Minha mãe nasceu em 1936 no Brasil durante uma viagem de meus avós espanhóis, e em plena Guerra Civil tiveram que retornar por causa da família lá.
Com minha mãe bebê e sabendo o que iriam encontrar, minha avó levou junto, no navio, um baú cheio de latas de leite com o qual garantiria a alimentação do bebê em meio ao racionamento.
Meu tio, Ramón Lluch Bellvis, foi treinado como aviador na URSS e integrou as tropas republicanas contra Franco. Pego num acidente, foi preso e condenado à morte aos 20 anos de idade. Mais tarde, não sei bem como, essa condenação passou à prisão perpétua com trabalhos forçados, literalmente levando pedras para a construção del Valle de los Caídos. Mais de 25 mil prisioneiros políticos trabalharam na escavação de uma montanha de granito para a construção daquele monumento de mau gosto.
Após alguns anos em tentativas de libertá-lo, sua família vendeu terras para arrecadar dinheiro e, de forma um tanto quanto obscura, conseguiu que meu tio saísse da prisão, e a partir daí ele levou o resto da vida, de certa forma, na clandestinidade. Seu documento de identidade foi confiscado, e passou a ostentar um carimbo de inimigo de estado.
Minha tia, Maria de Lourdes (Maruja), que o namorava desde antes da prisão, o aguardou pelos quase dez anos em que esteve preso. Lá pelos 30 anos de idade os dois, finalmente, foram viver juntos e tiveram dois filhos. E sim, foram muito felizes. Só que os anos de prisão deixaram a saúde de meu tio debilitada e ele acabou morrendo cedo, aos 54 anos.
Para manter a família, tio Ramón montou um negócio comercial com um amigo e sócio, mas não podia ter nada em seu nome. Cada vez que Franco ia a Valência, meu tio tinha que se esconder até que o "generalíssimo" e sua tropa se retirassem.
Infelizmente meu tio morreu antes de Franco que, como dizia minha avó na época, “no es imortal, pero es imorrible”. Porém, tudo o que passou não tirou sua característica mais...
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Minha mãe nasceu em 1936 no Brasil durante uma viagem de meus avós espanhóis, e em plena Guerra Civil tiveram que retornar por causa da família lá.
Com minha mãe bebê e sabendo o que iriam encontrar, minha avó levou junto, no navio, um baú cheio de latas de leite com o qual garantiria a alimentação do bebê em meio ao racionamento.
Meu tio, Ramón Lluch Bellvis, foi treinado como aviador na URSS e integrou as tropas republicanas contra Franco. Pego num acidente, foi preso e condenado à morte aos 20 anos de idade. Mais tarde, não sei bem como, essa condenação passou à prisão perpétua com trabalhos forçados, literalmente levando pedras para a construção del Valle de los Caídos. Mais de 25 mil prisioneiros políticos trabalharam na escavação de uma montanha de granito para a construção daquele monumento de mau gosto.
Após alguns anos em tentativas de libertá-lo, sua família vendeu terras para arrecadar dinheiro e, de forma um tanto quanto obscura, conseguiu que meu tio saísse da prisão, e a partir daí ele levou o resto da vida, de certa forma, na clandestinidade. Seu documento de identidade foi confiscado, e passou a ostentar um carimbo de inimigo de estado.
Minha tia, Maria de Lourdes (Maruja), que o namorava desde antes da prisão, o aguardou pelos quase dez anos em que esteve preso. Lá pelos 30 anos de idade os dois, finalmente, foram viver juntos e tiveram dois filhos. E sim, foram muito felizes. Só que os anos de prisão deixaram a saúde de meu tio debilitada e ele acabou morrendo cedo, aos 54 anos.
Para manter a família, tio Ramón montou um negócio comercial com um amigo e sócio, mas não podia ter nada em seu nome. Cada vez que Franco ia a Valência, meu tio tinha que se esconder até que o "generalíssimo" e sua tropa se retirassem.
Infelizmente meu tio morreu antes de Franco que, como dizia minha avó na época, “no es imortal, pero es imorrible”. Porém, tudo o que passou não tirou sua característica mais marcante, que era o ótimo humor e uma piada sempre na ponta da língua.
Enfim, eu ainda menina ia sempre a Valência visitar minha família, e ouvia (ainda ouço) muitas histórias del generalissimo e da Guerra Civil Espanhola, uma guerra "entre irmãos", como lembrou Ken Loach no filme "Terra e Liberdade".
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