a gente vai embora para tirar o ovo, para pegar o tracajá. Faz o piracuí do peixe. É a farinha de peixe.
P/1 – Como é que é? Conta um pouco mais, como é que faz o piracuí?
R – O Piracuí a gente assa o peixe. Aí escolhe todo aquele peixe, coloca no forno, e vai torrando, para ficar gostoso. Aí coloca o sal, aí é que faz.
P/1 – Não entendi como faz a farinha, não peguei.
R – Não, só desfia o peixe.
P/1 – É carne, é o
miúdo? Como é?
R – É a carne só, a carne do peixe.
P/1 – E aí torra o peixe ou torra a farinha?
R – Não, torra o peixe. Tira aquela massa, aí coloca no forno, até secar aquela água, aí torra. Coloca o sal e pronto, aí fica o piracuí. (riso)
P/1 – E come com o que?
R – Com a farinha. Farinha, o arroz.
R/2 - Você faz várias comidas dele. Faz o bolinho, faz uma mojica, que é uma comida típica aqui da região aqui da região, faz uma farofa com ovo, faz de tudo. Faz Vatapá. Faz várias comidas.
P/1 – Entendi. E frutas? O que tinha lá quando você era pequena?
R – Fruta manga, uxi, piquiá, castanha, banana, ananás, tudo tem lá. Tem os tempos que dá. O cupuaçu. Tudo tem. Açaí, bacaba. Tudo tem para lá. Graças a Deus é farto lá onde a gente mora.
P/1 – Sabazinha, conta um pouco mais da sua infância. Brincar de boneca. Depois que você foi para a casa da sua tia, quem morava com você, ela e você?
R – E meus avôs.
P/1 – Avós por parte de mãe ou por parte de pai?
R – Parte de mãe.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Era José Oliveira.
P/1 – E a avó tinha morrido já?
R – Era Juvenila. São falecidos, todos eles.
P/1 – Como eles eram? Conta um pouco.
R – Ah, eles eram muito legais, eles. Minha avó gostava de fazer as panelas de barro. Tirava o barro no tempo de verão. Aí ela trabalhava na panela de barro. O meu avô gostava de estar no comércio. Ele tinha um comércio que o filho dele colocou, ele gostava de ficar lá vendendo aquelas coisinhas dele.
P/1 – Comércio. O que vendia lá?
R – Comércio, que vende arroz, vende açúcar, café. No interior. É assim que era o comércio.
P/1 – E quando você foi morar com a sua tia, você começou a trabalhar já, ou não?
R – Não, eu só fui para lá para eu viver ali com ela.
P/1 – E você não trabalhava com ela?
R – Ah, eu só lavava a louça, essas coisas, ajudava. Mas ela estava costurando, eu estava em cima dela para ver o que ela estava fazendo.
P/1 – E o colégio? Era difícil para ir ao colégio?
R – Colégio não tem. Não tem colégio lá perto. Agora já temos, na Tabatinga, nós já temos colégio. Mas lá para o Largo Grande é muito difícil.
P/1 – Como que você ia para o colégio? Você fez até a primeira série, não é? Como você ia?
R – Eu estudava em casa com a minha tia. Porque lá não tinha colégio. Eu estudava lá mesmo, em casa.
P/1 – E era cartilha? Como era?
R – É, era cartilha. Era a cartilha, era o ABC, que ela ensinava, e tinha a tabuada também. Mas eu estudei bem pouco, não estudei muito não.
P/1 – E aí, quando você foi morar sozinha, do que você brincava sozinha? Porque não tinha mais crianças, você não tinha mais irmãos lá perto.
R – Brincava lá mesmo em casa, só fazendo essas coisinhas mesmo, na casa da minha tia. Já tinha mais uma idade, já estava cortando pano maior, já queria ter ajeitado outra coisa. Que eu perdi minha mãe muito cedo. E aí, com doze anos eu saí, fui servir de babá, aí fui levando a vida.
P/1 – Conta um pouco como foi. Aos doze anos você foi para onde?
R – Eu fui para a casa de outra tia. Aí fui vigiar os filhos dela. Hoje eles são todos formados, estão em Belém. Mas sempre tem aquela amizade comigo, sabe? Minha tia foi muito boa para mim. Mas nesse tempo era muito dificultoso esse negócio de estudo. Eu tenho bem pouco estudo. As minhas irmãs não, elas são formadas. Aí foi o tempo que eu arrumei família e me dediquei demais à costura.
P/1 – Eu queria que você contasse um pouco dessa vivencia com as crianças que você foi babá. Eram quantas crianças?
R – Eram dois meninos. Um de um ano, e o outro já tinha três anos. O Sérgio e o Toninho.
P/1 – E aí até que idade você cuidou deles?
R – Que idade eles tem agora?
P/1 – Não, até quanto tempo você cuidou deles?
R – Eu fiquei três anos com eles. Por isso que eu tenho amor por todos eles.
P/1 – Mas eles eram muito pequenininhos. Eles não se lembram de você tanto, não é? Eles se lembram de você depois?
R – É. Depois, quando eu encontro, assim, com eles, quando eu fui para Belém, a titia disse assim: “Olha, essa aqui é a Sabazinha, que carregou vocês, que cuidava de vocês”. E a minha tia era muito chata. Quando eu colocava a mamada deles na mamadeira, e já esfriado, a tia dizia “Esta crua a mamada. Ai ferve de novo”. Ai, que coisa, eu levava de novo para tornar a ferver. ”Já está bom?” “Agora já está bom”. Aí esfriava de novo. A água tinha que ser morna para dar banho, a minha tia era muito assim. Aí eu tinha que amornar a água e dar banho neles. Mas eu não me dou por mal contente não dela ter me ensinado todas essas coisas.
P/1 – Entendi. E você tinha doze anos?
R – Doze anos.
P/1 – E seu pai nessa época, estava aonde?
R – O meu pai estava no interior. Na Tabatinga.
P/1 – Junto com seus irmãos?
R – É. Com as minhas irmãs.
P/1 – Você é a mais velha das suas irmãs?
R – Não, a minha irmã mais velha mora ali naquele outro canto.
P/1 – E quando a sua mãe morreu a sua irmã ficou aonde?
R – A minha irmã estava em casa com a gente, ela que tomou conta da gente. A minha mãe morreu de parto, com dois bebês. Nesse tempo era muito dificultoso, não tinha como levar. Que agora eu vou lá na Tabatinga, se for preciso a gente ir agora, a gente vai agora para Tabatinga e chega antes da noite aqui em casa. Nesse tempo era só de barco. Levaram a minha mãe para a beira do Amazonas, numa canoa, aí atravessaram o rio, aí de lá colocaram ela numa rede, levaram para a beira do Amazonas. Quando chegou a Obidos, lá só para morrer.
P/1 – E os bebezinhos?
R – Um morreu, o outro ficou com a gente. Morreu dois meses depois.
P/1 – Nossa. E você lembra? Você era pequena, mas você lembra?
R – Me lembro.
P/1 – Tinha o que? Nove anos, você falou?
R – É.
P/1 – E como foi para a família assimilar isso?
R – Para nós foi muito triste, porque ter uma noticia de uma mãe morta. Nós não vimos morta, ela ficou para lá.
Não tinha condições que trazer ela.
P/1 – Ah, ela ficou para lá?
R – Ficou.
P/1 – E seu pai foi para lá?
R – O meu pai estava com ela.
P/1 – Estava com ela?
R – Estava.
P/1 – Só ele estava com ela?
R – Só. E a minha família que morava lá em Obidos.
P/1 – Aí seu pai, depois que ele voltou você foi morar com a sua tia, e ele ficou lá com as suas irmãs todas?
R – É. A outra minha irmã era mais criança do que eu, duas irmãs. Eu tinha mais duas irmãs mais crianças.
P/1 – Quantos anos elas tinham? Elas tinham quantos anos, as menorzinhas?
R – A Saúde estava com três anos.
P/1 – Bem novinha.
R – Bem novinha. Foi à menor que ficou, foi ela.
P/1 – E trabalhar na roça, você aprendeu essas coisas?
R – Não, meu pai nunca colocou a gente na roça. Eu gostava de descascar a mandioca em casa.
P/1 – Ah, é?
R – Gostava. Papai colocava a gente para trabalhar, e aí eu gostava de... Todo dia eu gostava de estar lá descascando a mandioca junto com o pessoal. Mas o papai nunca botou a gente para estar na roça não.
P/1 – E na cozinha?
R – Cozinhar o papai colocava. Fazer café, varrer quintal. Quatro horas da manhã papai botava a gente para varrer o quintal, que era grande, aí tinha que varrer. Aí tinha que dar conta de fazer o café, de fazer tudo. Porque não tinha outra, e a gente tinha que fazer para ele. E aí nós fomos crescendo, nessa lida.
P/1 – E com quinze anos você largou essa tia, de babá, e foi fazer o que?
R – Eu fui trabalhar na casa de família.
P/1 – Aonde?
R – Em Obidos. Eu fui para Obidos, aí comecei a trabalhar, voltei para o interior. Foi o tempo que eu engravidei de uma filha. Eu engravidei com dezessete anos, da mais velha. Aí depois engravidei dessa outra aqui.
P/1 – Em Obidos você estava...
R – Na casa da minha tia, da outra tia.
P/1 – Quantas tias você tinha? (riso)
R – Ichê, eu tenho muitas tias.
P/1 – Você foi para lá porque tinha lugar para ficar? Porque você escolheu Obidos?
R – Porque ela arrumou um trabalho para mim, assim, e eu fui para lá.
P/1 – E ficou dois anos lá?
R – Eu ficava lá, trabalhava de dia, e de noite ia dormir na casa da minha tia.
P/1 – E como era Obidos nessa época?
R – Uma cidade muito pequena, era tudo dificultoso, como era tudo aqui, em Tabatinga, Juruti. Agora está tudo fácil para a gente, é estrada para todo lado.
P/1 – Quanto tempo demorava a chegar lá de barco?
R – De barco? Era o dia inteiro quase.
P/1 – Mas você foi de barco mesmo?
R – Fui de barco.
P/1 – E aí quando você voltou, você voltou para qual interior?
R – Para Tabatinga. Aí de lá foi o tempo que o Madson ganhou. Aí fui lá pedir para o papai para vir para cá. Tomei conta de oito homens dentro da casa dele, que ele era prefeito. Aí eu tinha que dar conta da casa dele, e das pessoas que trabalhavam com ele. Que eu tinha que... De manhã eu saía, carregava todas as roupas dele, que era para dar para a lavadeira. Aí eu tinha que dar conta da cozinha, e eu tinha que entregar o arroz, o macarrão, as coisas para fazer o almoço para o pessoal, que eles almoçavam lá. Então era uma casa política, era de um político. Era uma casa lá na beira. Aí foi o Madson procurando me ajudar. Aí foi o tempo que eu arrumei homem para viver comigo. Que é o pai das minhas filhas que está bem ali. Aí ele fez uma casa, alugou a casa, me tirou de lá. Aí de lá foi que nós compramos esse terreno aqui, construímos. Aí nós tivemos uma separação, e aí eu fiquei aqui com as minhas filhas, com as minhas quatro filhas.
P/1 – Antes eu quero voltar. Quando que você soube que estava grávida da primeira filha?
R – Eu fui embora para Manaus. Para a casa do Gerson, filho do seu Dindo. Que lá ele me deu o enxoval todinho que era do bebê. Que era para eu ter lá. Mas meu pai mandou me chamar. Estava aborrecido comigo, estava bravo, porque eu engravidei. Ele ficou bravo. Aí eu fui embora para Manaus. Aí quando estava a um mês quase de ganhar o bebê, meu pai mandou me chamar, que era para eu ter o bebê no interior. Aí a minha parteira foi a Dona Antonieta, foi a minha parteira. Aí foi que eu tive a bebê lá. Aí meu pai não me deixou mais sair de lá, por causa da menina.
P/1 – Mas como é que foi ser mãe pela primeira vez?
R – Foi bom. Mas só que meu pai, assim, quando eram quatro horas da tarde, dizia assim: “Traz essa menina aí da rua, que está fazendo mal o sereno!” (riso) Aí eu agarrava, tirava a menina de lá. E o papai toda a vida queria que a menina estivesse dentro de casa. Mas foi bom.
P/1 – O seu pai virou avô coruja!
R – Avô coruja. Mas foi bom.
P/1 – Mas aí o pai da menina...
R – O pai dela é o Adonias, filho do Miranda Dias, dono do barco. Eu engravidei dele lá em Obidos.
P/1 – Mas aí ele veio para cá com você? Ele ficou lá?
R – Não, ele ficou lá, continuando. Minha filha até casou, está agora de marido, anda de Manaus a Juriti. Tem uma filha.
P/1 – E agora, quando você voltou de Manaus, você voltou para a comunidade de novo?
R – Voltei. Para a comunidade. Eu nunca abandono ela.
P/1 – E seu pai estava lá ainda?
R – Papai estava.
P/1 – Aí eu trouxe o papai para cá. Depois desses tempos eu trouxe o papai para cá. Ele veio viver aqui comigo.
P/1 – Mas a segunda filha você teve aonde? Aqui já?
R – Não, a segunda filha eu engravidei aí mesmo em Tabatinga.
P/1 – Teve lá mesmo?
R – Tive. As duas filhas eu tive lá. Foi a Neta e a Dalva.
P/1 – Mas era outro pai?
R – Era.
P/1 – Ele ficou em Tabatinga?
R – É, Teófilo Gomes Canto.
P/1 – Depois você veio para cá para Juriti, trabalhar nessa casa.
R – Foi.
P/1 – Mas como é que foi trabalhar nessa casa, cheia de político? Como é que era? Conta para a gente.
R – Essa casa era de dois andares. Eu morava embaixo. O Seu Nilson tirou um quarto para eu morar. Aí eles moravam em cima. Era casa de política, era casa que todo mundo entrava para almoçar, para jantar, a hora que chegava. Não tinha esse negócio de não ter. Tinha que ter. Aí foi que eu fiquei tomando conta. E graças a Deus hoje eu gosto da política, trabalho com política, e eu gosto.
P/1 – E você cozinhava mais, e limpava?
R – Não. Não. Eu não cozinhava. Eu só tomava conta da casa. Eu tomava conta do dinheiro dele, que ele deixava dentro de um quarto, o Madson, ele chegava com um sacolão de dinheiro, porque aqui não tinha banco. O Átila trazia a sacolada de dinheiro e colocava dentro do quarto, dizia: “Sabazinha, está aqui à chave. Está tudo na sua responsabilidade o dinheiro. Está aqui.” Aí eu tomava conta de toda a casa dele. No dia de hoje para mim ele é um pai e um irmão que eu tenho aqui dentro de Juruti. Chama-se Madson Pinheiro.
P/1 – Legal. Quanto tempo você ficou nessa casa? Quantos anos?
R – Virgem! Oito anos. Nós só saímos de lá porque caiu. A terra caída levou com tudo.
P/1 – Conta um pouco como é que foi. Você estava dentro?
R – Eu estava. Eu estava dentro, estava grávida da minha primeira filha com meu marido.
Ele saiu para trabalhar...
P/1 – Que é a terceira filha já sua, mas a primeira com ele?
R – É. Aí ele saiu para trabalhar e eu fiquei. Ele estava trabalhando de motorista, e eu fiquei em casa. Aí, quando eu ouvi, o meu vizinho estava batendo na porta. Para mim, estava pegando fogo, eu entendi dizer que estava pegando fogo. Quando a casa estava caindo a terra. “Sabazinha levanta!” Eu estava com seis meses de grávida. Aí: “Levanta, levanta! Está caindo a frente de Juruti.” Aí eu acordei, fiquei na beira da cama assim, esperando, sabe, aquilo... Acordei com muito nervoso, que eu estava grávida. Aí foi que me tiraram de lá, e o Rosivaldo, que era motorista, me pegou e me trouxe cá para cima. Aí eu fiquei na casa de uma amiga. Aí ficaram tirando minhas coisas de lá da casa, os comerciantes, tudo. Caindo aquele monte de terra, e o pessoal perdendo as coisas. E muita gente foi para ajudar, e muita gente foi para roubar também. Aí nós perdemos muitas coisas. Muitas coisas que era da gente nós perdemos. E perdeu a casa bonita, que tinha um pátio grande, um calçadão assim, na frente, que era dos amigos chegarem. Era bem no porto. Foi muita tristeza. Aí foi caindo, foi caindo, o Juruti foi caindo, nós ficamos lá. Nós perdemos comércio, nós perdemos mercado, farmácias, tudo isso nós perdemos. Abrigo, tudo nós perdemos na terra caída.
P/1 – E ele perdeu a casa dele inteira? Não recuperou mais nada?
R – Não. Nada. Aí ele construiu outra para cá para cima. Aí ele fez de dois pisos também.
P/1 – E você não voltou para trabalhar com ele mais?
R – Não. Aí ele já me deu assistência. “Está aqui, Sabazinha, o fogão, a panela. Está aqui o escorredor...” Ele me deu tudo. Deu para eu viver a minha vida com o meu marido. Mas ele nunca me abandonou não.
P/1 – Você conheceu o seu marido aonde?
R – Aqui em Juruti.
P/1 – Pode contar como foi, quando foi, onde foi?
R – Foi assim também, ele trabalhava com político, ele tomava conta da lancha. Aí eu fiquei com ele. Aí ele foi pai das minhas quatro filhas.
P/1 – Qual o nome dele?
R – Adir Nascimento de Souza.
P/1 – Aí vocês casaram na igreja? Casaram no civil?
R – Não, nós não nos casamos não.
P/1 – Só juntaram?
R – Foi.
P/1 – E aí, depois que caiu a terra, caiu a casa, você foi morar com a pessoa, foi para onde?
R – Ele?
P/1 – Não, você.
R – Nós alugamos casa.
P/1 – Onde era?
R – Era uma casa de palha bem aí. Nós moramos. Depois nós passamos para outra melhor, porque a gente não achava casa. Em Juruti não tinha essas casas para alugar como tem agora. Aí nós mudamos.
P/1 – Mas como era Juruti nessa época? Só para a gente tentar visualizar.
R – Ah, Juruti era só uma rua assim. Esse meu terreno aqui ficava no meio da mata. Aí eu não queria vir para cá, porque eu ia ficar no meio do mato. No dia de hoje eu estou no centro.
P/1 – Nossa, cresceu bastante. E luz não tinha?
R – A luz tinha até dez horas. Depois apagava, a gente ficava no escuro, na vela.
P/1 – E o que mais? Esgoto, essas coisas. O que mais faltava na cidade?
R – Faltava tudo. Água. Eu tenho uma bacia, que até hoje, se você vê, encardida, de tanto ferrugem. A água daqui era horrível. Horrível, horrível, horrível.
P/1 – Ah, não tinha limpeza a água?
R – Não tinha, não. Toda a bacia ficava amarela.
P/1 – Como é que você tomava água, da onde?
R – Dessa mesma.
P/1 – Não tinha medo de pegar nada?
R – Nós já sofremos... Medo tinha, mas... Para as filhas tinha que ferver.
P/1 – E aí, essa era a época da juta?
R – Da juta, é. Nesse tempo era a juta.
P/1 – Seu marido trabalhava com o que?
R – Ele sempre trabalhou com negócio de motor, agora ele é mecânico...
P/1 – Sempre de barco?
R – De barco.
P/1 – Mas era piloto?
R – É. É ele que é responsável por todos esses barcos da Prefeitura, é ele que responde na...
P/1 – Sei. Mas o barco que ele tinha era que tipo de barco, você sabe? Você conhece?
R – Não... Era uma lancha, mas eu não sei...
P/1 – E uma pergunta que eu faço, quando Juruti era mais mata...
R – Era mais mata. De que viviam aqui era de tucumã. Quando chegava o barco na linha, era vender tucumã, periquito, que é um passarinho, pupunha, manga, bastante nesses barcos. Era uma loucura. Os meninos vinham e vendiam os passarinhos, vendiam aquelas coisas. Tudo levavam para lá, para vender. Papagaio, eles vendiam. Tudo eles vendiam.
P/1 – E tinha umas histórias de fantasma aqui, não tinha?
R – Ah, tinha fantasma. É o cachorrão. Tinha o negócio do cachorrão: “Lá vem o cachorrão”. “Que cachorrão?” Era um cachorrão que aparecia. Eu nunca vi, nem quero ver. Aí esse cachorrão aparecia para várias pessoas. Aí depois dizia que aparecia uma loira, a loira do Jará. Eu também nunca vi. Mas o pessoal comentava. E aqui nós temos também, eu participo, não sei se o senhor já ouviu falar, nas Santas Almas. Que é um negócio de... Veio um pessoal da faculdade entrevistar a gente aqui em casa sobre esse Recomendação das Almas. A gente sai, se veste tudo de branco, aí vai e leva, de casa em casa. As pessoas que pedem a gente vai.
P/1 – Fazendo o que?
R – Só rezando.
R/2 – A pessoa deixa uma vela acesa na frente da sua casa...
R – Mas a gente ainda continua nessa aí...
P/1 – Mas conta para a gente entender. A pessoa vai encomendar as almas?
R – É, encomendar as almas. A gente sai rezando com as almas.
P/1 – Que dia que é isso?
R – É sexta-feira santa. Veio um pessoal da faculdade, a Geisi, o Doutor Eder, uma turma, vieram de Santarém. Quando a gente sai, eles vão tirando fotografia, eles vão entrevistando no outro dia. É muito legal. Eles se sentiram muito bem.
P/1 – Eles cantam? Tem uma música?
R – Cantam.
P/1 – Você pode cantar um pedaço, para a gente?
R – Não, só eles que sabem. A gente só faz acompanhar. Ano retrasado a Alcoa ajudou a gente com trinta e seis roupas. Que é uma roupa branca, roupão, tudo por aqui, aí de manga, bem comprido, aí vai, coloca tipo essas camisas de capuz. Aí não aparece o rosto da pessoa.
P/1 – São quantas pessoas que vão andando?
R – Esse ano deu umas trinta e nove
ou quarenta pessoas. Com as visitas que vem, dá mais.
P/1 – E você faz parte também?
R – Faço.
P/1 – E é homem e mulher, tudo junto?
R – Tudo junto.
P/1 – Tem instrumento?
R – Não. É só uma campainha que eles batem, bem triste, na porta da casa das pessoas.
P/1 – E aí como é? Entra na casa das pessoas?
R – Não, não entra. Fica só na frente.
P/1 – E reza o que?
R – Eles pedem para rezar um Pai Nosso, uma Ave Maria. Aí a pessoa de dentro da casa reza. Mas dá medo, né? Do jeito que eles chegam dá medo. Para nós que estamos lá é bom.
P/1 – Mas aí a pessoa reza, e vai embora?
R – Reza e de noite sai. Tem vezes que pede para a gente ficar lá, tomar um café, uma coisa, e a gente fica conversando.
P/1 – Mas é a pessoa que pede para passar na casa dela?
R – É.
P/1 – Pede para que?
R – Para ir lá rezar.
P/1 – Mas como é que pede?
R – Ah, falam com o rapaz que é responsável, aí a gente vai lá.
P/1 – Quem é o rapaz? Você sabe?
R – É o Seu Costa. O Costa e o Salam.
P/1 – É daqui do centro também?
R – É. Do centro.
P/1 – Como é o nome da procissão mesmo?
R – Recomendação das Almas.
P/1 – Bom, então vamos voltar para a história. Mas tinha outras histórias de visagem, de fantasmas, que você chegou a ver ou ouvir falar?
R – Não, nunca vi. Só ouvia falar. Do cachorrão, eu só ouvia falar. Do cachorrão. “Olha, cuidado, que o cachorrão aparece!”
P/1 – Mas o que ele fazia o cachorrão?
R – Acho que ele andava, corria atrás das pessoas.
P/1 – (riso) E a loira?
R – A loira diz que corria atrás dele, diz que acompanhava ele. Eu acho que corria de porre. (riso)
P/1 – (riso) E o boto?
R – O boto é verdade. É verdade. Eu tenho um amigo que eu acho que ele está pescando, senão ele ia lhe contar do boto.
P/1 – Mas conta você.
R – Mas eu só sei pouco do boto.
P/1 – Mas conta.
R – Ele diz que é verdadeiro o boto. O boto se transforma.
P/1 – Mas conta uma história. Está tão boa essa história de boto. A gente gosta de ouvir.
R – (riso) Mas o boto eu não sei contar direto do boto, não. Quem sabe é o vizinho, que sabe contar do boto.
P/1 – Mas o que você ouviu falar.
R – Ah, do boto falam que ele vira homem, persegue as meninas, Quando não são os meninos.
P/1 – Os meninos também?
R – (riso)
R/2 – É, porque tem o boto e a bota.
R – Tem o boto e tem a bota.
P/1 – Tem a bota também?
R – Tem.
R/2 – O boto persegue as mulheres, a fêmea persegue os homens.
R – Está vendo? É verdade.
P/1 – Vira uma mulher?
R – Vira.
P/1 – Olha só, essa eu não conhecia.
R – É, olha.
P/1 – Mas isso também é papo dos homens safados, que falam que viraram boto, né?
R – (riso) Eu acho que sim. Lá na minha terra, lá na Tabatinga, eu acho que tem coisas que a gente não quer acreditar, mas ao mesmo tempo eu acredito. Que meu pai dizia: “Hora de meio-dia não é para vocês estarem no porto”. “Por que, papai?” “Porque aí chora criança”. E chorava mesmo. Chorava mesmo, no porto de casa. Lá tem, lá em casa tem um buracão assim, nunca seca aquilo. Não sei se a senhora sabe comadre. Baixando no porto assim. Tem o campo, todo tempo fica aquele lago lá, aquele poço, e aparece bem o caminho assim. A gente não pode meter a cara lá, meter o pé para andar lá, porque vai para o fundo.
R/2 – Bicho nenhum pode encostar lá.
R – É, é uma coisa que se você pudesse ir lá, quem dera.
P/1 – Mas que criança que chora lá?
R – Chora.
P/1 – Criança...?
R – Criança encantada, dizem. Dizem. Mas que eu escutava, escutava. Criança eu escutava.
P/1 – À noite?
R – De dia. Meio-dia era o horário.
P/1 – Que mais que você conhece lá? Tem um monte de coisa! Conta para a gente.
R- Ah, de lá de Tabatinga tem muita coisa. Se eu for lhe contar... Vou lhe contar da visagem de Tabatinga. Dia de hoje não, já está mudado, já é uma vila, está mais...
P/1 – Conta da visagem.
R – De que?
P/1 – Você falou que tem uma história da visagem, em Tabatinga?
R – Ah, em Tabatinga, da visagem. Pois é, tem a visagem sim. E lá é muito farto das coisas assim, para nós, no nosso tempo, nosso pai era trabalhador. Agora não, que não quer mais saber de nada. Estou esperando só uma bolsa, só isso, só aquilo. É coisa de tristeza, sabe? Para mim é tristeza. Que no meu tempo a gente tinha horta, tinha tudo bem feitinho.
P/1 – E no interior, nas comunidades, tem cemitério? Ou se enterra aqui?
R – Tem. Mas meu pai não está enterrado, é aqui.
P/1 – Aqui? Mas todas as comunidades têm o seu, ou tem umas que tem que atravessar...?
R – Não, tem umas que atravessar. Do Igarapé das fazendas vem para Tabatinga.
P/1 – Aí coloca a pessoa morta no barco...?
R – É, coloca no barco e traz para Tabatinga, para enterrar aí.
P/1 – Nossa, que triste.
R – É muito triste mesmo. Ainda tem outra coisa. Enterrar lá é no fundo.
P/1 – No fundo?
R – Vai. Este ano foi, porque a cheia foi muito grande o ano passado.
P/1 – E aí? Como é?
R – Aí fica só aquele pedaço lá.
P/1 – Mas não tem perigo dos corpos serem levados?
R – Não. Mas é ruim, ir para o fundo.
P/1 – Vou perguntar para você, então, vamos voltar para a história. Quando você consegue sair daquela casa ali, casou, comprou o terreno, aí você vem para cá para esse terreno, ou você foi para outras casas? Como é que é?
R – Fiquei aqui.
P/1 – Mas você comprou aqui?
R – Comprei.
P/1 – Veio morar com seu marido aqui?
R – Foi.
P/1 – Aí você tinha quantas filhas já?
R – Aí eu tinha quatro filhas já. De cinco filhos, com um menino que morreu. Já morreu dois.
P/1 – E você começou a fazer o que aqui? Trabalhar, aqui?
R – Eu tomava conta de casa, das minhas filhas. Aí foi o tempo que... Aí vieram essas tribos, Uirapinima e Mundurucus. Aí tinha essas festas, Uirapinima e Mundurucus, aí a gente participava. Eu sou um membro também de dentro dos Mundurucus, aonde eu ajudo, com trabalho, ou com dinheiro, qualquer coisa. Aí foi que veio às camisas para a gente fazer com as lembranças de Juruti, com desenho dos índios, para colocar nas camisas. Aí foi animando a gente. Aí, quando foi um dia a Dona Carmen disse assim para a gente: “Sabazinha, você vem para cá, para você trabalhar comigo aqui na cozinha, para fazer comida para o pessoal que vem de Parintins. Aí o genro dela disse: “Não, você vai ficar aqui comigo, para você costurar”. Aí eu fui para lá. Pela primeira vez pisei numa máquina dessas, sem saber como. Mas ele me ensinou, eu aprendi logo. Fiz uma camisa, mostrei para ele: “Está bom, Sabazinha”. Fez a bainha. Aí ele ia pintando. Aí ele estava enchendo a cara, e eu costurando lá para ele. Costurei vinte camisas. Aí ele pintou as camisas e vendeu tudo. Eu disse: “Ah, esse outro ano...” Eu disse só comigo... “Esse outro ano e vou comprar uma máquina, e vou fazer minhas camisas para eu vender”. E foi o que aconteceu. Aí que eu comecei a costurar. Aí veio essa máquina de Belém, meu marido disse assim: “Para que, o que foi que você mandou buscar em Belém? ”Eu falei: “Uma máquina”. Aí a minha amiga mandou, tirou a prazo, e eu fiquei pagando para ela. Aí o começo da minha vida foi essa máquina. Antes eu costurava só nessas aqui, essas brancas. Mas agora eu faço fardamento, faço todas as minhas coisas.
P/1 – Aí você tinha uma máquina...
R – Eu tinha uma máquina, essa bem larga. Foi a esposa do pastor, da igreja batista, que me vendeu. Aí eu costurava. Aí depois eu fui fazendo fardamento, fiz as camisas das tribos, depois fui fazendo fardamento. Aí pronto, foi crescendo, foi crescendo, e graças a Deus eu fui construindo minhas casinhas. Aí eu estou aqui, trabalhando no fardamento. Eu ajudo muito as escolas também, com o fardamento. Para cada escola eu dou oito camisas, dez camisas. Conforme aqui que eu posso dar eu dou para as escolas. Eu chego lá, as meninas dizem: “Oi, a senhora vai dar farda para a diretora? ”Eu falo: “Dou”. A consciência, eu estou fazendo o meu dever. Eu dou, elas dão para quem elas quiserem. Este ano que a gente foi dar na escola, mas tinha uma dada criança, eu olhava aquela criança que estava sem... Com uma camisa encardida... Até sapato eu dei este ano para a escola. Porque é muita pobreza essas escolas aqui, muita mesmo. Eu dou. Este ano eu acho que eu dei umas trintas e poucas fardas. Mas para mim foi bom.
P/1 – Sabazinha, as festas das tribos começaram há o que, uns quinze anos atrás, mais ou menos? Foi quando você começou a costurar mesmo?
R – Foi.
P/1 – E aí você consegue lembrar, conseguiu na hora lembrar o que a sua tia tinha te ensinado? Como é que foi você voltar a costurar?
R – Para eu costurar?
P/1 – É, porque a sua tia tinha te ensinado.
R – A minha tia me ensinou a fazer calça comprida e camisa de colarinho, com botão aqui. Foi essa costura que ela me ensinou. Vestido, ela me ensinou. Vestido, essas coisas assim. Agora, o tipo de camisa, assim, essas camisas de meia, fui eu mesmo, da minha cabeça.
P/1 – Por conta própria?
R – Coisa própria.
P/1 – Então você teve que aprender muita coisa nova?
R – Foi.
P/1 – Como é que foi? Você pegava a roupa, uma roupa pronta, e imitava? Como era?
R – É. Tentava imitar. Assim como a minha filha. Ela ainda não sabe talhar direito, mas costurar pode dar a roupa talhada que ela costura.
P/1 – Explica para quem não conhece. Eu não conheço. O que é talhar uma roupa?
R – Talhar é muito fácil. É só colocar o pano em cima da mesa, bem colocado. Aí coloca o... Se for uma calça comprida, você coloca uma calça comprida. E vai talhando em uma daquela. Se for para ser maior, a gente tem que talhar maior, se for para ser menor, a gente tem que talhar menor.
P/1 – Entendi. É você marcar aonde...
R – É, vai marcando.
P/1 – E vai cortando.
R – Eu não marco nada, eu vou é...
P/1 – Vai direto?
R – Vou direto.
P/1 – Não erra, não?
R – Não.
P/1 – Sabazinha, eu queria te perguntar. Aquilo que a sua tia te ensinou, que era calça e camisa, a maneira que ela te ensinou, hoje em dia você faz igualzinho, ou está um pouco diferente já?
R – Eu faço diferente, assim, porque eu pego poucas encomendas de calças, assim, camisa. O meu trabalho mais é jogo de camisa para time, fardamento, e essas camisas que todo mundo está vestindo, camisa de meia.
P/1 – E como é que é? O pessoal vem te encomendar?
R – É encomenda. Jogo de camisa de time eles vem lá do interior, ou daqui mesmo, eles encomendam, aí a gente prepara o calção, a camisa, e aí vende.
P/1 – E quem trabalha com você é sua filha?
R – Minha filha.
P/1 – Só uma?
R – Quando eu estou muito aperreada eu chamo costureira, eu mando... Eu vou medindo tanto... Se eu quero trinta calças eu mando um tanto de pano para ela, ela faz e me entrega prontinha. Aí eu pago ela. Ela me cobra sete reais, oito reais numa calça. Aí eu pago para ela, para a costureira.
P/1 – Sei. Mas tem muitos costureiros aqui em Juruti?
R – Tem bastante costureira.
P/1 – Mas você é a mais conhecida de todas?
R – Eu sou a mais conhecida porque eu sou uma pessoa que, se há farda está ali... Se ali a costureira está pedindo vinte, aqui eu vou pedir quinze. Porque dá para tirar o meu dinheiro. Eu sei a situação de Juruti como é. Para uma pessoa que tem mais de um filho é muita despesa. Aí eu vou fazendo isso. Jogo de camisa eu peço trezentos. Aí vai dando para viver.
P/1 – Mas Sabazinha, agora tem muito mais lojas do que tinha há quinze anos atrás. Como é que fica?
R – Não, está bem, minha freguesia continua.
P/1 – É? É fiel?
R – É. Eu não senti. Eu não senti, olha, de ter, assim, tanto, tanta costureira, eu não senti, porque eu tenho o meu pessoal.
P/1 – É porque você faz mais coisa para festa, para time. Mas tem muita gente que vai fazer a roupa normal?
R – Aqui tem. A Dona Célia, ela faz muita roupa. Muito mesmo. Eu, agora, porque estou com problema na vista, eu não posso estar forçando muito a minha vista, por isso que eu estou mais parada aqui com esse negócio de roupa. Mas começo de aula o meu balcão está cheinho de roupa. Eu gosto mais de trabalhar com fardamento.
P/1 – Entendi. Que são os colégios...
R – Colégio.
P/1 – São quantos colégios aqui em Juruti?
R – São muitos colégios. Mas eu trabalho só com o Maria Pereira, Raimundo Coelho, Hermano e Américo. São os colégios que eu trabalho com fardamento.
P/1 – Há quantos anos você trabalha com ele?
R – Já está fazendo o que? Mais de dez anos que eu trabalho com fardamento.
P/1 – E aí durante esse tempo, você foi ensinando suas filhas como? Elas ficavam olhando, ou você dava para elas fazerem, para ir treinando? Como era?
R – Esta aqui é a única que se dedica, assim, a costurar. Eu tenho uma mais velha, que ela foi criada com o avô, comigo, ela não está nem aí. Não quer nem saber, ela está no barco. Vai para Manaus, está passeando. Aí eu tenho outra, a Micaela, que é mãe daquele bebê que estava aqui, ela também costura. Mas ela não tem tempo agora, agora ela está trabalhando. A outra trabalha na Real Terra, em Itaituba. Deve estar chegando agora de Itaituba. Trabalha na Real Terra, na parte de compra.
P/1 – Sabazinha, a costura foi uma escolha, na verdade?
R – Foi uma escolha. Foi um dom que Deus me deu, na verdade.
P/1 – Mas você acha que quando você escolheu... Porque você cozinhava, cuidava da casa, quando escolheu parar e fazer mais costura, por que você acha? O que é que te pegou?
R – Foi uma coisa que eu achei que eu tinha mais resultado. Eu já mexi com bar, eu já mexi com comida...
P/1 – Ah, é? Conta um pouco para a gente essas coisas?
R – (riso) O bar é muito bom, a gente ganha muito dinheiro. Aí foi o tempo que essa empresa veio para cá. Aí eu achei, assim, que estava chegando muita gente, a gente não conhece todo mundo. Aí eu fui... Joguei para os quartos. Essa área é que era uma área de bar. Colocava dois bilharitos aqui, enchia de jovem. Jogavam, bebiam cerveja. Mas também não era aquela bagunça de cachaça não, era só de cerveja. Muitos amigos. Então depois eu achei que não tinha mais tempo, dia de domingo, que era para eu estar passeando, não tinha aquele tempo, tinha vezes que eu estava sem paciência, minhas filhas queriam sair, e não podiam. Aí eu achei que devia fazer os quartos para alugar. Aí foi que eu fechei, vendi bilharito, vendi tudo, fechei. Aí eu fiz esses sete quartos. Aí eu pego daí, dá para viver com as minhas filhas.
P/1 – Qual era o nome do bar?
R – Era Bar da Sabazinha. (riso) E vinham para cá.
P/1 – E aí parou quando a empresa entrou, ou ficou um tempo ainda?
R – Não, eu parei, porque chegou esse pessoal.
Risco. Sabe como é. Aí eu parei.
P/1 – E esse negócio da comida, como é que é?
R – Ah, comida, maniçoba. A gente fazia maniçoba. A maniçoba é uma folha de macaxeira. Aí eu compro moída, que mói no motor de cevar mandioca. Aí a gente põe para ferver. Teve uma maniçoba que ela levou mais de dois meses fervendo, e eu vendendo. É cinco reais o marmitex, de maniçoba. Eu vendo muito bem.
P/1 – Mas conta para a gente como é que faz a maniçoba, fora a folha.
R – A maniçoba, a gente coloca no fogo para ferver, a gente fica cuidando daquela maniçoba ali. A gente coloca um mocotó de gado, para dar o gosto. Aí a gente vai colocando, depois a gente pega o porco, aí você tempera o porco, põe para tostar. Aí de lá você coloca aquele porco tostando, você coloca na panela de maniçoba. Aí você compra calabresa, e frita a calabresa, e joga na panela de maniçoba. E toucinho, aí tudo a gente tem que temperar para poder colocar na maniçoba. Aí continua a ferver. Aí a maniçoba, quando amolece aquilo, aí você... É a delícia.
P/1 – Aquele aspecto mais preto, o que é?
R – Mais preto. Tem que ficar bem preto.
P/1 – Mas aquilo é da macaxeira, o que é?
R – Não, aquilo é da gordura. É da gordura, que ela fica preta. Se você ferver a maniçoba e não colocar gordura, não fica preta.
P/1 – Entendi.
R – A minha maniçoba é muito boa. Todo mundo conhece a minha maniçoba em Juruti. O pessoal da GR, outro dia desses mandaram... Um rapaz... Mandou dizer: “Eu quero maniçoba, aquela maniçoba que eu provei”. Eu fiz para o aniversário do Otávio. O pessoal de Santarém gostou.
P/1 – E quem compra marmitex aqui?
R – Muita gente.
P/1 – Mas é de empresa, do que?
R – Daqui mesmo morador. Moradores. Eu mando para Manaus...
P/1 – Para Manaus? Como é que você manda para Manaus?
R – O pessoal vem comprar para levar para Manaus.
P/1 – Vem até aqui para comprar?
R – Vem comprar, e leva para Manaus.
Da Sabazinha.
P/1 – E dura quanto tempo, você falou?
R – Dura... O segredo da maniçoba é você esquentar, todo dia fervê-la. Ela não estraga. Só se meter uma vasilha suja, aí pode estragar. Mas sempre não estraga não. Uma comida perfeita que não faz mal não.
P/1 – Nossa então fica dias, meses até?
R – Fica, fica. Eu agora que eu não tenho aí. Eu não tenho, mas eu coloco para congelar.
P/1 – Que ótimo. E é para você um tipo de renda, que...
R – É de renda também. Agora é a minha filha, que a casa dela é lá. Aí, aqui em casa já está tudo no cimento, o pessoal mora aí. E para não fazer muita... Aí ela ferve para lá. É para lá que ela faz a maniçoba.
P/1 – E os quartos quantos são?
R – Sete.
P/1 – E aí você aluga para gente que vem de fora, para empresa?
R – Gente que vem de fora. Já morou muita gente aqui. Mora, assim, de nove meses, oito meses, sete meses, conforme ele tem o trabalho aí. Teve gente que
levou um ano e dois meses.
P/1 – Mas a maior parte é da Alcoa?
R – É, muita gente de fora. Que trabalha... Gente da Camargo, todo esse pessoal já morou aqui em casa.
P/1 – E aí você costura para eles também?
R – Eu costuro para empresa. Agora nós entregamos, nessa semana, faz um mês que entreguei fardamento. Camisa de manga comprida, calça de elástico. Essas calças mesmo de empresa.
P/1 – O uniforme deles lá?
R – É, o uniforme deles.
P/1 – Ah, é você que costura uma boa parte?
R – Eu costuro. Todos nós costuramos aqui. Porque eu acho que saiu, assim, o que vem de fora é muito trabalho para a gente aqui, que tem que estar recortando a farda. Porque a farda que vem de fora é muito grande. E se é G é um G grande, se é um P, é P grande. E nunca dá. Aqui a gente ganhou muito dinheiro de recortar. Faz tudo de novo. Aí as empresas acham que deveriam fazer aqui, que não teriam prejuízo. E aí a gente está fazendo, quando aparece uma empresa, a gente vai em cima.
P/1 – E além dessa, Sabazinha, tem coisa que você inventa por conta própria? Uma roupa para vender, assim, ou não?
R – Não. Agora que eu vou trabalhar com lençol de cama. Eu vou a Santarém buscar os panos, e vou fazer lençol de pano, porque aqui dá bem lençol de cama, para a gente vender.
P/1 – Mas você nunca trabalhou com isso?
R – Não. Mas eu vou colocar para trabalhar agora.
P/1 – Você sabe fazer?
R – Eu já fiz muito. Para empresa eu fiz aí com a minha filha touca, fizemos lençol de cama, fronha, tudo nós fizemos para empresa. Tudo eu faço.
P/1 – E bordar, essas coisas, você também faz?
R – Não. Esse negócio de bordado eu não gosto.
P/1 – Você não gosta?
R – Não gosto.
P/1 – Por que?
R – Sei lá. Uma coisa que eu não me incentivei, assim, a aprender. Mas eu não gosto do bordado. Tem a Katilene ali que ela gosta de bordado.
P/1 – Sua tia também não bordava? A sua tia que te ensinou a costurar não bordava?
R – Não. E eu nunca gostei. Nem do bordado e nem do crochê, eu nunca gostei.
P/1 – Aqui em Juruti tem tradição de bordado?
R – Tem. Bordado, pintura.
P/1 – Quem que faz? Ainda fazem?
R – Fazem. A Katilene, bem aí, ela borda. Uma casa de uma costureira bem aqui, ela borda.
P/1 – Mas você não gosta de fazer ou você não gosta de ver?
R – Não, eu não gosto de fazer. Eu não me dediquei nisso não. De bordado, de crochê, não.
P/1 – Dá muito trabalho, Sabazinha?
R – Dá muito trabalho. Eu gosto de fazer esse tipo de roupa, que eu sento na máquina, eu com ela a gente costura cinqüenta fardas rápido.
P/1 – (riso) Eu quero imaginar um pouco, assim, que horas você trabalha mais: de manhã, de tarde, de noite...?
R – Eu trabalhava, logo no começo, muita animada, que eu ganhava muito dinheiro, eu me animei muito mesmo, eu costurava até três horas da madrugada. Essas camisas de tribo eu já costurei muito. A gente costurava com elas aqui, era muita camisa. Era cento e poucas camisas, era duzentas para Sete de Setembro eu costuro. Já costurei duzentas e dez para uma Banda, para negócio de Banda. A gente já costurou muito, eu costuro muito. Quando é para eu ganhar dinheiro eu sento e ganho mesmo.
P/1 – E as tribos, elas têm nota pela roupa? Os jurados que vão votar neles dão uma nota pela roupa?
R – Não, só mesmo para ponto de item da coreografia.
P/1 – Quando senta na máquina de costura, o que você sente?
R – Ah, eu me sinto bem. Costurar, assim, está ganhando meu dinheiro. Tenho um bocado de encomenda agora, eu vou para Santarém e vou buscar. Só não quero estar, assim, eu estou com problema de vista, então não quero estar muito... Porque eu vou à loja, trago de lá, e volto para trabalhar.
P/1 – E a encomenda vem muita de fora?
R – Daqui de Juruti, do município de Juruti.
P/1 – De Santarém, você falou, você vai comprar o material?
R – Eu vou comprar o material lá.
P/1 – Aqui não tem?
R – Ainda não tem. O material que a gente trabalha não tem aqui nessas lojas. A ribana, não sabe nem o que é ribana aqui em Juruti.
P/1 – Eu não sei o que é ribana. O que é ribana?
R – A ribana é... Mostra para ele. São as coisas da farda, essas golinhas de farda. A gente compra de metro...
P/1 – E vocês vão de barco para Santarém?
R – Eu vou para Santarém de barco.
P/1 – Quanto tempo dá?
R – A gente sai sete horas da noite daqui, chega três horas da madrugada lá.
P/1 – E aí vocês voltam... Compram e já voltam no mesmo dia, não?
R – Quando a lancha está fazendo a linha, a gente volta no mesmo dia, mas quando não a gente fica por lá, faz a compra, e no outro dia a gente vem.
P/1 – Aí volta de lancha ou de barco?
R – De barco.
P/1 – Sempre de barco?
R – Sempre de barco. É difícil a gente ir de lancha.
P/1 – A lancha é cara?
R – É mais cara. E a gente vem... Lancha não traz o que a gente vai trazer, não traz volume.
P/1 – Ah, não?
R – Não.
P/1 – É muito volume?
R – São peças de pano.
P/1 – É muito? Muita coisa?
R – É. Tem vezes que dá muito, tem vezes que dá pouco. Conforme a encomenda.
P/1 – E a lancha não traz isso?
R – Não. É difícil.
P/1 – E o barco o que é? Aquele barco gaiola mesmo? Barco de rede, né?
R – É. Esse barco mesmo.
P/1 – E rede? Você costura rede? Você faz rede?
R – Eu só faço costurar rede, aí a moça que tece o punho.
P/1 – Que você não gosta de fazer. (riso) E de onde mais vem encomenda, fora Juruti? Tem gente de fora que...?
R – Vem das comunidades. Eu só costuro para Juruti e comunidades de Juruti. Que é o município, né?
P/1 – Sim. E quais as comunidades que pedem mais?
R/2 – Tabatinga...
P/1 – Eles vêm aqui e pedem...?
R – Encomenda. Eles trazem a marca da farda, trazem como é para fazer a farda, aí eu pego e faço a farda. Aí entrego.
P/1 – Você entrega na comunidade?
R – Na comunidade.
P/1 – Ah, vai entregar ainda. Eles não vêm buscar.
R – Vou entregar. Quando não, eles vêm buscar.
R/2 – Os professores vêm, encomendam e a gente marca um dia para eles virem pegar em casa.
P/1 – Entendi. E o que... A gente está acabando daqui a pouquinho... Eu queria te perguntar, você gostaria que os mais novos costurassem, continuassem costurando, ou você acha que é uma coisa que vai acabar daqui a um tempo?
R – Eu digo assim, a minha filha, se tiver vontade, ela pega o mesmo que eu consegui na minha vida. E foi com o meu esforço, e a ajuda de Deus. Então, se elas tiverem vontade... Eu digo assim, eu pegando uma pessoa para trabalhar, que eu tenho vontade de ajudar, uma criança, que não sabe, eu teria vontade de fazer isso. De colocar uma escolinha, para as crianças. Porque eu gosto muito de estar com idoso. Mas eu olho muita criança desocupada nessa Juruti. Tem muita criança desocupada. Então eu acho que, a gente tendo o apoio de uma pessoa para fazer uma escolinha, para colocar essas pessoas para aprenderem, eu acho que é muito bom também. A minha vontade é essa.
P/1 – Você acha que a costura podia ajudar a...
R – Ajuda. Com certeza ajuda.
P/1 – Que mais peças que você nunca fez e que gostaria de fazer, fora o lençol?
R – Eu gostaria de fazer lençol, toalha, minha filha faz uma toalha muito bonita, bordada. Muito bonita. De qualquer clube, se você encomendar ela faz.
P/1 – (riso)
R – É muito bonita. É toda de rendinha, ela faz o bordado, o nome, o nome do clube, seu nome, tudo ela faz. Ela está trabalhando agora. Mas tem uma moça aí que faz muito linda.
P/1 – Já é uma coisa familiar.
R – É familiar.
P/1 – Você não quer fazer toalha? Nunca fez, não vai querer fazer?
R – Olha, eu gostaria sim. Gostaria. Que eu acho que ainda não é o fim. Tem que continuar. Depois que eu vá ao médico, que eu já fui ao médico, depois que eu opero a minha vista. Eu acho vou continuar.
P/1 – O que você tem na vista?
R - “Carne vencida”.
P/1 – Mas você já foi ao médico?
R – Já. O médico me falou que eu tenho que operar.
P/1 – Entendi. E depois que operar vai voltar...?
R – Vai voltar. E eu vou continuar. Que é o tempo que eu vou mexer na minha casa, eu vou fazer um espaço maior embaixo. Aí eu vou continuar.
P/1 – Você pretende aumentar a sua parte de costura?
R – Aumentar.
P/1 – E quem vai trabalhar com você? Você e sua filha, só?
R – Que tem as meninas que eu chamo para costurar. Que eu fui a Obidos, aí o pessoal do Ministério do Trabalho me falou que a gente colocar pessoas, sem ter ainda coisa para pagar, para depois ter uma indenização, não sabe o que. Aí todo mundo agora tem que trabalhar de carteira assinada. Que teve a orientação. Aí foi que aconteceu.
P/1 – Aí você deu um tempo?
R – É, deu um tempo, para daí poder suspender de novo.
P/1 – Entendi. E fora esse qual é o seu sonho, Sabazinha? Pode ser pessoal, não precisa ser de trabalho.
R – Meu sonho, meu sonho é daqui mais uns dias colocar minha filha para costurar. E eu tenho certeza que eu vou conseguir fazer uma casa para idoso, para eu cuidar de idoso.
P/1 – Conta um pouco essa coisa com idoso que você tem. Conta um pouco.
R – O idoso é porque eu achei um dia a minha tia no correio, querendo se aposentar. Aí o rapaz de lá do sindicato falou para ela que era para ela ir lá ao correio para tirar o CPF. Aí no que ela foi coitadinha, pensou que já era a aposentadoria dela. Era o CPF que ela tinha que tirar para poder continuar com os documentos dela, enviar para o INSS. Aí o que ela foi, coitadinha, ela estava lá, eu disse: “Tia, o que a senhora faz aí?” Ela disse assim: “Eu vim me aposentar, minha filha”. Eu disse: “Mostra os seus documentos”. Ela mostrou, eu disse: “Não, tia, aqui está dizendo que é para a senhora tirar o seu CPF”. Ela disse: “É, minha filha? Eu já vim aqui três vezes”. “Pois é. Não é para a senhora se aposentar, é para a senhora tirar o seu CPF”. Aí foi que eu a peguei, pedi para o Gilson, que nesse tempo o Gilson Gomes trabalhava no correio. Ele preencheu lá, tirou o CPF dela. Aí disse: “Com um mês você vem pegar o CPF dela”. Aí eu fui pegar o documento dela. Comecei a trabalhar. O primeiro documento que eu trabalhei foi da Lourdes, lá de Vila de Tabatinga. Aí eu comecei. Aí foi na minha Vila, tinha muita gente, muito idoso, muito deficiente. Uma senhora deficiente, que já tinha cinco anos que estava lutando para ver se aposentavam ela, não conseguiu. Aí eu vim, falei com o Gilson, consegui um cargo político, e fui. O Gilson conseguiu aposentar... Nesse dia ele aposentou 50 idosos. Então por quê? Porque nós levamos... Eu levei o Gilson, que ele trabalhava no correio, nesse tempo não tinha essas coisas de... Que tem que pagar o sindicato, pagar a colônia, pagar o INSS da data, a gente tem direito da dar e a receber também. Então foi o que aconteceu. E eu levei, nós aposentamos 50 idosos. Desde esse dia foi uma marca que entrou dentro de mim, porque eu acho que o idoso, a gente não deve fazer o que fazem. Aí eu comecei a inventar almoço aqui em casa, quando é na semana santa eu faço, na Páscoa, o almoço para dar para os idosos. Então, esses idosos, a gente coloca as cadeiras, o espaço era muito grande, a gente colocava o idoso, e procurava conversar com o idoso. Aqui em Juruti tem idoso que é abandonado pela sua família, tem idoso que está na solidão, sem uma conversa, sem nada. Tinha idoso que a gente chegava a casa dele, ele estava com uma vasilha no fogo lá, uma água para cozinhar um frango, a gente o convidava se ele queria vir almoçar. Ele até duvidava que fosse. Aí a gente trazia o idoso para cá. Eles se davam muito bem. Aqui a gente escuta muita coisa. A gente escuta coisa boa deles. É falta de conversa. Então isso me leva... Eu tenho fé em Deus que mais alguns dias a gente vai consegui uma casa para idoso aqui em Juruti.
P/1 – Está bom.
R – Eu quero isso na minha vida, antes de morrer, se Deus quiser. Não é por eu não ter mais a minha mãe, o meu pai. Mas eu quero lutar por alguém.
P/1 – Está bom, Sabazinha. Eu queria agradecer a sua entrevista, esse tempo. Obrigado por estar aqui com a gente.Recolher
Título: Eu quero lutar por alguém
Data: 19/04/2010
Local de produção: Juruti - Pa
Personagem: Sebastiana Gomes Pinheiro Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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