P/1 – Senhor Orlando, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer ao senhor de ter vindo aqui pro Museu conceder a entrevista.
R – O prazer é todo meu.
P/1 – E pedir pro senhor falar pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Orlando Cruz. Eu sou de Irará, Bahia. Nasci em primeiro de maio de 1926.
P/1 – Certo. Seu Orlando, qual é o nome dos seus pais?
R – Raul Ferreira da Cruz e Juvenília Teles da Cruz.
P/1 – E eles são lá da Bahia também?
R – Sim.
P/1 – Qual que era atividade deles?
R – Meu pai trabalhava com rural, nós tínhamos uma pequena fazenda. Minha mãe era de prendas domésticas, que eram dez filhos, não podia trabalhar naquela época. E meu pai lidava com gado, tinha uma padaria também que depois eu assumi também um pouco. Nós éramos dez irmãos e assim, fiz a escola lá primária, porque naquela época o primário da Bahia era um pouco puxado, né? Nós fazíamos até o quinto ano. Eu vim preparado pra São Paulo com 15 anos.
P/1 – Senhor Orlando, conta pra gente um pouquinho como é que era Irará, pra gente que não conhece, nunca foi.
R – Cidade do interior da Bahia, cidade pequena, só tinha duas ruas eu creio. Eu conhecia todas as pessoas, quando eu vim pra São Paulo ficava de noite assim imaginando: “Puxa vida, eu conheço tanta gente de lá”. Depois fui esquecendo com o tempo. Mas era muito pequena a cidade, tinha uns 15 mil habitantes, se não me engano, na época.
P/1 – E o senhor tá em que lugar nessa escadinha de irmãos?
R – Eu sou, primeiro, segundo... O terceiro.
P/1 – O terceiro de tudo ou o terceiro dos meninos?
R – Foram seis homens e quatro mulheres. Dos homens... Realmente da escala tem uma irmã mais velha, a Nilda, depois um irmão que faleceu e eu. Era o terceiro do nascimento.
P/1- Senhor Orlando, como é que era essa casa de vocês lá na Bahia? Como é que era ser o terceiro de dez irmãos? Como é que era o cotidiano nessa casa?
R – Nós, realmente, quando eu me entendi como gente, com sete, oito anos, nós morávamos numa casa grande. Realmente, era uma casa grande numa rua chamada Rua Nova. Depois meu pai comprou outra casa numa rua principal, uma casa grande, chamava-se Casarão. Todo mundo conhecia o Casarão. Era uma casa que tinha uma porta de acho que uns três metros, a chave era desse tamanho assim. E aí vivemos assim nessa situação, meu pai trabalhando, sustentando a gente. Aí ele montou uma padaria e eu e a minha irmã mais velha ficávamos nessa padaria, e um açougue também, que vende com açougue. Depois foi indo, fomos crescendo e tal. Não tenho assim muita recordação da minha meninice. Eu sei que eu jogava bola, eu ia fazer cobrança da padaria. Então uma vez... Passava pela Barra e estavam jogando bola, eu largava as coisas no chão e ia jogar bola. Aí chegava seis horas da tarde, eu tinha que estar na padaria, eu não chegava, meu pai ia pra padaria eu tinha que estar lá antes das seis horas pra poder ele não me pegar. Sempre eu fazia isso. Naquela época, pai já castigava mesmo, não é como hoje. Os filhos se não andavam direito apanhavam. Eu ia pra casa da minha vó, falava: “Minha vó, leve-me porque meu pai tá na padaria, ele vai achar ruim porque eu não cheguei”. Aí minha vó me levava, falava com ele e tal. Então, guardava, né? Não pense que ele esquecia, não. Guardava.
P/1 – E essa vó era a mãe do seu pai ou era a mãe da sua mãe?
R – A mãe de meu pai.
P/1 – E ela também era de lá?
R – Todos são de lá. A mãe da minha mãe, minha vó Guarina, eles moravam numa fazenda de outra cidade. Nós íamos muito pouco com eles, víamos muito pouco eles. Uma fazenda chamada Durão. Depois venderam, acabaram. E, com 15 anos, eu vim embora. Meu pai dizia: “Quando você crescer você vai pra São Paulo”. Tudo bem. Eu fiz um curso de datilografia, naquela época fazia datilografia completo. Cheguei aqui já datilógrafo, exímio datilógrafo. Fui pro interior do Estado, passei três anos. Eu vim com uma família de Irará, essa senhora, essa moça se casou com meio parente nosso, um médico. Ele tinha uma clínica em Regente Feijó, na alta sorocabana, e eu vim com eles. Casaram-se por procuração e o pai dela veio trazê-la. Nós viajamos de navio de Salvador ao Rio de Janeiro. Depois, ele foi nos esperar no Rio de Janeiro, esse médico doutor Deraldo. E de lá nós tomamos um trem, até um trem bom, que naquela época, o trem de Prata parecesse. Tinha um trem bom que vinha pra São Paulo. Depois acabou esse trem, não vi mais. Aí fiquei com eles um ano e meio em Regente Feijó, onde ele tinha clínica. Eu tinha um tio, primo do meu pai, que tinha uma casa de comércio, de calçados, fabricava calçados em Lucélia, na alta paulista. Então, depois de um ano e meio em Regente Feijó passei pra... Meu tio falou: “Vem aqui. Vem aqui me ajudar e tal”. Eu fui pra Lucélia na alta paulista. Ali eu fiquei mais ou menos um ano e meio. Como ele trabalhava com couro, com calçados e essa Casa Ferro, hoje, né?, Casa Ferro, vendia, era cliente da casa, então perguntaram se ele precisava de um rapaz pra trabalhar. Ele falou: “Tenho um rapaz e tal.” “Traga-o”. Entrei como office boy em 1944.
P/1 – Senhor Orlando, antes de a gente vir pra São Paulo, eu queria que o senhor contasse um pouquinho mais de Irará, da padaria. Como é que era essa padaria? O que o senhor lembra? Se tinha um balcão, o senhor se lembra como é que era, o cheiro...
R – Tinha um balcão. Era uma casa, uma casa de comércio, tinha um balcão com as prateleiras onde se colocava os pães. Fabricava bolacha, pão, lá chama esse pão francês de pão cacete lá. Chamava pão cacete. Eu era encarregado também de servir no balcão. Eu tinha uns oito anos, nove anos, por aí, já comecei a trabalhar e minha irmã também ajudava, né? Não tem muita coisa assim numa padaria. Não é como hoje, as padarias de hoje que têm uma diversidade de produtos. Lá só tinha o pão, esse pão, fazia um pão doce também e bolacha chamada Americana ou Mata Fome. Outra também Mata Fome que é um bolachão enorme. Eu comia pão quente com manteiga, meu pai: “Não coma porque faz mal pro estômago comer pão quente”. E por aí foi.
P/1 – E como é que o senhor fazia pra conciliar estar lá na padaria ajudando o seu pai e a escola?
R – Ia de manhã. A escola pela manhã até uma hora da tarde e, à tarde, eu ia pra padaria depois. Ou tínhamos ainda para um aprendizado, tinha um professor chamado Possiano, então meu pai encaminhava à tarde também, nós tínhamos alguns dias à tarde pra fazer sabatinas de matemática, fazia uma roda e um perguntava pro outro e tinha bolo, né? A palmatória. Então tomava bolo se você não respondesse certo. Você veja que a gente tinha obrigação de estudar e dar conta do recado. Eu sabia fazer conta de tabuada de cor e salteado. Quase todas as contas eu já sabia fazer, quando eu vim pra cá. É isso aí.
P/1 – E como é que era essa escola? O que o senhor se lembra dela?
R – Eu me lembro que a gente fazia a tabuada, estudava tabuada, contas. Fazia contas, ele passava contas no quadro negro e depois fazia uma roda de perguntas, um perguntava pro outro. Era para dar uma resposta exata senão tomava bolo. Quer dizer, era uma coisa assim, um bolo meio menos... Não eram os bolos que os pais davam na época. Meu pai dava bolo também.
P/1 – E o senhor se lembra de alguma vez que o senhor aprontou e levou bolo? Você se lembra disso ainda?
R – Eu me lembro. Claro. Imagina. Se você errasse a contagem, você ia tomar seis bolos. Se errasse, por exemplo, a gente tava nervoso na hora e tomar um bolo, tá que tem que dar a mão. Você tem que dar a mão e se errasse você tinha que começar de novo. Meu pai era meio carrasco eu acho. Da educação dele talvez por ter recebido também essa educação, passou. Modernamente, a gente vai aprendendo que não é assim que procede, mas isso é com o tempo. Não é assim de uma hora pra outra que muda. As crianças hoje não podem tomar palmadas, não é? Tem esses problemas que as mães não podem bater. A mãe geralmente dá, não leva muito em consideração. O que não pode é maltratar como faziam antes, né? Na escola mesmo nós apanhávamos. Na escola tinha professoras que davam cada pescoção, nego caía lá... Ele não podia tomar castigo na escola, porque se a queixa fosse em casa, outro castigo em casa também. Quer dizer, você não tinha jeito, você tinha que estudar mesmo. Eu tinha realmente... Depois quando ele me disse que quando eu crescesse eu ia pra São Paulo, pra mim foi uma beleza porque era um jogo, eu acho, né? Depois fui compreendendo melhor as coisas com ele e tal. Aí entramos em boa situação quando visitava. Eu fazia dez anos aqui pra poder ir visitar. Eu cheguei com 15 anos, com 25 anos eu já voltei pra lá, mas já voltei já no primeiro ano de faculdade. Já tinha mais ou menos um cabedal de conhecimento.
P/2 – Aí não tomou mais bolo, né?
R – É. Porque realmente a gente vinha pra cá e geralmente voltava com alguma coisa, pra apresentar alguma coisa.
P/1 – Senhor Orlando, a gente falou um pouquinho da escola, o senhor contou pra gente um pouquinho também do trabalho na padaria. Eu queria agora que o senhor falasse de festas ou de momentos de lazer lá da cidade. O senhor se lembra de alguma?
R – As festas de São João. Lá é muito forte a comemoração da festa de São João. Festas Juninas, né? Era uma beleza. Era muito bonito. Muito bonitas as festas lá. Havia também uma briga de espadas como existe em Cruz das Almas. Era uma coisa meio bruta porque você não podia sair na rua. À noite, por exemplo, juntava uma intriga, por exemplo, da rua de baixo e rua de cima. Então eles jogavam aquelas espadas, queimavam a roupa, queimavam as casas todas, né? Isso tinha. Tinham as espadinhas que nós também usávamos, brincávamos com as espadinhas. Mas um delegado uma vez chegou lá e proibiu tudo, acabou com a festa. Mas havia fogueiras, o mês inteiro fogueiras. Plantava-se uma árvore, porque não tinha calçamento nas ruas, eram assim de chão, de areia. Então armava aquela bruta fogueira plantava uma árvore junto pra assar milho, batata doce. Era muito interessante. As casas, por exemplo, eram abertas. Mesas postas com tudo feito de milho, canjica, munguzá, pamonha, licores. Fazia muito licor de jenipapo, licor de rosa. Vários licores. De figo. Era muito bonito. Aquelas pastorinhas que cantavam no Natal, saíam cantando. E as pessoas visitavam as casas, bebiam e comiam e saiam pra outras casas também. Era muito interessante. Hoje todas essas festas foram diminuindo, né? Faz-se hoje ainda, mas está muito restrito. Não se pode mais fazer fogueira por causa dos calçamentos. Não se faz mais fogueira. Se faz, precisa por terra, areia pra poder fazer a fogueira.
P/1 – E o senhor contando da padaria assim e da cidade que tinha as duas ruas principais, o senhor se lembra de ter algum outro comércio na região, de ter um lugar onde o senhor costumava ir comprar suas coisinhas?
R – Tinha comércio de tecidos. Tinha várias casas de comércios, principalmente tecidos, de armarinhos, casas... Tem um comércio na praça chamada Nossa Senhora da Purificação. Era uma casa onde tinha várias casas de comércio, açougues, secos e molhados. Como no interior mesmo.
P/1 – E tinha uma delas que o senhor gostava mais de ir? De passear ou de ver alguma coisa especial?
R – Não. Não tenho lembrança de ter assim...
P/2 – Uma loja de brinquedo.
R – Brinquedo. Brinquedo nós jogávamos bola. Tinha brinquedo... Naquela época não tinha brinquedo. Não me lembro de brinquedos, de termos brinquedos. Brinquedo era jogar bola, fazia picula. Aquelas brincadeiras de criança mesmo, né?
P/1 – E como é que foi o momento de decisão de vir pra cá? Porque o senhor já ouvia do seu pai, mas é diferente você ouvir uma história daqui a dois, três anos e de repente fazer a mala e ir embora. Como é que foi?
R – Eu ia fazendo a mala devagar. Quando ele me disse que eu vinha pra cá, ele esperava uma pessoa que pudesse ser confiável pra ele, porque eu era menor de idade. Então eu ia fazendo a minha mala, porque eu ficava na casa da minha vó. Morei um tempo em casa da minha vó por causa da padaria e eles moravam lá no Bongue, né? Um lugar chamado Bongue, um sítio, tipo de sítio. Então eu ia arrumando a minha mala, já fazendo as coisas, comprando e tal. Fiquei com a mala arrumada. Quando chegou essa oportunidade que esse senhor ia trazer a filha que havia se casado por procuração, eu falei: “Meu pai, o senhor Dudu vai pra São Paulo. Eu não poderia ir com ele?”. Aí ele pensou: “Eu vou dar uma resposta depois”. Aí no outro dia eu toquei no assunto, ele falou: “Você vai com ele. Prepare-se”. Aí foi a minha chance, né?
P/1 – E como é que foi esse primeiro passo da viagem? Porque vocês vieram de Salvador pro Rio...
R – Fomos pra Salvador...
P/1 – Como é que foi essa primeira parte da viagem até Salvador?
R – Viajamos a Salvador com a Marinete, o ônibus se chamava Marinete lá. Então chegamos a Salvador, ficamos hospedados em casa de parentes dele no Canela. Um bairro da Bahia que chamava Canela. Hoje ainda chama. Mas aguardávamos a saída do navio porque estávamos em guerra. 1941, a guerra começou em 39, né? Então ficamos aguardando a ordem para que o navio partisse. Às vezes saía: “Não vai partir.” “Então vamos pro cais pra tomar...” “Não vai sair.” “Vamos aguardar um pouco mais”. Passamos assim quase uma semana lá em Salvador aguardando a ordem de partir. Que aconteceu em 1941 mesmo, mas acho que em setembro mais ou menos, julho, agosto, por aí, o navio partiu. O Baependi, esse navio depois foi torpedeado mais tarde, né? E nós viajamos pro Rio de Janeiro durante três dias. Eu enjoei logo no primeiro dia, já comecei a ficar ruim porque o navio tem um balanço que aquilo... Então fiquei no camarote acamado. Não saí mais do camarote. Tomava só sorvete. “Vá ao convés que é melhor, você respira”. Mas quando chegava lá, “Buft”, colocava tudo pra fora. Aí cheguei ao Rio de Janeiro mesmo baqueado. E aí chegamos ao Rio, no outro dia embarcamos pra São Paulo.
P/1 – E essa viagem de trem como é que foi? Tanta mudança, porque de uma cidade pequena... O senhor já conhecia Salvador? E como é que foram todas essas aventuras e todos esses...
R – Olhe, pra mim, era uma coisa maravilhosa realmente. Um encantamento ver Salvador, viajar, falar com as pessoas diferentes, não? Eu só pensava em chegar aqui. Nós tínhamos aqui outros amigos que já vieram, já tinham vindo pra cá. Eu pensava tudo, em encontrar esse pessoal, mas não era assim, encontrar, porque eles estavam em outras cidades, tudo isso. O trem realmente era um trem moderno na época, porque você transformava a cabine numa sala pra ficar jogando, conversando. Eram 12 horas de viagem até chegar a São Paulo. Em São Paulo, nós nos hospedamos na Vila Mariana onde foi realizado o casamento religioso na Igreja Santa Generosa. E depois, no dia seguinte, nós embarcamos para Regente Feijó. Ouro Verde, chamava-se o trem. Trem bom também o Ouro Verde. Cheguei a Regente Feijó, aí até eu me adaptar, muito frio na época também. Frio bastante. E fiquei com eles. Ajudava... Eu era office boy da casa, limpava o consultório dele, ia fazer compra. Depois, eu arranjei um trabalho numa serraria lá em Regente Feijó mesmo. Eu trabalhei um ano com madeira, calcular madeira, né? E aí depois de um ano e meio, o meu tio me chamou, fui pra Lucélia, alta paulista. Fiquei lá morando em casa dele. Ia a sapataria ajudar a vender e outras coisas mais. Um ano e meio depois, eu vim pra São Paulo, em 44.
P/1 – E qual foi a primeira impressão que o senhor teve da cidade quando o senhor desembarcou aqui do trem, depois de ter ficado três dias no mar mais um tanto de horas no trem?
R – Minha impressão: “Que coisa deliciosa”. Maravilhado que eu fiquei com a cidade de São Paulo. E depois eu comecei a trabalhar. Entrava às oito, saía às seis. Fiquei assim trabalhando e tal. Depois, eu não tinha servido o exército ainda, fui servir o exército. Completei 18 anos e precisava ter habilitação do exército. Então fui fazer. Eu fui designado pra infantaria em Carapicuíba. Depois, passei pra antiaéreo, pra seção administrativa lá. Depois com o excesso de contingente, eu fui dispensado. Acho que uns seis meses depois dispensaram. Aí eu voltei pra Casa Ferro pra continuar meu trabalho lá como office boy. Tinham dois contadores na época e eu fiquei ajudando lá no escritório, ia pra cidade fazer pagamentos, compras nessa firma. Porque tudo era no centro. Não tinha banco no bairro. Tudo era no centro. As repartições públicas também, Correios. Tinha no centro de São Paulo. E por aí foi. Aí comecei a estudar. Tinha uma escola na Rua José Paulino, que essa casa, o início dela foi na Rua José Paulino. Existe o prédio até hoje, mas vão derrubar com certeza. Então, entrei nessa escola chamada Escola do Cavalheiro Prato, era um italiano que fundou. Instituto Manzoni. Aí fiz os meus primeiros em quatro anos, depois fiz os três técnicos, já passou pra escola Tiradentes, Comércio Tiradentes. Eu concluí em sete anos, aí fiz o vestibular na Álvares Penteado e aí entrei na PUC. Aliás, entrei na escola de economia do Liceu Coração de Jesus, salesianos. Era quatro, eu fiz três anos e, no último ano, essa faculdade foi agregada a PUC, eu passei pra PUC. Formei-me em 1954. Continuei na Casa Ferro, porque aí assumi a contabilidade da firma, posteriormente comecei a administrar toda firma. Até 1980, mais ou menos, nós vendíamos couro, artefatos de couro, malas e até outras coisas mais. Era uma casa grande, fabricava muita coisa, fabricava mala, fabricava sapatos, canos de bota, capacetes, perneiras militares, que se usavam as perneiras de couro antigamente, não? E, depois, foi reduzindo... A gerência passou pra outra pessoa que eu não dava conta mais. Depois foi decaindo, decaindo, então falei com o proprietário da firma, quem dirigia a firma era o senhor Mário Ângelo Gabriel Ferro, falei: “Senhor Mário, a coisa não está bem. Nós estamos indo pra trás.” “Então vamos fechar, você passa pra outra casa menor. Vamos liquidar o couro, liquidar tudo.” dispensamos os funcionários “E você vai tomar conta dessa casa”. Então, mudamos pra Rua da Graça em 1980, janeiro de 80. Eu fui com um funcionário, uma funcionária, um rapaz que nos acompanha até hoje que é o gerente da firma, que é de Feira de Santana. Ele estudou à noite, hoje ele é capacitado, mas naquela época ele tinha uns 18 anos, 17 anos. E ficamos trabalhando nesse local. A casa realmente prosperou. Nós eliminamos o couro, ficamos só com botões, rebites, ilhoses, strass. E hoje a casa, quer dizer, o ramo de botões aumentou muito. Nós tínhamos três tipos de botões apenas, que era o botão tipo capota, botão barra cem, que era um botão tipo luva, que se usava nas luvas, os homens usavam luvas aquela época. E também o tipo cueca, que hoje não se usa mais botão. Hoje usa no colant, pra colant das mulheres que usavam, você deve ter usado um tipo de colant. E agora usam em bebês, roupas de bebês esses botões. E aí começou a aumentar também os tipos de botões para barguilha aqui para os homens, nas calças. Eram botões fixos e flexíveis. Hoje se usa de todos os tipos, com pedras, trabalhadas. Ficou muito bonito o ramo de botões. A moda exigiu isto, não? Então estamos até hoje aí.
P/1 – Certo. Eu queria que o senhor contasse um pouquinho como foi o começo do trabalho lá com o seu tio na loja de calçados. Como é que era aquela loja, como é que era o seu relacionamento com o seu tio, o seu dia-a-dia por ali?
R – Era bom o relacionamento com ele, né? Eu trabalhava na venda de sapatos. Ele revendia sapatos, aliás, fabricava um pouco, mas ele viajava também. Frequentava bem as roças, as fazendas, pra vender e eu ficava tomando conta da casa, vendendo tudo isso.
P/1 – E como é que era a venda de sapato? O que o senhor precisava fazer pra vender um sapato?
R – Precisava ter lábia de mostrar o calçado, o tipo, o tipo de couro. Naquela época, não se fabricava com sintético. Como se fala hoje: é couro sintético. Aí não é couro, é sintético mesmo. Couro é couro!
P/1 – E aí uma vez que o senhor conseguia vender um sapato, como é que era a forma de pagamento, como é que o cliente fazia pra pagar aquele sapato?
R – Normalmente pagava em dinheiro. Não tinha esse negócio de cartão de crédito. Pagava em dinheiro ou então comprava fiado. Tinha fiado também. Se eram trabalhadores na roça, então quando recebiam vinham pagar. Um tipo de crédito assim.
P/1 – E o senhor chegou a fazer cobranças?
R – Também fazia cobranças. É claro. Ia fazer cobrança quando precisava fazer, né? Mas normalmente eles iam mesmo nos sábados, vinham das roças pra fazer compras e compravam esses sapatos, compravam esses chinelos, calçados.
P/1 – E a loja ficava aonde?
R – A loja ficava, tinha um espigão, a Avenida Internacional, era muito ainda cru o negócio, muita terra, tinha muito mosquito. Nós dormíamos com mosquiteiro, né? Porque eu não suportava o calor, muito calor também. E lá era então só uma rua. E aí foi aumentando a cidade, tudo isso foi prosperando. Não iam crescendo tão rápido como as coisas se constroem hoje. Não tenho mais nada sobre Lucélia.
P/1 – Ah, tem. Imagina. De onde que vinham os produtos? O senhor falou que algumas coisas vinham da Casa Ferro já. Então como é que era o esquema?
R – O esquema comprava couro in natura, couro curtido e ele fabricava lá alguns pares. Ou então comprava das fábricas de calçados. Já existia na época fábrica de calçado em São Paulo. Comprava em São Paulo calçado pronto e levava pra revender lá.
P/1 – Vocês iam visitar essas lojas ou eles vinham mostrar os sapatos que eles tinham?
R – Normalmente, meu tio vinha a São Paulo e ia às fábricas pra verificar. Ou então os vendedores, na época existiam vendedores pelo interior, né, que visitavam as casas de comércio. E aí comprava, fazia as compras, pagava a prazo com cheque quando aí já tinha cadastro pronto. Ou pagava em dinheiro mesmo.
P/1 – E o senhor no início de juventude no interior de São Paulo, o que o senhor fazia de passeio pra aproveitar a cidade enquanto o senhor não tava trabalhando?
R – Veja bem, comecei a estudar não tinha muito tempo de lazer, não. Lazer era só aos domingos. Nos sábados, a gente fazia banca de estudos com outros colegas e nos domingos íamos ao cinema. O único lazer que tinha aqui, ou então alugava bicicleta no domingo de manhã e ia pro Largo do Arouche andar de bicicleta na cidade. Mas minha vida era assim, trabalhar e estudar, não tinha muito lazer aqui, não, na época. E depois a gente tinha o interesse também de prosperar, progredir mais ainda. Então estudava bem, fazia banca de estudos. E, aos domingos, tínhamos o cinema. Os cinemas eram no centro da cidade. Não tinha cinema... Tinha algum cinema no bairro, mas a gente ia mais ao centro onde passavam os melhores filmes, ficava uma hora, duas horas na fila pra entrar num cinema naquela época. Ou então ia tomar chá. Tinha umas meninas que a gente conhecia, então ia tomar chá na cidade, Casa de Chá do Luar de Agosto, numa peça, né? Casa de Chá do Luar de Agosto. Naquela época tinha chá, casa de chá. A gente frequentava as casas de chá. Baile. Dávamos baile também pra formatura, adquirir dinheiro para fazer a formatura. Fazíamos também isso durante... Eu me lembro que uma vez nós fizemos um baile no clube Pinheiros, que era na Rua Dom José de Barros, a sede. Acho que cabia mais ou menos umas 500 pessoas no máximo. Nós vendemos mil convites, foi um horror. Foi um horror na porta, não podia mais entrar ninguém. Foi uma briga, polícia, tudo isso, né? (risos) Foi brincadeira, não.
P/2 – O colégio que o senhor estudou era misto ou era só de homens?
R – Não. Era misto. O meu colégio era misto. Esse colégio primeiro, a primeira escola, essa escola do Instituto Manzoni, era misto, mas não podia conversar com as meninas no colégio. Tinha tal cavalheiro Prato, ele ficava vigiando: “O que ele tá fazendo? Por que ele tá aqui conversando”. Tem que conversar separado. Sabe aquela... Antigamente, era assim. Hoje que é misturado, né? Mas é uma liberdade.
P/1 – Isso aqui já é São Paulo.
R – Já.
P/1 – O senhor quando veio pra cá foi morar onde?
R – Eu fui morar... O meu tio se transferiu pra cá, a família dele com três crianças e a mulher. Ele veio morar lá no Bom Retiro, na Rua Tenente Pena. As casas naquela época, geralmente de italianos, eles faziam a casa principal na frente e, no fundo, tinha naturalmente uma extensão, 30 metros. Então, começava a construir quartos, cozinha, banheiro. Era assim. Os banheiros eram coletivos. Só a cozinha que era separada, nós fomos morar numa casa assim, na Rua Tenente Pena. Depoin mudamos para a Rua Anhanha, também numa casa desse tipo. E aí foram crescendo as crianças, eu ficava acompanhando, tomando conta mais ou menos, porque ele vivia sempre no interior depois. Em 1948, ele se transferiu para o interior com a família. Aí eu fui morar numa pensão nos Campos Elíseos, na Barão de Limeira. Moramos nessa pensão três anos. Depois, os donos dessa pensão, que eram libaneses, mudaram pra outra casa e eles também quiseram que eu fosse pra lá morar com eles. Eu e mais três pensionistas. Dois anos depois, eles compraram um apartamento na Barão de Limeira e falaram: “Orlando, você vai conosco”. Era o único inquilino que eles tinham. Então fiquei morando com eles nesse apartamento até 1954 quando me formei. Nesse interim, é uma odisseia, os meus tios, os pais da minha tia, compraram uma propriedade no Itaquera e depois venderam essa propriedade. Então nós passamos a morar em Água Fria, no bairro de Água Fria. Esse dinheiro da propriedade ele falou: “Orlando, você vai comprar alguma coisa, alguma propriedade aí nesse bairro pra minha filha morar com os filhos e meu genro também”. Aí eu comprei em meu nome essa propriedade na Rua João de Laet na Vila Aurora. Eu morei com eles aí também. Morei com eles aí. Depois, a minha prima, com quem eu moro hoje, comprou, por sinal ela entrou como oficial de justiça, então comprou uma propriedade em Santana, na Rua Alfredo Guedes. E aí fomos morar todo junto. Era uma propriedade maior, fomos morar juntos. Ela trabalhava, todo dia eu trabalhava, então conseguimos ajudar a pagar essa casa e ficamos morando nessa casa até 2000, até o ano 2000. Ela recebeu, era muito econômica, recebeu umas férias, tudo isso, um dinheiro lá do Estado, e aí conseguiu comprar um terreno nessa casa que nós moramos, nessa rua que nós moramos hoje na Travessa Perpétuo Vicente. Comprou terreno e construiu uma casa e até hoje estou morando com ela nessa casa. Vivemos como irmãos.
P/1 – Certo. (troca de fita) Mudou até o nome do colégio.
R – Mudou. O clube, por exemplo, o Clube Esperia, hoje mudou pra Esperia, era Palmeiras, mudou pra Palmeiras. Mas também o Brasil vendia tudo, fornecia tudo. Ganharam muito dinheiro, mas gastaram depois nos tempo de Getúlio Vargas.
P/1 – Então, a gente tava contando, o senhor ia contar pra gente um pouquinho como foi essa sua chegada aqui em São Paulo e esse encontro com os imigrantes, com culturas diferentes no período da guerra. Como é que foi isso?
R – Olha, inicialmente, eu não tinha muito relacionamento com eles, uma porque não tinha muito tempo, mas eu me dava com eles. Depois dos italianos, os judeus então chegaram também com fábricas de tecidos, fábricas de coisa e nós tínhamos um bom relacionamento com eles, não tínhamos problema. Até, certa época, nós fechávamos a loja também nos feriados judaicos. Era o feriado de Yom Kippur, que era o dia do perdão, nós também fechávamos em homenagem a eles. Depois dos judeus, entraram os gregos. Mais tarde, muito depois chegaram os coreanos que revolucionaram o Bom Retiro. Trouxeram muitos dólares, então compraram... Não sei se você chegou a saber, o baixo meretrício foi transferido para o Bom Retiro uma época, em 1948, 1950, por aí. Saiu dali da Rua Aurora que era espalhado e tombou tudo pro Bom Retiro e ocuparam as ruas Itaboca, que hoje é Professor Cesare Lombroso, a Rua Aimorés, a Rua Ribeiro de Lima, era um triângulo. Aí ocuparam... E mulheres faziam a vida ali. Muitas mulheres eram, por exemplo, mais de quatro mil mulheres eram transferidas pra ali. Não faziam “tortoua”, porque as casas se transformaram em portas-balcão, que são de venezianas. A pessoa chegava e falava... Vou contar a história. Chegavam os homens, nós chegávamos lá, conversávamos com elas através daquela... Porque ela não podia sair na rua nessas noites, né? Conversávamos com elas, combinavam, entravam tal, faziam o serviço lá e iam embora depois. O “tortoua” só de homens. E depois, tempos depois, os judeus foram entrando nessas ruas também, uns se incomodavam com isso, aí foram comprando propriedades. E o governo achou de bom alvitre retirar de lá porque havia brigas com polícias, exército. Às vezes, fechava até tudo por causa das brigas deles. Aí com o tempo foi se retirando, eles foram comprando as propriedades, elas foram se retirando, ficando espalhadas por São Paulo ainda aí na Rua Aurora, Rua Timbiras e por enquanto ainda tem um pouco. Mas hoje não tem mais esse problema, não. O único problema que a gente tinha passou por esse período aí.
P/2 – Antes das chegas dos judeus com as fábricas de tecido, como é que era o Bom Retiro? Além das atividades das mulheres, caracterizavam-se quais tipos de comércio antes dos judeus?
R – Era comércio de tecidos mesmo também. Tinha lojas. Residências. A Rua da Graça tinha muitas residências. Por exemplo, ficava nas portas conversando à tarde. As famílias ficavam assim na Rua José Paulino mesmo. Saiam pra conversar à tarde ou trabalhavam fora, no centro da cidade. Porque antes era tudo no centro mesmo o desenvolvimento. E depois que chegava em casa ia conversar, bater papo nas portas na Rua da Graça embaixo das árvores, colocava mesa, aquelas mesas... Muito calor, então você tomava uma água. Assim. Era interessante mesmo. Era uma coisa bem rústica. Aí foi desenvolvendo tudo isso. Mas os filhos dos judeus iam estudar, quer dizer, não conseguiam seguir a profissão, raros os que acompanharam os pais, quiseram mais ter profissões liberais. Foi diminuindo, diminuindo, diminuindo... Daí ficavam os antigos proprietários e vendiam suas casas, suas lojas. Hoje estão poucos, né?
P/1 – E como é que era a Casa Ferro na José Paulino? O senhor consegue descrever como é que era mais ou menos?
R – Era uma casa tinha... De frente, uns 14 metros de frente por 30 de fundo. Era uma loja grande. Porque quem construiu a Casa Ferro, lá, o prédio, foi o senhor Angelo Ferro. Os filhos nasceram lá em cima. O senhor Angelo Ferro era pai de cinco filhos. Nasceram lá em cima cinco filhos. A casa primeiramente se chamava Angelo Ferro. Era um primazia, de único, né? Ele faleceu em 39, aí os filhos assumiram a firma. Os três filhos, o mais velho, Ermete Ferro, Mario Ferro e Tulio Ferro. Eles assumiram a firma como Casa Ferro Ltda. Mudou o nome em 39. E a firma prosperou bastante, nós tivemos na firma, fabricava muita coisa, né? Tínhamos seis viajantes que iam pro interior vender o que se fabricava e couro também, in natura, nas fábricas pelo interior. Eles também tinham curtume. Tinha o curtume em Mogi Mirim, Curtume Alvorada em Mogi Mirim, que nós também usávamos couro desse curtume também. Tinha também Santo André, ele gostava, o senhor Mario Ferro gostava muito de negócio de curtume, não é? E a Casa Ferro era uma casa realmente conhecida. Hoje é conhecida em todo o país. A Casa Ferro é conhecida em todo o país porque realmente tem uma tradição. Nós somos os únicos na José Paulino, na Rua da Graça. Outros tentaram, mas com a gama de botões e de material metálico pra confecção, somos os únicos. Não tem quem bata, não. Já houve tentativa de outros. Nós temos casas grandes lá, hoje. Tem a Oeste, que é uma casa enorme, tem a Maria 25 que veio do Brás, veio da 25 de Março, mas eles têm outros produtos. Botões mesmo, iguais a gente eles não tem. A gama de botões eles não têm. Então eles não têm muito problemas com eles.
P/1 – E como que era o seu cotidiano de trabalho nesse começo?
R – Olha, eu trabalhava muito. Trabalhava muito. Eu entrava às oito horas... Depois de formado, que eu assumi a casa, eu trabalhava até as dez horas da noite porque ajudava o balcão, atendia vendedores, comprava, vendia também, fazia os cálculos dos preços, atendia vendedores e a contabilidade, eu tinha que fazer à noite. A pouco tempo o Mario Sérgio que é hoje o sócio, o neto, ele levou um livro diário que eu fazia, nesse livro os lançamentos, fazia dobrado, levou pra mostrar pra família dele a minha letra. Eu fiz um curso no De Franco de cursivo inglês, na Escola De Franco de Caligrafia. Tinha uma letra boa, porque naquela época precisava ter letra boa pra escrever e esse diário foi escrito por mim. Todo o diário tava escrito. Então ele levou pra mostrar pro pessoal como é que era na época, tinha uma mesa assim, o diário é desse tamanho, é um livro. Pesado, era uma coisa pesada. Depois foi modificando pra copiadores, a ficha tríplice. Aí indo, foi melhorando. Pronto. Depois eu não podia mais fazer, não tinha mais condições de fazer, passei pro escritório de contabilidade que faz até hoje a contabilidade da firma. Com esse progresso todo que nós tivemos, os computadores foram se adicionando. Eu ainda escrevo a máquina até hoje. Lá nós temos um tipo de ficha grossa que não pode fazer no computador, então eu faço na máquina. Ainda depois vai para o computador.
P/1 – E como é que o senhor fazia as compras? O que o senhor selecionava? Onde o senhor ia buscar esses materiais?
R – Eu nem ia mais buscar. Eles que vinham a Casa Ferro pra oferecer, as várias fábricas. Por exemplo, a fábrica principal que fornece, a Eberle, hoje mundial porque comprou... Eram italianos em Caxias do Sul. Então a Eberle, a Comerit aqui de São Paulo também fornecia. A Bonor, lá no norte. Esses produtos vêm. Eles já sabem que nós trabalhamos com isso, então eles vêm oferecer os produtos, vinham oferecer. Escolhia e comprava. Já tínhamos na época, pelo procedimento creditício da casa, então tínhamos crédito, não tínhamos limite de crédito dos bancos. Houve épocas que a gente também teve dificuldades pra descontar títulos, mas por amizade com gerentes, gerentes de banco, conseguíamos. Hoje a Casa Ferro está a vontade. Não dependemos de banco, ao contrário, nós fornecemos para que eles emprestem a outras pessoas. Mas houve um tempo que precisamos.
P/1 – E que tempo foi esse? O senhor se lembra?
R – Em mais ou menos no ano de 1960, 70, por aí.
P/1 – O que aconteceu?
R – Aconteceu a situação de crise, né? Situação de crise. O Brasil não tinha muita exportação, não exportava muito e também não tinha o mercado interno que hoje tem. Quer dizer, não vendíamos o suficiente para pagar as compras nos seus vencimentos, então precisava tomar do banco, descontar duplicatas em bancos. Nós trabalhávamos com o Banco Francês Italiano, Banco Mercantil de São Paulo que não existe mais. Banco do Brasil, por exemplo, tivemos que falar com o gerente pra poder conseguir crédito, descontar os títulos. E nunca tivemos problema por causa dessa situação. Honrava. Honrávamos as compras, os pagamentos como fazemos até hoje.
P/1 – E qual era a postura da equipe, da empresa em relação a esses tempos difíceis ou tempos de mudança de plano econômico que a gente atravessou em alguns períodos?
R – Realmente, houve aquelas mudanças de planos econômicos, né? Mas os planos econômicos, as pessoas físicas... Quem tinha, passou aquele período, um mês, 30 dias, não sei, já se equilibrava. Quem não tinha, que ficou amarrado. Houve realmente situação difícil pra quem não tinha muito dinheiro ou que tinha pouca coisa e o banco veio aquele..., a requisição, mudança de dinheiro, né? E um pouco ia ganhando como Deus queria. Não tenho assim muita...
P/1 – O senhor se lembra de como vocês enfrentaram o período de alta inflação que tinha que ficar tabelando preço? Ou então se recebiam cheque pré-datado como é que fazia?
R – Tem essa época realmente da inflação terrível, inflação galopante que todo dia mudava o preço. 60, 70% de inflação como poderia... Houve uma época ruim. Quem, por exemplo, quem tinha condições, o comércio, por exemplo. O operário é que padecia porque o salário não aumentava todo dia nem todo mês. Quer dizer, havia correção mensal dos salários, mas as mercadorias aumentavam diariamente, não é? Então, era uma situação meio difícil para quem não tinha condições muito boas, pra o assalariado, para quem vivia de salário. Apertava-se. Dava um jeito, comprava menos, não se endividava como hoje se endividam, não? Temos cartões de créditos, cobram juros altos. Mas a pessoa ia se defendendo. Tendo emprego, trabalhando, então conseguia sobreviver. Agora, quem não tinha, passava mal. Como hoje também, quem não tem emprego, que perde o emprego, tem dívidas a cumprir, família, padece, né? Sofre um pouco.
P/1 – E voltando pra questão da estrutura da loja, tinha algum canto assim, uma parte da loja que o senhor mais gostava ou que preferia estar?
R – Eu tava em tudo quanto era canto! Quer dizer, eu ia pra todos os lugares da loja, não tinha negócio de canto assim, próprio. Tinha a minha mesa, né? Mas assim, privilegiado, não que não podia descansar, não tinha área de descanso. Trabalhava o tempo inteiro, todo o período, eu trabalhava até à noite. Eu morava na Barão de Limeira, vinha a pé, andei muito a pé, acho que é por isso com os ossos bem firmes. Vinha de manhã, voltava pra almoçar, voltava pra trabalhar, ficava até à noite. Quando estudava, então, saía às seis horas, almoçava lá mesmo, jantava mesmo no Bom Retiro que eu morava, ia à escola às sete horas, saía às dez e meia. Mas quando eu morava na Barão de Limeira todos os dias eu fazia essa caminhada.
P/1 – E o que o senhor via nessa caminhada? O que tinha no caminho?
R – Algumas pessoas. Porque lá não tinha... Porque o Bom Retiro, por exemplo, quando fecha é um deserto. Não tem ninguém, é um deserto. Eu subia a Barão, a Nothmann, naquela época não havia perigo nenhum, encontrava as pessoas que vinham vindo, ou escolares. Tinha até uma senhora, ela era cega, não sei aonde que vinha, acho que na Santa Cecília, por aí, sempre encontrava com ela. Ela com aquela bengala própria, né? E outras pessoas, mas não tínhamos um relacionamento. Passava, ia embora. Pronto.
P/1 – O senhor viu muita diferença no bairro... Quais as diferenças o senhor vê no bairro hoje pra essa época que o senhor chegou ao Bom Retiro? Em termos de infraestrutura, segurança.
R – Hoje, a segurança eu não sei, mas não é muito seguro, não. Hoje, vocês sabem como está a segurança em São Paulo. A gente anda na rua ou anda de carro, mas não tem segurança, vai sempre preocupado com isso, com o que pode acontecer. Hoje, você jamais vai ao centro da cidade, o que antigamente a gente ia à noite ao centro da cidade, frequentava os cinemas noturnos, mas hoje você não vai. Hoje, por causa dos shoppings também, você vai ao shopping, vai ao cinema, vai ao teatro. Mas hoje você não sai à toa como eu fazia antigamente pra conhecer os bairros de São Paulo. No fim de semana eu tomava um ônibus e ia conhecer os bairros. Hoje eu não faço mais isso, não tenho nem condição. Mas conheci todos os bairros.
P/1 – Qual foi um que o senhor gostou de visitar?
R – Casa Verde. Eu visitava muito a Casa Verde porque tinha uma família que fiquei amigo. Então nós íamos assim, fazíamos pizza à tarde de sábado, jogava baralho, jogava buraco. Então eu ia. Uma família amiga mesmo, ficamos muito amigos dessa família Quatrock. Então é assim a vida. Em Casa Verde... Eu frequentava muito a Casa Verde por causa dessa família. Mas outros bairros... Mas eu conhecia a Lapa porque eu tinha uma irmã também que veio morar em São Paulo no alto da Lapa, ela morou acho que uns dois anos em São Paulo, o marido dela tinha uma clínica médica lá na Lapa. Depois, ela foi embora. Separaram-se. Então eu ia às vezes também à Vila Hamburguesa, lá em cima mesmo. Mas eu conhecia Freguesia do Ó, Itaberaba, Cachoeirinha, Lapa, Perdizes, tudo isso eu conhecia.
P/1 – E voltando a falar do comércio, quem eram os clientes da Casa Ferro? Quem ia lá comprar?
R – Eram pessoas que fabricavam roupas ou artefatos de couro. Porque os botões também ilhoses, rebites, se usam nessas fábricas. Ilhoses principalmente e rebites se usam no comércio de fábrica de couro, de artefatos de couro, de sapatos, de tênis. Usam-se ilhoses pra passar o cordão. E também as confecções, as fábricas de roupas, essas compravam muito. Esses elementos que se... O botão sempre se usou. O botão vem da época de... É de origem francesa bouton, bouton, né? De origem francesa. Eu tinha até um... Recebi há pouco tempo uma nomenclatura a respeito dos botões, da origem dos botões. Tudo que abotoava, que servia pra abotoar, chamava-se botão. Então isso até hoje se usa nas roupas, nos casacos. Esse material quem consumia era fábrica de roupas.
P/2 – E donas de casa não?
R – Também. As costureiras. Porque também tinham donas de casa que compravam, mas não era muito, não. Elas não compravam muito, não. Elas usavam muito zíper, nós não trabalhamos com zíper. Dona de casa trabalhava muito com zíper também, pra por nas calças, mas nós não. Era botão mesmo. E as costureiras pouca coisa, porque antigamente não usava tanto botão, roupa de mulher, de senhora, não usava tanto botão a não ser as roupas de..., casacos de inverno, pesados, aí sim. Botões pra forrar, botões forrados, que também se usa hoje ainda, né?
P/1 – E qual era o produto mais vendido? Era botão mesmo, ou tinham outros artefatos de couro? Como era?
R – Na época de artefatos de couro nós vendíamos luvas tanto pra homem como pra mulher. Ou luvas para dirigir, que não tenham... São luvas, metade, né? Luvas também. As fábricas de luvas usavam muito botão. E as fábricas de calçados também usavam esses ilhoses e rebites. Que mais eu poderia oferecer, vamos dizer... É isso aí.
P/1 – E quando o senhor fazia venda ou um vendedor a fazia, como eles entregavam o produto? Como se escolhe um botão? Porque não vai normalmente comprar um, sempre vai um pouquinho. Como vende esse...
R – As embalagens, caixas com 200 peças, ou pacotes de mil peças, ou grosas, que até hoje os botões que se forram, forrados, por exemplo, vendem em grosa. Quando eu admito funcionários que diziam: “Quantos botões tem uma grosa?”. É medida inglesa que não caiu. Ficou. Nós usamos desse mal hoje, né? E eles não sabem porque não usa. São doze dúzias uma grosa. São 144 botões. Coloca interrogação. Não sabe.
P/1 – Ainda bem que o senhor falou, porque eu já ia perguntar.
P/2 – Ia ser a próxima pergunta.
R – Até hoje usa-se nas almofadas botões forrados. E hoje também na confecção também botões bonitos, bem forrados, duplos, chatos, em duplicidade, de cores.
P/2 – E a venda de botões é muito influenciada pela moda ou toda moda precisa de botões? O senhor chegou a perceber alguma coisa, alguma queda na...
R – Toda moda precisa de botão, usa botão.
P/2 – Não importa.
R – A maioria das modas usa botão. E esses botões são confeccionados... Eu acho que a moda, por exemplo, usa os botões que são confeccionados, porque até às vezes vem dois, três botões numa peça pra ficar bonita. Depende da maneira do... Como eles falam? O desenho pra aplicar. O brilho está em todos os vestidos, todas as roupas, você vê o brilho hoje não é mais à noite que se usa. Usa-se durante o dia, durante qualquer hora. Antigamente, não. Você ia usar um sapato de pelica ouro ou de pelica prata, você não usava durante o dia nem era todo mundo que tinha condições de usar um sapato de pelica. Só usava à noite em suaret. Bolsas mesmo, né? A moda hoje tá muito diversificada. A moda é curta, é comprida, é desenhada, é florida. Uma diversidade de coisas. Você está sempre na moda, não? Você que é mulher sabe disso. E a mulher... O homem não é tanto, né? Hoje mais ou menos, eles querem também se enfeitar, “enfashiontar”, usam brinco, o cabelo agora já modificou, a roupa.
P/1 – E quais eram as exigências dos clientes quando iam comprar? O que eles buscavam?
R – Modernos. Por exemplo, coisa moderna porque o cliente às vezes vai: “O que você tem de novo?“. Não tenho tanta coisa nova, você que ao aplicar... Quando você faz as suas aplicações é que modifica, é que dá esplendor das coisas. Uma maneira de pregar o botão na manga, na calça, os desenhos. É isso.
P/1 – E o senhor nesses anos todos de trabalho com comércio a frente da Casa Ferro, o senhor vivenciou alguma história engraçada de algum consumidor que fez alguma coisa diferente, ou entre os funcionários na hora da venda?
R – Não tenho acesso a muita história. Não me lembro tanta história assim que pudesse chamar atenção. Contam piada, mas não...
P/2 – Nessa relação de balcão com cliente, vendedor, ficou alguma amizade que persiste até hoje?
R – Veja bem, há muito tempo que eu não vou ao balcão. Raramente, eu desço pra atender, mas eu quase não sei mais nada de botão. Não to no metiê mais nesse negócio de botão, de vender, de dúzia, de grosa ou de quantidades, né? Porque tem os funcionários, eu não me encarrego mais dessa parte. Eu vou à firma por uma exigência aqui de tradição mais. Ele precisa que eu esteja presente porque ele às vezes sai, tem família, ou vai viajar, então, eu assumo, tenho que assumir. Hoje, a mãe dele é sócia da firma, mas a mãe dele é casada com um engenheiro, ela também não quer saber desse negócio de estar presa... Agora mesmo, ontem mesmo, eu tava falando, ele conversando com o pai. Ele falou assim: “Olha, eu to conversando com o meu pai pra dizer que eu to aqui”. Eles estão na Noruega lá num cruzeiro no mar, não sei, parece o Mar Báltico, não sei que mar que é aquele. Você sabe qual é? Não tem os Países Baixos? Qual é o mar que banha ali, você?
P/2 – Acho que é o Báltico mesmo.
R – É o Báltico?
P/2 – Eu acho que é.
R – Então. Estão fazendo um cruzeiro pelo mar Báltico aí. Vai ficar ali naquela casa lá? Não vai. O Mario então, até eu vou ficar com ele até quando eu puder. Eu não tenho mais 20, nem 30, nem 40, nem 60, nem 70, nem 80 anos. Eu já tenho 85 anos, então já to...
P/1 – E nesses seus 85 anos o que mais o senhor percebeu que mudou no seu trabalho, desde que o senhor começou?
R – Olha, mudou realmente a questão do atendimento aos clientes. Você hoje precisa ter uma maneira bem especial pra atender cada cliente diferentemente. Precisa ter jogo de cintura porque o cliente às vezes chega: “Eu quero isso. Eu quero aquilo. É muito botão, eu posso usar...” “Não, mas é assim mesmo. A quantidade mínima é esta”. Pelo menos não temos queixas dos nossos balconistas, dos nossos vendedores, contra os nossos vendedores. Estamos sempre ali em cima vendo. Geralmente é isso que importa, o dono estar sempre olhando, orientando. Às vezes, alguns discutem a respeito porque a pregação do botão não saiu em ordem, o que tá acontecendo. Às vezes, um funcionário que está fazendo isto na firma, nas empresas, está pegando errado. Então, não é culpa do produto, é culpa dele, da maneira dele pregar. Então, tem que ir lá, tem que chamar os donos das máquinas que pregam botões, as automáticas, né? Tem até as matrizes, cada botão tem uma matriz diferente. Então os funcionários nossos sabem tudo isso já. Porque nós aplicamos na hora pra mostrar pro cliente como é que se aplica, como é que se faz, como é que se coloca a matriz na máquina para que não suba a rosca falsamente rosqueada. Então quando ela prega, sobe, estraga a rosca. Tudo isso precisa reexplicar. Isso nossos funcionários estão aptos.
P/2 – A gente fez uma pesquisa sobre a Casa Ferro, a gente viu que hoje tem um site, ele tem venda pela internet, pelo computador. O senhor sabe se hoje em dia a maior parte das vendas é feita pelo computador ou pelo pessoal que vai à loja?
R – Veja bem, nós fazemos muita propaganda também nas revistas, nos jornais, menos na televisão. Não temos propaganda de televisão. Fazemos mais assim de mala direta e nas revistas especializadas. Hoje, nós recebemos os e-mails também pedidos, as pessoas nos conhecem bem pelos e-mails, tal. Tudo chega a uma conclusão de que realmente hoje a modernização, a cultura melhorou muito.
P/1 – E como é que o senhor vê a chegada do computador como um meio de vendas também pro comércio e pra Casa Ferro?
R – Foi ótimo, né? Usamos computador agora, as notas eram tudo tiradas a mão. Até pouco tempo mesmo eu tirava nota a mão, uns três anos atrás. Agora tira-se pelo computador as notas fiscais. É obrigado a tirar. Mas tudo bem. Modernizou bem, mas ainda estamos implantando os códigos de barra. Demora. Paulatinamente, vamos melhorando, né?
P/2 – O senhor falou, quando o senhor citou os grupos imigrantes que habitaram o Bom Retiro, o senhor falou que os coreanos fizeram uma revolução. Em que sentido foi essa revolução?
R – Em que sentido? Economicamente. Eles trouxeram muitos dólares e compraram, fizeram compras. Por exemplo, essa rua onde eram os baixos meretrícios, hoje as lojas são lindas, bem trabalhadas e depois a confecção deles, eles exportam muito. Aqueles prédios que eram pequenos ficaram lojas enormes. São luvas, na época pagava luvas, cem mil dólares de luvas pra poder ter uma loja daquelas. Não é brincadeira, não. Mas eles estão desenvolvendo mesmo o trabalho em família, é outra maneira diferente. Eles trabalham em família, pai, mãe, filho, tudo junto.
P/2 – O senhor enxerga isso como uma coisa positiva pra todos os lojistas do bairro ou tem um lado ruim também?
R – Eu acho bom. Eles têm outra educação, a obediência, né? Eles têm outra educação. A educação oriental chinesa ou japonesa mesmo, eles têm uma tradição. Não é como nós outros que pai vai pra lá, filho vai pra cá. É diferente.
P/1 – E como o senhor acha que a sociedade vê o comerciante?
R – A sociedade vê uma coisa positiva, né? O comércio hoje atende o que a sociedade deseja, conquista. Hoje, o comércio tá muito desenvolvido. Veja pelo shopping. Você vai a um shopping é muita gente comprando, vendo, passeando. Eu não gosto muito, não vou muito a shopping, não. Perco-me sempre quando eu vou... Não sei por onde entrei, por onde sair... To sempre me perdendo. Vou pouco.
P/1 – Certo. E indo mais pra parte sua pessoal, o que o senhor gosta de fazer hoje fora o trabalho?
R – Eu não tenho tempo, muito tempo pra fazer nada, mas... (risos) Eu vou visitar, jantar às vezes na casa de um, almoçar em casa de outro. Eu vivo assim, né? Eu estudo francês. Tantos anos fui começar um curso de francês agora porque eu já viajei, eu fiz uma viagem em 81. Quando houve aquele bombardeio das torres, não é em 81?
P/1 – 2001.
R – 2001, aliás. 2001. Então, nós estávamos chegando na Alemanha, desembarcando em München e eu vi aquela coisa na televisão, aquele... Eu pensei que fossem filmes americanos, aquelas coisas americana de bombardeio porque não sabia alemão, não entendia muito da coisa. Então, aquela coisa lá e tal, todo mundo... Pra cá. Do nosso grupo tinha uma moça que era filha de alemão e sabia alemão, depois é que ela explicou pra gente dizendo: “Houve um ataque, um helicóptero bateu num prédio, não sei”. Aí veio depois, foi uma loucura, o mundo inteiro ficou alvoroçado. Então nós ficamos lá sem saber se voltava para o Brasil ou se prosseguia viagem, porque em Munique, vamos dizer assim porque é mais fácil falar, de Munique nós íamos para a Turquia, para Istambul. O avião de Munique não voltava, se levasse não voltava. Aí fomos para outra cidade alemã, Frankfurt, que podia garantir a volta, porque eram mulçumanos lá em Istambul, é uma cidade mulçumana, e se houvesse qualquer problema a gente voltaria embora. Mas aí era pra sair às quatro da tarde, saímos às duas da manhã, revisar mala, todos esses problemas que aconteceram. De manhã, tínhamos que amanhecer e já tomar um ônibus, para percorrer as sete cidades na Turquia, ou Ásia Menor. Nós conseguimos ir, o nosso guia era mulçumano, mas falava português, e visitamos aquelas sete cidades. Não sei se você lê a Bíblia do Apocalipse, já leu por acaso ou já ouviu qualquer coisa sobre o Apocalipse? Você, você, nunca leu a Bíblia?
P/2 – Do Apocalipse não.
R – Mas tem aquelas sete igrejas fundadas por Paulo na Ásia Menor, então nós fomos visitar. Já não tem mais, são só mesquitas lá, não tem mais igrejas porque foram tudo destruídas ou ficaram ruínas, mas mesmo assim eles conservam porque é um meio de turismo. Mesmo a cidade de Éfeso, na entrada da cidade tem uma imagem da virgem Maria que eles mesmos acham porque ela é mãe de um grande profeta, porque eles acham Jesus um grande profeta, então respeitam a mãe. Então fizeram uma imagem onde tem a casa de Maria. Nós visitamos tudo isso. Depois da Turquia nós voltamos à Alemanha, aí fomos pra Áustria, da Áustria fomos pra Tchecoslováquia, depois fomos para a Hungria em Berna, que é a capital, né? Berna. Eu me perdi nessa cidade Berna pelo seguinte, o guia era um espanhol, falava espanhol. Eu não entendia muito bem espanhol e ele falou: “Nós vamos visitar primeiro o museu”. Onde tem o nome do holocausto, tem o nome de todos que morreram nas paredes tudo. “Depois nós vamos ao cemitério judaico”. Eu não entendi muito bem, isso eu vi uma parte da nossa comitiva que eram 22 pessoas na porta do cemitério. Eu achava que eles iam entrar, então entrei. Porque são várias turmas que visitam e eu fui indo. O que tem mais que fazer?
P/1 – (troca de fita) O senhor tava contando da sua viagem que o senhor se perdeu.
R – Em Berna. E eu falei: “Que loucura. Como é que me deixaram aqui sozinho”. Eu não sabia falar inglês nem nada. Aí subi, tinha umas escadarias, subi, olhei na avenida, ninguém. Aí fui até o ônibus, atravessei a ponte do príncipe, uma ponte lá. Cheguei lá os ônibus não estavam no local. Foram embora e me deixaram. Voltei pra trás correndo: “E agora? Como é que eu vou fazer?”. Mas quando eu desci aí eu vi a turma, tava lá já alvoroçada: “Como o senhor sumiu?”. Porque eu tava usando um boné, um bonezinho, mas pra entrar eu tinha que usar o kippá, aquela coisa judaica que para ir ao cemitério tinha que usar aquilo lá e aí me estranharam. Aí acertamos tudo, voltamos de lá e pelo rio... Fizemos um passeio, nos divertimos de baile, tudo isso pelo Volga, Danúbio Azul, tudo isso. Aí voltamos pra Alemanha. Uma turma veio embora e outra foi pra Croácia e Medjugorie depois, via Bósnia, via Croácia. Eu fui pra lá com eles, depois voltamos pra Alemanha, fui pra Itália, fiquei em Roma uma semana, passei em Roma uma semana. Se eu conseguir voltar pra Itália eu vou voltar. Tenho esperança de voltar ainda. E daí, vim embora pro Brasil.
P/1 – Certo. Eu queria perguntar pro senhor quais foram, nessa parte avaliativa final pra gente conseguir encerrar, quais foram as lições que o senhor tirou ao longo da sua carreira do comércio? O que o senhor aprendeu do seu trabalho?
R – Eu aprendia a lidar com as pessoas, principalmente, e viver.
P/2 – O senhor gostou de dar essa entrevista aqui pra gente hoje?
R – Ótima. Gostei muito. Eu não esperava que fosse nem assim, uma coisa mais rápida, não ia falar a respeito... Não sabia que tinha essa...
P/2 – Tem alguma coisa que a gente não perguntou que o senhor gostaria de falar?
R – Não. Eu acho que não tem mais nada de interessante. Conhecer vocês, o David. Eu tenho impressão que o David, nem sei, parecia uma coisa tão... Um senhor.
P/1 – Senhor Orlando, em nome do Museu, a gente agradece a sua presença aqui. Obrigada.
R – Eu que agradeço a vocês essa oportunidade de falar, pelo menos da Casa Ferro e das coisas de São Paulo, da minha vida aqui.
P/1 – Certo. Obrigada.
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