Projeto CSP
Depoimento de Maria Zenite Alves Barbosa
Entrevistada por Luiz Gustavo Lima
Paracuru, 30/05/2014
Realização Museu da Pessoa
CSP_HV006_Maria Zenite Alves Barbosa
Transcrito por Ana Carolina
P/1 – Então pra começar, queria que a senhora falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – É Maria Zenite Alves Barbosa.
Eu sou do dia dez de agosto de 1953.
P/1 – E a senhora nasceu onde?
R – Apuiarés.
P/1 – Que é aqui no Estado do Ceará?
R – É.
Sou de lá.
P/1 – Qual que é o nome do seu pai?
R – Meu pai era Gilberto Henrique de Souza.
P/1 – E a sua mãe?
R – Era Maria Conceição Alves.
P/1 – E eles faziam o que?
R – Eles trabalhavam na agricultura lá.
Aí ficaram os meus dois irmãos lá, moram lá.
P/1 – Lá em Apuiarés?
R – É.
Pra lá um pouquinho, que lá o terreno deles, da mãe que morava lá, o papai, aí eles moram lá os dois irmãos.
P/1 – Você lembra o que eles plantavam?
R – Eles plantam feijão, milho, Manila plantam, né?
P/1 – Mas eles são vivos ainda?
R – São.
Um só tem um olho, porque arrancaram um, nunca se aposentou porque nunca ajeitaram e o outro meu irmão.
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Eles sofrem muito lá.
P/1 – Mas os seus pais são vivos?
R – São.
Tudo mortos.
É.
Só eles dois lá.
P/1 – Entendi.
R – Mora o outro irmão pertinho, né?
P/1 – São quantos irmãos?
R – São seis.
P/1 – Seis.
R – É.
Seis irmãos, mas moram três lá.
P/1 – A senhora nasceu.
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A senhora é das mais velhas ou das mais novas? Qual que é a sua.
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R – Tem a mais nova a Zeneida, mas é quase da minha idade mesmo.
Ela mora em Fortaleza.
Nós só somos duas irmãs mulher.
P/1 – Duas mulheres e quatro homens?
R – É.
P/1 – E as duas mulheres são as últimas que nasceram, é isso?
R – Foi.
E mora meu irmão em Fortaleza também e ela também mora lá em Fortaleza, minha irmã.
P/1 – A senhora poderia falar o nome dos seus irmãos?
R – Os meus irmãos são a Zeneida, o Antônio, o Luiz, o Francisco, espera aí, e o João.
P/1 – Certo.
Tá, agora a gente vai falar.
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R – E eu, que são seis, né?
P/1 – Tá.
Vamos tentar se lembrar do ambiente da sua casa.
O que a senhora se lembra da casa da sua infância lá em Apuiarés?
R – Ah, eu lembro muito.
Sempre eu vou lá.
Sempre nós vamos lá, né?
P/1 – E o que tem lá que te deixa tão contente assim de lembrar?
R – É porque eu morei lá, né? Nasci e me criei lá.
Casei, fiquei lá foi tempo.
Moramos dez anos no Pará, aí nós foi com três filhos, três paraenses e três cearenses, nós tem.
Aí moramos lá, mas eu nunca achei bom, não, porque minha mãe era viva, se eu não tivesse vindo nem tinha visto ela.
Durou foi muito ela, a minha mãe.
P/1 – Como é que é essa história do Pará?
R – Pará era lá no interior.
Lá não era bom, não.
É muito ruim.
Eu não gosto, nunca gostei de lá.
P/1 – A senhora foi pra lá pequenininha?
R – Não.
Com três filhos.
P/1 – Ah, quando a senhora já tinha três filhos.
R – Tinha três filhos.
P/1 – Não, mas eu quero recordar da sua família, dos seus pais e dos seus irmãos.
R – Ah, meu Deus, lá era muito bom.
Lá na Boa Vista, pra lá de Apuiarés.
P/1 – Ah, Boa Vista.
R – É.
P/1 – E como é que era lá.
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Tenta se lembrar da casa.
Como é que era essa casa lá?
R – A casa lá era de taipa.
Era só barro.
Agora que eles estão morando em outra de tijolo.
P/1 – E como é que era a casa assim? Tenta lembrar pra gente como é que era a casa.
R – A casa era casa velha de taipa.
Porque eu tinha uma menina pequena, a mais nova, a Solange, aí nós fomos pra lá.
Nós estávamos deitadas lá mais a mãe, aí era muita mosca, o menino veio dizer: “Olha, o seu marido disse que vocês fosse lá pegar o…”.
Aí nós saímos.
A mãe ficou deitada, levantou, caiu o quarto todinho.
Se nós estivéssemos lá tínhamos morrido e ela, né? Foi por isso daí que deu certo.
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P/1 – A senhora era criança nessa época?
R – Não.
Só a minha filha.
P/1 – Ah tá.
R – Foi.
Aí vim embora, assim que eu saí o tio Ramiro chegou lá, ela saiu, aí caiu o quarto todinho.
Se ela tivesse ficado lá também, né, tinha morrido.
P/1 – Mas eu to tentando lembrar, to querendo que a senhora tente se lembrar da época que a senhora era criança.
A senhora tem essas memórias?
R – Eu tenho a lembrança que eu era menina assim pequena, aí a Neide do finado Manuel Moreira, aí eu fui pro riacho, no inverno tem água no riacho, aí eu fui lavar os panos a menina deixou jogar areia “neu”, aí eu vim embora chorando.
Eu ficava com a minha vó, aí ela: “Menina, trouxe a roupa cheia de areia.
” “Porque a Neide tava jogando areia neu, eu vim embora.
Coloquei a roupa com areia tudo e vim embora”.
Que eu não ia brigar com ela, né? Que eu nunca briguei com ninguém, né? Aí fui embora.
Ela: “Meu Deus, e agora?”.
Eu digo: “Agora vou lavar é no rio, com muita água eu vou pra lá sozinha”.
Lá é bom porque tem o rio do Curu lá, bem pertinho de lá, né? Tem muita água lá.
P/1 – A senhora já lavava roupa de pequenininha?
R – Era.
Era assim uma meninotinha pequena, aí ela pegou, era maior, pegou e jogou areia “neu”, eu vim embora chorando pra casa.
P/1 – E a senhora se lembra das brincadeiras da época com é que eram?
R – Lembro-me.
A gente brincava de boneca.
Era bom nesse tempo.
P/1 – Como é que era brincar de boneca? Como é que eram as bonecas?
R – As bonecas? Nós amarrávamos sabugo, sabe? Aí dizia que eram as bonecas (risos).
Hoje em dia, né, brinca com as bonecas, né? Era.
Aí depois que eu comprei umas bonequinhas de pano que uma mulher fazia, não era? Mas naquela época era difícil.
P/1 – A senhora brincava com os irmãos ou era com os amigos de outras casas?
R – Era uma prima minha que ela morava lá pertinho, nós brincávamos com ela.
P/1 – A senhora estava falando dos seus pais que moravam em outras.
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R – É.
Eles moram lá mesmo na Boa Vista, pra lá de Apuiarés.
Só que eu sou de lá porque eu me casei lá no Apuiarés.
Casei-me lá.
P/1 – A senhora ouviu falar histórias dos seus pais de como é que eles se conheceram?
R – Falaram que a mãe disse que nessa época o papai nunca chegava nem perto dela, né? Disse que só saía mais a minha vó, mais a mãe dela e aí não chegava nem perto.
É difícil.
Não é que nem hoje em dia, né? Pois é.
Tanto que lá quando eu morava com ela tinha uma lamparina, aí eu comecei a namorar o Zé Maria ela colocava a lamparina na janela pra clarear.
Hoje em dia não, porque tem energia lá.
P/1 – Entendi.
R – Mas era, né?
P/1 – Lá em Apuiarés.
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R – É.
Pra lá um pouquinho.
P/1 – Vamos ficar por lá, na nossa lembrança aqui por lá.
Senhora lembra como é que as pessoas nasciam lá? Existiam parteiras lá? Como é que era isso?
R – Era.
Era parteira mesmo.
P/1 – Os seus irmãos nasceram de parteira? Você nasceu de parteira?
R – Foi.
P/1 – E quando ficava doente, como é que fazia lá naquela época?
R – Naquela época? A gente ia lá no Apuiarés tem um hospital lá.
Aí consultava lá.
P/1 – Naquela época já tinha hospital?
R – Já tinha.
É.
Hoje é que tá bem adiantado lá, mas era um posto.
P/1 – E se utilizava também de ervas? Tinha as raizeiras, tinha as benzedeiras, essas coisas?
R – É.
Tinha benzedeira.
Lá o pessoal gosta é da raiz de Muçambê, de Aroeira, essas coisas assim.
P/1 – Pra que?
R – O pessoal pega lá pra.
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P/1 – Pra fazer o que?
R – Pra fazer os banhos.
O pessoal que pega lá.
Nós mesmos nunca.
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P/1 – A senhora nunca foi de utilizar desse tipo de.
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R – Não.
Nunca.
Mas lá o pessoal faz essas coisas.
P/1 – Lembrando-se da casa ainda, da casa da sua infância, como é que era a comida, esse espaço de dentro da casa, da hora que acordava o que comia e depois na hora do almoço o que comia? Como é que era?
R – Eu fui criada com a minha vó, né, aí eu dormia até 11 horas, sabe? Depois que casei, pronto.
Ela dizia: “Minha filha, durma”.
Quando eu acordava ia tomar banho depois ia pra escola do meio dia a tarde.
Era bom, mas nunca.
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Depois que comecei a ter os filhos, pronto, não dormia nem de noite.
Agora eu acordo cedinho, cinco horas eu já estou acordada, cinco horas.
P/1 – A senhora foi pra escola quando? A senhora se lembra da primeira vez que foi pra escola, que escola era essa?
R – A primeira vez que eu fui pra escola era de uma mulher que bebia cachaça, aí eu deixei de ir pra lá, fui pra outra.
Aí ela colocava a gente de joelho nos caroços de milho.
Aí eu: “Meu Deus”.
Eu deixei.
Até que ela morreu de beber cachaça, né? Eu fui pra outra escola de outra pessoa.
P/1 – E dessa outra escola, como é que era o nome dessa escola?
R – Era.
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Não sei mais como era o nome da escola de lá.
To nem sabendo mais como era.
P/1 – A senhora tem alguma lembrança dessa escola, o que tinha lá, quem eram as professoras, coleguinhas?
R – Tinha.
A professora lá era boa.
P/1 – É?
R – Era boa demais.
P/1 – O que a senhora lembra dela?
R – Era meio longe, mas era bom.
Eu me lembro dela, porque ela faleceu também, mas era gente boa demais ela.
Ela faleceu.
P/1 – E era como assim? O que a senhora se lembra dela?
R – Eu me lembro dela que ela era a pessoa mais legal do mundo.
Era legal.
Ela faleceu.
P/1 – A senhora falou que a escola era longe.
R – Era longe.
Era.
P/1 – Como é que a senhora fazia pra ir pra escola?
R – Olha, eu ia, ia um bocado de.
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Nós íamos tudinho a pé.
P/1 – Mas ia como? A pé?
R – Era a pé e era longe.
Atravessava o rio.
P/1 – A senhora lembra quanto tempo andava pra chegar na escola?
R – Era longe.
Era bem assim uma hora ou 500 metros.
Deu mil metros ou mais.
Era longe.
Nós atravessávamos o rio e lá era bom, a escola de lá.
P/1 – E a senhora estudou nessa escola até que época, mais ou menos, da sua vida?
R – Acho que até os 13, 14 anos por aí eu estudava.
Aí quando eu comecei a estudar eu já sabia a ler todos os livros, a gente estudava a parte de ABC.
Agora não.
Já sabia ler todos os livros, sabia ler e escrever.
Ditado eu fazia bem direitinho, o pessoal se admirava que eu sabia fazer o ditado direito.
Hoje em dia o pessoal não se interessa muito, né?
P/1 – A senhora se lembra de alguma lição da cartilha?
R – Hã?
P/1 – A senhora se lembra de alguma lição de cartilha, dessas coisas que a senhora aprendia nessa época?
R – Da caixa de ABC, primeiro.
Não tinha a caixa ABC, não é?
P/1 – Como que era isso?
R – Não tinha uma caixinha de ABC depois a cartilha, né? Aí da cartilha eu já sabia ler tudo.
Já sabia ler livro, lia tudo.
Ler e escrever.
P/1 – A senhora se lembra de algum livro que a senhora leu nessa época?
R – Era o primeiro ano, terceiro ano.
Eu sabia ler.
Sabia ler tudo.
Aí o pessoal se admirava porque eu aprendi a ler foi ligeiro.
Agora, a minha irmã, a de Fortaleza ela não sabe ler.
Não sabe ler, não.
Nunca ligou.
Ela estudava, mas ela não tinha interesse.
Ela só sabe fazer o nome mesmo.
Ia lá, mas nunca interessou, não.
Ela é do interior lá mesmo.
Hoje em dia ela vai, mas é difícil ela ir, só os tempos das festas que a gente vai, de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em agosto, janeiro São Sebastião, sempre a gente vai, ela vai.
Ela vem de Fortaleza pra ir.
P/1 – A senhora falou que estudou até os 14 anos.
E por que parou de estudar?
R – Foi.
Até os 14.
Parei.
Era pra eu ter estudado, né? Eu tive vontade de estudar mais, mas não tinha por aqui mais quem ensinasse ninguém.
P/1 – Aí teve que parar.
R – Aí parei.
Na época eu tinha vontade, mas o pessoal lá em Paracuru é muito longe, né? A gente ficava com as coisas aqui.
Mas eu tinha vontade.
Um tempo eu fui, inventaram que tinha Mobral aí, eu fui porque quis ir, porque eu sabia ler e tudo.
Aí disse: “Ah, mas a senhora sabe é de tudo”.
Aí eu até fui um dia, pronto, deixei de ir.
Foi, porque pegava o nome, pensavam que eu não sabia de nada, né? Mobral.
Mobral é só quem não sabe de nada.
P/1 – Então vamos concentrar nessa época da sua, digamos assim, adolescência, 13, 14 anos a senhora parou de estudar, aí a senhora foi fazer o que? Como é que era a vida nessa época? A senhora parou de estudar.
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R – Parei de estudar.
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P/1 – E aí? Como é que foi?
R – Porque aí foi porque eu me casei aí parei de estudar.
P/1 – A senhora se casou com quantos anos?
R – Dezesseis anos.
P/1 – Dezesseis.
R – Foi.
Que eu me casei.
___00:14:41___ casei lá em Apuiaré, já.
P/1 – E como é que era essa época então, já que a gente está chegando já no casamento, vamos voltar um pouquinho antes do casamento.
R – Sim.
P/1 – Com é que era essa época de.
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Como é que se conhecia uma pessoa na época e lá nessa cidade onde você morava? Como é que se conheciam as pessoas?
R – A gente conhecia porque a gente tinha festa de santo, aí a gente ia e conhecia, a gente conhecia, conheci ele numa festa, né? Mas eu nunca saía, era difícil sair.
Ao invés de eu me arrumar pra ir a minha vó dizia: “Tira a roupa que não vai, não pediu pra ir”.
Aí tinha que tirar.
Eu não ia, não.
Hoje em dia é muito diferente.
P/1 – E como é que eram as festas de santo na época? O que a senhora se lembra das festas de santo? O que tinha? Qual santo que era? Como é que era isso?
R – Vocês são católicos, são? Nós íamos lá, quando nós morávamos lá nós não perdíamos missa, não era? Aqui é que não, que é difícil.
Quando tem a gente nem vai que é no Marco, é longe, ele não vai, eu também não vou só.
Mas lá nós não perdíamos.
Tem a festa de santo que é tão animado que é Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em agosto, no dia 15 de agosto e dia 20 São Sebastião.
Nós todos íamos pra uma derradeira novena lá no Apuiarés lá.
P/1 – E como é que era a festa? O que a senhora se lembra da festa? O que tinha na festa?
R – A festa era muito boa.
É muita gente.
A gente vê muitos conhecidos, é bom demais.
P/1 – Tinha música?
R – Tem.
P/1 – A senhora gostava de dançar?
R – Nunca dancei, não.
Não aprendi, não.
P/1 – A senhora assistia as pessoas, mas não dançava?
R – É.
Mas nunca dancei, não, porque eu nunca aprendi, né? Aprendi a dançar não.
Nós vamos pra festa de santo mesmo, nós nunca vamos.
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Vai pra novena, depois da novena vai embora, pega a moto por lá e aí nós vamos dormir lá com os meninos, pra Apuiarés aí volta.
P/1 – E a senhora conheceu o seu marido lá?
R – Foi.
Ele é de General Sampaio.
P/1 – Que é distante ou perto de.
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R – É distante.
É distante, mas nesse tempo ele morava.
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Mora a irmã dele lá agora, mas ele morava num lugar chamado Cachoeira, era longe lá no interior.
P/1 – Como é o nome dele?
R – Hã?
P/1 – Como é o nome dele?
R – Do meu marido? É José Maria Gomes Barbosa.
Você vê o nome era Maria Zenite Alves de Souza, mas como eu casei com ele mudou, né? Aí é Barbosa por causa dele.
P/1 – Entendi.
R – É José Maria Gomes Barbosa.
P/1 – Mas antes de conhecer o José Maria, assim, o José Maria foi o seu primeiro namorado?
R – Foi.
P/1 – E como que era o namoro naquela época?
R – Eu não to dizendo que lá não tinha laje nesse tempo, a minha vó colocava uma lamparina na janela pra clarear? Agora não que tem energia lá, é muito diferente.
Nessa época não tinha, era lamparina, né?
P/1 – E como é que era na família dizer que estava namorando? Como é que era isso? Como é que.
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A senhora falou que foi criada pela sua vó até quantos anos?
R – Foi pela minha vó.
Até.
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P/1 – Desde pequena?
R – Foi desde pequena, aí ela.
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P/1 – Por quê?
R – Porque fui criada com ela mesmo.
Lá nós éramos muito.
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P/1 – Os seus pais não podiam criar?
R – Não, mas morava pertinho.
É mais porque eu fui criada mesmo com ela.
Lá era bom.
Ela era muito boa pra mim.
Aí minha vó morreu eu fiquei com a minha tia.
Aí deu.
P/1 – E quando a senhora casou a senhora morava com a sua tia?
R – Era, que a minha vó já tinha morrido.
P/1 – E quando a senhora chegou com o namorado o que a sua tia falou?
R – Ela gostou dele, né? Aí eu casei, fiquei lá dentro de casa, que ela era muito boa, ele também gostava muito dela.
Ela era uma pessoa lá do.
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A minha tia, que ela faleceu também.
P/1 – E como é que foi essa história de casamento? Como é que foi o casamento?
R – Hã?
P/1 – Como é que foi o casamento?
R – Foi bom.
É bom até hoje.
P/1 – Mas assim lembrando, quando que a senhora casou?
R – Esse aí que sabe quantos anos tá, bem com uns 43 anos que nós casamos.
Foi.
Tá com muito tempo, né?
P/1 – E como é que foi? Teve festa? Como é que foi? Teve a cerimônia na igreja?
R – Teve cerimônia na igreja, até o padre foi lá pra casa.
Ele mesmo disse que era acostumado de casamento, nós convidamos, ele foi.
Foi bom demais lá.
P/1 – E a festa?
R – Festa lá.
Foi.
Foi bom lá quando eu me casei.
P/1 – Tá certo.
A senhora falou que acordava tarde.
R – Era.
Acordava tarde quando a minha vó era viva.
P/1 – Aí quando casou.
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R – Aí eu casei, pronto.
P/1 – Começou a acordar cedo.
O que mudou na sua vida depois que casou? Como é que foi? O que mudou?
R – Porque quando teve os meninos não dormia de noite, ficava sem dormir, né? Aí pronto.
Acordo cedo demais.
Ele acorda cedo, às cinco horas, eu também me levanto.
P/1 – A senhora se casou e ficou morando lá perto da sua tia ou foi morar em outro lugar?
R – Foi.
Quando eu saí de lá tinha três filhos, aí fui embora pro Pará.
Ela não queria que eu fosse, não.
P/1 – E o que a senhora foi fazer no Pará? Como é que foi essa escolha? Por que escolheu?
R – Porque um primo dele ligou que nós fossemos, mas eu nunca gostei, não.
Lugar lá é tão perigoso, tão esquisito lá no mato.
Não achava muito bom lá, não.
P/1 – E onde era isso no Pará?
R – No Pará.
Sinceramente, era lá no 95 aí a gente passava lá, o cemitério era no mato, aí um dia eu passei, tinha um carro com um homem cheio de ____00:20:41___ tinha matado, né? Aí eu passei mais a menina, que eu vinha de… ai, eles disseram: “Ligeiro, não olhe pra trás”.
Nós fomos ligeiro demais, nem ideia de olhar pra trás.
Era uns bandidos que mataram essas pessoas, enterraram lá, levava, né? Disse que nós não olhássemos pra trás.
Quem que ia olhar, imagina, nem quem ia olhar, nós porque passamos de frente, ele tava parado, né? Todo ensanguentado.
P/1 – E vocês ficaram quanto tempo lá no Pará?
R – Ficamos lá.
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Deram uns oito anos que nós moramos.
Foi.
Aí viemos embora, meu marido disso: “Olha, vamos embora”.
Eu disse: “Vamos”.
P/1 – Seu marido, o Zé Maria, seu marido, fazia o que lá?
R – Ele convidou, né? Eu aproveitei a oportunidade: “Vamos embora”.
P/1 – Mas com o que ele trabalhava lá no Pará?
R – Trabalhava lá mesmo na agricultura, plantando lá.
Do mesmo jeito daqui.
P/1 – Aí vocês voltaram do Pará e foram pra onde?
R – Ficamos no Pecém.
Aí do Pecém vim pra cá.
P/1 – E como que era lá no Pecém?
R – No Pecém era bom, mas agora essa época não tá mais prestando lá, porque tem tanto tiroteio lá agora, né?
P/1 – É?
R – É sim.
Pecém é.
As meninas que dizem que é desde quando.
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É gente atirando, mata gente por lá, é assim.
É muito perigoso o Pecém agora, não é muito bom como era, não.
P/1 – A senhora se lembra da época que a senhora chegou a morar no Pecém? Quando que a senhora chegou lá?
R – Cheguei lá era bom.
Não era perigoso, não, mas agora é.
P/1 – E o que era bom lá no Pecém?
R – Era mais espaço, né? Aqui não, aqui é difícil pra gente ir pra lá pras meninas, é tão difícil.
Tem que ir lá ou neste micro-ônibus pra pegar lá a outra Kombi ou ir de moto, deixar lá no ponto de ônibus.
É muito difícil aqui transporte, porque esse vai, mas não é todo dia, não.
P/1 – Faz quanto tempo que a senhora se mudou do Pecém?
R – Foi ano 2000, mais.
Já tá com o que? 14 anos mesmo.
P/1 – Catorze anos.
R – É.
14 anos.
Porque ele não gostava de lá porque lá é muito movimentado, daí ele não achava bom pra dormir.
Aqui não, aqui é calmo, né?
P/1 – E tem algum motivo a mais que fez vocês saírem do Pecém?
R – Os filhos ficaram lá e aí nós viemos pra cá porque lá ele não gostava, nunca gostou porque ele não podia dormir com aquele movimento mais doido, aquela zuada, ele nunca gostou, não.
Aqui não.
Aqui anoitece, ele assiste o jornal, aí pronto, vai dormir.
Porque ele gosta do jornal, né?
P/1 – E aqui é aonde? Como é o nome daqui?
R – Aqui é a Monguba.
Assentamento da Monguba.
P/1 – E por que vocês vieram morar pra cá? Como é que foi essa escolha? O que aconteceu?
R – Foi porque nós arrumamos uns terrenos aí lá na área verde, lá foi desapropriado, aí foi pra cá.
P/1 – Quem que desapropriou?
R – Hã?
P/1 – Quem que desapropriou?
R – Não sei se foi a Idace nesse tempo.
Foi desapropriado lá e aí Idace nos tomou pra cá.
P/1 – Como é o nome?
R – Idace.
Nesse tempo era a Idace que tinha um carro que vinha pra cá.
Vinha sempre, a gente quando vinha pro Pecém vinha no carro, não era? É um órgão chamado Idace, mas aí saiu.
Pronto.
Deixou.
Foi embora.
Aí nós ficamos pra cá e ficou ruim, né, porque pra sair não é toda vida que esse micro-ônibus que eu vim vai.
Aí é muito difícil aqui.
P/1 – É difícil?
R – Eu acho.
Eu acho difícil.
P/1 – Você preferiria morar no Pecém ou aqui?
R – Não, aqui mesmo porque lá é só pra ir porque as meninas moram lá, eu tenho que ir sempre lá, por causa dos filhos que moram lá.
Moram quatro lá em dois.
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Não.
É a Simone, a Solange e a Silene.
O resto mora fora.
P/1 – A senhora poderia falar um pouquinho do que eles fazem lá, o seus filhos? Quem são eles, o nome e o que eles fazem lá?
R – O nome? A mais nova é Solange.
P/1 – O que ela faz?
R – Ela vende produto Natura.
É.
E a Simone é manicura, tem um salão lá no Pecém, que ela é manicura.
E a Silene trabalha.
P/1 – Os seus filhos continuaram, mas vocês tiveram que se mudar pra cá.
R – Foi.
P/1 – Vocês tiveram que se mudar por conta da construção lá da siderúrgica lá?
R – Foi.
P/1 – Foi por isso?
R – Foi por isso.
Aí foi pra cá, né?
P/1 – Mas por que os seus filhos não foram atingidos e continuaram morando lá?
R – Não, continuaram morando lá.
Foi não.
Lá não.
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P/1 – Vocês moravam juntos, os seus filhos e vocês na mesma casa?
R – Era.
Mesma casa.
Hoje em dia, tá tudo casado.
P/1 – Aí vocês tiveram que vir pra cá e eles.
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R – Ficaram.
P/1 – Ficaram.
R – Ficaram.
Meus dias tudo.
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Sempre eles vêm pra cá.
P/1 – Aí eles tiveram que arrumar outras casas lá?
R – Foi.
P/1 – Como é que eles vivem lá? É de casa própria ou de aluguel?
R – É não.
É de casa própria.
P/1 – Casa própria.
R – Não é aluguel, não.
A Simone era de aluguel, mas ela construiu a casa lá na colônia de férias, lá perto do Pécem.
A casa dela é casa muito boa, a que tem um salão, né?
P/1 – E a casa que eles moram é um loteamento como esse aqui, um lugar que foi elevado.
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R – É, mas é de frente dos conjuntos.
Tem os conjuntos lá, né? Pois é.
P/1 – Mas foi a empresa que organizou esse assentamento, a prefeitura?
R – Não.
Não foi a prefeitura, não.
Foi esse órgão que é.
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P/1 – Idace.
R – Que é a Idace.
Era.
P/1 – Então os realocou ali no Pecém mesmo?
R – Foi.
E aí eles colocaram todo mundo pra cá.
Esse pessoal que mora pra cá era tudo de outro lugar.
Do outro assentamento do mesmo jeito.
P/1 – Eu queria saber o porquê algumas pessoas continuaram lá, tiveram essa oportunidade de continuar lá e outras vieram pra cá.
R – Foi.
Nós viemos pra cá, porque os filhos estudavam, tudo terminaram, não queriam vir.
Sempre vinha aqui, aí tudo tem suas casas, mas sempre vêm.
Quando é Natal, Ano Novo vem todo mundo, é bom demais.
P/1 – A senhor falou que o Pecém era muito agitado.
R – É.
Agora é.
P/1 – Agora é muito agitado.
O que é essa agitação pra senhora?
R – É assim, porque diz que lá, diz a menina, que um dia ela saiu com o menino dela, aí disse que vinha um cara na moto atirando, não deu tempo de chegar à casa, entrou na casa de uma mulher, a mulher fechou a porta e o portão.
Porque não deu tempo dela chegar, disse que.
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Agora não é bom estar saindo, né, de noite.
Ela disse que um dia houve um tiroteio lá que tinha uma loja lá, aí a mulher mandou fechar eles disseram que se fechasse queimava de bala.
O portão tá tudo furado.
Elas se abaixaram acho que lá por dentro, que elas abaixaram, né, que a mulher mandou baixar o portão, aí abaixaram.
Aí eles atiraram.
Estão os rombos no portãozão onde que era, né? Portão daquele é muito.
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Lá é perigoso.
Eu não.
Eu sempre vou lá, mas eu não acho, não, porque sempre eu vou e passo dois dias e venho.
(interrupção) Meus filhos moram lá, eu sempre vou porque a gente, né, eu to aqui, mas eu tenho que ir lá à casa ou então eles.
Ele também vai sempre, ele vai às vezes primeiro do que eu.
Mas eu fui sexta-feira, vim domingo, pra lá.
P/1 – Quando a senhora vai pra lá, o que a senhora faz? O que a senhora gosta de fazer lá, quando está lá?
R – Eu fico só lá mesmo.
As meninas não deixam eu fazer nada, fico lá: “Vem assistir televisão vó”.
Aí eles não deixam nadinha, nada.
P/1 – A senhora fica assistindo televisão de pernas pro ar?
R – É.
Quando elas vêm pra cá eu não faço nada porque elas não deixam.
Elas que fazem tudo aqui quando elas chegam: “A senhora tem que se deitar”.
Eu mesma não.
“Vou fazer as minhas coisas” “De jeito nenhum, hoje é nós”.
Elas não deixam quando elas estão, quando eu chego, né? A gente é acostumada, a gente não gosta, mas elas que querem fazer.
P/1 – Agora, quando a senhora se mudou pra cá 14 anos atrás, como é que era essa região aqui? Mudou alguma coisa de lá pra cá?
R – Mudou.
Aqui era mais, né, sei não.
Aqui são difíceis as coisas.
P/1 – Mas como é que era?
R – Porque é muito longe.
P/1 – Como é que foi a sua impressão? A senhora chegou e olhou aqui e falou: “Vou morar aqui agora”.
Como é que era isso?
R – Não.
Eu vi, eu digo: “Vixe, mas.
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” quando eu vim morar eu digo “Meu Deus, mas é longe”.
Na forquilha é bom que é pertinho, mas aqui é longe, viu? Sinceramente.
Aqui é longe só quem tem carro mesmo pra vir aqui, mas tem gente que ainda acha longe quando vem aqui a primeira vez acha longe.
Do Pecém pra cá é longe, né? Meu filho não, quando veio ele até chega.
P/1 – E de lá pra cá mudou alguma coisa assim, facilitou, melhorou ou não?
R – Não.
P/1 – Continua.
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Como é que é o sistema de ônibus daquela época pra hoje?
R – De ônibus? Lá não tem o Buritico, lá? Pois é, a gente pode deixar de moto lá, quando é pra ir no ônibus.
Aí eu espero lá.
É longe, né? Quando eu venho por lá tem que pegar outra moto porque é longe.
Primeiro eu vinha era a pé, mas é muito longe só faltava não chegar, agora é perigoso pra vir, sempre eu arranjo moto.
Quando eu não arranjo moto eu fico lá e venho pra vir neste micro-ônibus.
Fico lá esperando porque é difícil pra vir, que a moto às vezes não tem pra vir.
P/1 – Tem algum problema assim maior, alguma coisa além da distância que afeta a comunidade aqui?
R – Aqui é muito, não sei, é calmo, mas é difícil as coisas aqui.
É muito difícil aqui.
É muito longe.
P/1 – É muito longe?
R – É muito longe.
P/1 – E fora a distância? Além da distância tem mais alguma coisa que atrapalha, que poderia melhorar, que a senhora acha que poderia melhorar aqui?
R – É.
Podia até melhorar aqui se fosse.
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P/1 – Mas melhorar como? O que a senhora acha que poderia melhorar aqui?
R – Se tivesse um transporte aqui era bom demais.
Era mais, né, não é todo tempo que aquele vai.
Às vezes eu quero ir no Pecém ela me deixa lá pra esperar o ônibus.
É longe, né? Quando ele vai a gente vai, mas não é todo tempo que ele vai, esse micro-ônibus.
Aí vou pro Pecém eu espero a moto.
Só falta… só falta não passar mais pro meio lá no Pecém.
É longe.
É difícil.
P/1 – A senhora já trabalhou pra fora?
R – Nunca.
Nunca trabalhei, não.
Só em casa mesmo, onde eu moro só faço coisa em casa mesmo.
Trabalhei, não.
P/1 – E o seu marido aqui ele trabalha com o que mesmo?
R – Ele trabalha plantando e tá assim sem chover, né, perdendo os legumes, né? Tem uns milhos que estão bonecando, se não chover não dá nada, não, né? Até os feijões estão assim morrendo, porque esse solzão.
Por aí afora, o povo de São Gonçalo tá molhado, mas aqui, olha aí, tá tudo morrendo.
P/1 – E a senhora ajuda ele?
R – Ajudo.
Ajudo.
Quando eu vou apanhar feijão, quando tem aí eu vou.
Ano passado eu limpei mato mais ele.
Agora eu vou só pro feijão quando tem, pra mato não vou mais, não, porque é muito ruim.
Quando chegar ainda fazer a comida.
P/1 – Além do trabalho que tem, o seu marido tem o trabalho, a senhora ajuda ele, senhora tem os seus afazeres em casa.
Além disso, tem alguma coisa a mais pra se fazer aqui na região, na comunidade?
R – Não.
P/1 – Tem uma igreja, algum lugar assim aqui por perto, não sei, pra encontrar pessoas?
R – Tem nada.
Aqui por perto só tem mesmo a igreja dos crentes, que os crentes fazem, né? Eu nunca nem vou porque é meio longe, mesmo assim eu não.
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P/1 – A senhora é católica.
R – Sou católica, não sou crente.
P/1 – E o que a senhora acha dessa região aqui, desse assentamento do Paracuru? A senhora acha que pode melhorar alguma coisa daqui pra frente assim? O que a senhora imagina?
R – A gente podia até melhorar alguma coisa, né, daqui pra frente.
Porque aqui é muito difícil as coisas.
Pra comprar as coisas tem que ir pra longe.
É muito.
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P/1 – A senhora tem algum sonho, dona Maria?
R – Hã?
P/1 – A senhora tem algum sonho?
R – Eu tenho de melhorar aqui, ser melhor.
P/1 – E o que seria ser melhor aqui?
R – Melhor se tivesse alguma coisa.
Tipo assim, alguma coisa melhorava, né?
P/1 – Que coisa?
R – Hã?
P/1 – Que coisa assim?
R – Se o transporte é alguma coisa que fosse melhor, que aqui é muito difícil.
É difícil as coisas aqui.
Eu acho.
Desde que eu cheguei eu.
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No começo eu custei pra me acostumar, porque os filhos tudo pra lá e eu só aqui mais ele.
P/1 – Bom, acho que é isso dona Maria.
Eu queria só que a senhora falasse o que a senhora achou de estar participando desse projeto contando a sua história de vida aqui pra gente.
R – Foi muito ótimo.
Ave Maria, foi bom demais.
Eu gostei.
To gostando.
P/1 – Como é que foi se lembrar das histórias?
R – Hã?
P/1 – Como é que foi se lembrar das histórias?
R – Do meu pessoal? Foi bom demais me lembrar dos meus povos, do meu pessoal que já faleceu, meus irmãos, meus filhos.
Eu tenho mais meus filhos, meus irmãos eu custo a ir lá, né, onde eles estão.
A gente custa porque é muito longe.
P/1 – E teria alguma mensagem que a senhora queria deixar pro pessoal que for assistir essa história daqui a alguns anos assim, ou daqui.
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Enfim, outras pessoas de outros lugares do Brasil que vão assistir a senhora, escutar a senhora falando.
R – Eu queria.
P/1 – O que a senhora queria deixar de mensagem?
R – De mensagem?
P/1 – Pra essas pessoas.
R – Queria deixar que, Ave Maria, que melhorasse aqui era muito bom, não era? Era uma benção se melhorasse.
Tudo fosse melhor aqui.
P/1 – Então está certo, dona Maria.
Acho que é isso.
R – É isso, né?
P/1 – Terminamos.
R – Terminou, né?
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