EU, JAÍNE NASCIMENTO, PROFESSORA: TRAJETÓRIA DE UMA PROFESSORA EM FORMAÇÃO
Receber esse desafio das mãos de uma professora inspiradora e admirável como a Tatiane Castro dos Santos, foi a possibilidade de falar da minha trajetória em busca de uma formação que eu, silenciosamente, sempre desejei contar e, ao mesmo tempo, não quero expor.
Falar desse trajeto sem mencionar minha mentora de vida seria inútil, comecemos, então, com meu nascimento. Foram dias de extrema dor e sofrimento, após três longos dias em trabalho de parto, no dia 28 de setembro de 1992, minha mãe, Raimunda Ferreira do Nascimento, dá à luz a sua primeira e única filha, de parto cesariana, o mundo me deu boas vindas. Nascida de família pobre, sob a experiência de fome extrema e miséria, minha mãe exerceu seu papel na maternidade acreditando que a educação seria o único meio pelo qual eu não iria experimentar os sabores amargos da vida, os quais ela já havia conhecido; e assim o fez.
Por toda minha trajetória escolar, a minha mãe sempre me incentivou, e mesmo com poucos recursos, estimulava minha leitura me presenteando com os livros que eu gostava de ler, com a esperança de que eu tivesse acesso à educação escolarizada que ela não teve chance de receber.
No ano de 2011, inicio a primeira tentativa na formação acadêmica no curso de Administração, apesar de me identificar com os aspectos que envolviam liderança, a minha passagem pelo curso foi bem curta, cheguei perto de concluir o primeiro ano e desisti porque meu primeiro filho anunciou sua chegada ao mundo, aos meus inexperientes 19 anos de idade. A partir daí, eu senti que o universo virou de cabeça para baixo; foi quando abandonei a faculdade e trabalhei até uma semana antes do meu parto, que aconteceu no dia 9 de novembro de 2012, às 7:02h, quando nascia Arthur.
Ao sair da maternidade com uma grande responsabilidade nos braços e nenhuma estrutura capaz de oferecer àquele ser humano um...
Continuar leitura
EU, JAÍNE NASCIMENTO, PROFESSORA: TRAJETÓRIA DE UMA PROFESSORA EM FORMAÇÃO
Receber esse desafio das mãos de uma professora inspiradora e admirável como a Tatiane Castro dos Santos, foi a possibilidade de falar da minha trajetória em busca de uma formação que eu, silenciosamente, sempre desejei contar e, ao mesmo tempo, não quero expor.
Falar desse trajeto sem mencionar minha mentora de vida seria inútil, comecemos, então, com meu nascimento. Foram dias de extrema dor e sofrimento, após três longos dias em trabalho de parto, no dia 28 de setembro de 1992, minha mãe, Raimunda Ferreira do Nascimento, dá à luz a sua primeira e única filha, de parto cesariana, o mundo me deu boas vindas. Nascida de família pobre, sob a experiência de fome extrema e miséria, minha mãe exerceu seu papel na maternidade acreditando que a educação seria o único meio pelo qual eu não iria experimentar os sabores amargos da vida, os quais ela já havia conhecido; e assim o fez.
Por toda minha trajetória escolar, a minha mãe sempre me incentivou, e mesmo com poucos recursos, estimulava minha leitura me presenteando com os livros que eu gostava de ler, com a esperança de que eu tivesse acesso à educação escolarizada que ela não teve chance de receber.
No ano de 2011, inicio a primeira tentativa na formação acadêmica no curso de Administração, apesar de me identificar com os aspectos que envolviam liderança, a minha passagem pelo curso foi bem curta, cheguei perto de concluir o primeiro ano e desisti porque meu primeiro filho anunciou sua chegada ao mundo, aos meus inexperientes 19 anos de idade. A partir daí, eu senti que o universo virou de cabeça para baixo; foi quando abandonei a faculdade e trabalhei até uma semana antes do meu parto, que aconteceu no dia 9 de novembro de 2012, às 7:02h, quando nascia Arthur.
Ao sair da maternidade com uma grande responsabilidade nos braços e nenhuma estrutura capaz de oferecer àquele ser humano um desenvolvimento plenamente saudável, eu senti a fragilidade da minha humanidade; paralelo a isso, havia um terreno fértil crescendo dentro de mim, que fez germinar a semente que a minha mãe plantou e regou há muito tempo, a resiliência. Dei continuidade à busca por melhores condições de vida por meio da educação, e, no ano de 2014, eu me inscrevi em um processo seletivo chamado SISUTEC, do Governo Federal, que ofertava bolsas de cursos técnicos através da nota do ENEM.
Então consegui uma bolsa no curso Técnico em Análises Clínicas. Na verdade, não tinha clareza da área de atuação, mas a necessidade de ter uma formação que pudesse dar um retorno financeiro rápido para oferecer o mínimo para o meu filho foi o que me fez encarar esse curso como a última oportunidade da minha vida. Em outubro do mesmo ano, dei início aos estudos e a Prefeitura de Rio Branco – Acre lançou um concurso efetivo com duas vagas para a área em que eu acabava de iniciar a formação. Sem dúvida nenhuma e com muita coragem por não ter a formação exigida, eu estudei por um mês os conteúdos que viria a estudar em dois anos de formação.
O Arthur tinha 1 ano e 4 meses de idade, minha mãe trabalhava de zeladora em uma unidade de saúde em um bairro próximo ao bairro em que nós morávamos e, graças ao esforço dela, eu pude concluir o curso, pois todas as tardes eu o levava para que ela dela cuidasse. Enquanto eu estudava e para não perder a passagem do ônibus, eu ligava e ela ia para a parada de ônibus, então, eu puxava a corda como se fosse descer e entregava ele para ela; com o tempo, os motoristas da linha de ônibus já conheciam nossa estratégia, sempre colaboravam, e assim foi por dois longos anos.
Findado um mês de preparação para o concurso e a prova objetiva, saiu a tão sonhada aprovação, no dia do resultado eu estava estudando e uma professora me deu a notícia que eu tanto sonhava, e eu lembro como hoje, a professora Jamana Barros de Melo entrou na sala e disse: -Parabéns Jaíne, você foi aprovada e eu acho que foi em primeiro lugar!! Desde aquele momento até agora só existem lágrimas para expressar a avalanche de sentimentos que eu vivi, não foi uma conquista minha, foi da minha mãe.
Em 2015, eu começo minha segunda tentativa na formação acadêmica de nível superior, no curso de Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal do Acre - UFAC, meu filho ficava na creche das 8h às 17h. Minha mãe novamente protagonizando o apoio às minhas conquistas levava e deixava ele todo dia, então, eu estudava de manhã na UFAC e fazia estágio do curso técnico a tarde e a noite, para tentar agilizar o máximo a minha formatura. Foi através desse curso que se iniciou minha experiência da docência, descobri grandes amizades e também adoeci, descobri que viver a vida 50 anos em 5, como o projeto de Juscelino Kubitschek para a República, gera consequências letais.
No quinto período do curso eu paralisei, não conseguia sair de casa, tinha receio de olhar para as pessoas, dormia muito mal, chorava muito e perdi 6kg, que, para uma pessoa magra como eu, era de um valor considerável, reprovei em muitas disciplinas e consegui a aprovação em algumas, graças à compreensão de professores que foram capazes de perceber que algo sério estava acontecendo, visto que eu sempre carreguei um histórico de aluna dedicada.
Nesse período, saiu a convocação do concurso em que eu havia sido aprovada em 2014, o que foi uma alegria e uma tristeza também, porque o trabalho e a faculdade tinham choque de horários, e, nesse momento, a necessidade financeira falou mais alto, fui empossada e, mais uma vez, desisti da formação, um momento muito difícil pois além de enfrentar problemas psicológicos, eu estava sendo forçada a “jogar fora” anos de sacrifícios meus, do meu filho e da minha mãe, mais uma vez, o apoio dessa mulher excepcional me motivou a continuar.
Todavia, o tempo em que vivenciei as práticas docentes não foram jogadas no lixo, pois foi lá que vivenciei o lado humanizado da formação e a prática, adquiri elementos importantes para o exercício da maternidade, fiz parte de projetos sociais dos quais me orgulho (deixo em anexo fotos), e conheci uma Professora Doutora chamada Ademárcia Costa, na disciplina de Didática Aplicada, que foi inspiração para que mais tarde eu pudesse “escolher Pedagogia”. Ela entrava na sala e a sua presença era forte e empoderada, dava aula com segurança do que fazia e falava, cumpria prazos, avaliava e fazia as intervenções pedagógicas com rigor e amor. Um dia, durante uma orientação de seminário ela sentou com o meu grupo e notamos que ela aparentava estar cansada e ao questionarmos ela respirou fundo, não entrou em detalhes e nem precisava. Admirei mais ainda aquela pessoa que não hesitou em me ensinar, naquele momento, que, enquanto professores, o que nos separa do nosso aluno são os nossos títulos e conhecimentos, mas somos todos feitos da mesma matéria e ao passo que desenvolvemos no nosso aluno as competências e habilidades formativas, não deixamos de ensinar elementos para a vida.
Um ano após a posse e estar trabalhando, decidi prestar o ENEM novamente e continuar em busca do meu sonhado diploma, em 2019, ingressei no curso de Pedagogia novamente pela UFAC. Lembro que foi um começo desanimado, já havia passado pelo trote, pela emoção da primeira formação, então, parecia que aquela conquista não tinha tanto sabor de vitória e, por diversas vezes, me senti fora de contexto. A chegada da pandemia, em 2020, foi um balde de água fria maior ainda, além de nos atrasar eu fiquei com a sensação de que esse diploma nunca fosse chegar às minhas mãos, foi aí que a UFAC aderiu a modalidade de Ensino Remoto à Distância. Confesso que até o momento dessa formação que me encontro (quinto período), o que mais me ensinou nesse curso não foram as disciplinas, tampouco os conteúdos, e sim a relação que se estabelece com os alunos, a forma como isso interfere em nosso aprendizado.
Talvez, por vir de experiências anteriores centrei nessa formação o olhar crítico sob essa relação, potencializado pelas aulas de Filosofia e Sociologia que oportunizam leituras capazes de nos tirar de uma caixa e nos mostrar o lado vil da sociedade que construímos. É por esse motivo que, no momento, me pego a realizar essa análise de forma honesta e compreensiva, sob a premissa de que somos humanos e de que a nossa humanidade reflete no nosso trabalho e em muitos momentos é injusta a forma como julgo alguns professores pelo trabalho que eles exercem ou pelo conteúdo que eles ensinam à sua prática (falo das relações de poder que se estabelecem em alguns momentos na prática docente de muitos professores que se contrapõem às ideologias que eles nos ensinam), e penso: E eu? Farei e Serei melhor nisso?
Entendo, então, que existe em cada um de nós uma individualidade que trabalha em conjunto com o fazer profissional, e, sobre isso, é preciso paciência e reflexão. Acredito, sem sombra de dúvidas, que essas reflexões e experiências do meu nascimento até então, me elevaram como ser humano a um nível de maturidade superior a quem iniciou, em 2011, um curso de Administração. Essa construção fará de mim uma professora paciente e compreensível quando me deparar com a face ruim da docência (assim espero).
Por outro lado e pelo motivo que me trouxe até o curso, vejo os professores que nos inspiram, e como inspiram viu! Olhar naquela pessoa alguém que vence todos os dias a sua humanidade, para exercer um trabalho que requer paciência em esperar e fomentar um processo de autoconhecimento e amadurecimento individual de cada aluno, para, além disso, forjar no discente um novo profissional da educação, um colega de profissão é, de fato, digno de honra e muito reconhecimento. Nos dias de lágrimas foram esses professores que me atenderam em uma chamada, que me inspiraram a continuar, que me forneceram esperanças e aulas das quais nunca vou esquecer, que foram capazes de organizar a bagunça interna das pedras no meu caminho e fizeram do seu ofício uma escada para as minhas conquistas, neles repousa minha gratidão e respeito. E é dessas experiências negativas e positivas que elevo minha força de vontade de ocupar os espaços que esses professores abriram para mim, de professora da escola de educação básica do meu bairro à professora pesquisadora e agente de mudança social.
Agradeço especialmente à Professora Tatiane que me presenteou com essa proposta desafiadora, que, certamente, ficará marcada na minha trajetória.
Recolher