Programa Conte Sua História
Depoimento de Simone Cardoso dos Santos
Entrevistada por Denise Cooke
Guarulhos, 04 de outubro de 2018
Entrevista número PCSH_HV662
Realização: Museu da Pessoa
Revisado e editado por Bruno Pinho
P/1 - Oi, Simone, muito obrigada por estar aqui contando a sua história para a gente, seja bem-vinda. E vamos começar, fala para nós o seu nome, a data do seu nascimento e onde você nasceu.
R - Bom, meu nome é Simone Cardoso dos Santos, eu nasci aqui em Guarulhos, nasci em 13 de janeiro de 1973.
P/1 - E você sabe alguma coisa sobre o dia do seu nascimento?
R - Importante? Eu nunca pesquisei, eu não sei o que pode ter acontecido.
P/1 - E você sabe como os seus pais se conheceram?
R - Meus pais se conheceram em uma vila que tinha aqui em Guarulhos, que já existiam famílias deles, a minha mãe tinha uma quantidade de pessoas que já moravam lá, meu pai também e minha mãe trabalhava em uma fábrica de brinquedos, a Estrela, e eu acho que eles se encontravam ali quando ele ia visitar a família e aí começaram a namorar e casaram.
P/1 - Como é o nome deles?
R - O meu pai chama Severino Cardoso dos Santos, a minha mãe Edjane Cardoso dos Santos.
P/1 - E onde você nasceu? Em que casa você nasceu?
R - Eu nasci aqui em Guarulhos mesmo, eu nasci no Centro de Guarulhos, eu nasci em uma casa que eram dois cômodos e o banheiro era do lado de fora. Eu lembro que a gente tinha dois cachorros, o Preto e a Suzi, que era um pequinês, que acho que nem existe mais, porque cruzaram tanto e já não existe, e eu andava o dia inteiro com ela no colo e mesmo com a dermatite, que eu já tinha dermatite desde que eu nasci. Eu não sei a história da dermatite do meu nascimento até os cinco anos, dos cinco anos para frente eu sei, então a dermatite sempre esteve presente na minha vida, eu sei que é uma coisa que não existe uma cura, mas uma melhora. Nunca foi um problema para mim, assim, de discriminação na escola, porque quando eu era criança eu só tinha nas partes quentes, dobra do braço, atrás da perna, eu lembro muito pescoço, porque era onde esquentava muito, então ficava bem vermelho e saía uma água e tal. Então quando era criança era só essas partes e eram com coisas de contato, então pelo de cachorro eu não podia e vivia o dia inteiro com a Suzi no colo, poeira, nessa casa eu acho que nem tinha asfalto ainda na rua, então assim, era terra, então não tinha como eu não ter crises, porque era um lugar onde não tinha como não ter poeira. Então sempre que eu fiz os testes de contato, sempre deu todos, se fossem dezesseis, davam os dezesseis, então assim, era bem complicado. E aí comecei a fazer tratamento, acho que minha mãe me levava na Penha e eu tomei vacina durante dez anos, dos cinco aos quinze, e aí depois com quinze o médico falou: “Olha, agora você nem precisa tomar mais, o seu organismo também já acostumou, e daqui para a frente, conforme o crescimento, você vai melhorar”, e dos quinze aos vinte e três eu tive a pele maravilhosa. Mas foi a época que fui mais livre, eu fazia o que eu queria, eu saía, meu pai falava não e eu ia, porque eu sempre fui bem abusada, então ele falava: “Você não vai viajar”, eu: “Está bom, pai”, quando chegava no dia da viagem e eu pronta para ir. Então assim, sempre fui muito desafiadora, tudo na minha vida quando eu tenho objetivo eu vou até o fim, eu acho que a gente só pode se arrepender daquilo que a gente faz, o que a gente não faz não tem como você se arrepender. E eu tenho mais três irmãos, a Márcia, o Rogério e o Eduardo, eles não têm dermatite, na família mesmo assim, até os primos mais próximos, ninguém tem, só eu, eu e agora o meu filho. Eu tenho gêmeos, o Gustavo também tem dermatite, já nasceu e a dele é controlada até, assim, ele tem do mesmo jeito que eu tinha infância, ele tem, só algumas partes. Hoje eu tenho praticamente cem por cento do corpo, quando eu casei eu tinha vinte e três, eu conheci o Valmir e a gente tem treze anos de diferença e eu me apaixonei e com oito meses que a gente estava junto, eu juntei as minhas coisas e fui embora. A minha mãe ficou triste, porque queria que eu casasse, aquelas histórias de mãe. E eu fui embora e o meu pai deixou, eu achava que ele não ia deixar, mas porque ele achou que eu ia voltar logo, ele falou: “Ela vai, mas vai voltar”, e aí eu não voltei. Só que um ano depois que eu estava com ele, ele descobriu que tinha problema renal, achava que era problema de coração e de repente a gente foi no médico que um amigo nosso que indicou, um cardiologista, ele olhou na fila e ele falou assim: “O seu problema não é coração, você tem problema ou renal ou vesícula”, e entrou no consultório, olhou tudo, falou: “Vamos fazer os exames”. E aí descobriu que realmente era problema renal, começou a fazer hemodiálise naquele, já estava em uma situação grave a gente não tinha noção e a partir daí a minha dermatite começou a voltar, só que eu não percebi, porque eu acompanhava ele em tudo, então eu saía meia noite do trabalho e seis horas da manhã a gente está no hospital. Ele fez hemodiálise durante três anos e meio e nessa luta a gente correndo atrás de transplante, teve assim muita coisa. E foi voltando, porque eu estava tão engajada nas coisas que estavam acontecendo, que eu não percebi, assim, a volta da dermatite, começou a voltar de uma forma até que rápida.
P/1 - Mas vamos voltar um pouquinho então mais para a sua infância, você lembra quando foi feito o diagnóstico, como foi feito?
R - Então, eu não lembro muito, eu lembro que a minha mãe levou nessa clínica, que chamava policlínica, mas eu acho que era na Penha, então eu lembro que tinha um papel azul assim onde foram feitos esses testes de contato e aí foi constatado, assim, que eu já tinha o grau meio alto da dermatite. Então nessa clínica que foi diagnosticado, assim, o grau e a partir daí eu comecei a tomar as vacinas. Então eu tomava vacina todos os dias e usava pomada, essas coisas que são complementares. Então durante esses dez anos que eu usei a vacina foi bem, quando eu completei os quinze anos, que ele falou que eu não precisava mais, dos quinze aos vinte e três eu não tive nada, assim, a minha pele era perfeita, eu não tinha nenhum vestígio, nada, nem onde já tinha tido, que ficava grosso e tal, aquilo, a minha pele ficou ótima. E aí com vinte e três foi quando eu casei e com vinte e quatro começou a voltar, só que eu não percebi, na realidade eu só me dei conta que estava muito ruim dois anos antes da minha separação.
P/1 - E voltando para a sua infância, para a sua adolescência, como é que foi conviver com a dermatite? Você teve casos de discriminação na escola?
R - Não.
P/1 - No trabalho?
R - Não, assim, hoje eu acho que é mais do que quando era criança, quando era criança não, e tanto é que eu nem falava sobre esse assunto, assim, as pessoas não me perguntavam nada, porque não era uma coisa gritante, hoje é uma coisa que olhou para mim “Nossa, o rosto dela está vermelho ou os braços”, então assim, não fica mais como era antes, normal.
P/1 - E você falou que você sofre discriminação hoje, você pode contar para a gente algum caso específico?
R - Já aconteceu de estar na rua e a pessoa falar: “Nossa, é queimadura isso? Nossa, isso é esquisito”, sabe, aí eu: “Não, isso é dermatite, isso não pega”. Você já tem que falar logo, porque senão a pessoa tem até medo de pôr a mão em você. Então eu lembro uma vez que eu estava na casa de um amigo, eu estava com namorado e lá tinha piscina, só que ficou eu, ele e os meus filhos e aí veio um moço chamar o dono da casa. Bateu palma, “O Elói está aí e tal?”, eu falei: “Não”, aí ele: “Nossa, o que é isso na sua pele? Você precisa de Deus”. Nossa, aquilo me estressou, eu fiquei, o Anderson veio, ele viu que eu... Eu falei: “O senhor quer falar com ele, ele não está”, aí fui já, sabe, seca, ele falou: “Você precisa de Deus, você tem que ir na igreja, você tem que...”, aí falei: “Eu não vou responder”. Eu entendo que as pessoas queiram ajudar, sabe, todo mundo fala: “Porque você não muda de médico?”, ninguém sabe o que eu passo. O meu médico é o melhor, então assim ele faz tudo que ele pode para me ajudar, as vezes eu escrevo para até que, assim, eu amo ele, sebe, porque é muito é muito difícil um médico que seja humano, que se importe realmente, sabe. E ele faz tudo que ele pode para mim, se ele um remédio novo, se ele tem um creme novo, tudo ele, sabe, ele: “Simone, vem aqui”. Então eu, assim, eu sou grata todos os dias por ele ter passado pela minha vida. Eu conheci ele lá no aeroporto, eu trabalho lá, que nem eu te falei, há vinte e quatro anos, então assim, já passei muita coisa lá. Então assim, encontrar com ele foi um presente de Deus mesmo, porque eu já tinha passado em vários médicos, já fiz um monte de tratamento, mas uma sequência grande, assim, a gente está há dez anos juntos, então é muita história. Mas eu, hoje, eu percebo que é mais emocional do que coisa de contato, então se eu estiver bem, a minha pele fica ótima, se eu não tiver, é automático. Só que o primeiro lugar que mostra, é meu rosto, e eu não tenho como esconder.
P/1 - E você sabendo desse elemento emocional, você faz alguma coisa para tentar atenuar isso? Você faz algum tipo de tratamento paralelo?
R - Então, a melhor coisa que eu fiz na minha vida, desde que eu comecei a perceber que era emocional, é terapia. A terapia foi o que realmente me ajudou desde a minha separação até hoje. Hoje exatamente eu não faço mais, porque a minha terapeuta ela arrumou emprego fora, mas de vez em quando, até pelo WhatsApp, a gente se ajuda, porque ela foi minha colega de infância na escola, e eu nunca imaginei que é ter essa relação, mas foi a melhor terapeuta que eu tive até hoje. Ela, assim, é muito direta, então ela me faz pensar coisas que às vezes eu não quero, eu sei, mas eu não quero, porque é o subconsciente, você fica tentando ficar para trás com aquilo para não te machucar, vamos dizer assim. Então a terapia eu acho que foi uma das melhores coisas, eu tento fazer coisas que eu gosto, estar com as pessoas que eu gosto, eu tenho muitos amigos, então assim o que eu puder fazer para desestressar, eu faço.
P/1 - E você mora com seus dois filhos de quinze anos?
R - Isso.
P/1 - E como é que é a rotina da família? Como é que eles lidam com a dermatite?
R - O Gustavo é normal, assim, ele também não fica falando, ele é muito forte, ele é um garoto assim, desde o nascimento. Eles nasceram de seis para sete meses, e o Gustavo nasceu com 905 gramas, o Erick nasceu com 275 e o Gustavo ficou preso na minha costela e quando o médico foi fazer o exame, que eu sentia muita dor, ela falou: “Olha, a gente vai fazer um exame, vai tirar um litro e meio do líquido da sua barriga e vai ficar 24 horas sem se mexer. Amanhã eu venho e a gente pensa o que vai fazer”, quando ele voltou no dia seguinte ele falou: “Olha, vamos fazer a cesárea agora e vamos tentar salvar um”. Imagina, você nove meses lá, nove meses não chegou, mas você pensando que vai nascer as crianças e tal e de repente ele fala: “Tentar salvar um”, imagina a cabeça como é que ficou. Só que, graças a Deus, deu tudo certo. Ele nasceu, ele teve uma parada cardíaca quando ele nasceu, então o apgar dele no primeiro minuto foi zero depois ele foi para nove, então fizeram, acho que fizeram desfibrilador, alguma coisa assim, eu não lembro porque foi tudo muito rápido e aí ele voltou. Ele tem déficit, uma coisa assim bem leve, mas é muito inteligente, grava as coisas, ele tem uma memória fotográfica incrível. O Eric não tem, assim, não ficou com nenhuma sequela, mas enquanto esteve no hospital teve nove paradas cardíacas, então teve que, do nada ele parava, porque como não tinha completado as 36 semanas ele parava de respirar, ele achava que estava na minha barriga, aí voltava de novo. Dessas nove eu só vi uma das nove e o pai viu duas, então foi bem assim assusta. E eles ficaram 41 dias na UTI, e quando eles saíram o médico falou: “Olha, vida normal, não fica superprotegendo, porque ficou em incubadora, essas coisas”. Então assim, nunca me deram trabalho de nada. A dermatite do Gustavo eu percebi quando ele já estava com um ano, que já tinha a pele um pouquinho grossa, daí você vai percebendo. Ele, assim, ele é muito de boa, também nunca falou para mim: “Mãe, uma pessoa não quis chegar perto de mim e tal”. Agora tem a piscina que ele está indo até agora ele também não falou nada que alguém tenha falado algo, porque no caso dele, onde fica mais é o pé, então ele coça, só que ele coça a ponto de machucar, igual eu também, eu não sei bem porque a gente faz isso com a gente. Porque dizem que coisa de pele é aceitação, tem coisa que você não aceita em você mesmo, então eu não sei.
P/1 - E vocês tem alguma estratégia para ligar com a dermatite, para amenizar?
R - Então, é isso que eu te falei, terapia para mim é uma coisa que me ajuda, e fazer coisas que eu gosto, sair, estar com os amigos, levo eles no cinema, a gente sai. Estar perto de quem eu gosto, isso para mim é uma coisa que me ajuda bastante, tem hora que esqueço.
P/1 - E em termos de tratamento médico o que é que vocês fazem?
R - Hoje eu tomo metotrexato, que é um remédio, não sei se é muito novo, mas eu já tomei ciclosporina também, que é um remédio contra rejeição de órgãos, que o meu ex-marido tomou quando fez transplante, mas eu tomei durante um tempo, mas depois também não surtiu efeito. Então Doutor Mário achou melhor trocar, agora a gente foi para o metotrexato e agora ele me inseriu em um programa que é lá em Santo André, eu acho, de uma droga nova que apareceu aí, só que ainda eu não fui para ver, mas é algo, assim, pode ser uma esperança de uma melhora boa. Eu não tenho problema com as mudanças, assim, se ele fala para mim: “Simone, tem um...”, eu falo: “Pode me colocar, Doutor Mário, não tem problema.”, foi igual quando ele falou da Carol, “A Carol quer fazer uma entrevista ali”, “Pode pôr, não tem problema.”. Eu acho que tudo é válido, não deixar de fazer, de repente eu deixo de fazer uma coisa que pode ser uma melhora para mim, eu acho que enquanto é para o bem não tem problema.
P/1 - E você tem alguma crise de dermatite...
R - Tenho.
P/1 - Que foi especificamente marcante para você na sua vida?
R - Tenho, várias. Assim, depois da separação eu tive, não foi uma crise, eu peguei um vírus chamado Variceliforme de Kaposi, que apareceram umas bolinhas no meu rosto, eu estava em uma festa, fui para a festa de manhã, festa a fantasia, toda feliz vestida lá de Mulher Maravilha e tal, e aí o dia foi passando e eu fui sentindo ardor no rosto, mas como tudo arde coça, eu não liguei. E comecei a fazer uns drinks para o pessoal e comecei a beber, coisa que eu não bebo muito e tal, e aí quando chegou umas seis horas eu falei: “Gente, o meu rosto está muito ardendo, quando eu entrei no banheiro, que eu me olhei, eu falei: “Gente, como que vocês viram o meu rosto desse jeito ninguém falou nada?”, estava tomado de bolinha toda essa parte aqui. Eu entrei em pânico, o Doutor Mário, eu já mandei mensagem, ele: “Calma Simone”, eu falei: “Eu estou com Herpes Zoster, não sei o que”, porque o meu ex-marido já tinha tido a Herpes Zoster e é um negócio bem forte. Aí ele falou: “Vai amanhã lá no hospital que eu vou dar uma olhada”, e aí quando eu cheguei lá, ele olhou, ele falou: “Não, não é Variceliforme de Kaposi, um grau antes, mas você vai ter que internar”, eu falei: “Amanhã, hoje eu não posso”, aí ele: “Simone”, eu falei: “Doutor Mário, não tem com quem deixar meus filhos, como que eu vou entrar aqui no hospital agora, me internar, e eles? O que eu faço?”, falei: “Amanhã eu volto”. Aí eu vim, a minha mãe veio, me ajudou, ficou com eles, aí eu fui, fiquei internada cinco dias, era para ficar uns oito, mas no quinto dia já estava agoniada e ele não deixou me internar em hospital particular, porque ele falou: “As pessoas não vão saber tratar melhor você ficar aqui no SUS, mas sob meus cuidados porque as meninas que estão aqui sabem o que eu tenho que fazer”, as médicas seguem exatamente o que ele pede. É engraçado que, às vezes, eu vou em algum lugar e todo mundo conhece ele. Tinha uma senhora que o filho dela estudava com os meus filhos, e eu estava muito feia assim, o colo, estava bem escuro e ela: “Aí Simone, eu vejo você assim e fico tão agoniada, eu queria te ajudar. Olha, vai ter uma campanha lá no hospital A.C. Camargo”, e eu não sabia que o A. C. Camargo era para câncer, “Eu queria que você fosse. Você vai?”, eu falei: “Vou, não tem problema e tal”. Aí juntou umas amigas dela, enfiamos no carro, tudo crente e eu falando um monte de besteira e elas dando risada. Chegamos lá, quando eu olhei o cartaz eu já falei: “Isso não é para mim”, estava escrito lá “Campanha sobre câncer de pele”, eu falei: “Gente, não tem nada a ver comigo”. Quando a gente chegou já tinha 200 pessoas na nossa frente e seis horas da manhã. É uma vez por ano, então coisas simples a cirurgia é feita na hora. Então são vários médicos. A minha ficha não dava certo, a mulher não conseguia inserir o meu RG, eu falei: “Gente, não é para eu passar”, “Não, você veio até aqui, você tem que passar”. Elas passaram todas na frente e eu fiquei. Aí me chamou, eu entrei, tirei a roupa, quando eu voltei ele: “O que é que você quer aqui?”, aí eu olhei para ele, eu já, aí eu falei: “Primeiro de tudo, eu sei ler, está escrito lá que é uma campanha para câncer de pele, só que eu vi com o pessoal de Guarulhos e eu não sabia que era, ela falou que era tudo, para qualquer coisa de pele, não exatamente câncer de pele”, aí ele falou: “E você faz tratamento onde?” Eu falei: “Eu faço tratamento no Hospital Padre Bento com o Doutor Mário César Pires”, “Com quem?”, eu falei: “Doutor Mário César Pires”, “Então não sei o que você está querendo, porque você está com o melhor do Brasil”. Aí eu falei: “Eu sei disso, ele sabe que eu procuro outras alternativas e ele não se opõe de maneira alguma, ele sabe que às vezes eu vou em outros lugares e tal, que se eu descobrir alguma coisa eu pergunto para ele, eu quero saber”. E aí passou, voltamos para Guarulhos e elas: “Ai, que pena, Simone que não...”, daí eu lembro que no meio da consulta ele falou assim: “O que é o que você usa?”, eu falei: “Eu uso cetaphil”, “Então, eu tenho pacientes com dermatite muito pior do que você e que usa o cetaphil e vivem muito bem”, eu falei assim: “Então, o cetaphil me ajuda muito, mas é uma coisa muito cara”. Tudo para dermatite é muito caro e deveria ser ao contrário, porque a gente não pode ficar sem, então um pote de cetaphil aqui custa agora 98 reais, mas já custou 143 e nos Estados Unidos custa 10 dólares, então assim, é uma falta de respeito eu acho. Então a Indústria Farmacêutica é uma fábrica de dinheiro e que faz ao contrário, quantas pessoas tem dermatite, sei lá, no mundo? Um monte. Então se fosse um preço acessível todo mundo compraria muito mais, mas não é, é o contrário. Aí eu lembro que ele falou isso do cetaphil, e ele falou: “Então, ela vive super bem. Eu acho que você tem que vestir a sua roupa e voltar lá para o Doutor Mário”, eu falei: “Está bom”. Aí voltei, aí passou, o Doutor Mário: “É, você foi lá no A. C. Camargo?”, então ele já tinha contado. Então toda vez que eu vou em um médico diferente, sempre o médico conhece e eles acabam se encontrando e ele acaba sabendo, então assim, mas ele não se opõe em momento algum em tentar.
P/1 - E voltando um pouquinho, vamos voltar um pouco para sua adolescência, como é que foi a dermatite? Você falou que até os até os quinze anos você tinha ela. Como é que foi conviver, nesse período tão delicado da adolescência, com a dermatite?
R - Então, na adolescência eu não tive, eu não tive crises, a minha pele era perfeita, eu não tinha nada. Então eu não tive problema com isso, eu era magra, que eu te falei, eu tinha quarenta e oito quilos com esse tamanho, então eu era magricela. O preconceito maior era por ser magra, mas a dermatite numa foi uma coisa.
P/1 - Então quando que ela voltou com força mesmo?
R - Então, eu casei com vinte e três, com vinte a quatro começou a voltar, mas eu não percebi, depois eu fiquei treze anos casada, quando eu estava com onze anos de casamento aí já estava em uma fase crítica, porque eu já não estava mais a fim e a gente brigava e, assim, no trabalho eu queria disfarçar que eu já estava ruim, mas que eu não queria mostrar, o que eu fazia, eu fazia maquiagem pesada, só que o rosto estava horrível, não tinha como esconder. Eu lembro que tinha um amigo meu, o Xampu, e ele olhou para mim: “Simone”, ele pegou o meu rosto assim, pôs no espelho que tinha na sala “Olha para você, você está horrível, você não pode trabalhar desse jeito”, aí eu falei: “Eu não sei o que é que você está vendo”, eu sempre fazendo a linha egípcia, fingindo que não estava acontecendo nada. Aí ele falou: “Vem aqui agora”, ele pegou eu pelo braço, ele fez isso mesmo, e aí saiu me arrastando pelo terminal, e me levou lá no posto médico que era da Infraero, a Doutora Cláudia já estava acostuma. Ele falou: “Olha doutora, olha como é que ela está”, ela: “Simone, meu Deus, você não pode trabalhar desse jeito, olha o seu rosto, você trabalha com público”, aí ela falou: “Eu vou te dar cinco dias”, eu falei: “Cinco não, dois”, ela: “Meu, não tem conversa com você, ou você volta, vai fazer o seu tratamento, não sei o que”, aí eu falei: “Mas eu estou fazendo tratamento”, só que a crise era emocional, não era do remédio, eu estava muito estressada, então assim, foi piorando. Então essa fase foi bem difícil, aí quando chegou a separação, que eu pedi realmente para separar e tudo, depois eu tive um tempo que eu fiquei ótima e depois decaiu de novo. Mas assim, eu percebo que é emocional, a parte de contato ainda continua, mas eu evito várias coisas, como eu já sei, tipo de comer.
P/1 - O que é que você evita?
R - Tipo, quando eu estou em crise eu não posso comer chocolate, nem carne de porco, essas coisas, camarão eu não posso chegar perto de camarão. Eu lembro uma vez, foi antes de conhecer o Doutor Mário, eu fui para Porto Seguro em 96, lá eu não comi nada diferente, porque eu tinha medo de dar algum problema e perder a viagem, falei: “Com sete dias de viagem, passar mal, como é que faz?”. Então eu comi só as coisas que eu estava acostumada, quando eu voltei eu cismei que eu queria comer acarajé, aí a louca foi, comprou hidroxizina, que é um remédio que desintoxica quando você tem uma crise rápida, você consegue dar uma melhorada para você correr para o hospital. Aí eu tomei hidroxizina, tipo engov, tomei uma hidroxizina antes, comi um acarajé e tomei depois, só que não deu certo. Fui parar no hospital, a médica da época, que eu estava fazendo, ficou muito brava “Simone, você sabe que não pode, como é que você...”, eu falei: “Doutora, mas eu fiquei com tanta vontade”. Então assim, camarão é coisa que realmente eu não chego perto. Adoro comida japonesa, mas quando eu vou no restaurante, eu já pergunto: “Se você frita tempurá onde frita o camarão, não frite, por favor”, porque só esse contato com oléo já pode me dar um problema, entendeu. Então, assim, o camarão é coisa que não mesmo, não chego perto. Agora o resto eu, às vezes, que nem chocolate é uma coisa que gosto demais, então quando eu não estou em crise eu como, mas se eu tiver em crise eu evito.
P/1 - E teve um momento na tua vida que você achava que você era a única pessoa que tinha dermatite ou você já conhecia outras pessoas?
R - Eu não conhecia outras pessoas, mas também não pensava nisso. Só que aí lá no trabalho, depois que eu saí da Infraero, eu fiquei GRU, um dia eu estava no banheiro e entrou uma moça que já trabalhava lá, quando ela olhou para mim ela começou a chorar, eu falei: “O que foi?”, ela falou: “Ai, eu estou olhando para você e estou lembrando de mim, porque eu tenho dermatite”, aí eu falei: “Jura?”, aí foi quando, sabe quando você pensa assim: “Nossa, tem outra pessoa que tem”, aí ela falou: “Eu faço tratamento, fiquei quatro meses afastada”, aí ela começou a contar a história dela, aí eu falei: “Caramba meu, eu acho que eu estava ruim”, porque as vezes a gente pensa “Está tão ruim”. Aí foi quando a gente começou a conversar, ela foi falar do tratamento que ela fazia, só que ela fez tratamento no Hospital das Clínicas e aí ela estava usando um remédio chamado adalimumabe, e aí eu conversei com o Doutor Mário para saber se eu não podia tomar, ele falou: “Simone, esse remédio é um estudo, então assim, espera um pouco, ela não está fazendo estudo? Vamos continuar aqui, vamos fazendo, a hora que der a gente vai pensar nisso”, porque na realidade eu acho que não era nem para a dermatite mesmo, era para... Como é que é o nome daquela outra doença que é o contrário, a gente tem nas partes quente e as pessoas têm...
P/1 - Psoríase?
R - Psoríase. E aí ele falou: “Então vamos esperar um pouco e tal”. Só que aí o que aconteceu, ele me colocou em um programa para passar no psicólogo em grupo e aí foi quando eu percebi que tinha muita gente assim.
P/1 - E te ajudou compartilhar a sua história com outros pacientes?
R - Nossa, se me ajudou, porque eu vi que tinha gente que tinha um grau três vezes acima, quatro vezes acima do meu e também histórias de vida de pessoas que lutam e continuam fazendo as coisas, outas que não tem tanta força, que se depara com o primeiro degrau lá, fala: “Eu não consigo sair de casa, eu não vou em lugar nenhum”, eu falei: “Gente, eu faço tudo”. Então assim, eu sou privilegiada de qualquer maneira, mesmo tendo a dermatite, mas eu sempre corri atrás das coisas, eu nunca deixei a dermatite me atrapalhar.
P/1 - E quais você diria que são os maiores desafios que um portador de dermatite atópica enfrenta?
R - Assim, eu acho que é a discriminação, as pessoas elas olham para a gente diferente, ela não cumprimenta, não quer pôr a mão, então assim, é bem desagradável essa parte. O tratamento em si eu não acho difícil porque é remédio via oral, só que você tem que ter o controle certinho, passar no médico nos tempos certos, que nem agora, eu vou passar daqui quatro meses, então tenho que tomar a medicação regular, inclusive agora eu estou aqui pensando, hoje é quinta e eu não tomei o remédio da quarta. Então assim, tem que ter uma regra e essa constância é que faz com que a gente consiga um parâmetro bom para que não tenha essas crises altas. Eu acho que é isso, não tem muito segredo não.
P/1 - E no seu trabalho atualmente você enfrenta algum desafio relacionado a isso?
R - As pessoas têm percebido que eu não estou bem, porque é o meu rosto, se o meu rosto fica vermelho, se o meu rosto começa a descamar, a descamação é o que mais me irrita, estar vermelha eu não ligo, mas quando começa a sair a pele é um negócio desagradável, porque não tem como disfarçar. Eu passo o dia inteiro com aquele pode de cataphil do lado, sabe, não posso mais passar maquiagem, são raras as vezes que eu consigo me maquiar, assim, para sair bem, entendeu? Tem que passar só isso aqui que você está vendo, um lápis e batom, mas fazer uma maquiagem legal eu não consigo, mesmo que eu compre coisas que sejam para pessoas que tenham alergia, hipoalérgico essas coisas assim, tem dia que não vai. Mas eu acho que as coisas vão se ajeitar, é o tempo. E a vida tem altos e baixos, não adianta, um dia eu estou bem outro dia eu não estou, eu não estou sempre, não é uma coisa linear, todo mundo tem problema. Então assim, é uma coisa que eu tenho que conviver. Cada um reage de uma forma, tem gente que não suporta, que vai ficar sempre para baixo, e tem outras que vão seguir, é o que u faço.
P/1 - E como é que os teus filhos lidam com a sua dermatite?
R - Nem se importam, assim, é porque eu não faço disso um drama, então eles nem percebem, às vezes. Às vezes eu posso estar, sabe, aquela coisa, eu chego aqui, tem dia que eu coço a perna até, eles nem, então assim, é normal para eles, não é uma coisa diferente. O Erick as vezes ele fala: “Eu vou procurar uma cura para você e para o Gustavo não sei o que”, aí ele entrou na internet, quando ele escreveu assim “A cura para a dermatite”, aí escrito: “Não existe cura”, aquilo para ele foi triste, ele falou assim: “Eu queria tirar isso de vocês, mas eu não consigo”. Hoje, assim, eu penso que tem que melhorar, porque está num grau muito forte e compartilhar isso acho que vai ajudar tentar pessoas, a pessoa saber que você convive com isso e faz tudo, é uma força, entendeu? É o que eu te falei, nunca foi um obstáculo para mim. Lógico que eu queria estar bem cem por cento, porque é difícil. É igual relacionamento, eu não consigo me relacionar com ninguém assim, porque eu tenho vergonha, é complicado. Então assim, tem coisas que me machucam, mas eu tenho que tentar superar, por isso que eu estou te falando que a terapia para mim é o mais importante, porque eu tenho que perceber que é um problema, mas eu posso passar por cima disso.
P/1 - Desde a sua separação você não se relacionou com mais ninguém?
R - Não, eu já tive algumas pessoas assim, mas nada sério, não namorado e tal, mas tem uma pessoa que ele gosta de mim exatamente como eu sou, ele não olha para mim, a dermatite ele não vê, ele vê como eu sou como mulher. Mas, infelizmente, não dá certo, a gente briga, então acaba se afastando, ai volta. Então eu não sei, mas esse é uma pessoa assim que me enxerga como eu sou. E o resto eu acho que tem esse tipo de preconceito, olha, conversa, mas fica olhando para mim e tal, então não sei. Pode ser que lá na frente apareça alguém que, sei lá, ou tenha dermatite também, que também vai entender o meu problema. Porque é igual trabalhar em aeroporto, que você trabalha em escala e você vai casar com uma pessoa que trabalha em um horário comercial, é difícil, porque ele nunca vai entender. Quantos Natais ou quantos Anos Novos eu passei trabalhando? Quantas vezes eu tive que deixar a família para poder estar lá, não é? Quando você tem alguém que tem a mesma coisa, assim, é diferente, eu acho que a compreensão é maior. Então, não sei, e hoje também eu não tenho mais essa pretensão, não tenho pretensão de casar, eu acho que se aparecer alguém legal ótimo, mas também se não aparecer a minha vida não vai mudar, porque eu acho que as outras coisas me completam, os amigos, os filhos, então não é uma coisa que eu tenha prioridade na vida. Quando eu separei eu ainda tinha “Ai, tenho que arrumar alguém”, e aí eu saía direto, eu ia para danceteria, eu ia para um monte de lugar, e aí eu fui vendo que você não consegue nada nesses lugares assim, de bom, é só uma coisa, ficar, mas e aí fui deixando isso para lá.
P/1 - Então vamos voltar agora um pouco mais para a sua infância, vamos falar da sua vida mesmo. Conta para a gente como foi a sua infância? O que é que você lembra? O que é que te marcou?
R - Eu fui muito livre, assim, meus amigos, eu falo para a minha amiga Renata que a gente teve a melhor infância do mundo, quem viveu nos anos, foram as pessoas mais felizes na infância, porque a gente era livre, a gente andava descalço, a gente não tinha essas coisas: “Não pode ficar na chuva, não pode...”, hoje a gente é super protetor com os filhos, porque a gente tem medo do que pode acontecer, mas assim, a gente andava de carrinho de rolimã, brincava de taco, coisa que eram dos moleques, mas a gente ficava no meio de rua ali, “Agora é a nossa vez”, aí as meninas invadiam e a gente brincava mesmo. Então assim, eu saí bastante, fui muito a danceteria na adolescência, assim, eu e ela, tinha a One Way que era aqui em Guarulhos e era um lugar que a gente ia quinta, sexta, sábado e domingo, domingo matinê e a noite, era vício.
P/1 - Você lembra de alguma história boa desse período?
R - Nossa, a gente dava muita risada assim. E aí eu tenho uma amiga chamada Alice, e a Alice ela é negra, a Renata é um pouco mais escura que eu e ela tinha raiva, porque ela falava: “Essas duas neguinhas se acha, ficam andando só com os brancos”, porque a gente ia em um lugar onde só tocava música da época, que era new wave, aquela época que usavam aquelas cores coloridas, verde fluorescente, laranja. E ela curtia música black e ela queria que a gente fosse para o black “Não, vocês não podem se misturar”, até quando ela levou a gente nesse lugar, que era longe, a gente pegava um ônibus até a Penha, da Penha a gente pegava um outro ônibus e ia até esse lugar, que eu acho que era São Caetano, e eram só os negros mesmo, a gente era branca perto deles. E aí eu comecei a gostar de música black, e aí a gente ia todo final de semana, todo domingo, aí depois começamos o Clube da Cidade, o Sunset Club e a gente participava de tudo que a gente podia, tudo que tinha de black a gente começou a ir e ficamos, e aí a gente gostou. E misturava, tanto é que hoje assim eu sou muito eclética para a música, eu não tenho problema, a única coisa que eu não suporto é funk, porque eu acho que é uma coisa que não tem letra, mas música nordestina. Nossa, eu gosto de tudo, MPB, e o black entrou na nossa vida e pronto e aí a gente ficou. E hoje, assim, a gente se reencontrou, eu e a Alice, depois de quinze anos sem se ver e a gente começou a lembrar “E aí, lembra quando a gente ia e tal”, e o dia que teve uma briga lá por causa do irmão da minha amiga, que ela foi dançar com uma loira que estava com a gente e o cara, que era ladrão, eu sabia, mas ele era o bambambã do lugar, ele era branco, no meio daquele monte de negro, mas ele era assaltante de banco, então ele era poderoso. E eu tinha ficado com ele, mas eu não sabia, depois que eu descobri, aí eu me afastei. E aí os dois foram chamar ela juntos, para dançar, e ela foi na direção do irmão da minha amiga e aí a gente subiu, quando a gente desceu estava aquela confusão, o Marcelo já tinha chamados os caras, que era poderoso, e os caras estavam todos armados esperando a gente sair. Aí eu fui lá, falei com o chefão, falei: “Olha moço, a gente é de Guarulhos”, toda humilde, “A gente é de Guarulhos e a menina não está com ele, está com a gente, ele é o pai”, mudou de figura, porque o Marcelo já tinha falado que era tipo namorada dele e que o outro tinha, eu falei: “Que danado, fez isso para acabar com a gente”, o cara subiu lá de cima, tinha uma varanda, ele foi lá na varada, subiu os caras, saíram e foram embora, a gente foi embora de boa. O irmão da minha amiga eu acho que nunca mais quis ir.
P/1 - E voltando um pouco, conta para a gente como foi o seu primeiro beijo.
R - Meu primeiro beijo eu tinha quatorze anos. Todas as minhas amigas eram tudo prafrentex, eu era sempre atrasada e o meu primeiro beijo foi com uma pessoa que tinha onze anos de diferença, eu tinha quatorze e ele tinha vinte e cinco, foi a grande paixão da minha vida mesmo assim.
P/1 - Como era o nome dele?
R - O nome dele é Irani e o apelido dele é Irajá. E a minha amiga, a Cíntia, que é minha amiga até hoje, pegou e ficou arrumando o esquema, tal, ele olhava para mim e ela falava: “Olha aí”. Um dia eu estava na casa dela, eu ficava muito lá, e no meio da sala tinham aquelas mesinhas de centro antigamente, tinha um álbum de casamento, aí eu estava olhando e ele falou: “Esse é o seu sonho?”, eu falei: “Não”, aí ele achou estranho, porque com essa idade, ele: “Você nunca pensou nisso?”, eu falei: “Eu não”, aí ele já achou estranho. E eu gostava do irmão dessa minha amiga, esse da confusão, Beinha e ele falava assim: “Você gosta do Beinha mesmo?”, eu falei: “Eu gosto”, e era uma paixão platônica, porque a gente não tinha tido nada, eu nunca tinha beijado, e eu tinha uma paixão por ele porque eu achava que ele tinha que ser o meu primeiro beijo. E aí a Cíntia pegou e arrumou um jeito, nós viemos em um restaurante que tem, a Choupana, que agora não é mais, e aí ela juntou um monte de gente e eu sempre andei com pessoas mais velhas, eu nunca gostei de andar com pessoas da mesma faixa etária, em tudo na minha vida sempre. Aí estava toda aquela galera, eu tinha quatorze, eles vinte e cinco, trinta e dois e foi aquele monte de gente para esse negócio, e antes, quando a gente foi sair, eu fui ao banheiro ele pegou e entrou na frente, eu falei: “Não faz isso”, ele tentou me beijar e eu fiquei com medo, eu falei: “Não, a Dona Angélica”, com medo de a mãe da minha amiga ver, daí ele pegou e saiu. E quando a gente foi lá para o restaurante, o carro dele ficou do lado de fora, e a minha amiga pegou “Aí, vamos ali no carro ouvir música e tal?”, “Ai Cintia, eu não quero ir lá, não sei o quê”, já estava meio com medo. Aí ela foi, entrou no carro e eu entrei, quando eu entrei ele veio, aí ela saiu e eu tentei sair, aí ele falou: “Não, não sai”, aí ele me beijou, tal e pronto, naquele dia beijei até o final da noite. E a gente ficou junto, tipo, um ano assim, era namoro, escondido, do meu pai. Eu sempre tive muito medo do meu pai, muito, mais muito mesmo. Tanto é que...
P/1 - Porque você tinha muito medo do seu pai?
R - Porque o meu pai sempre foi muito severo assim, então eu pensava “Se eu contar para ele que estou namorando com um cara de onze anos de diferença, ele não vai deixar eu sair mais”, e eu gostava de estar na rua, a minha vida era ficar na rua. Eu chegava da escola, a primeira que eu fazia era a lição, a minha mãe ficava brava “Primeiro você tem que comer”, eu: “Não, primeiro a lição”, fazia a lição de casa, comia e ia para a rua. Então eu sempre gostei de ficar na rua.
P/1 - E o que você gostava de fazer na rua?
R - Eram essas brincadeiras, a gente brincava de pega-pega, esconde-esconde, ficava uma galera toda lá na rua, a gente tinha um lugar que chamava Quadradão, na realidade era um retângulo, e a gente chamava de Quadradão, era o lugar que a gente mais ficava que, assim, tinham as casas onde as pessoas tinham filhos das mesma idade, e eu gostava de ficar lá e na casa da Renata, a casa da Renata, para mim, tanto é que a Dona Zo, a mãe dela, para mim é como se fosse a minha segunda mãe, eu sempre ligo, eu vou lá. Eles são em oito irmãos, então era uma diferença muito pequena entre eles, então imagina aquela casa cheia, aquilo, para mim, era o máximo, eu adorava ficar lá, cada hora era uma história. O Pedro, que era o mais velho, trabalha no Deick e ele chegava contando as histórias, ele zoando os irmãos, então assim, na hora do café era muita gente, todo mundo. Na minha casa a gente sempre foi muito separado, então assim, a gente não comia todo mundo junto, era muito difícil juntar todos e, assim, eu sempre fui muito mais falante, os meus irmãos são mais tranquilos. A minha irmã, se ela chega aqui agora ela vai falar: “Oi” e vai passar e pronto, ela é seca. O Eduardo também, as vezes eu converso com ele eu não entendo o que ele fala. E eu e o Rogério nós somos mais falantes ne, o Rogério, que é o gordinho que estava na foto, ele também é assim, ele trabalha em uma loja de instrumentos musicais e ele conhece Guarulhos inteira que vai lá comprar, conversa com ele, ele é querido por todo mundo também assim. Então eu sentia falta, acho, que disso, dessa coisa de todo mundo estar junto, mas isso vem dos meus pais, eles também não têm essa coisa com a família, meu pai é filho único de mãe solteira, então não teve irmãos, não teve pai, a minha avó morava com meu tio, que também não casou. Então era muito sozinho, então se acostumou com essa situação, tanto é que ele não participava de nada de família e tal. A minha mãe já é diferente, que ela tem vários irmãos, mas também vindo de Alagoas com quatorze anos, ela e meu tio que já faleceu, o tio Jorge e a minha tia Socorro. Minha avó veio do Nordeste para cá, e aí meu avô trouxe eles depois, porque a minha avó e meu avô eu acho que brigavam muito e tal, aí a minha avó tipo que fugiu de lá e largou os três e os outros mais velhos já estavam aqui, as mais velhas, a minha tia Lala, a tia Zezé, que faleceu ano passado, que eu sinto a maior falta dela, ela era gente boa demais, e tem a Jailde e a tinha que eu não lembro agora o nome, que mora lá. Para você ver como é tão separado, a minha mãe está aqui, a minha mãe está com sessenta e quatro eu acho, a minha mãe veio com quatorze ela nunca mais viu as irmãs. Então assim, nunca fez contato, agora que elas estão fazendo contato, a minha tia Socorro foi para lá, aí uma das duas faleceu depois que ela voltou, um mês depois, foi tipo uma despedida, sabe? Mas a minha mãe não, a minha mãe não foi. Então assim, é deles, então isso passa eu acho. E eu sou diferente, porque eu gosto de ter as pessoas próximas, essa coisa, hoje a minha mãe reclama, ela: “É, porque vocês são muito separados, vocês não ficam aqui. A gente não consegue fazer um almoço e juntar todo mundo”, mas isso, agora, já passou, porque a gente já não tem esse costume, entendeu? Que nem agora eu comecei a trabalhar, tem um mês que eu estou trabalhando, eu não consegui ir lá ver ela, porque agora, trabalhando de madrugada, eu preciso descansar. Ontem mesmo eu falei para ela: “Mãe, amanhã eu estou de folga, dependendo eu dou uma passada aí”, mas sempre que eu posso eu vou lá, entendeu, ela precisa ir ao mercado, eu levo, essas coisas. E assim, mas de família mesmo eu acho que a gente sempre foi muito separada. Então na minha infância o que eu queria? Estar na rua, estar na casa dos outros que tinha muita gente, porque para mim era legal, era engraçado, eu lembro da casa da Renata, que o pai dela ficava em um quartinho assim do lado da cozinha e ele falava: “Ê Simonão”. Aí na hora do café, tinha horário de café, aí então ia todo mundo lá tomar café, até hoje a Dona Zo fala: “Já sei, você gosta do seu Nescal”, aí quando eu chego lá, ela já faz Nescal para mim. Então assim, é convivência.
P/1 - E na adolescência você continuou frequentando a casa da Renata?
R - Sim, então porque eu era apaixonada pelo irmão dela, então eu queria estar lá o tempo todo também, só que ele sempre me desprezando, eu era muito magra “Olivia palito, vento levou”, a discriminação era com a magreza, eu não tinha problema com a dermatite, engraçado.
P/1 - E me fala uma coisa, o que você fez quando acabou o ensino médio?
R - Então, quando acabou o ensino médio eu não sabia o que eu queria fazer, e aí já trabalhava, trabalhava em academia de musculação, aí eu sai de uma e entrei na outra, aliás, eu nunca fiquei sem trabalho, assim, agora foi o tempo que eu fiquei mais fora do mercado, que foram seis meses, para mim foi complicado. Na realidade eu trabalho desde os sete anos, com sete anos eu cuidava de uma menina de dois, com nove eu fui trabalhar em um bar que tinha na frente da casa minha avó, eu lembro que o meu pai foi lá e falou assim: “Pode voltar para casa agora”, aí eu falei: “Você tem dinheiro para me dar quando eu peço para você para comprar o meu doce? Não tem. Então eu vou não vou”, ele falou: “Eu não quero você vendendo cachaça para cachaceiro, esses...”, eu falei: “Eu não vou embora” e eu não fui. Então assim, eu sempre fui muito desafiadora, meu pai, tadinho, eu acho que ele passou umas coisas meio chatas assim. E aí com quatorze eu fui fazer datilografia e embaixo da escola da de datilografia tinha uma loja que consertava máquina de escrever, que como eu falo demais, o cara viu que eu estava conversando, ele: “Ou, vem aqui um pouquinho”, aí eu fui lá “Você não quer trabalhar para mim?”, eu falei: “Opa, quando?”, ele: “Então, eu estou precisando de alguém para ficar aqui”, eu falei: “Amanhã eu venho”, aí eu: “Mãe, arrumei outro emprego”, ela: “Eu não acredito”, falei: “Vou trabalhar lá”. Aí fui para lá, logo em seguida aí uma amiga foi em agência de emprego, que eu nunca tinha entrado na vida, fui lá, consegui emprego em uma transportadora na Vila Maria ali e aí comecei a trabalhar lá, assim, de escritório, depois eu fui para coleta, para fazer os negócios e tal. E aí eu comecei a fazer inglês e uma menina que fazia inglês comigo falou: “Ai, vai ter uma seleção para o aeroporto, você não quer ir?”, eu falei: “Não”, ela: “Vamos comigo?”, falei: “Ai filha, não dá, porque eu trabalho e saio cansada”, “Não, é na Barra Funda”, aí eu fui. A fila dava volta no quarteirão, para você ver como isso é uma coisa que vai e volta, naquela época estava uma crise também muito feia. E aí eu lembrei que aí eu falei: “Aff, eu não vou ficar nessa fila não”, ela: “Não, mas é rapidinho”, aí realmente foi rápido. Quando chegou lá, eu lembro, era o Alcântara, ele pegou e falou: “Faz a ficha”, eu falei: “Moço, eu já trabalho”, ele: “Mas você vai ganhar mais, vai trabalhar perto da sua casa, boba, é no aeroporto”, aí eu falei: “Eu não quero fazer ficha”, “Mas menina faz a ficha, o que custa?”, ele insistiu tanto, aí eu falei: “Tá, peguei e fiz a ficha”. Aí sabe o que aconteceu, eu fui selecionada e a menina não foi, nunca mais ela falou comigo e eu não tinha culpa, porque era uma seleção. Aí na hora da entrevista eu não sei o que aconteceu, bom, me escolheram e não escolheram ela e aí ela não falou mais comigo. E aí eu entrei no aeroporto.
P/1 - E o que você fazia lá?
R - Lá a primeira coisa foi trabalhar na área de segurança, então eu trabalhava no raio-x, aí eu fiquei três anos e meio, e aí a empresa mudou e diminuiu o salário e aumentou as horas, aí eu não quis ficar.
P/1 - Mas você tem alguma história interessante para contar para a gente de trabalhar na segurança?
R - De raio-x?
P/1 - É, conta aí uma história legal para a gente.
R - Nossa, raio-x assim, nossa, muita coisa. Eu lembro uma vez que... E assim, a gente olha para as pessoas e você não imagina que as pessoas tenham maldade, o mundo é muito cruel, quando você não tem essa visão, você vive normalmente e não está nem aí. Eu lembro uma senhora que pediram para eu fazer a revista manual e quando eu entrei ela estava cheia de droga no corpo, ela colou assim com aquelas fitas “Ai moça, por favor, não fala nada, a minha neta está doente”, eu pensei: “Até onde isso é verdade? E eu vou me prejudicar por causa de uma pessoa que eu não conheço, eu vou fazer o meu trabalho”, aí eu saí, eu falei para o policial: “Olha, ela está cheia de drogas”, foi a única vez que eu entrei para fazer uma revista e aconteceu. Eu tive que ir para a delegacia, todo mundo queria ir quando tinha, eu era a única que não queria ir, só que dessa vez eu tinha pego e não tinha jeito. E aí a partir dali eu comecei a pensar, falei: “Gente, as pessoas são, assim, pode ser que ela tinha uma neta e pode ser que ela não tinha uma neta ela realmente é uma pessoa que faz isso, porque é fácil”, então assim, comecei a ver com outros olhos as pessoas, já não tinha aquela inocência toda. E uma vez, assim, de artista, sempre passa e acha, como é que é o nome dela? Eu esqueci o nome dela agora, é do Nordeste, que canta axé lá.
P/1 - Daniela Mercury?
R - Daniela Mercury. Aí naquela época laptop era uma coisa que era raríssimo alguém ter e quando a pessoa não passava ele pelo raio-x, a regra era ligar, ligou, podia ir embora. E ela estava com um cara muito gato lá, ela veio toda, aí a minha amiga: “É a Daniela Mercury”, eu falei: “Eu já vi”, e eu não tratava ninguém diferente, eu sempre fui muito profissional. Aí ela pegou, veio, eu falei: “Olha, já que a senhora não vai passar dentro da máquina”, porque ela achava que danificava “A senhora tira e liga”, “Porque eu tenho que ligar?”, eu falei: “Porque é uma regra, a senhora não vai passar dentro da máquina, a senhora liga”, “Isso é um absurdo, tipo, eu sou uma pessoa pública”, aí eu pensei: “Se a minha mãe passar aqui agora e ela não quiser, ela vai ter que fazer o mesmo procedimento”, falei: “A senhora não quer passar, não tem problema”, fui lá, bati no vidro e falei: “Chama o federal para mim, por favor, a senhora que está aqui não quer passar”, aí ela: “Eu não acredito”, eu falei: “Ué, são regras, a senhora não passa na máquina, liga, a senhora não liga, eu chamo o polícia e a senhora conversa com ele. Simples assim”, aí a minha amiga assim, tipo, eu falei: “Mas eu não posso fazer isso, não tem nada a ver”. Aí o policial chegou, ela ficou meio assim e o amigo dela: “Para que você está fazendo isso? Porque você não ligou logo? Não sei o que”, aí ela: “Não, porque isso é um absurdo”, o policial demorou um pouco até dar a voltar, porque eu estava no nacional, era voo nacional e o policial ficava no inter, aí chamou ela lá de canto e aí ela parou, daí ela viu que a coisa era séria, daí ela falou: “Não, melhor passar”. Aí ligou, que era uma coisa simples, era só ligar e ele liberou ela. Então assim, e sabe que depois, assim, quando estava para sair do terminal de passageiros, eu amava, terminal era uma coisa que me dava um prazer de trabalhar, era muito trabalho, vou falar para você que aquela época de apagão, ficar arrumando fila, as pessoas nervosas, sabe, tinha hora que dava um pouco de estresse, mas eu amo trabalhar com pessoas. Eu acho que você ter contato com gente, assim, porque cada um é uma história. Até na fila eu descobria coisas das pessoas e conhecia um monte de gente, entendeu, que até ficou amigo depois. Eu lembro um dia que tinha o CQC e eles se juntavam uma vez por ano e fazia todo o programa na Argentina, se eu não me engano, ia todo mundo que tinha CQC, e o Marco Luque estava na fila e a gente brincando ele falou: “Me passa na frente?”, eu falei: “Não posso”, aí a gente veio conversando, daí as meninas tudo em cima dela, aí eu falei: “Como é que eu passo você na frente, com esse monte de mulher aí grudada?”, ele: “Ah”, eu falei: “O Marcelo Tas já foi”, que ele já tinha entrado, que o voo dele era mais cedo, eles não foram no mesmo voo. Aí o meu amigo falou: “Quem é esse aí?”, aí eu falei: “Você não assiste televisão, Champa, por isso você não sabe”, aí eu falei: “Olha, você vai ter que pegar fila normal, não dá”, estava ele e o de barba, como é que é o nome dele? Que fez aquela brincadeira com a Sandy, que não ficou legal.
P/1 - Rafinha Bastos?
R - É, ele o Rafa. Aí ficaram os dois, daí eu falei para ele, eu falei: “Olha, quando você entrar, eu vou querer tirar uma foto com você”, meu celular era um Samsung, mas era muito ruim, a câmara era VGA que fala, então assim, era uma qualidade péssima, aí ele entrou e eu fui lá. Cheguei lá, aí ele: “Você me achou?”, eu falei: “Eu olhei seu cartão, eu sabia o portão que você estava, só que seu voo mudou de portão”, ele falou: “Como é você sabe?”, eu falei: “Porque eu trabalho aqui, e eu olhei lá na tela, mudou o portão, agora está lá no portão oito”, ele: “Pior que o Rafinha foi lá comprar um refrigerante”, eu falei: “Não, eu te ajudo com coisas para levar e a gente vai indo para lá, porque o único lugar que tem o restaurante é no portão oito, então ele está lá”. Aí ficamos conversando lá embaixo um pouco, ele é super gente boa, falando do trânsito, falando de um monte de coisa de São Paulo, falei: “Agora vamos tirar foto?”, ele: “Vai, tira a foto”, aí ele: “Não ficou muito boa, tira outra”, aí tirou de novo “Essa está ótima”. Aí sobe a gente, eu levo os leves e você levas os pesados, aí levamos, que eles usavam aqueles ternos pretos. Quando chegou lá, o Rafa ele é meio seco mesmo, daí ele falou: “Você não...”, eu falei: “Eu não quero tirar foto com o Rafa, eu vim tirar foto com você”, aí ele: “Verdade?”, eu: “Lógico”, falei: “O Rafa não me interessa não, o importante é você, você é gente boa”, aí ele falou: “Não fala assim do meu amigo”, eu falei: “É, ele é muito grosso”, aí ele deu risada. Daí quando chegou lá, e realmente, ele fingiu que nem estava me vendo, aí ele falou: “A Simone, que trabalha aqui, mudou o portão, agora é por esse”, ele nem olhou na minha cara, aí eu falei: “Tchau” e a gente conversou, daí ele falou: “Quando eu tiver StandUp em Guarulhos, vê se você vai, não sei o quê”. Aí eu fui, teve aqui no Teatro Adamastor, só que na saída eu não consegui falar com ele. Mas assim, de artista, eu conheci várias pessoas, umas que eu achava que eram super legais, mas não é isso, eu acho que é o dia, é o dia a dia das pessoas, tem dia que eu não estou bem. Eu sendo uma pessoa pública, eu acho que eu tenho que estar melhor, assim, de acordo com o dia, mas eu não posso estar uma pessoa seca, porque eu sou pública. É diferente. Um cara que eu era apaixonada pelo trabalho dele, era o José Wilker, eu amava ele, mas ele fez uma cena horrorosa lá no aeroporto, quando ele era casado com Monica Torres, que depois foi esposa foi esposa do Marcelo, esqueci o nome, de olho azul lá. E ele fez uma briga por causa do laptop também, que ele não queria passar, daí era a Vasp Trans Brasil, foi logo no início mesmo, e ele gritou, falou um monte de palavrão, eu chamei a polícia, sabe, foi desagradável, sabe quando você, eu me decepcionei. Tudo que tinha eu assistia, com ele, e depois disso eu falei: “Nem quero mais”. Então assim, e com o tempo eu fui criando uma carapaça, tipo, a pessoa vinha e eu tratava ela normalmente, não ficava com diferença, porque as vezes minhas amigas “Ai, fulano está vindo, ai cicrano, não sei...”, falava: “Meu, ele é passageiro como os outros, eu tenho que fazer a minha parte”. Se lá na frente a gente, que nem o (inint) [01:02:20] de Tomas, ele é muito gente boa, a gente acabou ficando amigo, quando ele vem para o aeroporto ele me fala, a gente conversa, a gente conversa pelo e-mail, todas as peças eu vou assistir, eu tenho livro dele. Então assim, foi uma pessoa que, realmente, ficou o meu amigo, e é uma amizade que é muito legal. Mas assim, tem outras pessoas que não vai acontecer, então a vida vai passando e a gente vai colecionando histórias, eu acho que isso é muito legal. Trabalhar no terminal de passageiros foi a maior escola que eu tive na vida para lidar com pessoas, porque são pessoas de vários lugares, várias pessoas diferentes, vários costumes diferentes, então assim, você aprende com todo mundo, eu acho que na vida a gente aprende o tempo todo. Todo mundo que passa na nossa vida tem algo para deixar, tem gente que passa e fica, tem gente que passa e passa. Antes eu sofria demais com isso, se eu perdesse uma amizade “Ai meu Deus, mas porquê?”, meu, não era para ser, não era para ser, entendeu? Era para ser até ali, se não vingou, acabou, vai vir outro ciclo, vai vir outra pessoa. Às vezes a gente olha para alguém e a gente tem uma afinidade tão grande que a gente fala: “Caramba, mas que negócio doido”. Eu estou agora no trabalho, tem a Amanda lá que é doidona, para mim é um barato, e do nada a gente começou a conversar. Na seleção eu olhei para e falei: “Que menina chata”, aí quando ela falou assim: “Ai, meu filho rasgou o meu título de eleitor”, eu falei: “Mas que mulher mais, sabe, largou o título de eleitor na mão do filho para rasgar, chegar a rasgar”. Aí do nada a gente começou a conversar, estamos amigas. Eu chego do trabalho, a gente saí e é WhatsApp até a hora que eu tomo o meu remédio para dormir e vou dormir, as vezes eu deixo ela falando sozinha, ela: “Você me deixou falando sozinha”, eu falei: “Eu tinha tomado remédio. Você já sabe que você tem trinta minutos para falar, depois disso...”. Até esses dias eu abri o WhatsApp e eu achei engraçado que eu falei: “Gente, que palavra é essa?”, eu tentei escrever uma coisa e saiu, sabe assim, nada, aí ela falou: “Eu fiquei olhando para aquilo e falei: 'Ela já deve estar dormindo' “. Então assim, e eu para fazer amizade é muito fácil, porque eu falo muito, então assim, se eu estiver em uma fila e a pessoa começa a puxar assunto e eu for com a cara, pronto, a gente já começa a conversar. Às vezes a minha psicóloga fala: “Simone, você tem que ser mais fechada, sabe, você tem que ser mais”, agora que eu estou aprendendo, depois de quarenta e cinco anos que eu estou tentando me policiar o máximo que eu posso. Ela fala: “Fala menos e ouve mais”, o Valmir sempre falou isso para mim, a vida inteira, o meu ex-marido, “Fala menos e ouve mais”.
P/1 - E aproveitando isso o que é que você achou de contar a tua história aqui para a gente? Como foi essa experiência?
R - Foi legal, assim, voltei no tempo, aí chorei, revivi algumas coisas assim que eu nem lembrava mais, mas foi muito bom, foi muito legal.
P/1 - E tem alguma coisa que você gostaria de ter contato para a gente que você não contou?
R - Eu acho que não, eu acho que o que você perguntou foi essencial do que tem na minha vida, assim. Eu sou uma pessoa que eu tenho que agradecer a Deus todos os dias, porque eu sou muito feliz.
P/1 - E o que você acha desse projeto da Sanofi, da dermatite atópica?
R - Nossa, muito legal, porque eu acho que isso vai, assim, se as pessoas acessarem vão entender que não estão sozinhas. Que eu demorei tanto para perceber que tinham outras pessoas, porque eu não convivia com ninguém que tinha dermatite, começava da família, eu era a única, com um monte de primos e tal, ninguém tinha. Então, para mim, é como se eu fosse sozinha nisso daí. Aí quando eu comecei os tratamentos e cheguei em lugares onde tinham várias pessoas, isso faz uma diferença muito grande. Essa terapia em grupo que eu fiz lá no Hospital Padre Bento foi uma coisa que me ajudou muito, mexeu demais comigo, principalmente porque eu vi que tinham pessoas que tinham uma dermatite num grau muito maior do que o meu e que também tinham que conviver e tinha que, sabe, fazer da vida, se virar e não tinha outro jeito e que talvez não tivesse nem as condições que eu tenho, às vezes, de comprar o cetaphil. Mas tem que viver, tem que lutar, entendeu?
P/1 - E qual que é o sonho da Simone hoje?
R - O meu sonho é ver os meus filhos bem, quero que eles sigam aquilo que eles têm vontade de fazer, porque não tem nada melhor do que você fazer aquilo que você gosta. Eu sempre digo, que tem pais que põe a expectativa no filho daquilo que ele gostaria de ser e não foi, tipo, “Eu quero meu filho seja médico, mas porque eu não fui médico”, e aí ele vai ser um médico péssimo, e para você ser médico você tem que saber o que gosta, porque você vai lidar com pessoa com vidas, é diferente de eu lidar com papel. Então eu não posso criar essa expectativa. O negócio deles é game, então ontem mesmo eu falei: “Começa a pesquisar”, um quer ser animador, o Gustavo ele conhece todos os dubladores de tudo de desenho, a gente está assistindo alguma coisa e ele: “Essa aí é fulano de tal”, eu: “Ahn?”, então assim, ele já se interessa pelas coisas que ele sabe que ele vai usar. Então o meu maior sonho é que eles sejam felizes nisso, que eles sigam realmente isso que eles querem, falei para eles: “Tem que estudar, não tem outra forma a não ser estudando. Então já começa a pesquisar o que vocês têm de curso”. E, assim, uma coisa que eu tenho vontade e que eu vou fazer, é intercâmbio, que eu quero ir para a Austrália, já falei para eles, eles: “Mãe, você vai deixar a gente?”, eu falo: “Não, eu não vou deixar, porque o intercâmbio dura uma média de quarenta e cinco a cinquenta dias ”, mas vou deixar mais para a frente, a hora que eles estiverem maiores ainda. E eu já falei isso para o Valmir também, então se pintar a oportunidade, tiver condições, eu vou, que é uma coisa que eu tenho vontade. Eu tenho um amigo que está lá a cinco anos, desde quando saiu lá da Infraero, ele sempre me convidou, o Lauro, “Ai Si, vamos para Austrália”, e assim, fiquei naquele medo e acabei não indo. Mas eu acho que tudo tem um porquê, foi o que eu te falei, eu não me arrependi de ter saído da empresa que eu trabalhava e entrar na outra, eu sabia que essa demissão ia acontecer, era uma coisa que era visível, não tinha volta, mas eu não me arrependo não. Eu acho que eu cresci bastante, fiz a minha faculdade de fotografia, que eu sempre amei, comecei design de interiores, eu tive que parar quando saiu as chaves desse apartamento, eu tinha que escolher, ou eu pegava as chaves ou eu continuava a faculdade, falei: “A faculdade dá para ser depois”, e aqui eu já tinha começado, já tinha pago uma grande parte, falei: “Não vou deixar um sonho”. E a gente morava em um apartamento super pequeno e eu queria conforto para eles, e o convívio, porque lá eles não tinham amigos, eles ficavam presos dentro de casa e lá não tem lazer, não tinha nada, eu falei: “Então eu tenho que priorizar para eles”. Então hoje eles têm piscina, cinema, quadra, tem tudo aqui, então assim, é para eles mesmo que eu faço. Mas eu acho que eu tenho, assim, de objetivo é viajar, eu acho que conhecer outros lugares, você vê, eu trabalho a vinte quatro anos, eu nunca fiz uma viagem internacional, é um absurdo, mas isso é a cultura, vem da minha casa, meus pais não viajam, a gente nunca foi para a praia juntos. Eu fui para a praia a primeira vez eu tinha quinze anos com a mãe da Renata, quando eu vi o mar eu fiquei impressionada, eu falei: “Gente, mas com quinze anos”, então assim, isso é da família, entendeu, se você não tem esse hábito com a família, você não vai passar isso para a frente. Então viajar é uma coisa que não fazia parte do meu convívio, eu só comecei a pensar nisso quando eu entrei na GRU e os meus chefes mudaram, que eram pessoas que vieram de foram, falavam: “Simone, você tem que viajar. Você tem que levar os seus filhos para a Disney”, falei: “Viajar?”. Aí logo que eu separei eu fui para Maceió, na casa da Cris, eles amaram, porque foi a primeira vez que eles andaram de avião, então eles não vão esquecer nunca, e depois nós fomos para Gramado. O sonho deles era ir para o Chile, eles eram muito pequenos e eles falavam, não sei é por causa de desenho, eles queriam ver a neve. E aí quando eu saí da Infraero eu comprei um carro zero, comprei um HB20, e eu sofri um acidente saindo do aeroporto, o ônibus da Breda me arrastou duzentos metros e deu pt no carro, e eu tinha comprado um carro super top e aí eu perdi cinco mil reais, que era o dinheiro que eu ia usar para poder viajar. A esposa do meu patrão estava morando no Chile, em um apartamento bem legal, e ele falou: “Vai para lá, o que você vai gastar, você gasta só com a passagem e tal”, só que aí acabou não dando certo. Aí a minha amiga falou: “Meu, vai para Gramado, lá tem um parque chamado Snowland, que tem gelo lá. Leva eles, você vai ver, eles vão adorar”. Daí eu fui, dividi tudo e fomos, a viagem foi muito legal, eu amei, tenho até que pegar foto disso daí. E quando chegou lá no Snowland, quando eles viram a neve, aquilo foi um deleite para mim ver eles “Mãe, a neve”, eles pegando a neve e tal, aí desceram naqueles negócios lá “Vai mãe, você tem que vir”, e eu morrendo de medo. E eu tinha levado a câmera pequena, tinha acabado de comprar a minha câmara nova, ainda bem que eu não levei, porque eu caí duas vezes, me estabaquei no chão lá que a câmera voou e eles dando risada “Mãe, a gente tem que registrar, não sei o que”, aí fizemos lá tudo e eles amaram. Só que depois, quando voltou, sabe qual é a primeira coisa que eles falaram? “Agora você tem que levar a gente para o Chile, mãe, porque lá a neve era artificial”, aí eu falei: “É, então a próxima a gente vai ver”. Então assim, eu acho que viajar é um objetivo que eu tenho, conhecer outros lugares, é o que mais assim diferente, entendeu?
P/1 - Ok.
R - O resto eu acho que eu sou feliz e não preciso de mais nada não.
P/1 - Ok. Poxa, obrigada, muito obrigada por ter compartilhado a sua história com a gente.
R - Eu que agradeço de poder falar. Eu espero que isso ajude outras pessoas realmente, que seja um incentivo para viver, porque a gente que tem dermatite tem que viver, não tem outra alternativa, não pode parar, não pode desistir, “Não vou porque estou assim e tal”. E quando alguém olhar, hoje eu tiro mais de letra, assim, se a pessoa falar alguma coisa eu: “Está bom”, “Você precisa de Deus”, “Preciso, eu não tenho Deus na minha vida, mas eu vou procurar. Fique tranquilo”.
P/1 - Ok.
R - Mas está ótimo.
P/1 - Obrigada, Simone.
R - Obrigada a vocês.
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