Depoimento de Daniel Carlos Gomes Neto
Entrevistado por Lucas Torigoe
Belo Horizonte, 13/09/2019
PCSH_HV816
Projeto BH Surpreendente
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Beatriz Cunha
P/1 – Daniel, qual é seu nome inteiro, que dia você nasceu e onde foi?
R – Meu nome é Daniel Carlos Gomes Neto, eu nasci em Belo Horizonte, no dia 10 de julho de 1982.
P/1 – Tá, você nasceu em 1982 e em qual hospital?
R – Chamava-se Policlínica Renascença , aqui no bairro Renascença. O médico da minha mãe, atendia lá também, Luiz... Hoje é o nome da principal avenida do bairro Belvedere, Luiz Paulo Franco, o nome dele, do médico.
P/1 – E a sua mãe e o seu pai te contaram uma história de como foi quando você nasceu, sobre o dia, ou não?
R – Não, não. Eu só lembro que como meu pai era jornalista esportivo - hoje é aposentado -,foi no dia da decisão de terceiro lugar da Copa de 1982 (risos), isso é o que eu sei. Cinco dias depois da tragédia do Sarriá, no dia que o Brasil perdeu para a Itália, fatídico, nasci cinco dias depois.
P/1 – E qual é nome inteiro da sua mãe?
R – Júnia Maria Mota de Faria Gomes.
P/1 – E como é a família do seu pai e da sua mãe?
R – Muito pequena. A minha avó era de Ouro Preto, meu avô materno era de Resende (do estado do Rio de Janeiro). Eles tiveram duas filhas: a minha mãe é a mais nova, e a Ana mais velha. Minha tia morreu no ano passado, então, a família é bem pequena. Essa minha tia só teve um filho, então, da parte da minha mãe, a família é minúscula. É uma família pequena, assim, o núcleo.
P/1 – E o que essa família fazia? O seu avô, a sua avó…
R – O meu avô foi um comerciante. Ele teve aqui em Belo Horizonte uma mercearia. É engraçado, porque é uma coisa que eu gosto muito, adoro mercearias antigas. Era uma mercearia, não sei, nos anos 50, 60 e essa casa ainda existe, é uma casa tombada que fica aqui perto. Acho que ele teve mercearias em outros lugares, não sei explicar, mas se chamava Mercearia Modelo, então ele era comerciante. Acho que minha avó era dona de casa, não sei e ela chegou a trabalhar naquela época, mas… Não, acho que ela foi professora se não me engano, até casar. Então, é isso. Meu avô foi comerciante, durante muito… Eu não peguei essa fase. Quando eu era criança - ele morreu, eu tinha cinco anos -, o irmão dele, que se chamava Odair, ficou muito rico, porque ele era dono da principal ótica de Belo Horizonte, então, tinha várias. Depois, veio a quebrar, mas ele teve várias unidades, então quando eu era criança o meu avô já trabalhava com o irmão dele, não tinha mais a mercearia. O que eu sei é que ele foi comerciante, dono de mercearia.
P/1 – Deixa eu te perguntar, o que tinha numa mercearia? Você diz que…
R – Ah, que eu saiba, era muita coisa a granel, azeitona, latas de palmito. Minha mãe conta uma história muito boa de que uma vez ela e a irmã dela quase quebraram o pau por causa de um último palmito no vidro e meu avô ficou puto. Ele foi à mercearia, voltou com um saco preto com trezentas latas de palmito, abriu, “agora vocês vão ter que comer tudo”, elas tiveram que comer, ”agora, vocês nunca mais vão brigar por causa disso”. Elas traumatizaram. Hoje, minha mãe adora palmito, mas essa história é legal. Então, é uma mercearia que eu acho que tinha tudo, nozes, castanhas… Secos e molhados, vendia um pouco de tudo.
P/1 – Então, sua mãe que te contava muita história e seu avô…
R – Não, até que minha família nunca foi de contar muita história, mas sempre rola, “naquela época, a mercearia era muito legal”. Acho que deve ter sido uma época muito bacana, eu sou apaixonado por… Eu teria uma mercearia hoje se eu pudesse.
P/1 – Você pode contar alguma história específica que você se lembra, do seu avô…
R – Essa da briga, acho que é uma marcante para mim, a briga dela com a irmã por causa de palmito.
P/1 – E a sua mãe faz o que? Como ela está?
R – Minha mãe é dona de casa. Ela trabalhou até casar com o meu pai, aquela coisa antiga, casou e foi cuidar dos filhos. Eles casaram em 1979 e eu nasci em 1982.
P/1 – E seu pai, qual o nome dele?
R – Daniel Carlos Gomes Júnior. Eu sou Neto. Meu avô, pai do meu pai, era Daniel Carlos Gomes. Esse meu avô, pai do meu pai, eu não cheguei a conhecer, porque se não me engano, ele morreu em 1965, quando meu pai tinha 15 anos. Então, eu não cheguei a conhecer meu avô paterno, mas ele era Daniel Carlos Gomes.
P/1 – E como que é a família Gomes?
R – A família Gomes, é uma família de intelectuais. Eram seis filhos, dois já morreram e sobraram quatro. Então assim, meu pai era jornalista. Eu tinha um tio chamado Duílio, falecido, que era escritor, um contista, meio que um gênio, o cara era fantástico. Todo mundo achava que… Ele tinha umas manias meio estranhas, fazer cooper em volta da mesa, sabe? Ficavam, “que figura”. A noite ele fazia cooper, mas era um gênio, um dicionário, qualquer dúvida que minha mãe tinha, eu fazendo o “para casa”, ligava para o meu tio. De Português, sabia tudo. Era um escritor, um contista muito tímido, que poderia ter sido maior do que foi. Ele não saiu tanto aqui de Minas, por uma coisa de timidez e de medo. Por exemplo, ele ganhou um prêmio em Nova York, na República Tcheca e não foi por medo de pegar avião. Eu também morro de medo inclusive, mas… Eu tenho outro tio, chamado Djalma que é jornalista também, ele já ganhou o prêmio ________ [09:05] de jornalismo. Ele continua trabalhando. Hoje, está na assessoria de imprensa, mas ele era o cara do Internacional, o especialista em política de América-Latina. Um jornalista intelectual também. Eu tenho um tio mais velho, o irmão do meu pai, Danilo, que mora em Brasília. Ele foi para Brasília nos anos 70 e é escritor também, é da Academia Mineira de Letras. Então, todo mundo… Tem uma tia, que é a única filha, a única irmã do meu pai, a número seis, única mulher, a Fátima (Fatinha), que é professora. Foi a única, assim… E tinha um tio chamado Darcílio que faleceu e era advogado. Então, a família Gomes é uma família de intelectuais. É uma família menos efusiva, não é aquela família de fazer churrasco, o que eu acho massa (risos). É uma família mais quieta, mais introspectiva, eu diria.
P/1 – As duas são, ou não?
R – Sim, as duas. Só que a da minha mãe é muito pequena também. Acho que são duas famílias mais introspectivas, não tem essa coisa de "vamos fazer um churrasco de final de semana com 30, 40 pessoas", não. É mais…
P/1 – Comedida?
R – Comedida.
P/1 – E o seu pai é jornalista esportivo?
R – Isso. Ele trabalhou durante mais de 30 anos com o jornalismo esportivo. Eu achei que eu seria jornalista esportivo, mas fui para outra área.
P/1 – Vamos chegar lá, então.
R – Sim.
P/1 – Então, você nasceu em 82…
R – É, certo.
P/1 – Quais são as duas primeiras lembranças que você acha que tem da sua vida e consegue puxar?
R – Uma das primeiras lembranças que eu tenho, que não sei se é a primeira, mas sou eu no colo do meu pai. Eu tinha sido picado por uma abelha, eu tenho essa imagem de eu criança, chorando e ele comigo no colo, no quarto. Ele tinha um quarto. A gente morava num apartamento dois quarteirões aqui em baixo de onde eu moro. Era um apartamento de três quartos, um dos meus pais, um meu e meu irmão ainda não tinha nascido, só nasceu em 94. O outro quarto era de arquivo, meu pai tinha um quarto de arquivo enorme, então, era aquela família que guarda recorte de jornal, sabe? Eu faço isso também, aquela zona, aquele quarto cheio de arquivo para internet, revista de tudo que é… Era nesse quarto. É uma lembrança que eu tenho.
P/1 – E nesse apartamento, você viveu um tempo...
R – De 1982 (quando eu nasci) a 1999, e meu pai e minha mãe alugaram esse apartamento logo que eles casaram, em 1979. Então, foram 20 anos que eles moraram e eu morei durante 17.
P/1 – É aqui na Savassi?
R – É, dois quarteirões aqui para baixo, um prediozinho que fica em cima de um restaurante - um bar-restaurante hoje. Naquela época, era um botequim. Depois, a gente pode chegar nisso, acho que tem… Era um botequim "pé sujo", legal para caramba, em cima de uma padaria; ao lado esquerdo era o boteco; ao lado direito tinha uma loja de lacticínios que se chamava "Xodó", que não é o Xodó do hambúrguer aqui mas se chamava assim, vendia queijo, doce de leite… Ao lado, tinha a padaria. Ao lado da padaria, tinha a loteria e na frente uma banca. Então, era uma micro comunidade de meio quarteirão, mas muito legal. Meu pai tinha conta no boteco, na padaria, na banca… Sabe? Pagava tudo no final do mês, era meio que um interior. Todo mundo se conhecia na vizinhança, foi uma época muito boa, uma época bem legal.
P/1 – Você se lembra do endereço desse lugar, do apartamento?
R – Rua Cláudio Manoel 784, apartamento 204.
P/1 – Marcou, então?
R – Marcou. Eu lembro desse endereço, porque a gente pedia muita pizza numa pizzaria tradicional aqui, que se chamava "Papatutti", e não existe mais. Era uma pizzaria muito legal e marcou, foi uma época muito boa.
P/1 – E como que era esse apartamento? Descreva para mim.
R – Era um apartamento pequeno, menor do que esse aqui que estamos. Você entrava, a cozinha estava ao lado esquerdo. Atrás da cozinha, tinha um corredor que levava para uma área aberta, onde eu joguei muito futebol. Imagino que hoje ela seja pequena, mas na época, quando você é criança, era uma área grande. Eu lembro que quando eu era criança, tinha um tambor, aquela churrasqueira de tambor assim, mas o meu pai nunca fez churrasco nela (risos), só tinha porque eu acho que alguém deu. Aquela churrasqueira de latão, sabe? Você entrava, ao lado esquerdo tinha a cozinha, a área no fundo, tinha uma sala com um corredorzinho onde ficava o som e a janela, tinha uma porta, os três quartos e o banheiro. No quarto dos meus pais, a janela dava para a área.
P/1 – Eles podiam ver o que você estava fazendo?
R – Podiam.
P/1 – E eles ficavam fazendo isso? (Risos).
R – Não, até que não, eu brincava muito com os meus amigos na área ali da rua, do prédio, com meu primo. Era legal que esse prédio era pequeno, tinha só oito apartamentos. Quatro no primeiro e quatro no segundo andar. Tinha uma coisa, tinha uma vizinha nossa que se chamava Celeste e ela morou lá durante, sei lá, seis ou sete anos. Eu lembro da minha mãe assim, "Ô Celeste, estou sem açúcar" e a Celeste, "me manda aí duas cebolas". Elas criaram uma cestinha que puxava assim. "Estou mandando aí dois ovos", e puxava. Era legal, uma coisa que a gente não vê mais de vizinhança…
P/1 – De quem mais você se lembra que era vizinho seu ali?
R – A Vânia, que foi nossa vizinha e era uma amiga muito querida. Ela era viúva e tinha dois filhos mais velhos que eu, e ela ajudava muito. Quando eu quebrei o braço no colégio, por exemplo… Meus pais nunca dirigiram, eu também não dirijo, nossa casa nunca teve carro. Eu quebrei o braço em 1992 no colégio e foi quase uma fratura exposta, quase furou a pele e a Vânia que me levou. Meu pai estava trabalhando, minha mãe foi ao colégio, a Vânia foi com ela e a Vânia que me levou para o hospital. Ela era uma vizinha massa e morava em frente: o nosso era o 204 e o dela era 203, assim, na frente.
P/1 – Tinha muita criança lá, além de você?
R – Tinha… Os dois filhos dela, o Luiz que era cinco anos mais velho que eu e o Ilton, Juninho que era oito anos mais velho que eu, mas eu brincava com o Luiz… A Celeste tinha dois filhos: a Juliana e o Ricardo (que era o Sasá), ela era dois anos mais velha que eu e o Sasá era mais novo, molequinho. Ah, tinha uma vizinha também que se chamava Helena e o Marido dela era o Marcão. Eles tinham dois filhos: Rener e Monalisa. O Rener desenhava na área… Ele virou arquiteto. Depois, eles se mudaram, foram para o interior de São Paulo. Não… É, ele está em São Paulo, ela é de Frutal, interior de Minas. Ele desenhava na área. Eu tinha muito carrinho, porque meu pai viajava para fora a trabalho e costumava trazer muito carrinho para mim. E ele desenhava as estradas, as ruas, era muito legal a gente brincando em cima. Essa é a galera que eu lembro que morou lá quando criança.
P/1 – Como que era o seu quarto nessa época, você se lembra?
R – Ah, tinha uma… Ah, um armário - que às vezes mudava de lado -, uma cama, uma cômoda… O meu quarto nunca teve nada que seja, "nossa, eu tive quarto". Lá em casa, o pessoal nunca ligou muito para decoração, essas coisas, sempre foi uma coisa meio "vai indo". Então, era uma cômoda, uma cama e um armário, que eu me lembro. Não tinha nada mais do que isso.
P/1 – Você falou que brincava nessa época…
R – Muito.
P/1 – Do que você brincava?
R – Muito de carrinho, eu gostava. Um dos melhores presentes físicos que eu ganhei na minha vida, foi no Natal, se eu não me engano, de 1988, não tenho certeza, mas tenho quase. Meu pai me deu a coleção inteira dos bonecos do He-man, incluindo o castelo de Grayskull. Porra, foi… Era a coleção completa, acho que era bem caro (risos). Minha mãe virou o mundo para achar aquele do esqueleto, que nem lembro o nome dele mais, o… O bicho, leopardo, sei lá. Foi um dos grandes presentes, então, eu brincava disso. Eu era mais disso, de carrinho, essas coisas.
P/1 – Você gostava de ver corrida, Fórmula 1?
R – Eu via Fórmula 1. Nunca fui um fanático, mas naquela época, todo mundo via. Minha família "pequetista", era uma minoria. Tinha O Senna, tinha o Piquet, tinha as torcidas e eu vim de uma família "pequetista". Hoje, nem ligo para a Fórmula 1, nem sei o que está acontecendo, mas eu gosto do Piquet, peguei essa coisa do lado mais…
P/1 – Vocês assistiam na TV…
R – O lado Rolling Stone do Piquet, sabe? Eu gosto. Assistia na TV. Essa coisa eu lembro, é tipo o dia do ______ [19:43], ou quando o homem chegou à lua. Quem já tinha nascido… O Senna eu lembro como foi o dia, eu estava vendo a corrida, em 94.
P/1 – A Ímola…
R – Ímola, é. É uma corrida que eu lembro e acho que todo mundo que estava vendo, lembra.
P/1 – Como é que era o bairro nessa época? Você falou dos vizinhos, mas…
R – Ah, que eu me lembre, era um bairro legal. Minha mãe tinha uma pró-atividade interessante no bairro. Durante uns dois ou três anos, ela conseguia… Ela e as amigas da rua, mas ela que tomava a frente e conseguiu fechar a nossa rua, acho que no dia das crianças e fazer gincana. Eu lembro dela ir na Coca-Cola com mais gente da vizinhança. Eu estava no colégio e lembro de a tarde ela conseguir ir lá na Coca-Cola e pegar sei lá, tantas Coca-Colas para a galera. Então, tinha essa coisa… A vizinhança era muito legal, tinha a galera do boteco… Tem uma grande amiga da minha mãe, a Sônia, que era casada com o Paulo, que era da rua e tal, amigo do meu pai. O Paulo tinha quatro tias - aquelas tias solteironas assim -, que moravam em frente ao nosso prédio e essa casa ainda existe. Eles iam lá final de semana, ficavam lá e então, eu fiquei muito amigo dos filhos dela naquela época, o Lucas e o Felipe. A vizinhança tinha dessas coisas e era bem legal, muito bom. Eu não lembro muito da vizinhança ampla, mas lembro da vizinhança ali, que era tudo ótimo.
P/1 – Como que era a dinâmica de casa, seu pai e sua mãe, se vocês tinham empregada… Como que era?
R – Eu lembro que até, sei lá, 1988 ou 1989, tinha uma empregada chamada Andréa. Meu pai é um cara muito correto, era tudo certo… Ela levou meu pai para a Justiça, perdeu e a minha mãe falou, "não, não quero mais". Então, sempre foi a minha mãe… Meu pai indo trabalhar para caramba, jornalista… Meio que minha mãe que… Meu pai sempre estava presente, mas educação era com a minha mãe, que ficava durante o dia, fazia o "para casa" e ela que me levava e buscava. Eu não lembro do meu pai me levar e buscar na aula sozinho, porque ele sempre estava no Jornal, então, ficou por conta da minha mãe. Era a dinâmica: meu pai sempre chegava mais tarde, porque tinha que fazer o fechamento do Jornal. Só que era legal, porque o meu pai, a vida inteira nunca chegou em casa sem nada. Ele sempre levava um chocolate, pãozinho, sempre tinha comida, ele sempre levava alguma coisa e isso era interessante.
P/1 – Quem cozinhava na sua casa, então?
R – Minha mãe. Teve uma época em que a gente comia muito fora, mas minha mãe sempre cozinhou e muito bem, muito bem.
P/1 – O que ela cozinhava que você lembra?
R – Ah, sempre coisa básica, arroz, feijão, bife, espaguete a bolonhesa, essas coisas, strogonoff…
P/1 – Você se lembra da primeira escola que você foi?
R – Sim.
P/1 – Onde?
R – Sagrado Coração. Colégio Sagrado Coração de Jesus, que é aqui perto.
P/1 – Você ia a pé para lá?
R – Sempre a pé. Minha mãe me levou… Acho que eu entrei em 1985 e saí de lá em 2000. Sempre a pé.
P/1 – Como que era lá, você lembra do primeiro dia que você foi ou das primeiras vezes?
R – Eu acho que do primeiro dia, eu lembro do meu choro, a única coisa que me lembro é daquela coisa de chorar de criança. Não tenho muita lembrança desse dia.
P/1 – Como que era lá nessa escola?
R – A escola era dividida em duas: tem uma entrada para até o pré-primário, e a outra da primeira série até o antigo científico, que hoje eu nem sei como que é. Tinha a entrada da escola, um corredor aberto ao lado esquerdo que ia para a parte de trás, uma porta de vidro com a escada a direita, mas se você seguisse, saía nessa parte de trás. Tinha uma salinha aqui e você vindo pelos dois corredores de lado, você chegava num patiozinho. Tinha uma escadinha que saía para os brinquedos lá atrás… Tinha uma parte de brinquedos. É o que eu me lembro.
P/1 – E até antes do Científico, você fez muitos amigos lá?
R – Sim.
P/1 – Como é que era isso?
R – Principalmente a partir da sexta série, formou-se uma turma de amigos e tal.
P/1 – Quem era?
R – É… Os meninos estão aí. Tem o Marcão, o Zumba (Gustavo), o Wilson, o Pacífico (Daniel), a Luiza que é uma grande amiga que hoje mora no Rio… Formou-se a turma, mas isso lá para sexta ou sétima série, em 96, 97, 98, por aí.
P/1 – Tinha alguma matéria que você gostava mais? Algum professor que te marcou lá nesse tempo?
R – Um cara chamado Domingos, me deu aula durante um ano e foi o ano que eu tomei bomba, em 1995. Ele era um professor de História muito legal. O Cabelo deve conhecer. Flautista, depois foi dar aula na UFMG, o cara era massa, pelo que eu me lembro. Eu gostava mais disso, dessa coisa mais solta, sempre gostei de História. Gostava pouco de Geografia, mas História sempre foi meu preferido e eu também gostava de Português.
P/1 – Mesmo assim, você tomou bomba?
R – Tomei bomba. Não na matéria dele, mas tomei bomba nesse ano, em 1996. Matemática, Ciências, essas coisas me ferraram.
P/1 – Te ferraram?
R – Foi. Era a época em que eu estava aprendendo aqueles números negativos, -8, -10 e eu não entendi muito na época, tive que refazer.
P/1 – Como que era você na escola, era tranquilo, bagunçava…?
R – Era muito bagunceiro, muito bagunceiro. Na verdade, muito falador. As professoras sempre reclamavam que eu falava muito na sala, eu sempre fui muito conversador.
P/1 – Você se lembra de alguma coisa que aconteceu ali naquela escola? Uma história que vocês contam entre vocês sempre…
R – Ah, eu lembro já mais velho. Teve uma época em que a turma estava meio pirada no primeiro ano. O professor me acusou de comandar a conversa na sala, porque eu ficava no meio e tinha acesso a todo mundo. Foi engraçado ele me acusando, "você é o responsável por toda a conversa na sala". Confesso que eu me senti até um pouco lisonjeado, falei, "poxa, estou com esse poder todo? Bom, hein". É uma coisa que eu lembro. Eu já tinha 16 anos, para você ver.
P/1 – Tinha rodinhas nessa turma?
R – Tinha.
P/1 – Como que era essas rodinhas, você lembra?
R – Rodinha de conversa?
P/1 – É. Quais os grupinhos que tinha lá?
R – Ah, grupinho da turma, dessa turma que eu te falei. Era mais isso, mas nessa fase, o grupo era grande. Acho que a turma falava demais, era todo mundo junto.
P/1 – Eram quantas pessoas mais ou menos?
R – Ah, umas 35 a turma tinha.
P/1 – 35 pessoas?
R – É.
P/1 – E nesse período, um pouquinho antes, nasceu seu irmão, né?
R – 1994. Rapa do tacho.
P/1 – Como é que foi isso daí?
R – Olha, cara, no início, eu era filho único e fiquei meio puto. Eu lembro disso, falei, "que merda, cara". Eu fiquei sabendo em 1993 e tinha 11 anos. Eu era uma criança mimada, confesso, acho que foi bom ele ter nascido, porque eu podia ser um escroto hoje. Foi um bom tapa na cara, mas eu lembro que fiquei puto, minha reação foi péssima. Lembro que eu tinha uma professora no colégio que era muito querida e se chamava dona Vilma. Dona Vilma dava aula de matemática e de artes. Uma vez, acho que chegou ao colégio que eu estava psicologicamente abalado e eu lembro que ela fez uma dinâmica na sala, onde todo mundo tinha que fechar o olho, menos eu. Falei, "o que está rolando, velho?", mla veio conversar comigo, nem lembro o quê, mas lembro disso. Depois que meu irmão nasceu, me apaixonei e a gente tem uma relação muito boa, mas eu lembro que fiquei revoltado, recebi muito mal a notícia.
P/1 – 12 anos que você tinha?
R – 12 anos.
P/1 – Qual o nome dele?
R – Matheus.
P/1 – Você tinha meio que cuidar dele, olhar…?
R – Não, porque minha mãe sempre estava em casa, mas eu não lembro de ter ajudado muito. Eu estava lá, brincava com ele, mas a educação dele não passou por mim. Porém, eu acho que como irmão mais velho, você é sempre um exemplo, ainda mais com uma diferença dessas. Você se torna um exemplo.
P/1 – Vocês ouviam o que nessa época?
R – Oi?
P/1 – O que vocês ouviam nessa época? E como vocês ouviam, rádio, CD…?
R – Ah, cara, eu sou geração MTV. A MTV me marcou grandiosamente. Acho que eu e muita gente do meu colégio. A gente chegava em casa e já ligava na MTV, ficava o dia inteiro ligado na MTV. A rádio 98 aqui de Belo Horizonte, que é uma rádio naquele estilo… Hoje eu estou lá, o que é legal, mas naquela rádio estilo MTV. Tocava Pop Rock comercial. Era uma época em que eu escutava muita música.
P/1 – O que você mais curtia ver na MTV, que você sente saudade?
R – Programa, essas coisas? Ah, eu gostava do Teleguiado do Cazé, que é um programa em que eu descobri muita música. Não existia YouTube, então, a gente escutava aquilo que o rádio e a TV queriam te mostrar. Lá, de repente uns malucos pediam um videoclipe, que sei lá, era alguma coisa que você nunca tinha visto. Era legal essa surpresa, Disk MTV, uma coisa bem playboy (risos). Todo dia, seis horas da tarde eu ia ver os dez clipes mais pedidos. Foi uma época ótima, o meu sonho era ser um rockstar, acho que por isso que eu comecei a tocar.
P/1 – Nessa época?
R – É, um pouquinho depois, uns dois anos depois.
P/1 – Você tinha 17, 18 anos?
R – 15 para 16 anos.
P/1 – Você tinha algumas bandas que te inspiraram?
R – Ah, eu gostava dos artistas cabeludos dos anos 80, Bon Jovi, Guns N' Roses, Skid Row, Farofa, eu adorava, cara, gostava muito. Eu gostava muito de coisa nacional também, das bandas daqui. Tinha um festival que a 98 organizava, que era o Pop Rock Brasil, só de banda nacional. Eu e a galera do colégio esperávamos isso o ano inteiro. Ir ver um festival de música, era do caralho. Eu chegava e sabia, só de ver a bateria do cara, quem iria tocar. Era bom demais, muito bom.
P/1 – Quem que você viu nessa época?
R – Paralamas, antes do acidente do Herbert. Eu lembro que em 1999 foi o primeiro que eu fui e teve muita coisa legal. Teve um dia que foi Paralamas, Titãs e Barão emendado um com o outro. Nesse dia teve uma chuva torrencial e a galera começou a tirar aquelas tablados e pôr na cabeça. Foi uma zona, a galera começou a jogar para cima, foi um dilúvio. Eu lembro da Fernanda Takai cantando com Paralamas "Caleidoscópio". Foi… Esse festival foi importante para mim, era o que a gente tinha acesso aqui.
P/1 – Onde que foi esse festival?
R – No Estádio Independência durante alguns anos.
P/1 – Milhares de pessoas?
R – Ah, eram 20, 22, 25 mil pessoas, porque era no campo e na arquibancada, lotados. Era a meninada basicamente, um evento que sei lá, a galera ia até os 25 anos, não tinha muito… Eu tinha 17 anos, e para mim, era incrível a sensação de liberdade de ir sozinho com os meus amigos, sem pai, nem mãe, para um show de rock. Era incrível, velho. Beber cerveja, a gente bebia, comprava, "pô, estamos num festival de rock, vamos beber cerveja, cara", era bom demais. Foi uma coisa marcante na música para mim. Eu sempre falo que foi muito bom, porque eu queria estar ali, eu comecei a ter banda e era meu sonho, "cara, um dia vou estar aqui".
P/1 – Você tocava o que quando começou?
R – Eu sou baterista.
P/1 – Você comprou a bateria e deixou em casa?
R – Meu pai… Foi outro presente que meu pai me deu. Os dois melhores físicos: o castelo de Grayskull e a bateria. Em dezembro de 1997.
P/1 – 15 anos?
R – 15 anos.
P/1 – E colocou onde?
R – No meu quarto. Fiz aula e tinha uma banda no colégio.
P/1 – Vocês tocavam o que?
R – Rock. Tocava… Já tinha música própria, minha banda era chic, cara, a gente tinha música própria também.
P/1 – Como que era o nome da banda?
R – Toons, tipo de Cartoon. Sei lá, durou dois anos, a gente nunca fez um show. Não, a gente fez e foi o primeiro show da minha vida, em 2000, no Cefet. A gente fez uns dois shows só. Nós vivíamos ensaiando, um ensaio era… A galera da sala ia nos ver ensaiando. O ensaio era um programa. Sexta-feira a tarde em um estúdio, 15 pessoas da sala vendo a gente ensaiando, era legal.
P/1 – E nessa época você começou a sair, namorar, essas coisas… Ou não?
R – É… Sim. Começamos a sair em 2000. Eu sou um… Eu adoro beber, cara, tanto que meu trabalho… Adoro beber, não nego, eu seria hipócrita se não falasse que adoro tomar uma cerveja. Só que eu só fui beber com 17 ou 18 anos, eu não fui aquele cara que com 14 anos tomou um porre de vinho e vomitou, engraçado, eu não queimei essa etapa. Foi mais ou menos nessa época mesmo…
P/1 – E saía com o pessoal do rock…
R – Da minha sala, basicamente.
P/1 – E você falou do boteco embaixo da sua casa…
R – É.
P/1 – Como é que foi essa época? Você começou a ir lá?
R – Não, porque eu já tinha me mudado aqui para cima, para a Getúlio Vargas, onde os meus pais ainda moram e eles iam lá às vezes no boteco, mas eu não lembro de beber lá. Não me lembro. Acho que talvez uma vez eu tenha bebido lá, mas nunca fui… Porque o bar fechou pouco tempo depois, sei lá, dois anos depois. E nesses dois anos, eu já estava em outra e não tinha essa ligação com boteco na época. Eu bebia, saía com os meus amigos, mas essa coisa que eu enxergo hoje com o meu trabalho assim, não tinha, foi uma coisa que veio mais tarde.
P/1 – Nessa época, você tinha 17, 18 anos…
R – Sim, é.
R – Imagino que seus pais tenham começado a encher o seu saco para fazer alguma coisa, para prestar algo… Ou não?
R – Para trabalhar e essas coisas?
P/1 – É.
R– Cara, pior que não. É uma coisa que eu acho um erro deles (risos), muito amorosos, mas um pouco… Meus pais são muito protetores, então, não, não teve essa cobrança, mas é claro, eu estudava e tal. Tanto que teve uma época, em 2001… Eu saí do colégio no ano 2000. Era um colégio de freira, o Sagrado Coração de Jesus e as freiras… Eu também não era flor que se cheirasse, mas as feiras eram realmente muito difíceis. As freiras traumatizaram muito a gente lá, sabe?
P/1 – Por que?
R – Ah, porque, era agressivo… Principalmente uma irmã, chamada Irmã Maria da Paz, que era Maria da Guerra no colégio, tinha essa brincadeira. Todo mundo odiava ela, porque era uma irmã espanhola grosseira que humilhava aluno. Só que eu batia boca, eu não aceitava. Eu também não era santo, como eu falei, mas eu não aceitava aquele tipo de humilhação. Eu sempre tive uma dificuldade de relacionamento lá, a partir, de sei lá, da sexta série, quando a puberdade chegou. Tinha um lance também de querer me auto afirmar e eu acho que era me auto afirmar sendo rebelde, com certeza, mas elas realmente eram muito difíceis. A Maria da Paz principalmente, que era quem mandava. Tinha uma acima dela que era alemã, a Polônia _____ [39:56], que tinha um outro nome de guerra entre aspas, mas ela era na dela. Só que quem estava na frente, era essa espanhola muito grossa, então, eu bati muito de frente.
P/1 – Como que ela era, alta, baixa…?
R – Baixa, gordinha, meio… Bicho, o capeta. Ela era… Eu já tive vontade de esganá-la, "nossa que pessoa horrível, cara". Ela fazia a galera chorar. Eu lembro que furei a orelha em 1995 e tinha um brinquinho assim do lado esquerdo, porque tinha essa coisa, machista, tipo "homem que tem brinco do lado direito, é gay". Você lembra disso? Não tinha, cara? "Você tem que furar do lado esquerdo", tinha isso na época. Então, eu fiz um furo do lado esquerdo e pus um brinquinho tipo de brilhante. Não era de brilhante, mas era como se fosse um brilhantinho. Cheguei no colégio, e homem não podia usar brinco, né cara? Ela pirou, tentou tirar meu brinco e eu não deixei, falei "aqui não". O colégio tinha umas coisas. Você não podia usar moletom, só se fosse o moletom de colégio. Eu usava às vezes ou então a galera ia com o moletom por baixo, aí podia. Eu bati muito de frente e… Onde a gente estava, para eu voltar? Pera aí. Ah, eu saí do colégio. Eu estava falando dessa coisa de cobrança. Saí do colégio em 2000 e fui para o Modelo, que era um supletivo que tinha aqui perto. No supletivo era assim, qualquer coisa que você fizesse, passava, era "pagou, passou". Em 2001, eu fui para o Pitágoras que era um outro colégio daqui, não me adaptei, briguei com o diretor e nem lembro o porquê, mas nessa, eu lembro que tinha razão, o cara era… E aí, nem tinha a ver com rebeldia juvenil. Eu voltei para o Modelo e formei… Ah, nisso eu falei, "vou parar de estudar", fiquei puto e falei, "vou ser só músico". Eu sei que meus pais ficavam preocupados, mas nunca me chamaram e, "vem cá", tipo… A minha primeira namorada que falou "não, você tem que estudar, cara", e eu voltei para o Modelo e terminei o terceiro ano lá. Para você ter ideia, as minhas notas eram as maiores da sala e eu não sou nenhum gênio na escola (risos). Eu me formei no colégio em 2001, em dezembro.
P/1 – Você tinha a intenção de virar músico nessa época?
R – Tinha.
P/1 – O seu sonho, o seu projeto era virar músico?
R – Músico, é, ser baterista. Eu sempre amei música, a música sempre está em primeiro lugar, tanto que eu toco até hoje, mas cara, eu sou de uma geração… Eu gostava desses caras dos anos 80. É engraçado, porque eu sou um cara muito… Eu acho que sou simples, tenho um tênis (risos), tipo, eu não compro, mas ao mesmo tempo… E eu frequento botequim, né? Ao mesmo tempo, eu gostava daquela coisa glamourosa da música, falava, "deve ser do caralho ser rockstar, ficar naqueles hotéis fodas, os caras andam de limusine, a mulherada…" (risos). Só que assim, eu queria unir a minha paixão com tocar. Hoje, eu ainda gosto de tocar, mas não é coisa que eu mais gosto, e na época, era a coisa que eu mais gostava de fazer, eu queria tocar o dia inteiro. Na época, para mim, era isso: eu queria tocar em uma banda, e óbvio, fazer sucesso e ganhar dinheiro com isso.
P/1 – E você estava com a galera dessa banda nessa época?
R – Nessa época, eu conheci… Em 23 de dezembro do ano 2000, eu estava com o vocalista dessa minha banda do colégio, Toons, e ele não era da minha escola. Ele estudava no Santo Agostinho, um outro colégio, só que ele namorava a Luiza, que era muito minha amiga e a gente foi numa festa de aniversário dela de 15 anos - ela era dois anos mais nova que eu. Em 1999, eu tinha 17 anos e ela fez 15 anos, porque eu era um ano atrasado por ter nascido em julho, então, na época, tinha isso. Quem nascia de julho para frente, só podia entrar meio que no ano… Eu era de 1982 e sempre estudei com gente de 1982 do final do ano e de 1983, porque na época tinha essa coisa. Eu era de julho, então… Eu não sei explicar, mas era assim. E como eu tomei uma bomba… Apesar dela ser de agosto, só que ela veio do Rio, então, não sei como que foi. Eu só sei que quando eu tomei bomba, estudava com gente de 1982 que tinha tomado bomba, de 1983 que estava normal, e de 1984 que era uma galera meio adiantada. Nós fomos numa festa de aniversário e esse cara que ficou meu amigo, tocava violão demais para a época. A gente cantando… Ele é músico até hoje, o Gustavo _______ [45:45]. Eu falei, "caralho, o cara toca para caceta", ele tocava muito mais do que qualquer um de nós na época, muito mais. A gente tinha uma banda que quem cantava era o baixista e ele cantava muito mal. Nisso, o guitarrista tinha saído e a gente chamou o Gustavo para entrar na banda, ele entrou e era muito melhor que a gente na época, então, tivemos que correr atrás. Dois anos… Dois anos, não, um ano e pouco depois, no final de 2000, 23 de dezembro eu lembro que estava perto do Natal, não tinha nada aberto e a gente já estava bebendo bem. Nós estávamos aqui na Savassi, na época em que os botecos bombavam ali em cima. O primo dele morava na Cidade Nova, que é um bairro aqui de Belo Horizonte e tinha uma turma de amigos lá do bairro. Ele me apresentou e nós encontramos do nada esses caras, dois caras que vieram a ser da nossa banda. É… Eu vou me perdendo, mas eles foram da nossa banda, era o Borba e o Fera. A gente ficou assim, "vamos montar uma banda, cara". Eles falaram, "eu já tenho baixista, vai ser o Xuxa", e eu falei, "fechou". Nós ficamos tipo, uns quatro meses para essa banda sair e ficamos com ela. Foi quando eu entrei na música no sentido de tocar na noite, sabe? Eu sempre gostei. É a época que eu falei que queria tocar, tocar, tocar. A gente fez o nosso primeiro show tipo em abril de 2001.
P/1 – Onde foi?
R – Cara, foi numa casa chamada ______ [47:30]. Era uma casa que o pai do Borba arrumou para gente, era um bar de música ao vivo, só que tinha um palco. A gente fazia um show acústico e eu tocando bongo, umas coisas assim. Eu lembro que o primeiro cachê foi bom para cacete, porque… Teve o Toons, mas eu me achei músico a partir dessa época. "Achar" no sentido de termos começado a tocar na noite. Eu lembro direitinho que o primeiro… Como a entrada na época não era tão barata, e foram muitos pais, amigos, tios, avós e lotaram o lugar, e o couvert era todo para gente… Na época, deu R$500,00 para cada um. É como se hoje, sem exagero, desse R$2000,00 para cada um em um show, velho. Eu achei que o mundo da música era aquilo. A galera ainda estava no Sagrado estudando, e eu falei, "cara, eu vou ser músico, porque isso aqui dá grana" (risos), olha a ilusão. Deu grana naquele negócio, porque como lotou e a entrada foi toda para gente, cara, foi muito louco. Foi a época que eu estava sem estudar, estava meio rebelde, deixando a costeleta, com 18 para 19 anos, e estava bebendo para caralho. Nunca fui de dar trabalho para os meus pais, mas eu saía com a galera, ia jogar sinuca a tarde e me achava o máximo jogando sinuca no boteco. Foi nessa época que a música entrou mais na minha vida.
P/1 – Você estava falando das suas bandas.
R – Isso, a gente estava em 2001.
P/1 – Em 2001?
R – É (risos), a época em que eu achei que seria um…
P/1– Rockstar.
R – Um rockstar.
P/1 – Mas eu ia te perguntar, antes de continuar isso… Você falou que já ia beber…
R – Já.
P/1 – Você lembra, assim, qual era o lugar do bairro que…
R – Boteco, mais aqui na Savassi, porque eu morava aqui. Ou na Cidade Nova, porque três da banda eram do bairro Cidade Nova, então, a gente bebia lá também. Eu lembro que aqui a cerveja custava R$1,80 e lá, era R$1,60, então, a gente preferia beber lá.
P/1 – A de 600mL?
R – Hã?
P/1 – A de 600…
R – 600mL. Nessa época, cara, era engraçado, tinha um lugar que a gente tocava… A gente fazia qualquer show por qualquer cachê, desde cachê bom até… Você tem que pensar em 2001, então, a gente tocava num lugar que se chamava… Nós éramos uma banda muito louca, cara, abríamos o show com bossa nova e no meio, tocávamos Alice In Chains (risos). Nós não tínhamos… A gente tocava o que estava a fim. Tocava um Alceu Valença no meio… Era uma banda de rock, só que a gente gostava de música brasileira, então, tinha um Alceu, "Tu vens", e tinha no meio, "Man in the box" do Alice In Chains, "Black" do Pearl Jam e Capital Inicial (risos). A gente fazia muito show acústico, porque como a gente tocava em qualquer lugar, o acústico era violão, bongô… Era um show porco, mas era o máximo, achávamos bom para cacete. A gente tocava num lugar toda sexta, ali ao lado da PUC, que se chamava Chopinho Rosa. Cheio de bar e a gente tocava num boteco. Esse boteco era pequenininho, a gente podia beber cerveja a vontade e nosso cachê era R$50,00, ou seja, R$10,00 para cada um. É como se hoje, o cachê fosse R$50,00 para cada, mas para gente, era lindo, porque a gente ia, tocava… Com 18 anos, a gente ia, fazia o que gostava que era tocar, bebia para cacete e colocava o equivalente hoje a R$50,00 no bolso. Todo mundo morava com os pais, então, o que a gente fazia com essa grana, com os R$10,00? Saía de lá, bebia mais e ainda sobravam R$2,00 para comer um X-tudo no carrinho. A gente já estava chapado, gastava os oito contos… Então, a gente fazia um monte de coisa, foi uma época legal, era massa. Foi uma época importante para aprender a tocar diante do público, que é uma coisa que eu gosto. Acho que por essa minha formação, essa escola de rock… Depois a gente pode chegar com o passar dos anos. Eu gosto muito de tocar para muita gente, não me acanho se tiver 100 mil pessoas, toco até melhor.
P/1 – Como é que vocês iam?
R – De carro. Ou no carro do Borba ou do Fera, que eram os caras da banda. A gente ia de carro, tocava e voltava. Geralmente, a gente bebia aqui na Savassi na volta. R$8,00 para cada, e a cerveja custava R$1,80, então, dava para… A gente já tinha bebido todas e ainda dava para comer o X-tudo no fim. Gastávamos o dinheiro todo e éramos felizes com o pouco e para nós, aquilo ali era ótimo.
P/1 – Teve algum lugar que foi especialmente bom ou ruim que vocês tocaram nessa época?
R – Bom, um show que eu lembro… Porque assim, na época, foi o melhor show da minha vida. Na época, óbvio. Nós tocamos numa festa na época da Copa do Mundo de 2002, eu tinha 19 anos. Foi uma festa aqui no Izabela Hendrix, da faculdade. A gente ficou no meio da rua, numa subida (risos). Para mim, foi um show incrível, porque estava entupido, a rua fechada, falei, "nossa, que show". O guitarrista, o Borba, falou que para ele tinha sido horrível, porque ele arrebentou uma corda e não tinha corda reserva. "Não, para mim, foi maravilhoso". Foi um show que lembrei agora, a gente fez umas coisas legais. Lembro que tocamos depois dos Engenheiros do Hawaii, lá em Guanhães e achamos o máximo. Só que foi o maior perrengue porque foi depois, e não tinha ninguém mais para ver. Os caras estavam lá tirando o equipamento e "foda-se" para gente, mas foi legal. Essa época era muito doida, porque essa banda uniu várias galeras, cara, a minha galera, a galera da Cidade Nova, a turma da menina que foi minha primeira namorada na época, então, saíam, sem exagero, 80 pessoas, 100 pessoas. O show dava até mais, porque estava todo mundo estudando, começando a faculdade ou terminando o colégio. Se alguém trabalhava, fazia estágio, mas ninguém tinha boleto para pagar,a banda era meio que o elo de várias galeras. Para mim, o mais importante dessa banda, foi isso, não foi nem a música, foi por ela ser o elo para gente sair em turma, coisa que depois de velho, você não consegue fazer. Numa turma, geralmente você ia sair de um show e sem exagero, tinha 50 pessoas, então, essa banda foi legal além dessa questão que foi importante para mim de tocar na noite e ao vivo. A junção dessas galeras foi muito interessante. A gente não tinha rede social. Depois fizemos um Orkut, eu acho, mas não tinha rede social, era no telefone que você ligava para a galera, ou mandava SMS, ou um ia avisando ao outro. Todos os nossos shows eram cheios em Belo Horizonte e não é porque a gente fazia sucesso, mas porque a turma ia e era o nosso sucesso, o show estava sempre cheio. Era muito legal!
P/1 – Vocês se falam até hoje?
R – Hã?
P/1 – Dessa turma, vocês se falam até hoje?
R – Sim. O Borba, é muito amigo meu e um músico conhecido aqui em Belo Horizonte. Ele tocou com a Fernanda Takai - não sei se está tocando com ela ainda -, tocou em outras bandas, circuito, cover, tem um trabalho solo… A gente teve outra banda depois, que eu posso chegar nela. O Fera, é meu amigo do mundo. Ele mora na Alemanha hoje, mas já morou em Liverpool, acho que já morou na Bósnia ou algum lugar… Ele fica fugindo. O Xuxa está na Austrália, não tenho falado com ele. O Djalva, que era o vocalista, aqui também é músico, tem uma banda chamada Pequena morte orquestra de llamas… Ele é um músico também, mais _______ [57:18], é um cara mais… E está aí ainda.
P/1 – E qual era o nome dessa banda?
R – Mesa doze, porque era a mesa em que a galera bebia no boteco. Nome de banda de pagode, né? (Risos). Só que a galera bebia… Não era nem a minha galera, era a da Cidade Nova. Eles se encontravam toda terça num boteco que chamava Castell, e depois, Castell virou o nome do encontro. Ia mudando de bar… Esse bar nunca mais foi fixo depois que trocou de dono e tal, mas era, "vamos para o Castell". O Castell era um evento, já não era mais bar. E aí, eles tinham essa mesa 12, que gostavam e bebiam lá. Os caras falaram, "ah, vamos pôr mesa 12", "vamos", um nome horrível, nome de pagode para uma banda de rock, mas era uma banda de rock que tocava bossa nova. A gente abria o show com "__________" [58:07], era engraçado.
P/1 – Como que era, vamos dizer, você se lembra de puxar o repertório inteiro?
R – Cara, a gente já tinha músicas próprias, boas músicas. Tinha uma música chamada "vida boêmia" que o Borba fez com o Fera e era o nosso carro-chefe, todo mundo cantava. Era uma música legal, o refrão era assim, "Adeus, amor. Adeus, adeus, meu amor", tinha uma parte que falava, "bêbado a cantarolar sua vida". É uma música de um bêbado, sabe? Uma música boa, a galera gostava, mas não era rock. Tínhamos outras músicas, a gente mesclava bem, tinha muita música autoral, mas essa era o carro-chefe, todo mundo cantava, nossos amigos todos chorando, cantando… Era legal.
P/1 – Como que era o refrão inteiro? Você canta para gente?
R – Era isso, "Adeus, amor". "Adeus, amor. Adeus, adeus, meu amor". Começava assim, "um poeta a escrever os seus versos em um guardanapo de um boteco ali da esquina, sem saber onde chegar", tinha uma parte que eu gostava assim, "só um malandro para reconhecer o outro, uma noite ou outra qualquer, um Castell para qualquer um". Era legal a música, uma música de boêmios, sabe? A galera bêbada cantando, era legal. Era quase… Dava para fazer um samba com ela, mas tinha uma batida meio reggae, era legal, era a música da banda. Todo mundo ficava esperando a gente tocar essa música.
P/1 – Foi até que ano essa banda?
R – Até 2006. Foi a época em que me formei na faculdade. A banda acabou e eu falei, "ah, não quero mais tocar". Eu tinha me formado e não sabia bem o que queria.
P/1 – E como foi você entrar na faculdade? Qual que foi seu curso?
R – Eu cursei Jornalismo na FUMEC, Universidade FUMEC, que na época ainda era Centro Universitário FUMEC e durante lá, ganhou esse…
P/1 – Status?
R – Esse status de universidade, mas era uma faculdade muito boa, cara. Era uma faculdade particular. Para mim, era bom porque eu ia a pé e voltava a pé. É uma subidona, mas é relativamente…Dá uns 25 minutos de caminhada. Eu tive professores muito bons e depois, vários saíram porque mudou a direção, mas eram professores muito bons e muito qualificados. O principal que aprendi na faculdade, não foi a fazer um lead, ou um texto foi a ter um olhar crítico. "Olhar crítico" era um termo muito usado lá, e hoje, tem gente que fala que eu sou muito crítico. A minha mulher fala que sou muito crítico e eu sou, tenho um olhar muito crítico sobre as coisas.
P/1 – Tipo com o que, você diz? Acontecer alguma coisa e…
R – Ah, o que acontece na política do mundo, o lado que a política está indo para mim. Claro que eu não tenho força o suficiente, mas meu trabalho vai contra maré. Essa coisa da pasteurização da vida, da padronização, sabe? Isso meio que a faculdade… Eu só fui ver isso anos depois. Na época, eu não percebia, "ah, a faculdade, eu saio da faculdade, mas…", não, nada. Só que anos depois você para, é uma coisa que fica dentro de você e você vai entendendo depois, "poxa, de onde eu tirei esse olhar?", sabe? O próprio olhar em cima da mídia que a gente estuda… Acho que essa criticidade, eu aprendi na faculdade.
P/1 – Teve professores ou matérias que te marcaram mais lá?
R – O grande poeta e jornalista Fabrício Marques, que hoje não dá mais aula na FUMEC, não sei onde ele está. Ainda tenho contato com ele via Facebook. Ele é um cara adorável, de humildade incrível, um cara que conversava de igual para igual com os alunos. Ele deu aula para gente, se não me engano, sobre Jornalismo cultural. Um cara fantástico, foi minha referência da faculdade o Fabrício Marques, professor.
P/1 – A aula era boa?!
R – Excelente, excelente a aula dele. E muito humano, um cara muito humano, era um cara muito legal.
P/1 – Nesse período, você quis fazer estágio, fez, saiu trabalhando… Como foi isso?
R – Eu fiz estágio só no último. Eu demorei um pouquinho para pegar no trampo de trabalho.
P/1 – Você estava tocando…
R – É, eu estava tocando. De trabalho assim, formal. Em compensação, hoje estou pagando por tudo, porque são 16, 17 horas por dia e está ótimo. Eu demorei um pouco, só fui fazer estágio no último período.
P/1 – Para onde você foi?
R – Para o Partido Liberal, PL (risos).
P/1 – Você fez até uma (pausa?) [01:03:49].
R – É (risos).
P/1 – Assessoria deles?
R – É, fiquei lá aprendendo na assessoria. Não aprendi bulhufas nenhuma, mas fiquei lá.
P/1 – Um ano, dois anos?
R – Meio ano. Eu lembro que no final, não valeu como estágio. Eles até assinaram a minha carteira na época, mas não valeu como estágio, porque eu estava lá e meio que eles assinaram como outra coisa na minha carteira, tipo "ajudante de não sei o que". Então, não valeu como estágio (risos). Para mim, foi um estágio, porque eu estava lá, vi mais ou menos… Eu tinha que fazer clipagem, recortar jornal, essas coisas assim. Ah, valeu.
P/1 – E por que a banda acabou?
R – A banda acabou… O Fera tinha saído da banda e o Xuxa também, e aí, entrou o Fosco em 2004. Passamos de cinco para quatro integrantes, o Fosco no baixo, o Fera saiu, e o Djalma começou a tocar guitarra (que ele não tocava). O Fera voltou e ficamos com três guitarras, como se fosse o Iron Maiden, né? Depois, o Fera foi embora de novo para Liverpool, e o Fosco, que era o baixista que entrou no lugar do Xuxa… O pai dele mexe com pedra preciosa, o negócio começou a dar certo e ele teve que viajar para o ______ [01:05:15]. Ele teve que passar uns tempos lá e a banda meio que acabou, a banda acabou. "Ah, então, não vamos mais". O Borba estava se formando em Psicologia… E a banda acabou.
P/1 – E aí, o que você pensou nessa época?
R – Ah, eu falei, "não vou mais tocar, cansei" e fiquei uns meses sem tocar, até que nós fizemos outra banda.
P/1 – Qual o nome?
R – Rock Inova. Era uma banda assim, "agora nós vamos ser profissionais mesmo, vamos tocar só música autoral, não tem mais show meio a meio". O Borba é um compositor muito bom e ele me chamou para tocar, eu e o ________ [01:06:04], o baixista - que até toca comigo hoje na minha banda de Rolling Stones, tributo. "A gente está querendo fazer uma banda, você toca?", eu falei, "vamos fazer". A ideia inicial era o Djalva ser o vocalista, só que ele não topou e a gente chamou outro cara, o outro Gustavo, que já tinha outra banda que tocava com a nossa. Essa banda, foi tipo assim, largamos tudo e entramos de cabeça. Foi uma época muito interessante também, nós lançamos discos, viajamos, fizemos coisas pequenas, mas importantes para gente como história e como músicos.
P/1 – Como que começou, então? Vocês ensaiaram e…
R – A gente ensaiou. O Borba já tinha umas músicas, inclusive da Mesa 12. "Vida boêmia" não entrou porque ela já era da Mesa 12. Tínhamos uma que era "Caminhando só", que foi meio que a música mais conhecida do Rock Nova, que o Mesa 12 já tocava. "Sonho" era outra música, "Desencanto" é uma música que tem uma letra legal e forte, e outras músicas que ele foi compondo e tal. A gente ficava ensaiando muito e fizemos o nosso primeiro show com nove músicas, sendo sete autorais. Foi indo, assim…
P/1 – Onde foi o primeiro show?
R – Numa casa que se chamava Estúdio B. Tinha o Estúdio Barra e o Estúdio B. A gente abriu para uma banda… Que o Xuxa, que tocou no Mesa 12 tinha uma banda que era bem pop, tinha fã clube de mulher, e se chamava _______ [01:07:58]. Eles tinham um fã clube. Nós já éramos mais rock. Tinha uma pegada comercial, só que a gente era bem mais… Eles faziam um show muito mesclado com cover e nós já estávamos, vamos dizer, numa fase mais adulta em relação ao Mesa 12. Então, a gente já não tocava bossa nova e Alice In Chains, nós já tínhamos noção de ter uma coisa mais coesa, um repertório e tal. Nós fizemos esse show, tocamos bem para caramba e foi muito legal. Isso foi em 2007.
P/1 – E saíram viajando depois?
R – É, a gente fez uma pequena tour lá pelo Sul, dois shows em Curitiba, um em Florianópolis e o que iríamos fazer em Porto Alegre, não conseguimos, porque caiu a ponte que levava até lá por conta de uma chuva e acabou o mundo. Foi legal, tocamos em São Paulo, tocamos no Recife, em alguns festivais grandes aqui… A gente fez algumas coisas legais.
P/1 – E como era, um ônibus, uma van…?
R – Não, era um carro com quatro ou cinco - porque tinha um produtor - até Florianópolis e também o equipamento, muito apertado. Foi uma época em que todo mundo parou tudo que podia para se concentrar na banda. Uma coisa que hoje, para mim, não daria mais, mas na época, rolou demais. Nós fizemos shows bem legais, trouxemos bandas independentes de outros lugares para cá para tocar. Nós fizemos um projeto chamado "Fórmula Indie" (de "Indie rock), nós trazíamos a banda e íamos. Dávamos uma garantia de cachê para ela de R$1000,00 em 2009. É como se fosse uns R$1500,00 hoje. Era uma garantia, tipo, "olha, se não for ninguém no show, com essa grana vocês fazem o que… Vêm de ônibus, de avião se achar passagem, carro", se desse mais o cachê para dividir… Então, a gente dava uma garantia e eles davam uma garantia para gente, foi um jeito que achamos legal de fazer essa… Rolou legal, fizemos amigos. Inclusive, o Fábio, que hoje é um grande amigo e a gente toca junto, ele é de Floripa e tinha uma banda conhecida em Florianópolis. Conhecida no Sul mais no meio alternativo, mas bem conhecida em… Chamava AeroCirco, uma banda enorme, o Fábio é um compositor incrível, Fábio Della, incrível mesmo, um cara hitmaker. Ele veio tocar com a gente e nós fomos para Floripa, está fazendo dez anos agora em setembro de 2019. Quando eles vieram, ele conheceu a mulher dele aqui e hoje eles têm uma filha. É bem legal.
P/1 – E essa banda durou bastante tempo?
R – Rock Inova durou de 2007, eu saí em 2011, eles fizeram mais dois shows e a banda acabou.
P/1 – Você ficou de 2007 a 2011 só tocando?
R – Não, aí eu já tinha feito minha banda dos Rolling Stones, que eu estava precisando muito de grana, que é o Uai Horses - "Uai" de Minas. Chamava Uai Stones, só que nós recebemos uma carta dos advogados dos Stones, porque o produtor da banda, registrou o nome sem falar para ninguém. Os caras devem ter ido lá no INPI ou alguma coisa, acharam e recebemos uma carta ameaçadora, que não podíamos usar nem Stones e nem a língua, sujeito a uma multa de 2.000 libras por dia, então, mudamos para Uai Horses. Foi ótimo, começamos a fazer mais show e temos essa banda até hoje.
P/1 – Um cara lá da Inglaterra…
R – É, da Holanda, porque essa bandas tipo U2 e Stones, têm base na Holanda, porque lá é menos imposto, então, a banda vira uma banda holandesa entre aspas, a marca.
P/1 – Mas não podia ter "Uai"?
R – Não, era Uai Stones, não podia ter Stones. Era Uai, e nós colocamos Horses, num trocadilho horrível com "Wild horses", que é a música. Não tão horrível, é legal. É uma banda legal, uma banda da noite. A gente não ensaia, ainda bem, porque eu cansei. Assim, a gente vai tocar e é bom beber e tocar, sem pretensões maiores.
P/1 – Nesse período dessas bandas, você já tinha saído da casa do seus pais…
R – Não, saí da casa dos meus pais em 2015. Demorei, cara.
P/1 – Mas eles se mudaram desse apartamento…
R – Eles se mudaram de lá em 1999 aqui para a Avenida Getúlio Vargas e estão até hoje. Eu fiquei com eles lá até 2015, e aí, vim morar com a Débora.
P/1 – Você conheceu a Débora quando?
R – Em 2009, num show do Rock Inova. Aniversário do Marcelo, que era um cara que tinha uma banda do U2 aqui. Se não me engano, foi aniversário dele. Ah, foi aniversário do Koctus, acho que foi aniversário do Ricardo Koctus, que é do Pato Fu. A gente ficou bem amigo na época e ele que apresentou a gente.
P/1 – E vocês estão até hoje?
R – Estamos até hoje, dez anos.
P/1 – Ela está te ouvindo?
R – Não sei, ela está fazendo uma massagem ali que ela faz, não deve estar escutando. Então, o que tiver que perguntar que ela não possa escutar, pergunte agora (risos).
P/1 – Essa banda foi de…
R – 2007 a 2011, é.
P/1 – E você estava lá com seus pais e se mudou…
R – Em 2015.
P/1 – Mas você falou, "ah, eu precisava de grana em 2011".
R – É.
P/1 – Por que você precisava de dinheiro nessa época?
R – Ah, para pagar minha conta de telefone, eu ainda morava com os meus pais, era para pagar pequenas coisas, sair, beber… Meu pai já não estava mais me dando dinheiro. Eu precisei e foi meio que, "ah, agora vou tocar". Aqui em Belo Horizonte, tem um circuito de cover grande, então, a gente começou a tocar.
P/1 – Com o Uai Horses?
R – Uai Horses.
P/1 – Vou perguntar outra coisa. Seu pai trabalha ou trabalhou em qual jornal?
R – É… Ele foi editor de esportes, durante muitos anos, do Jornal Estado de Minas e depois foi para o Hoje em Dia, mas antes, ela já trabalhou, já fez muito freelancer nos anos 80, antes de eu nascer, para a Revista Placar, TV Manchete… Basicamente, o Estado de Minas é o que mais representou na vida dele, o Jornal Estado de Minas, que é o jornal mais tradicional do estado.
P/1 – E ele fala muito de esporte com você, é uma coisa que estava na sua casa…
R – Nossa, o tempo inteiro.
P/1 – Você gostava disso?
R – Muito. Muito de futebol, muito. Se eu tivesse… O que eu via de jogo quando era criança… Hoje, eu quase não vejo, gosto de futebol, mas não tenho mais saco. Eu gosto desses programas que velho assiste, Mesa Redonda (risos), mas jogo, eu via tudo. Se eu tivesse seguido, eu seria meio que um caxias, eu via muita coisa.
P/1 – Você ia muito ao estádio com o seu pai ou _______ [01:17:46]?
R – É, às vezes, sim. Meu pai sempre foi um cara que nunca gostou de misturar muito as coisas. Eu nunca entrei com time em campo. Eu sou atleticano e meu pai falava, "não, não vou pedir nada para ninguém", ele é assim. Então, eu não tive tantas benesses, "ah, meu pai…", não. Eu ia, claro, ele já me levou, eu ficava lá na tribuna com ele, mas assim, quietinho, caladinho. Eu ia com uma certa regularidade, mais do que vou hoje.
P/1 – Atleticano, então?
R – Sou.
P/1 – Esse time está te dando alegria, te deu…
R – Ah, sempre me dá tristeza, mas atleticano… Não, mentira, já… Pô, 2013, acho que foi o dia mais feliz da minha vida. O dia que o Galo ganhou a Libertadores.
P/1 – A maior alegria que ele te deu.
R – Puts, nem me fala, foi incrível.
P/1 – Você assistiu lá no Mineirão?
R – Não, não tive… Eu passei mal durante o dia, cara, de tensão, falei, "não, não vou", eu sou muito pessimista, não acreditava. Apesar do Atlético já ter virado várias coisas naquele campeonato daquele ano, falei, "não, não vai dar".
P/1 – Eu vi esse jogo também, mas você me lembra como é que foi?
R – Ah, começou o jogo com uma tensão, que… Eu acho que estava bebendo cerveja e tinha show do Uai Horses no dia, a gente tocava toda quarta no Lord Pub. A gente e o Balão Vermelho, que é uma banda que toca Barão e é melhor que o Barão para mim, inclusive, é boa para cacete. Ia ser depois do jogo. Eu comecei a beber e fiquei meio com febre de tensão, eu e meu pai. Porque meu pai sempre foi muito isento e depois que ele se aposentou, ficou fanático. Acho que tudo que ele segurou durantes tantos anos… Tanto que ele tinha uma coluna no jornal - e era muito lido o jornal, na época que as pessoas vendiam e compravam -, e ninguém sabia se ele era atleticano, cruzeirense ou americano. E aí, nós ficamos tensos, acabou o primeiro tempo no zero a zero, o Atlético fez o primeiro gol no comecinho do segundo tempo, deu 30 minutos e eu fui para a área. A casa do meu pai tem uma área assim, e eu fiquei lá, cara, fiquei lá ajoelhado e rezando. Eu estava parecendo um muçulmano, deitado com a cabeça no chão. Como ele mora na Savassi, na Praça da Savassi, lá tem uns bares atrás. Eu só escutava o "uh!", uma multidão gritando, gritando, lamentando… Eu percebi que estava chegando, tinha 40 minutos e falei, "não vai dá". A galera xingando, Belo Horizonte parecia… Foi um dia surreal, surreal, estava tudo parado e uma gritaria na rua. Eu pensando, "não vai dar" e de repente escuto assim, "aaaaaa". Sabe quando a galera joga cadeira para cima? Saí correndo e meu pai já veio correndo… Foi do cacete. Na hora dos pênaltis, eu estava confiante. Foi inesquecível, nossa, foi foda, foi foda!
P/1 – Era Atlético e quem?
R – Olimpia do Paraguai.
P/1 – Você estava confiante por que? Por causa do Victor?
R – Por causa do Victor e porque o Atlético, depois daquele dois a zero, psicologicamente, o time me deu… Eu estava tenso ainda, ficava de costas para o pênalti, mas já fiquei na sala, não estava mais na área. O Galo foi campeão, eu abracei meu pai e ele falou, "essa é para o José Roberto Wright", eu nunca vou esquecer essa primeira coisa que ele falou. Em relação à Libertadores de 1981, Atlético e Flamengo, se você perguntar aqui em Belo Horizonte, as pessoas vão te dizer o que aconteceu.
P/1 – Que era árbitro, né?
R – Era, expulsou seis jogadores do Atlético. Cinco, é.
P/1 – Final do que?
R – Não foi final, foi um jogo de Libertadores decisivo, não sei se foi oitavas de final… No Serra Dourada, em Goiânia.
P/1 – Você acompanhou muito o esporte e acompanha mais ou menos hoje…
R – É, hoje acompanho assim, mais ou menos, mas acompanho. Ainda sei o que… Mas perto do que eu acompanhava quando era criança, nossa, longe.
P/1 – E outros esportes também, além de futebol?
R – Não. Olimpíadas a gente sempre vê, fala, "esse esporte é legal", mas durante… Às vezes um jogo de vôlei da seleção, mas é raro, é mais futebol mesmo.
P/1 – Tá. Em 2011, começou a Uai Horses…
R – Em 2011, eu comecei a trabalhar assim, como a banda já não estava dando e eu saí do Rock Inova… Eu comecei a trabalhar mais firme. Já trabalhei no Studio Bar, que era um bar muito tradicional daqui, fazendo a produção lá. Foi muito aprendizado. Na verdade, eu fui para lá para fazer assessoria de imprensa, só que lugar pequeno, você já viu, de repente você já está fazendo a produção. Foi massa, eu conheci muita gente, muito músico, muita gente da noite, foi bem interessante.
P/1 – Isso foi de 2011 até quando mais ou menos?
R – Até 2016, mas tocando também e fazendo assessoria de imprensa, que eu comecei mesmo em 2015 com a ngela Azevedo que é da assessoria de imprensa aqui. Ela é mais antiga, a ngela está com 65 anos mais ou menos. Ela fez esses Pop Rock todos, esses festivais… Ela é assessora de imprensa do Grupo Corpo. Eu já a conhecia… Meu pai já a conhecia, assim, não são amigos, mas já se conheciam, porque meu pai era editor de esportes e ela era das relações públicas do Cruzeiro durante um tempo, porque o pai dela foi jogador do Cruzeiro nos anos 40. A ngela fez a empresa dela "Noir comunicação" e fez a assessoria de imprensa do disco do Rock Inova em 2008, no Teatro Dom Silvério e foi demais. Vendemos todos os ingressos, 500 pessoas e tal. A ngela me chamou em 2015 e falou, "Nenel, estou precisando conversar com você", e eu, "beleza". Fui na casa dela e ela estava voltando a fazer a assessoria de imprensa do Comida de boteco. Ela passou por problemas pessoais, a empresa dela já tinha sido grande e ela estava trabalhando sozinha com mais um… Ela me chamou e nós viemos fazendo as coisas de gastronomia até hoje, eu e ela, ela sempre me chama. A gente fez o Circuito gastronômico de favelas, que rolou em duas edições, em 2017 e 2018. O Comida de boteco 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, foram cinco. Meu trabalho trabalho de assessoria, em qualquer lugar desses, eu não misturo com o de gastronomia, não posto, uma coisa é uma coisa… Até posto, posso postar, principalmente o de favela, que eu achei demais e uma coisa bem inclusiva, mas eu venho separando cada vez mais, não misturo as coisas.
P/1 – Quando você entrou nesse projeto com ela, nesse trabalho, você já se considerava de certa forma, um expert em comida de bar ou não? Como que você chegou a essa oportunidade?
R – Ah, aprendizado, porque eu vi que não sabia nada de assessoria de imprensa e a gente aprende… A faculdade te ensina, mas quanto a isso, não. Então, aprendi demais, aprendo com ela. Ela é de relações públicas, então aprender a se relacionar nesse sentido. Ter coragem, que sou um cara que falta coragem de ligar e perguntar, "você recebeu a ______ [01:26:15]?", odeio isso, mas fui aprendendo a fazer (risos). Na época, eu acho que todos esses trabalhos abriram a minha cabeça, então, hoje eu sou… Eu era bem mais limitado, apesar de já ter uma… Todos esses trabalhos me ajudaram a expandir os meu conhecimentos e a minha cabeça.
P/1 – Mas eu digo assim, quanto ao conhecimento do conteúdo, comida de boteco e tal, você já… Você já perseguia, já gostava disso antes?
R – Ah, eu sempre fui muito de ir a boteco com a banda, depois de ensaio para beber, mas nunca enxerguei no boteco um templo como eu enxergo hoje, uma coisa tão importante para a cultura brasileira, mas sempre gostei.
P/1 – Como é que foi a transição desse olhar, então?
R – Eu já tinha o _______ [01:27:21] de gastronomia. O meu olhar, acho que nos últimos dois, três anos, ficou mais lapidado, sabe? Comecei a me interessar por coisas cada vez menos faladas pelas pessoas e a me interessar por pessoas também, não só por boteco em si, mas quem são as pessoas que estão lá, quem trabalha, quem faz aquilo acontecer… Isso tem me interessado muito, cada vez mais.
P/1 – Antes era mais assim, "ah, eu vou no boteco, como…"
R – É, eu gosto…
P/1 – E aí, depois…
R – Posto e tal, mas nos últimos anos, acho que o trabalho deu uma evoluída.
P/1 – Como é que começou então, o blog?
R – Começou em 2009, na época do Rock Inova, na época que comecei a conhecer a Débora. Essa ideia estava no ar, surgiu não lembro como, não sei te dizer. Eu fiz um blog. Gosto de escrever, então, fiz um blog, comecei a sair e a postar as coisas que eu gostava, mas era um olhar um pouco limitado, porque o que eu falo? Como eu nunca dirigi, eu não tenho carro, meu olhar sempre ficou um pouco limitado para dentro da Avenida do Contorno. Aqui em Belo Horizonte, a cidade foi feita dentro da Avenida do Contorno e depois, se expandiu para fora dela. Então, nunca foi por preconceito, nem por falta de vontade, mas o meu olhar era um pouco limitado aqui dentro, sabe? Claro que eu saía e tal, mas hoje eu já me interesso é por fora da Contorno, bem mais do que por dentro. Me interesso por coisas interessantes dentro da Contorno, mas o meu maior interesse é fora. Acho que essa é uma evolução do trabalho, desde que comecei até hoje. É uma evolução geográfica mesmo, de perceber que existe muito mais coisa, de subir o morro, de conhecer um boteco, a história… Isso, para mim, é a maior evolução do Baixa Gastronomia desde que ele começou, em 2009, até hoje, em 2019.
P/1 – Você se lembra qual foi o primeiro boteco que você fez o post?
R – Lembro, Café Palhares, que é um lugar que considero um templo em Belo Horizonte. Aberto em 1938, ele vende um prato muito tradicional aqui, que é o Kaol, com K que na época eles brincavam, falando que era para dar mais pompa ao prato, "kachaça", arroz, ovo e linguiça. Hoje, o prato já vem com uma farofinha de feijão, mas é um bar com mais de oitenta anos e um balcão que vende esse prato. Tem outras coisinhas, mas esse é o prato. Então, esse é um lugar muito especial para mim até hoje e eu acho que foi começar com o pé direito começar no Café Palhares.
P/1 – É um lugar pequeno lá?
R – Pequeno. É só um balcão no formato de letra U e é justamente o que eu gosto, não tem televisão ligada, o atendimento é maravilhoso e pouco se mexeu no bar. Na verdade, se mexeu, o balcão mudou de lugar pela história que conheço, mas ele não sofreu mudanças drásticas. Ele é um bar que não sei se sofreu mudanças drásticas, na verdade, mas mantém a aura de um bar antigo e eu acho isso maravilhoso.
P/1 – E até hoje, em quantos bares você fez…
R – Eu não sei, porque eu parei de escrever no blog em 2015, por falta de tempo, porque eu faço minhas correrias e eu tenho que parar para escrever. Eu estou muito na rede social, que é muito dinâmica. Sento ali e posto no Instagram. Sinto falta do blog, eu acho que é necessário e um dia eu quero voltar com um site ou alguma coisa, mas no momento, não consigo. Além do que, a galera não lê mais porra nenhuma, né? A galera não anda lendo mais nada, então… (risos). Às vezes você coloca um texto, "local tal", coloca o endereço, e a pessoa pergunta, "onde que é?". Você coloca a descrição e, "o que é isso?", em textos de dez linhas, cara. Eu não sei quantas postagens… Eu fico pensando em quantos lugares será que eu já devo ter ido, 500 talvez, não sei. Eu sinto que está na hora de expandir, começar a viajar mais, vencer meu medo de avião, meu pânico, meu pavor. Eu tenho uma lista de lugares pelo mundo para ir, porque eu vejo na televisão, vejo na internet, eu pesquiso. Se você abrir Nova York, Buenos Aires… Tem tudo, assim. Se eu for, tenho não o estudo completo, mas estou indo para a Colômbia agora e fiquei três semanas estudando profundamente lugares que a galera de lá vai. Fui lendo as reportagens, então, meu trabalho de pesquisa está bem forte.
P/1 – E quando você pesquisa isso, no que você presta atenção, o que você gosta de… O que te faria ir a um bar?
R – Se fosse fora de Belo Horizonte ou se fosse aqui?
P/1 – Aqui ou em qualquer outro lugar.
R – Um lugar onde vai o nativo. Onde as pessoas vão? Onde as pessoas daqui comem? Acho que serve para cá também. Fugir de lugares tão turísticos. Se bem que têm lugares que são turísticos e são legais, mas onde as pessoas vão realmente? Onde as pessoas comem durante o dia? As pessoas comuns entre aspas, os trabalhadores, que não têm dinheiro para… Porque na época que eu comecei o Baixa Gastronomia, em 2009, estava na época da gastronomia molecular, Ferran Adrià, o restaurante dele era o melhor do mundo e ninguém escrevia sobre - pelo menos em Belo Horizonte - culinária popular. Onde as pessoas de verdade comem? As pessoas não comem espuma de feijoada, então, onde elas comem? Foi aí que me deu isso, "alguém tem que escrever sobre isso".
P/1 – Daí surgiu o nome?
R – O "Baixa Gastronomia" era um nome que já estava na minha cabeça, mas não fui eu que criei. Esse nome já existe, se não me engano, ele já tinha sido publicado, não sei, mas poxa, eu gosto desse termo. Eu sei que tem cozinheiro que não gosta, porque "não existe gastronomia boa ou ruim, mas eu faço a alta". Se existe a alta, existe a baixa, então, no dia que eles pararem de falar "alta gastronomia", eu paro de falar "baixa". Não é nada pejorativo, eu acredito que no meu trabalho, "baixa gastronomia", é baseado no tripé qualidade em primeiro lugar, fartura e preço acessível. Se o rango for bom, farto e barato, não tem nada tão bom quanto isso.
P/1 – E o que você pensa, então, da culinária dos bares de Belo Horizonte? Você chegou a alguma conclusão?
R – Acho excelente, apesar de que a gente está passando por uma, é… Acho que pratos mais trabalhosos. Eles estão deixando de fazer um pernil, em prol de facilidades que acho medíocres, como batata frita de saco congelada. Você fazer em casa, beleza, porque você está com pressa ou com preguiça de descascar batata, mas acho que um restaurante ou boteco, se vai servir, tem que servir aquilo da melhor forma. São coisas simples, mas que eu acredito que fazem… Eu sei o que as pessoas buscam, porque quando eu posto, as pessoas falam, "nossa, é isso mesmo". Coisas simples, cara, cortar uma batata e fritar. Eu acho que a comida de boteco de Belo Horizonte é muito boa, no geral.
P/1 – Você acha que o boteco ________ [01:36:20] o belo horizontino ou não?
R – Ah, sim, acho que o boteco é extensão da casa do belo horizontino. É onde ele comemora as vitórias e chora os fracassos. Acho que o boteco é lugar disso, é um espaço de convivência e de reflexão, seja parar para pensar em pé no balcão ou conversando. É onde surgem grandes histórias, é onde as pessoas voltam a se reconectar.
P/1 – Você acha que os bares e botequins daqui são específicos de outros que você viu em cidades brasileiras, como São Paulo, Rio…?
R – Ah, eu acho que é. Aqui tem uma característica que assim, são os ensopados, almôndega no molho, carne cozida, salsichão. Aqui tem aquela coisa do molho, a gente gosta disso. A língua no molho… Eu acho que os botecos têm essa característica, principalmente os que têm estufa, que é uma coisa que acho… Eu defendo, acho a estufa uma característica dos velhos botequins, que mantém a comida quente se souber usar e tiver bem regulada. É rápido, porque você pode passar ali só para comer, não tem que esperar e ir para a cozinha fazer e é democrático, porque às vezes você está sozinho no boteco e pode comprar um pedaço de linguiça, uma almôndega, coisa que as porções… Eu também gosto das porções fartas, mas acho que o ideal é você ter as porções e ter a estufa também, porque ela te dá essa oportunidade de provar várias coisas, e se você estiver em uma ou duas pessoas, você pode comprar a unidade. Eu acho a estufa muito importante e é uma característica dos bares de Belo Horizonte, principalmente do Centro.
P/1 – Você falou de 500 bares que você foi. Você tem os preferidos? Bares ou botequins aqui em Belo Horizonte.
R – Ah, tem sempre os do coração, né? Todos são legais. O bar do João, que é aqui perto, por uma questão emotiva… O meu pai quando se mudou para cá, ia no bar do João, e depois eu passei a ir ao bar do João, várias noites da minha vida. É um bar que toca rock, nas caixinhas baixinho, mas é um bar de rock. Mercearia do Nivaldo, que tem almôndega deliciosa, a melhor que já comi. O Café Palhares, que é um lugar, incrível. Bolão, que é uma tradição aqui da madrugada. Quantas noites depois de show, eu ia ao Bolão comer macarrão e PF. Bar do Caixote, em São Geraldo, você entra no caixote. Têm bares bem legais… Alaíde, genial, mãos de fada, que veio com os bolinhos famosos que ela fazia no Rio e está aqui em Belo Horizonte. Bar do Dudu, que é um cara que faz uma comida incrível numa cozinha improvisada, com um fogareiro e um mini churrasqueira, é incrível, não aceita cartão, não tem televisão, não tem nada. Então, são esses, mas têm muitos, com certeza eu esqueci alguém, absoluta.
P/1 – Você acha que tem diferença entre os bares dentro do Contorno e fora? Você falou…
R– Aqui dentro do Contorno está ficando tudo muito pasteurizado, está se perdendo aquela coisa do botequim, do bunda de fora, um botequim pequenininho que você fica no balcão. Tem um último aqui que é o ABC Lanches que eu gosto bastante, mas está ficando tudo muito madeirinha e costelinha ao molho barbecue, sabe? Está se perdendo essa coisa do ovo cozido, da estufa, essa coisa do dono do boteco estar atrás do balcão - o que é importante num boteco, o que faz o boteco. Então, eu acho que dentro da Contorno, está ficando tudo pasteurizado, muito padronizado. Então, fora, a gente ainda acha algumas pérolas.
P/1 – E você também conhece os donos, os trabalhadores, conversa com eles…
R – Sim, me interessa muito essa história, porque no bar, a gente vai para se divertir, mas é um trabalho doloroso. A pessoa passa o dia inteiro atrás de um balcão e só vai em casa para dormir, é tipo uma prisão (risos), só que em vez dele dormir na prisão, dorme em casa. Então, a gente vê pessoas assim e nem sempre o cara consegue faturar aquilo que ele precisa, trabalhando para caramba. O boteco é um local que pouca gente para para pensar que se trabalha muito. É sempre legal conversar com essas pessoas, escutar histórias…
P/1 – Tem alguma história que você lembre que ouviu dessas pessoas e te chamou atenção, ou um personagem que você achou muito emblemático?
R – Não… Agora, pensando assim, a galera sempre… Quem tem boteco, parece que é uma coisa de dom. A história é sempre basicamente a mesma: o cara pegou o boteco, está até hoje há 30, 40 anos e vê a vida passar ali atrás do balcão. Não estou lembrado de nenhuma história agora, se eu lembrar… Mas é basicamente isso, uma pessoa passa a vida lá dentro. É um lugar interessante de se aprofundar.
P/1 – A vida atrás do balcão.
R – A vida atrás do balcão.
P/1 – Você já pensou ______ [01:43:19]?
R – Já, já até escrevi um texto no meu Instagram sobre isso. Eu já sonhei em ter bar, mas hoje sei que eu não sou capaz vendo… Não tenho esse dom.
P/1 – Trabalho…
R – É, trabalhar atrás do balcão. Direto eu vejo dono de boteco com problema de varize, pé inchado, porque ele fica o dia inteiro em pé, né? É normal esse tipo de problema, então, eu prefiro relatar o que vejo do que ter um boteco. Apesar de que, quem sabe uma mercearia um dia? Mas a gente chega lá.
P/1 – Você olha também para as bebidas que são servidas nesses bares?
R – Não, a bebida não é uma coisa que me atrai tanto ver. Eu gosto de ver, gosto da parte imagética. Um bom boteco, tem que ter uma parede cheia de cachaça e bebidas baratas, acho importante, acho bonito você estar num balcão bebendo e vendo aquele fundo lotado de prateleiras com cachaça, acho que aquilo torna o lugar mais bonito, mas uma coisa que não me apego é à bebida para escrever sobre, nunca foi a minha.
P/1 – Você olha para a decoração dos bares também?
R – Ah, acho importante, tenho olhado mais para saber se ele tem uma estufa, se ele tem uma televisão desligada ou não tem televisão. A televisão, para mim, tem sido um grande mal dos botecos, porque ela está tirando a harmonia entre as pessoas. Se a pessoa vai sozinha, ao invés dela contemplar aquele momento, pensar na vida, ler um jornal, ela fica olhando para aquela televisão sem som, passando o jornal, aquilo te puxa e não está te informando nada, porque está sem som. Ou está passando um jogo do campeonato alemão, um VT do jogo de sábado passando na quarta, então, acho que não acrescenta, acho que tem esse excesso de informação midiática e o boteco talvez seja o único lugar que a gente possa se livrar disso. É uma coisa que tem me incomodado dentro da decoração, mas é isso estufa, balcão, balcão bonito, azulejo, azulejo antigos, trazem toda uma harmonia para o botequim.
P/1 – Dizem que o bar carioca tem uma cara, né? Você acha?
R – Tem, tem, que essa cara de bar antigo, porque o Rio tem essa coisa… Você entra em botequim de cem anos. Inclusive, amanhã o Bar Luiz vai fechar. Espero que não, espero que eles desistam, porque o Bar Luiz tem 132 anos no Rio de Janeiro. Essa coisa, as pessoas não vão mais, são vários os problemas. Nesse caso do Bar Luiz, a degradação do Centro, mas isso acontece… As pessoas não vão mais aos lugares, eu acho que o boteco é uma expressão brasileira e ninguém é obrigado a ir, ninguém é obrigado a nada, mas eu acho que quem gosta e quer se relacionar com a vida nessa coisa de "reconectar" que a gente tanto fala, tem que ir nesse lugares para eles sobreviverem, continuarem existindo, virem os novos e conviverem eles e os antigos. Então, eu acho que, por exemplo, fechar um lugar desse no Rio de Janeiro - ou se fosse em São Paulo ou Belo Horizonte -, é uma perda imensa para a cidade e é um pedaço da história que você está rasgando.
P/1 – O que que você acha que está vindo no lugar?
R – Nada, as pessoas não saem mais de casa. Você fica assistindo Netflix e pedindo comida no iFood. A gente está indo para um caminho em que as pessoas vão ficar conversando pelo Whatsapp e não vai mais ter conexão. Acho que a gente está indo para um caminho que é esse, a boemia está morrendo, que era um espaço de ideias, intelectualidade, formadores de opinião… Acho que estamos indo para um lado em que simplesmente não terá mais. Espero estar errado.
P/1 – Isso que você falou de ter um ar crítico?
R – É.
P/1 – Tem alguma história que te marque e você lembre agora, por qualquer motivo que seja? Personagens que você falou que achou… Você falou, "eu fico pensando quem são essas pessoas que estão aqui", né?
R – É.
P/1 – Você fica observando esse cara que senta sozinho? Esse cara que está sempre lá e você não sabe o porquê…
R – É, tem todo tipo de gente, tem o cara que gosta de beber sozinho, tem o cara que é solitário e vai para conversar, tem quem gosta mesmo de estar ali porque gosta do ambiente, então, acho que tem de tudo, é meio que um encontro para curar a alma, sabe? Como diz o Felipe, que tem o bar Madrid lá no Rio, "o bar é o CTI das almas". Então, é isso, um CTI. Você vai lá para se curar de alguma coisa.
P/1 – E você tem medo de avião?
R – Pânico, pavor.
P/1 – Você passa mal?
R – Passo. Acho que vai cair. Não, eu tenho certeza, já me despeço das pessoas, falo, valeu".
P/1 – Como é que começou esse medo?
R – Eu lembro que eu não tinha medo. Uma vez voltando da casa do meu tio em Brasília, em 1998, com outros dois tios… Acho que foi Brasília x São Paulo, que a gente ia para São Paulo. Não lembro se foi São Paulo ou BH. O avião caiu num vácuo assim, sabe quando ele faz "shhhhhh"? Até aconteceu isso comigo agora, indo para São Paulo x Goiânia. Eu tenho pavor, não sei se vi muito filme na infância daquele avião caindo. Acho que aquilo tudo deve ser uma maneira péssima de morrer, né? Aquele alarme tocando e a parada descendo. É medo de morrer mesmo daquele jeito.
P/1 – E isso te impede de viajar atualmente?
R – Ah, eu evito, mas quanto tenho que ir… Eu sinto que estou indo para um lado do trabalho, em que vou precisar viajar cada vez mais, então, preciso nem que seja fazer uma terapia. Não, o medo de avião… Você cria na sua cabeça, coisas inimagináveis. Um dia eu estava indo para São Paulo e o comandante entrou correndo, atrasado. Eu falei, "esse cara bebeu ontem", já pus na minha cabeça, "ele está de ressaca, acordou atrasado…". E aí, ele já entrou no avião com o pé esquerdo, falei "puta, vai cair". Já mandei mensagem para a Débora, "o avião vai cair, o cara entrou com o pé esquerdo, atrasado, bêbado, de ressaca, isso não vai dar certo". É, é pavor, é pânico, você vai criando na sua cabeça coisas que não existem, é foda.
P/1 – Mesmo assim você vai para a Colômbia daqui a pouco?
R – É, mas já estou, "olha, gente…"
P/1 – Quando você vai?
R – Domingo, depois de amanhã
P/1 – Vai ficar quanto tempo lá?
R – Doze dias.
P/1 – Para visitar os bares...
R – É, a gente está indo, mas a Débora é companheira para caramba, gosta dessas coisas de museu e a gente vai, mas sempre vai nos bares e tal. E vamos onde o povo de lá vai, então, eu fiz uma pesquisa bem minuciosa. Foi uma pesquisa difícil, porque não é igual por exemplo, Buenos Aires, que é uma cidade massa, mas que é muito mais conhecida pelos brasileiros. Se você joga no Google "Buenos Aires", vai aparecer muito mais coisa do que se jogar Medellín, mas eu acho que vai ter muita coisa legal para comer.
P/1 – Vocês vão para que cidade?
R – Bogotá, Medellín, Cartagena e San Andrés. San Andrés foi ela que quis, que tem praia. Eu não sou muito chegado, mas vamos lá.
P/1 – E o que te chamou atenção que você tenha visto?
R – A riqueza da gastronomia, que a gente mal conhece aqui. Tem a gastronomía de Bogotá, de Medellín que está no Andes, muita sopa, muita batata, frango, porco. Lá em Cartagena, que é no Caribe, já é peixe, influência africana, muito foda, sabe? E os mercados, que poucas pessoas vão aos mercados. Cartagena pelo que eu vi, tem aquela parte do glamourzinho que fica dentro da muralha, e fora, ninguém vai. Tem um mercado lá que se chamava "Mercado Bazurto" que é trash, é meio que lama. Só que diz que são os produtos mais frescos que você pode achar e os chefs fodões vão lá comprar. Tem uma senhora lá, a dona Cecília que deixa as panelas toda a mostra. Eu estou doido para ir lá. Anthony Bourdain foi lá, que é a minha maior referência, então eu estou… Quero essas coisas fora do circuito, que as pessoas não querem ou não têm interesse de ver. As pessoas viajam e só querem ver o que querem que seja mostrado. Eu quero ver o que eles não querem mostrar entre aspas, porque as pessoas não querem ver.
P/1 – Agora, uma pergunta. Quando você dorme, sonha muito?
R – Eu sonho, mas não lembro dos sonhos. Até quando eu estava fazendo terapia, minha terapeuta pediu para eu anotar meus sonhos, então, eu acordava e tinha que anotar. Era uma terapia em cima de sonho e tal, sei lá, mas… Sonho.
P/1 – Tem sonhado muito ultimamente?
R – Normal, nada fora.
P/1 – Você consegue anotar algo ou não?
R – Anotar?
P/1 – É.
R – Quando eu fazia essa terapia, sim. Hoje, não, aí, você acaba esquecendo, né? Eu sonho muito com a época do colégio, não sei porquê, sempre dentro do colégio. Não sempre, mas talvez seja um sonho recorrente, algo ficou.
P/1 – Específico?
R – Não, dentro do colégio, não importa onde, sabe? Às vezes eu sonho com escola. Não sei como que é o sonho, mas o colégio está ali.
P/1 – Você descreveu bem o colégio.
R – É.
P/1 – E o que que você projeta hoje para o futuro, agora… O que você está pensando?
R – Expandir cada vez mais o Baixa Gastronomia, porque eu já estou na rádio, a gente vai começar um podcast. Quero voltar a fazer vídeo e viajar, vencer esse medo de avião para conhecer o máximo que eu puder de gastronomia pelo mundo. É isso: escrever e continuar inserido nisso cada vez mais, mantendo meu jeito de trabalhar, que é sempre pagando minhas contas. Acho bacana falar isso, que é o que me dá isenção.
P/1 – Na rádio você fala sobre esse trabalho?
R – Oi?
P/1 – É esse o programa na rádio?
R – É, eu falo… A gente fala sobre boteco, bares, gastronomia em geral, mais com esse enfoque.
P/1 – Que rádio é e em que canal?
R – É a rádio 98. Eu estou lá de quarta a sábado. Quarta eu entro no Central 98, que é o jornalístico, de dez horas ao meio dia. Eu entro por volta de onze e vinte, sempre com um tema. Na quinta, eu entro no Ricardo Amado, que é um programa… Porque a rádio é baseada em informação, esporte, futebol - que dá muito ibope -, e humor, tem muito humorista lá. Esse é um programa de humor e eu levo umas pautas mais leves. Sexta, entro no Grafite, falando o que vou apresentar no sábado, no programa "Boteco 98" que a gente levou a rádio, onde levamos pessoas da gastronomia para bater papo. É um programa muito enriquecedor do qual a gente tem quase feito um arquivo da cidade, batendo papo e conversando a respeito muito de Belo Horizonte.
P/1 – Tem alguma pergunta que eu não fiz e você queria que eu fizesse?
R – Não, acho que, foi excelente.
P/1 – Gostou de contar sua história?
R – Gostei. Mandei bem? O que você achou?
P/1 – Achei ótimo, mas você gostou?
R – Gostei, eu gosto. Gosto de histórias.
P/1 – (Risos). É isso, então.
R – Valeu.
P/1 – Valeu.
R – Obrigado.
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