Projeto Braskem – Um novo lembrar, compartilhando experiência entre a comunidade e a organização
Depoimento de Aparecida Pelegrim Tarifa
Entrevistada por Laura Sena e Marcelo Batalha
Santo André, 27 de setembro de 2012
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número BK_HV014
Transcrito por Vin...Continuar leitura
Projeto Braskem – Um novo lembrar, compartilhando experiência entre a comunidade e a organização
Depoimento de Aparecida Pelegrim Tarifa
Entrevistada por Laura Sena e Marcelo Batalha
Santo André, 27 de setembro de 2012
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número BK_HV014
Transcrito por Vinícius Rizzato
Revisado por Gabriela Ramos
P/1 – Então, Cida, em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a sua participação, sua presença aqui, e queria, para gente deixar registrado, que, por favor, você falasse o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Primeiramente eu que agradeço a oportunidade de estar aqui participando desse trabalho, que deve ser de muita importância para os espaços onde ele é apresentado, para as pessoas conhecerem. Então é carinhosamente que eu venho até aqui. Aparecida Pelegrim Tarifa, data de nascimento, 8 de julho de 1944.
P/1 – Local.
R – Promissão, estado de São Paulo.
P/1 – Dona Cida, qual o nome dos seus pais?
R –
ngelo Pelegrim Carrillo.
P/1 – E da sua mãe?
R – Carolina Ross Tarifa.
P/1 – Qual a origem deles?
R – Espanhóis.
P/1 – Espanhóis.
R – Meus bisavós e o meu pai. Eu tenho tios que nasceram na Espanha. Muitos tios. Avós e bisavós.
P/1 – Conta um pouquinho dessa história para a gente.
R – (risos) Bom, eu me criei no bairro que se chamava Areia Branca, era um bairro, então, próximo de Promissão. Eu me criei com as minhas bisavós e bisavôs, todos falando o castelhano. Foi uma infância, assim, maravilhosa, porque participo de uma família, fui nascida numa família onde o amor, o carinho, a religiosidade, o respeito, a harmonização entre todos era fantástica, e continua até hoje. Então foi uma infância maravilhosa, no campo, onde existiam milhares de árvores frutíferas, onde brincávamos muito. Uma infância super saudável, super alegre, uma recordação, assim, bem gratificante. E de lá, então, fomos morar em Marialva, no Paraná. Meu pai tinha plantação de café, e continuamos, assim, aquela infância no meio, entre árvores frutíferas, de muito carinho familiar. Todos moravam perto, continuavam meus avôs, minhas tias, minhas primas, avós dos dois lados: do lado da minha mãe, do meu pai. Lá no sítio não tinha escola, meu pai construiu a primeira escola, (risos) que era uma sala grande, mas de madeira. O meu primeiro professor só tinha terceiro ano do primeiro grau, e assim que eu passei para o segundo ano ele já me convidava para ajudá-lo a tomar lição das crianças, a leitura, né? Então foram tempos, assim, belíssimos, sabe, que eu só tenho recordações muito especiais, das brincadeiras saudáveis e do convívio. Muito saudável, com todos os familiares e com todos os amigos.
P/1 – Lembra o nome dos seus avós?
R – A minha avó se chamava Carolina, igual o nome da minha mãe, Carolina Ross Tarifa. E meu avô é Francisco Romero Tarifa.
P/1 – E se lembra ou sabe porque eles vieram da Espanha para cá, como é que foi?
R – Eles vieram da Espanha porque lá havia muita seca. Eram terrenos muito secos. Depois tinha o inverno, então ficavam meses sem poder trabalhar, só dentro de casa. O que plantavam no verão, eles comiam no inverno. Então vieram todos naqueles navios de... Como chamava naquela época os que vinham lá da Espanha? Era uma condição bastante precária. O meu bisavô era uma pessoa muito trabalhadora, muito honesta, muito inteligente, inteligentíssima. Eles vieram todos como empregados da fazenda, para efetuar as plantações na época que existiam. E daí um pouco, o meu avô foi crescendo economicamente, uma coisa maravilhosa. Daí ele resolveu voltar para a Espanha, porque ele tinha ganhado alguns recursos financeiros, mas e a paixão pela Espanha? Eles moravam em Murcia. Tinha a paixão para voltar na terra natal. Voltaram, chegaram lá, de novo a seca e o inverno. Gastaram tudo o que levaram daqui e retornaram para o Brasil. Retornaram de novo, ele conseguiu fazer desenvolver a parte econômica. Não sei se ele tinha seis ou oito filhos. Eu sei que ele deixou um sítio enorme para cada filho. Imagina que criatura criativa, inteligente, trabalhador, honesto, digno. E eu vou falar uma coisa especial, que eu não vou deixar de falar: ele veio da Espanha espírita. Naquele período, há tantos e tantos anos atrás, quase um século atrás, mais de um século, uma pessoa com o coração cheio de amor, cheio de luz. E a minha avó, bisavó, que era esposa dele, ele a chamava de Guilandica, também tinha o coração amoroso, reunia todas as famílias para fazer as festas juninas, as festas dos santos, com milhares de doces e milhares de guloseimas. Assim, uma família muito fraterna, uma coisa, assim, que eu falo: “Meu Deus, que bom que eu pertenci e pertenço a essa família, assim, como os costumes, como os ideais, como as atitudes, os sentimentos, pensamentos.” Todos fraternos cristãos. A família toda tem muita religiosidade. E nós somos mais de cem. Uns 120, 130. E a gente se reúne periodicamente. E o que eu acho fantástico na minha família é que eu nunca vi uma briga, nunca vi uma discussão, nunca vi o alcoolismo, nunca vi nada, sabe? São as pessoas conscienciosas, respeitáveis, trabalhadoras, estudiosas. Meu tio que nasceu no sítio, chegou aqui sem saber nada, fez USP. (risos) Fez USP. O outro fez faculdade de Química, a outra fez faculdade de História. Sabe, assim? Todo mundo estudado, todo mundo com nível superior. Todos os meus familiares, os meus filhos, meus tios, todo mundo com nível bastante evoluído, adiantado. Então tive uma infância, que eu falo, nasci na natureza, no campo, com aquele ar livre, com aquele ar puro, com as frutas, com aqueles riachos, com tudo que havia de mais puro. E eu, particularmente, amo a natureza. Amo a natureza e amo as pessoas, e, fundamentalmente, os caídos no caminho. Eu sou apaixonada pelos desdentados e caídos do caminho. Enquanto eu pudesse, gostaria de ajudar três vezes mais, mil vezes mais, mas a gente faz aquilo que pode e louva o Senhor por isso, não é?
P/1 – Cida, a senhora tem irmãos?
R – Nós somos cinco. Eu sou a mais velha.
P/1 – A mais velha. E na sua infância, quais eram as principais brincadeiras?
R – Uma das... O meu pai tinha sítio de café, então, naquele período, existia tulha. A tulha é onde você armazenava o café. As sacarias. Então a gente brincava muito (risos) na tulha. Na tulha. Brincava de cantigas, de esconde-esconde, passa-anel, cantigas folclóricas, subia muito nas árvores, com balanços. Brincávamos muito no meio do cafezal, tinham as melancias plantadas no meio do cafezal, nós quebrávamos as melancias e comia só o miolo. Era uma vida fantástica que eu recomendo para todo mundo. (risos)
P/1 – E com quem a senhora brincava?
R – Com as minhas primas, com as minhas tias, porque eu tenho uma tia que é quatro anos mais velha do que eu. Primas, tias e vizinhos do bairro, do sítio, porque tínhamos toda aquela vizinhança. Naquela época os vizinhos eram todos amigos. Naquela época existia amizade, existia frequência na casa das famílias, existiam os terços à noite, todo mundo fazia terço, todo mundo ia orar, participar do terço. Aí se caísse uma pena no terço, todo mundo gargalhava, morria de chorar de tanto rir, se caísse uma panela. Então era assim com as vizinhanças da época.
P/1 – E tinha alguma brincadeira que era a sua preferida?
R – Eu acho que não, eu gostava de tudo. (risos)
P/1 – E sobre as festas. A senhora comentou que tinha muitas festas.
R – As festas... na minha família, eles gostam de comemorar aniversários. Aniversários de crianças, aniversário de adulto, aniversário dos idosos, festas de casamento, festas de noivado, festas de... Do que mais tem festas? Noivados, casamentos, de cinquenta anos, bodas de ouro, bodas de prata, bodas de diamante, bodas de tudo. Assim, a família é muito grande, então tem muita festa. Aniversários dos meus cunhados, dos meus netos, dos meus sobrinhos, dos meus filhos. Nossa Senhora, é muita festa. (risos) E além das festas, os familiares têm as festas dos amigos, os que a gente tem. São bastantes amigos. E os parentes que moram longe, então, você vai para Curitiba numa festa, você vai para Londrina noutra festa, você vai para, Gramado não, para Florianópolis noutra. É assim.
P/1 – Lembra de algum episódio, algum acontecimento marcante da infância?
R – Ah, eu lembro quando eu quebrei o braço. (risos) Foi assim, existiam as goiabeiras, os pés de goiaba, os pés de frutas, e a gente se balançava. Então você tinha que pular para pegar o galho e se balançar. Eu pulei e não consegui pegar com os dois braços, peguei com um só e cai em cima deste. Foi um tombo que esse braço ficou assim, ele cortou redondo. Redondo. E caiu essa parte. Ficou só a pele. Ficou só a pele, isso aqui caiu. Bom, então a gente morava no sítio, e fomos chamar um senhor que tinha um caminhão, ele se chamava Surita, o caminhão do Surita, para nos levar até a cidade. A estrada era toda de terra, tinha cada morrinho, senhor, que dor. Foi um ai só. São coisas fantásticas que eu imagino. O ortopedista – imagina, naquele período, com a idade que eu tenho – ele colocou o pé no meu peito, de meia – era um japonês – ele colocou o pé para encanar o meu braço. Para colocar no lugar o que tinha caído. Olha que coisa o método naquele período. E aí engessou. Ele falou assim: “Agora que você... Você não pode cair, porque se cair, vai quebrar de novo, aí complica.” Eu caía todos os dias. Eu nunca vi cair tanto. (risos) E uma coisa também, quando era menina, nós morávamos perto dos primos, era um sítio grande, tinha muitas terras e moravam todos perto; daí o meu primo subiu numa árvore, ele subiu na árvore e falou: “Vem agora, suba também.” E eu subi. Quando eu cheguei lá, ele me empurrou. Caiu um tombo. Então essas coisas que acontecem ficam marcadas. E as coisas alegres [também]. O meu avô por parte do meu pai dizia que minha mãe iria ficar com muita inveja quando eu nascesse, porque ele gostava mais do outro neto. Então que minha mãe ia ficar muito enciumada. E aí, quando eu nasci, ele começou a gostar mais de mim, sabe? (risos) E não teve problemas de ciúmes. O que me faz lembrar bastante dele são dois presentes que ele me trouxe. Naquela época as bonecas eram de papelão, se você deixasse na chuva elas molhavam, derretiam. Então não se tinha o dinheiro que se tem agora, as facilidades, os milhões de presentes. Tenho uma neta que tem um quarto de presentes, de brinquedos, que você fala: “Meu Deus, pra quê tanto?” Então o meu avô veio do sítio com um bercinho azul clarinho, com uma bonequinha dentro, sabe? Uma bonequinha de louça. Gente, para nós, aquilo lá, meu Deus, que coisa fantástica, que lindo, que maravilhoso. E o outro, numa outra data, ele me trouxe um guarda-chuvinha. Então, gente, aquilo tinha um valor tão grande, tão grande que até hoje eu lembro. E naquela época que eu era pequena falava-se em Papai Noel. A gente acreditava que colocava o sapato atrás da porta, e no outro dia a gente levantava afoita; as coisinhas eram muito simplesinhas. Acreditávamos em cegonha. Todos os filhos da minha mãe nasciam no sítio. Eu me chamo Aparecida porque foi feita uma promessa, porque iria morrer eu e a minha mãe. O parto era muito difícil, era no sítio e não tinha jeito, não nascia e não tinha dilatação. E daí fizeram a promessa, sabe? Depois que eu era maiorzinha é que a minha mãe continuou tendo filho, teve cinco; falava-se que a cegonha trazia o bebê e eu acreditava: existe cegonha, tem cegonha! Eu me lembro que falei: “Meu pai, cadê a cegonha?” “Já voou, já foi embora.” Ai, meu Deus! (risos) Hoje em dia as crianças já nascem sabendo: “Oh, o bebê tá aqui. Olha a barriga com o bebê.” Mas era assim, era a pureza, sabe? Eu entendo assim, não que não seja puro agora, normal, mas assim, aquela coisa era diferente. Pronto.
P/1 – E o que a senhora queria ser quando pequena, quando crescesse?
R – Olha, minha filha, eu já nasci professora. Então, assim, eu já ajudava o professor da escola no segundo ano, mal sabia ler e eu já o ajudava. E depois da minha casa, eu tinha dezesseis alunos particulares, deveria ter quatorze anos, quinze. Então fiz magistério e fiz pedagogia. Trabalhei na escola pública, alfabetizei dezessete anos, trabalhei e dei aula até para a oitava, mas muito pouco, logo me aposentei na escola pública, com 25 anos de magistério. E a partir daí eu trabalho na obra social, com crianças, porque eu amo crianças. Eu achava que eu não amava velhinho, sabe? Depois que a gente começou com os nossos velhinhos, eu [descobri que] amo tanto os velhinhos. É tão gostoso, não é? Conviver com eles é muito bom.
P/1 – E quais são as primeiras lembranças da época da escola, assim, as primeiras professoras, o primeiro colégio?
R – Então, era no sítio. Aqui em Santo André estudei no Américo Brasiliense. Estudei em Utinga também, depois eu fiz o magistério no Américo Brasiliense, depois mudei para São Paulo, comecei faculdade lá e terminei aqui.
P/1 – Você ia de uniforme para a escola?
R – Sim, bonitinho.
P/1 – Você lembra?
R – Bonitinho, de saia pregadinha cinza, com a blusa branquinha. Minha mãe sempre foi muito caprichosa, sabe? Eu tive um professor, na minha época, nós tínhamos quatorze matérias. Nós tínhamos francês, tínhamos latim, inglês, português, canto orfeônico, trabalhos manuais. Nós tivemos um professor na segunda, na sétima, sexta série. Gente, nós cantávamos em francês. Menina, chamava até o diretor para ver a classe. Uma classe, assim, naquele período a gente estudava, sabe? Naquele período escola era escola, e as estaduais eram as melhores. Tanto é que passar de um ano para o outro, meu Deus, nós tínhamos exame oral e exame escrito. Eu emagrecia, em média, uns seis quilos na época de exames, de tanto que eu estudava. Porque tinha, por exemplo, um livro de geografia, você tinha que saber ele inteiro para a prova oral. Em português, você tinha que aprender, você tinha que saber todas as conjunções, tinha que saber todos os verbos. Você lia livros, livros e livros. Professor era fantástico. Ele me deu aula de quinta à oitava de matemática. De quinta à oitava. Eram professores capacitados, inteligentes, responsáveis, assíduos. Um sonho a escola. Eu acho que hoje a escola, eu não vou nem falar o que eu penso, porque é muito triste. O que eu penso é muito triste. Eu tenho um amigo que dá aula na fundação e ele falou que ia se candidatar para alfabetizar os alunos da faculdade. Se candidatar a alfabetizar. Então é uma coisa muito triste. E hoje eu vi lá no núcleo uma coisa que me agradou demais: uma professora nova pediu para a criança fazer uma redação, não sei se a menina tem nove anos, ela fez uma leitura brilhante. Eu falei: “Gente, eu não acredito que essa menina tá lendo dessa forma.” Eu fiquei encantada e muito feliz, porque realmente eles estão na oitava série, na sétima série e não sabem escrever. Porque hoje em dia é o lúdico, e isso do meu ponto de vista é triste demais, porque eles não aprendem.
P/1 – A senhora lembra como ia para a escola?
R – Como eu ia?
P/1 – É.
R – Eu ia a pé, porque era perto. Da quinta à oitava. De quinta a oitava eu ia a pé, e depois ia de ônibus. Mas assim, na minha casa não tinha rádio-relógio, meus pais não levantavam cedo e ninguém me chamava. Eu entrava, acho, sete horas no Américo. Nossa Senhora, assim, parece que a gente é um relógio, né? Até hoje eu sou um relógio. Se me chamar... Nem o meu marido tem rádio-relógio e ele levanta às cinco e vinte, eu levanto às seis, seis e dez. Todos os dias. Sabe quando você faz aquilo que você gosta, você vai feliz para a escola, você estuda feliz. Eu tinha uma diretora que falava para mim: “Cida, pra você a vida é cor de rosa, né?” (risos) Tudo eu achava lindo, sabe? Tudo maravilhoso. E até hoje eu acho. Adoro tudo.
P/1 – E tinha uma matéria em especial que você gostava mais?
R – Que eu gostava? Eu gostava muito de História. Eu me encantava pela História. História dos povos, História do Brasil. Sempre gostei muito. E gosto muito de ler.
P/1 – Tem algum...
R – Não, gosto não, eu leio.
P/1 – Tem algum livro especial?
R – Ah, minha filha, literatura espírita inteira. Eu sou uma leitora assídua, sabe, mas eu gosto de livros espíritas e espiritualistas. Acabei de ler um: Sintonia com a luz. É um espiritualista. É maravilhoso. Mas eu lia vários romances, Victor Hugo. São romances maravilhosos. José de Alencar. Na minha época a gente lia tudo o que tinha na literatura da língua portuguesa.
P/1 – E algum professor, algum professor em especial?
R – Então, esse de português e a de matemática, que eram pessoas especiais demais, não para mim, mas para todos. Ela se chamava Leni. E ele, me esqueci agora o nome. Vou lembrar.
P/1 – E a vinda pra São Paulo foi quando? Para Santo André, desculpa.
R – Então, você vê. Meu pai tinha a segunda série do primeiro grau. Segunda. Era, então, semianalfabeto. Minha mãe, terceira série do primeiro grau, com cinco filhos. Meu pai não tinha profissão nenhuma, ele tinha um sítio de café. [Trabalhava] com plantação de café. Então viemos para Santo André, porque ele queria estudar os filhos. Olha o objetivo. E meu pai era uma pessoa com segunda série, mas muito inteligente. Era um psicólogo perfeito e uma pessoa demais, com muita sabedoria. É o que o meu filho fala: “Existe inteligente e o sábio.” Então meu pai era um sábio. Ele se comunicava muito com as pessoas, cumprimentava todo mundo da rua, fazia amizades, falava com o lixeiro, com o pedreiro, com o prefeito, com todo mundo, a comunicação dele era fantástica. E ele começou a trabalhar em uma imobiliária. Imobiliária. Mas ele tinha recursos financeiros. A gente sempre teve recursos financeiros agradáveis, entendeu? Então, assim, ele não tinha necessidade de ter um emprego, sabe? Ele colocou o telefone na rua, ele colocou parece que eletricidade na rua que gente morava. Ele é uma pessoa, assim, que gostava de beneficiar as pessoas, e também os caídos do caminho.
P/1 – Como era essa rua?
R – Era uma rua curta, chama-se rua Trieste, e ela existe em Utinga, sabe, o bairro é Utinga. Eu também cumprimentava a rua inteira. Então nós cumprimentávamos os velhinhos, as crianças, todos eles. Sorríamos, conversávamos. Nós viemos do sítio e já nos tornamos amigos de todos, de todas as pessoas.
P/1 – Qual foi a sua primeira reação quando chegou em Santo André?
R – Nada assim de estranho. Sabe, eu tenho facilidade de adaptação. Eu não sou apegada a um espaço, a um lugar, a uma casa, a um carro. Absolutamente. Se tiver que mudar, vamos lá.
P/1 – E tem alguma dificuldade que vocês encontraram nesse meio do caminho?
R – Não.
P/1 – E sua juventude foi aqui, então?
R – A minha juventude foi aqui. Sempre estudando muito. É o que o meu pai falava para mim: “Oh, se você arrumar namorado, eu te tiro da escola.” (risos) Meu pai era uma pessoa rígida e sábia, mas ele nunca relou a mão num filho, nem a minha mãe. A gente obedecia. Vivíamos plenamente felizes. Eu me criei assim, sem mágoa, sem rancor, sem raiva de nada nem de ninguém. Sabe, algo assim, que a gente vivia dentro da harmonia. Harmonia da paz, da alegria e sempre da gratidão a Deus por tudo. Eu ia muito, na minha juventude, na casa da minha avó, na Vila Mariana. Era tudo de bom. Passeávamos, íamos ao cinema, uma delícia. Íamos dançar.
P/1 – Que outras imagens a senhora tem desse período?
R – Comecei a namorar com dezessete anos, casei com meu marido. Casei com o primeiro namorado. (risos) E assim como ele, como disse minha diretora: “Tudo em paz. Tudo em paz.” Sabe?
P/1 – Cida, a senhora comentou sobre o seu processo de escolha profissional, do magistério. Queria que falasse um pouquinho como foi isso.
R – Então, naquela época era difícil você se efetivar. Muito difícil. Tinha muitos professores sem oportunidade de trabalho. Naquela época não tinha o que tem hoje, centenas de escolas particulares com creches, com todo esse tipo de cursos que existem hoje, naquela época, não. Era escola pública, pronto. Não tinha nada de entrar na escola com dois anos, com três, com seis meses, não existia berçário, não existia nada, educação infantil. Então era primeira série com sete anos. Não tinha como se procurar outras escolas. Eu sei que eu me formei e a primeira escola que eu fui alfabetizar era uma particular, mas trabalhei lá seis meses só, porque eu sou muito falante, então fui morar na Praça da Árvore, na Vila Mariana. Fui morar lá e eu não conhecia absolutamente ninguém. Fui morar num prédio, num apartamento. E eu ia até o ponto do ônibus e olhava o dedo das pessoas, que tinha anel de professor. Então eu perguntava se na escola deles tinha alguma vaga, alguma licença, o que estava acontecendo, se tinha alguma possibilidade para eu trabalhar. Eu sei que, então, a primeira escolinha foi particular, mas eu trabalhei lá só seis meses e, em seguida, com o dedo do anel da moça, já me arrumou uma sala de aula para trabalhar no Estado. A primeira escola que eu trabalhei era uma granja de galinhas. Eram umas salas, espaços assim, num terreno todo de terra, todo assim, íngreme, e as salas não tinham janelas, mesmo assim ia trabalhar feliz da vida. Tinha que andar um grande pedaço de terra e de ônibus. Era um morro, depois você descia o morro. Você escorregava, você segurava no muro, porque você deslizava mesmo. Eu tinha umas amigas que eram as professoras do interior que vieram para São Paulo para trabalhar. Elas diziam assim: “Que mal que eu fiz pra Deus pra tá aqui trabalhando nesse local horroroso, feio, perigoso, de terra, que eu tenho que andar?” Eu pensava com os meus botões: “Louvado seja Deus que eu tenho esse espaço pra trabalhar.” Porque no começo da vida tudo era difícil. Meu marido ganhava pouco, fazia faculdade. Se bem que o apartamento era nosso, estávamos pagando. Mas assim, eu estava ganhando, nossa, que luz. Que luz ter um espaço pra trabalhar, não é? Eu estudava muito para passar no concurso. Eu prestei o concurso e passei e me tornei professora efetiva até me aposentar. Aí se contaram todos os tempos que eu trabalhei sem ser efetiva, mas foi pouco tempo. Logo eu passei. Eu tinha ânsia por me efetivar e ter meu cantinho, sem se preocupar com salas de aula ou escolas uma longe da outra. E depois de lá, vim morar em Santo André, porque nasceu o meu segundo filho e eu queria ficar perto da minha mãe, porque, naquela época, como eu digo, não existia creches. As creches, isso daí não existia. O que existia? A gente contratava uma pessoa para ajudar a cuidar da pessoa, enquanto você estava na escola pública. Então eu vim morar perto da minha mãe, contratei uma pessoa que ficava na minha mãe, com os bebês, com o primeiro e com o segundo. O segundo já tinha quatro, cinco anos. Cinco anos.
P/1 – E nesse período que a senhora trabalhou, teve algum episódio que se destaca mais, assim, alguma coisa que tenha sido mais difícil? Alguma luta ou teve mesmo que lidar com alguns alunos mais cri-cri?
R – Olha, eu levei um choque emocional muito grande quando entrei na sala. Nessa granja de galinhas foi pelo seguinte: eu não conhecia necessidades. As necessidades materiais, eu vivia uma vida onde tínhamos tudo, fartura na alimentação, vestimenta. A gente tinha uma vida boa. E, de repente, fui trabalhar num bairro da periferia, lá perto da Cidade Ademar, na Vila Santa Catarina, e aquela sala, com aquelas crianças muito pobres e carentes e, nossa, eu levei um choque emocional com aquela condição financeira de vida que até então não tinha tido a oportunidade de conviver, sabe? Então, na hora, eu falava: “Meu Deus.” Eu morria de dó. Eu queria ajudar todo mundo. (risos) Eu queria arrumar roupa para todo mundo, queria, meu Deus, com profundo amor. Outro episódio é que eu dei aula também na Vila Santa Catarina para duas crianças que eram de origem de pais portugueses mesmo, de Portugal. Os dois gostaram de mim e nós fizemos amizade, me convidava para comer na casa deles as bacalhoadas famosas. Daí um deles falou assim para mim: “Se você promover meu filho, eu vou te dar um peru de natal. Um deles.” Tá bom, vai passar se tiver condição, não vai passar uma criança por causa de um peru, né? (risos) Eu sei que o menino foi promovido. Ele não era bom, mas era médio. Tudo bem. Eu viajei para o Paraná, porque a minha sogra morava lá, e o homem foi levar. Menina, dizem que era um bezerro, não era um peru, de tão grande. Não sei se tinha treze, quatorze quilos. Sei que todo mundo falou: “Gente, você não sabe o que veio.” Foi parar na casa da minha avó. E ficou bem famoso, o peru. Eu tive uma criança que a criança era um problema. A mãe tinha tentado outras escolas e o menino não parava em escola nenhuma. Nessa época eu era substituta, não era efetiva ainda. Ela chegou na minha sala e disse: “Olha, eu não vou embora. Eu vou ficar aqui, porque o meu filho possivelmente não vai ficar.” Eu falei: “Tá bom, mãe. Então você fica aqui no corredor e me aguarde. Eu vou ver se vai dar certo, não vai.” Daí eu comecei cantando uma música. Eu era muito nova, novinha, nem sei como que a gente tinha essas ideias. Eu comecei a cantar: “Se eu fosse um peixinho, soubesse nadar, eu tirava um menininho do mar.” O nome dele. Eu sei que com aquilo, não sei se ele gostou, a mãe foi embora e nunca me deu problema. Essa mãe só faltava me colocar no céu, porque o filho dela ficou. Se fosse hoje, iríamos direcionar para neuro, para psiquiatra, para psicólogo, mas, aquela época, tantos anos atrás... Eu sei que depois disso eu não soube se ele continuou rendendo ou não. Uma vez, também, quando era substituta, fui dar aula numa sala que era uma sala alugada, longe da escola. Sozinha também. Com Deus. Eu falava: “Ai, meu Deus, socorro.” E eram crianças que não tinham o que comer na hora do recreio. Porque hoje em dia tem um recreio farto, com comida farta, ou um lanche. Tem comida, tem alimentação. Hoje em dia, as escolas públicas estão uma beleza, mas naquela época era bem racionado.
P/1 – Cida, gostaria que comentasse um pouquinho sobre o seu trabalho desenvolvido no Klaide com as crianças. Na instituição.
R – É. Esse é apaixonante.
P/1 – Como começou?
R – Então, assim, olha, eu vou contar a história como correu. Como eu sou espírita, comecei a doutrina em São Paulo, de São Paulo eu vim aqui para Santo André, comecei na casa do professor Herculano Pires, que é uma pessoa que deixou noventa livros, noventa obras, psicologia, parapsicologia, espiritismo. Uma pessoa inteligentíssima, que se comunicava com os povos de outros países, Argentina. Uma pessoa demais, inteligente e sábia. E eu comecei a doutrina fazendo faculdade, a filha dele estudou comigo e eu comecei na casa dele, aprendendo a doutrina na casa dele. E de lá, eu vim para Santo André. E quando eu vim para Santo André, falei para o meu marido: “E agora, né?” Ele falou: “Agora, se você quiser, eu te levo lá todas as semanas.” Eu falei: “Não, eu vou procurar um próximo de casa.” Então, quando eu comecei a participar desse centro, que se chamava Nosso Lar, não, Lar das Bênçãos, ele se chama Lar das Bênçãos. Esse centro espírita foi fundado em 1954 e fazia parte do estatuto desse centro espírita a construção de uma creche e a sua continuação com uma casa de formação profissional. Fazia parte. Fazia parte, mas estava parado. Daí entrei lá, e como eu tinha veia social, quando você tem a veia essencial, então, a gente inicia o trabalho. Formamos uma equipe, corremos muito atrás de terreno, foi uma luta aguerrida. Fizemos sopa fraterna durante oito anos numa escola pública. E depois, enfim, compramos o terreno. Primeiro terreno. Compramos e construímos. Tem 750 metros de área construída, lá nós abrigamos cem crianças, na faixa etária de um ano e sete meses a cinco e sete meses, onde eles têm assistência odontológica, psicológica, médica e assistente social. Tem toda uma infraestrutura. Coordenadora pedagógica. Eles participam de lazer, de passeios, de atividades lúdicas, tem parquinho, brinquedoteca. Tem toda a infraestrutura, como se fosse uma escolinha particular. Alimentação saudável, eles dormem, cantam, dançam, enfim. Quando essa creche tinha quatro anos, eu já visualizei outra. Quando ela tinha quatro anos, eu vi uma placa “vende-se” e falei: “Ah, vamos comprar essa daí.” Eu ia lá e virava a placa do outro lado ou então eu arrancava a placa e punha no chão. (risos) Tinha um senhor que era da sociedade de Santo André, chamava-se Mário Sortino, que já partiu para o mundo espiritual, ele nos ajudou muito na construção dessa creche e se tornou nosso amigo. Muito amigo. Ele vinha de Santo André com o motorista particular dele, vinha orar com a gente todos os sábados de manhã. Ele admirava o grupo, a seriedade do grupo, a religiosidade do grupo; sendo que o filho dele era dono de um centro espírita e ele vinha orar na nossa creche. Então ele comprou esse terreno para nós, eu pedi para ele comprar o segundo terreno. Daí ele comprou, mas assim, ele fez toda a documentação para um dia a gente pagar. Um dia a gente pagar. Ele ajudou muito também, indicando onde conseguimos os blocos, o concreto. Ele ajudou bastante. Nessa construção, quando estava quase pronta, apareceu uma enfermidade e ele iria partir. Antes de partir, ele nos chamou, chamou o filho – um filho único – e rasgaram os papéis que nós teríamos que pagar. Então recebemos de presente e a casa ficou pronta em um ano. É um mil e cem metros de área construída. O objetivo dessa construção era desenvolver cursos de formação profissional. Então nós conhecemos o pessoal do SENAI, e o pessoal do SENAI foi até lá e fez o layout da parte de informática, da oficina de elétrica, da oficina de hidráulica e da oficina de reparo e conserto de materiais eletrodomésticos. Nessa casa nós também fizemos um projeto para uma empresa de São Paulo, chamava-se Vitae, e a Vitae equipou a casa inteirinha com dez computadores, com tudo. Fogão, geladeira. Tudo que você pode pensar, inteirinha equipada, inteirinha mobiliada. Em um ano ela começou a funcionar com todos esses cursos, além disso, na época, a gente tinha curso de ciências, tinha aulas de português. Sabe, foi fantástico, mas hoje funciona educação complementar. Hoje são crianças de sete a quatorze, onde eles desenvolvem atividades de artes, dança, música, teatro, informática. Tem aulas de educação física. Então participam aqui do projeto da Braskem. Daí começou outra placa de vende-se. Vamos comprar outro. (risos) Quatro anos após, compramos outro terreno. Nós que compramos. Construímos também em um ano esse outro, e lá funciona cursos de formação profissional. Lá nós temos quatorze cursos funcionando: berçarista, informática, web designer, práticas administrativas, curso de elétrica, também sob orientação do SENAI. Nós temos agora a parceria com o SENAI. O SENAI certifica cinco cursos nossos. Nós também fizemos uma parceria com a CVC. Então a CVC ampliou o prédio. Ampliou, equipou para os cursos, eles repassam os recursos financeiros para pagar. Então são cursos gratuitos de cabeleireira, corte e costura; tem, ai menina, nem sei te dizer, inglês, tem espanhol. São um espetáculo os cursos. Muitos. Muitos. Muitos.
P/1 – E da onde vêm as pessoas?
R – Do entorno.
P/1 – Do entorno.
R – Do entorno. De todos esses bairros do entorno e às vezes tem pessoas até de Mauá que vêm para fazer os cursos. Esses cursos começaram em 2006 e já foram certificados mais de quatro mil. Acho que uns setenta por cento estão inseridos no mercado de trabalho. Até no IBIS tem alunos nossos de camareira. Camareira, porteiro, berçarista. É muita coisa. E o curso de elétrica foi também o layout feito pelo SENAI. Aos moldes do SENAI ele funciona. Todo equipado.
P/1 – E os professores são da região também ou são de...
R – São de São Caetano, de Santo André. Mas são professores muito capacitados. Demais.
P/1 – Entendi.
R – Depois nós construímos outra. (risos) A quarta. Compramos o terreno da quarta também e resolvemos construir um centro para idosos. Então era um equipamento que não existia; os idosos entram de manhã e saem à tarde. São creches para idosos que ficam sozinhos, carentes e abandonados pela família que precisa trabalhar. Por isso que eu falei que eu não me entendia muito bem com idoso, mas agora eu os adoro. O que as nossas crianças têm bastante, porque, assim, como eu sou da escola pública, somos professores, o professor da escola pública, a função maior dele é informar. E o objetivo maior nosso é formar, entendeu? Prepará-los para uma vida digna, honesta, serem verdadeiros cidadãos. Pessoas do bem, que trilham o caminho da luz, sabe? Isso é fundamental. Já encontramos, assim, muitos [ex-alunos], todos trabalhando, de gravata, com a chave do carro, já casados, vêm mostrar os bebês. Nossa, nós temos, assim, cada retorno. Nós temos uma assistida nossa que está fazendo medicina em Cuba, por conta da nossa casa, essa segunda obra social, que é o núcleo Antônio de Paula. Ela nunca iria fazer nada se não fosse o apoio da nossa casa, porque além de ela aprender todos os cursos, eu a contratei como monitora de computação, na oficina de computação. [É o nosso] curso de computador, de informática. Essa menina começou a fazer um curso de Educafro, em Diadema. Educafro chama o curso, e a nossa instituição pagava para ela fazer o curso. Pagava condução. Ela não tinha um centavo. E eu falava: “Nossa, por que você não vai para a UFABC? Por que você não vai? Aqui tem uma faculdade gigante. Por que você não vai fazer o teu curso superior aqui?” “Não, dona Cida, porque eu quero ser médica. Médica.” Ela é de cor, sabe? Mas assim, numa condição financeira... A irmã dela fez conosco também, também demos oportunidade para ela ser educadora lá da creche dos pequenininhos. E recebendo pelo trabalho, ela fez também o curso superior, hoje ela passou no concurso da prefeitura e está trabalhando como professora da prefeitura. Então temos uma aluninha nossa que era paupérrima também; por conta da informática, hoje ela trabalha na Berrini, em São Paulo, em um daqueles escritórios famosos. Você fica encantada com a moça. Fez faculdade aqui na fundação. Assim, muitos fizeram faculdade. Temos outro caso, um menino, eles eram oito irmãos, comido de anemia, o jantar deles era chá com pão torrado, só. Esse menino, nós encaminhamos para São Caetano, para fazer um teste de informática, para trabalhar com informática. Daí a pouco ele já era coordenador do grupo de informática; depois ele ganhou bolsa total na FENAC de São Caetano e fez mecatrônica. Uma vez fui à CVC, no escritório, e veio um de gravata, bonito: “Oi, dona Cida.” “Tudo bem, meu filho?” “Tudo bem?” “Tudo bem.” “Então, eu trabalho na parte financeira aqui da CVC.” Eu falei: “Nossa senhora.” Então, isso são retornos. Um outro nosso [aluno] também está fazendo Direito no Mackenzie. A mãe é empregada doméstica, sabe? São, assim, pessoas muito, muito, muito carentes. Nós temos crianças lá que eu questiono: “O que você vai ser quando adulto?” “Cientista.” “O que você vai ser quando adulto?” “Cantora, veterinário, médico.” Eu falo: “Meu Deus, que os anjos digam amém.” Nós temos uma menina lá que é monitora nossa hoje, monitora de dança. Ela dança, canta, interpreta teatro talvez melhor do que uma profissional. Um encanto a menina. E outra que é uma profissional de teatro e um ‘pititiquinho’ assim, profissional de teatro. Você fica encantada com as habilidades deles.
P/1 – Dona Cida, queria que a senhora comentasse um pouquinho sobre os cursos que vocês oferecem. Se tem algum, a senhora comentou de informática, que se destaca em relação aos outros.
R – Alunos?
P/1 – Não, o curso. Algum curso que se destaca, seja de informática ou se é outro e se também dos alunos.
R – Não. Eu acho, assim, que o de informática hoje em dia é o mais procurado. Web designer. Olha, quem poderia te responder bem isso é a professora de informática, que ela está conosco há uns dezesseis anos. Capacitadíssima. A moça é muito capacitada. Então ela deve conhecer os que se despontam, que, com certeza, deve haver muitos. Agora, nesta sexta-feira, um grupo da informática irá ao SENAI, com certeza os que despontam; eles irão no SENAI, porque vai ter uma reunião com o diretor geral do SENAI de São Paulo, eu não sei sobre o que será conversado, mas eles irão ser apresentados para esse diretor. Eu tenho um cunhado que terminou um projeto dos deuses para implantar nesse nosso prédio dos cursos profissionalizantes, ele tem tecnólogo da informação. É um projeto fantástico e que eu não conheço uma obra social que exista esse projeto. Ele ficou trabalhando no projeto durante, sei lá, uns três, quatro meses. Mas é dos deuses. É preparar a criança desde pequena, com a matemática, o português, duas línguas – o espanhol e o inglês – e a informática, para, com quatorze, quinze ou dezesseis anos, eles já terem um emprego dos deuses na área de informática. Do T.I., Tecnólogo da informação. É uma profissão nova, eu acho, não sei. Mas temos um parente que trabalha já há quantos anos nisso? Mas que eu desconhecia até pouco tempo.
P/1 – Dona Cida, mais alguma coisa que a senhora gostaria de comentar sobre esse período?
R – Não, eu gostaria de falar só o seguinte: que eu faço aquilo que eu amo. E que as pessoas não imaginam, a maior parte, que toda a direção de obra social é voluntária. Então, além de voluntária, nós pagamos uma taxa mensal para a instituição. Isso consta no estatuto de todas as obras sociais, entendeu? E que a maioria das pessoas, como existem fatos e fatos infelizes nesse mundo de meu Deus, eles não calculam que uma diretoria séria e responsável trabalha como voluntário.
P/1 – Dona Cida, qual é o seu estado civil?
R – Casada.
P/1 – Qual o nome do seu marido?
R – Joaquim Tarifa Lembi.
P/1 – A senhora lembra como o conheceu?
R – Então, ele é o meu primo de segundo-grau. Eu conheci desde criança.
P/1 – E como foi o casamento, a festa?
R – Olha, uma parte importante da festa que eu acho... Porque o meu marido veio do interior, assim como eu. Eu vim do Paraná e ele veio de Astorga, também uma cidade do Paraná. Eu falo que ele veio para São Paulo com uma malinha, com três camisas e duas calças. Mas ele é uma pessoa trabalhadora demais. Um fato sui generis do meu marido é que ele é uma pessoa interiorana. Veio trabalhar numa empresa. Ele foi trabalhar numa empresa da Mercedes-Benz. Naquele tempo, chamava-se Itatiaia, era de caminhões da Mercedes-Benz, e, assim, com dois anos, três, ele já assinava os papéis da empresa e um dos diretores, eles eram quatro, veio de uma fazenda para o nosso casamento com aquela gola de cetim, sabe, aquela roupa. Nós não morávamos numa casa tão ruim, mas casamento, naquela época, nem clube tinha também. Eu sou casada há 47 anos. Não tinha nem clube, então [a festa] foi na casa da minha mãe, com parentes, vizinhos, a gente... E lá foi o dono com carro dos deuses e com motorista particular. Eu falei: “Nossa mãe do céu.” Então assim, ele é até hoje uma pessoa hiper trabalhadora, responsável, amoroso, ama os filhos de paixão. Se o filho pedir uma estrela, eu acho que ele vai lá buscar para eles.
P/1 – Comenta um pouquinho sobre os seus filhos, o nome deles...
R – Ah, não gosto de falar dos meus filhos. Eu tenho um filho geriatra e cardiologista. É muito estudioso, muito do bem, muito religioso. A mesma doutrina, obviamente. É muito querido pelos pacientes, sabe? É humano e capacitado, bom pai, um excelente filho. Tem uma esposa maravilhosa, duas filhas maravilhosas. A filha dele com quinze anos já tem o diploma da Cambridge. Então é luz pura, né? O outro meu filho, administrador de empresas, não é estudioso metade que esse, mas é trabalhador, é honesto, digno, religioso, tem uma esposa e um filho. E o terceiro é advogado, responsável, trabalhador, tem uma filha, Maria Eugênia, esposa. É tudo de bom.
P/1 – E o que a senhora gosta de fazer nas horas de lazer?
R – Ler. De preferência, no campo. A gente tem uma casa em um condomínio em Atibaia. Eu amo ouvir os pássaros e ler os livros. É o que eu mais gosto de fazer.
P/1 – Dona Cida, atualmente, como é o seu dia-a-dia, sua semana?
R – Meu dia-a-dia. Sete e meia eu estou na obra social. Às quatro da tarde eu vou para casa. Descanso um pouco, preparo o jantar e vou para o centro espírita. Terça, quarta, quinta e domingo. E fim de semana sim ou não eu vou para Atibaia. Cada mês duas vezes, uma vez, ou três vezes. A gente viaja de vez em quando, também. Uma viagem por ano, duas, assim, porque a gente, nessa faixa etária, tem mais é que passear um pouco. (risos) Enfim, é isso. Eu convivo muito com os meus filhos e muito com meus familiares. A gente tem um convívio bem saudável, alegre, fraterno e amigo.
P/1 – Para você, o que significa morar no seu bairro?
R – Olha, o bairro é assim, como todos os bairros que têm pouca violência, [ainda assim] tem violência, não é? Eu moro nesse bairro porque a minha mãe morava nesse bairro, e o meu marido quis morar em São Paulo, porque ele trabalha em uma empresa na Saúde, próxima à Praça da Árvore; ele sempre quis morar lá e eu queria ficar perto da minha mãe, por conta das crianças quando ainda eram pequenas. Mas quando cresceram, vieram as obras sociais, o centro espírita, como morar para lá se eu tenho a minha tarefa social aqui, a minha religião, a minha casa religiosa aqui? Então eu me sinto bem [aqui], mas eu gostaria de morar do lado de lá, sabe, perto do meu filho, porque ele mora lá perto da Figueiras, no bairro Jardins. Eu penso, mas a minha mãe mora no mesmo prédio que eu e ela depende de mim, ela dorme comigo, eu não posso mudar, porque ela quer ter o cantinho dela. Mas ainda assim me alegra, me satisfaz, num minuto eu estou na obra social, são umas cinco quadras da minha casa ou quatro, e daí um pouco estou na casa espírita também. Eu moro nesse bairro há 39 anos.
P/1 – Trinta e nove. E quais foram os maiores aprendizados da sua vida, se pudesse escolher?
R – No que tange ao trabalho, a vida em família ou a vida na obra social? Porque assim, o que eu entendo de aprendizado, você falou aprendizado.
P/1 – Aprendizado.
R – Para mim, o aprendizado se inicia na vida uterina, você cresce aprendendo com a convivência, com o meio ambiente, com tudo, e, para mim, o aprendizado não termina nunca, porque lá continua também. Eu falo que enquanto ar eu tiver para respirar, eu quero aprender, a vida para mim é um eterno aprendizado, é como dizia o filósofo, “eu só sei que eu nada sei”. Então, quanto mais livros eu leio, mais certeza tenho que eu tenho muito para aprender. E esse meu filho que é médico, ele terminou de se formar e falou: “Mãe de Deus, do céu, da terra, do Espírito Santo, amém. O que eu faço agora que eu não sei nada?”, ele é um estudioso, continua um estudioso, estuda até uma da manhã, duas da manhã, tem um conhecimento profundo e sempre fala: “Nossa mãe, por mais que a gente saiba, não sabemos nada”, e é o que eu penso. Então tudo que eu aprendo me apraz.
P/1 – E qual a sua opinião sobre esse projeto de estar contando a história dos bairros?
R – Eu acho interessante. Eu acho interessante, pois temos a oportunidade de conhecer muitas coisas do bairro. O que tenho para falar do bairro que eu moro? Outra coisa é que tinha uma igrejinha bem pequenininha, bem pequena, e que, de repente, veio um padre carismático, mas muito carismático, ele construiu uma igreja enorme em pouco espaço de tempo, e hoje aquela igreja está fervendo de gente, sabe, triplicou, quadruplicou, acho isso fantástico, maravilhoso, porque abriu um espaço para muita gente orar, ele conseguiu conquistar aquele povo maravilhoso; quanto mais gente orando, mais luz, luz para todo mundo, luz para o planeta e luz para os corações. Agora ele a arrumou toda, a prefeitura arrumou a praça, estão revitalizando outra praça, esse prefeito fez muitos melhoramentos no bairro, asfaltou muitas ruas, sabe, tudo de bom.
P/1 – Como a senhora vê essa questão do pólo petroquímico e a relação com as comunidades?
R – Então, o que eu acho, comecei aqui pelo seguinte: tive um cunhado que trabalhou aqui, ele era químico, se formou em química e trabalhou aqui como gerente de um departamento de química. Ele trabalhou aqui uns 32 anos. Era uma pessoa inteligentíssima, capacitadíssima. E depois, através do centro espírita, tinha um senhor que trabalhou aqui, esse senhor era amigo da funcionária da parte de comunicação. Esse senhor achou que nós poderíamos angariar alguns benefícios através dessa empresa que é próximo ao nosso bairro. Então esse senhor me pôs em contato com essa moça da área de comunicação, que depois saiu e entrou o Lucélio no lugar dela. Vim participar de um almoço com a esposa do Alckmin aqui, depois começou esse projeto da ADC, logo em seguida nós fomos convidados já para participar do projeto para as crianças utilizarem a piscina, realizarem atividades físicas, [usufruir] do lazer e tudo aquilo. A nossa casa, assim, a nossa instituição se destacava, porque as outras que participam daqui, da Capuava, etc., não tem a estrutura física que tem a nossa, sabe, não tem essa possibilidade de ter casa formada, um grupo formado, profissionais preparados, é muito diferente a nossa estrutura. Eles começaram os desfiles de moda e a nossa casa desponta, esse ano ganhou o primeiro lugar, ano passado ganhou [também], todas as gincanas e competições que eles fazem, lá tem pilhas de troféus que eles ganham aqui, e as mães, quando vão fazer as matrículas das nossas crianças, a primeira coisa que eles perguntam é se eles vão participar do projeto da Braskem, todos gostam do projeto da Braskem. Por que? Porque tem piscina, eles vão passear de ônibus, tem a festa das crianças, também tem alguns passeios que eles fazem, a festa dos desfiles, do EcoShow lá em Mauá, no Teatro, tem a festa dos deuses para os pais. Aqui tem um professor de dança, tudo é interessante, os pais gostam muito, tem uniforme, sabe, é interessante demais. Na época que começou esse projeto, nós começamos com uma cantina lá dentro, a cantina era nossa, nós ficamos com a cantina quase dois anos, mas não dava quase retorno. Nós tivemos um projeto antes desse, o da ADC. Quando o Lula entrou e começou o projeto Fome Zero, a UNIPAR fez um projeto de atender acho que trinta entidades, instituições assistenciais com cem cestas básicas por mês, esse projeto durou quatro anos e nós fomos contemplados com esse projeto da UNIPAR. Participávamos de reuniões, ganhamos móveis, [tudo] daqui dos escritórios. Tudo o que aconteceu com essa empresa foi tudo de bom, durante muito tempo, e continua. As crianças amam o projeto.
P/1 – Dona Cida, só mais uma pergunta, o que foi pra senhora contar e rememorar a sua história?
R – Ai, fantástico. (risos) Assim, é tudo, não sei, eu gosto de todas essas coisas que acontecem na minha vida, nunca pensei numa entrevista, nesse espaço com vocês, pessoas assim, agradáveis, simpáticas, bonitas, um espaço agradável. Porque temos história nesse espaço, nesse espaço aqui eu saí também numa revista, várias vezes, na revista Braskem; as nossas crianças e os nossos idosos estão na capa da revista Braskem, que antes era UNIPAR. Então é tudo muito, muito, muito agradável. Eu sou uma pessoa assim, grata demais a Deus, muito grata, por tudo que ele proporciona ao meu pequenino espírito, são oportunidades de crescimento, de aprendizado, de, sabe, poder falar um pouquinho daquilo que para mim, a minha vida, posso dizer agora, foi um hino de amor.
P/1 – Bom, então, em nome do Museu da Pessoa e da Braskem agradecemos a sua participação, muito obrigada.
R – Eu é que agradeço, agradeço o vosso carinho. Eu sempre penso assim, mas como foram se lembrar da gente, não é? Como foram se lembrar de nós, então, para nós é bem gratificante. Um beijo de amor para todos e o meu muito obrigado.Recolher