Mostra SESC Museu da Pessoa
Depoimento de Fernanda Aparecida de Jesus
Entrevistado por Jean Carvalho Balanco e Claudio Eduardo Rodrigues
São Paulo, 21/03/2017
Realização Museu da Pessoa
MSMP_HV11_Fernanda Aparecida de Jesus
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Qual o seu nome, onde você nasceu e sua data de nascimento?
R – Meu nome é Fernanda Aparecida de Jesus, eu nasci aqui em São Paulo, eu esqueci a outra pergunta.
P/1 – Qual sua data de nascimento.
R – Ah, 26 de novembro de 1997.
P/1 – Assim, olhando lá para trás, você consegue pensar assim, qual que é a primeira lembrança que você tem na sua vida, assim, quando você volta na memória, bem lá atrás, até onde você consegue alcançar?
R – Eu queria falar de eu engatinhando, mas as lembranças que eu tenho são das imagens que eu tenho, as fotografias. Então, eu não sei se é ao certo uma lembrança. São várias fotografias que eu construo a minha memória. Mas lembrança, lembrança… ah, eu correndo na rua descalça, caindo, ralando o joelho na rua, correndo atrás do carro da maçã do amor (risos).
P/1 – Isso lá no seu bairro?
R – Sim. No Capão.
P/1 – Hoje você mora sozinha ou você mora com a sua família?
R – Não, eu moro com o meu pai e minha mãe. Meu pai, minha mãe, e minha irmã. E minha prima. de vez em quando, quando ela vem… vai pra minha casa, né, bem doido (risos). Só que a gente mora em cima de um sala de festa. Aí, é meio que morar com todo mundo, porque sempre tem festa ali, o salão de festa é nosso, a gente aluga, aí sempre tem movimentação, aí a gente faz muita amizade e sempre… sabe, eu não acho exatamente que quatro pessoas morem numa casa, é todo mundo e uma casa.
P/1 – Entendi. Você conheceu seus avós? Você pode falar um pouco sobre eles?
R – Sim, minha avó por parte de mãe ainda tá viva, ela mora lá em Pernambuco, agente frequentemente visita ela, tá bem velhinha, gordinha e esquecida. Daquele jeito, maravilhosa. A gente vê ela. E tem… eu tenho um vô por parte de pai só que ele é x na nossa vida e minha vó morreu faz quatro anos, por parte de pai.
P/1 – E o seu avô por parte de mãe?
R – Eu conheci ele quando eu era pequenininha, que eu lembro que a gente saía correndo pra pedir dinheiro (risos). São dez filhos, minha mãe tem nove irmãos e irmãs, e nossa, de neto, tem uns 30. Aí, junta aquele domingo lá no Pernambuco e vai todo mundo. Era assim quando o meu vô era vivo, só que foi mudando. Aí, eu tô nervosa (risos)…
P/1 – Tudo bem. Minha família é grande também, por parte de pai, meus avós paternos tiveram seis e os meus avós maternos, sete. Então, são… na Bahia, tenho 14 primos.
R – Às vezes, aparece primo que nem você conhece: “Fernanda, esse aqui e seu primo” “Ah é?”, tá passando na rua, assim. No nordeste, é muito comum, isso, né?
P/1 – Sua família, então, as origens dela são de Pernambuco? Tanto de pai quanto de mãe? Como é que é, você conhece assim?
R – Minha mãe é de Pernambuco e o meu pai é da Bahia, Feira de Santo Antão. Minha mãe é de Pombos, perto de Vitoria de Santo Antão (risos).
P/1 – Seus pais se conheceram lá ou aqui?
R – Eles se conheceram aqui, no ônibus (risos).
P/1 –Como é que é essa história?
R – Minha mãe não gosta de me contar. Eu acho que ela tem medo de eu conhecer alguém no ônibus também, não sei. Eu vivo perguntando para ela, mas ela diz assim, que todo dia ela pegava o mesmo ônibus com o meu pai, as vezes, se ela não via ele no ponto, ela esperava, deixava o ônibus dela passar, pegava o próximo, só pra ir juntinho. Só que como eles se conheceram, mesmo, meu pai pediu pra segurar a bolsa dela, sabe? “Posso segurar a sua bolsa?”, só que ele já tava com um monte de bolsa, meu pai é doido. Aí, minha mãe deu a bolsa e aí, os dois conversaram o tempo todo e foi sempre assim (risos). Maior loucura, né?
PAUSA
P/1 – Então, seus pais vieram pra cá bebês, eles nasceram aqui? Você sabe dizer, assim?
R – Não, eles vieram junto com a manada que veio do nordeste em busca de emprego, e eram jovens. Os dois quase com a mesma idade, que eles me contaram, 19, 20 anos. Em busca de vida melhor, né?
P/1 – Igual a mim. Como você descreveria, assim, seu pai e sua mãe? Você falou que o seu pai é muito doido.
R – Aí, acho que o meu pai é… primeiro meu pai. Ele é… sabe a figura de São Paulo? Figura que fala com todo mundo, tá sempre feliz, sempre positivo, eu acho que eu puxei esse lado dele, tô sempre feliz, sempre positiva. Ele não tá nem aí pra nada (risos), o pessoal… como e que se fala? Ele não é muito conectado com a maldade da vida, eu acho que ele não vê isso, ele gosta de tudo bom, pra ele, tá tudo bom, tudo bem, tudo zen. Agora a minha mãe é muito contraponto, para a minha mãe, tá tudo mal, tudo ruim, tudo não zen. Minha mãe é muito negativa, ela é muito… ela é extremamente religiosa. Meu pai não, meu pai é ateu e minha mãe é católica. Eu não sei como os dois se conheceram (risos). Essa parte eu não sei como eles se relacionaram, mas aí, às vezes, eles têm umas discussões muito… que não faz sentido, que eu acho que isso forma eu e minha irmã. Duas outras figuras de São Paulo (risos).
P/1 – Você acha que você se parece com a sua mãe em algum aspecto?
R – Sim. Sim. Eu gosto de ajudar as pessoas.
P/1 – Sua irmã tem quantos anos?
R – Minha irmã tem dez anos. Dez anos, ela é tipo… eu sou preta do cabelo cacheado, dos olhos escuros. Minha irmã é loira, do cabelo cacheado dos olhos bem clarinhos, um verde bem… (risos) e o meu pai e minha mãe são negros também.
P/1 – E sua irmã é sua única irmã, né, você falou?
R – Sim.
P/1 – Me diz uma coisa assim, você tem… uma pergunta um pouco diferente. Você tem alguma pessoa na sua família que era uma boa contadora de histórias ou um bom contador de historias?
R – A vó, né, sempre é. Não é… eu acho que não é contador de histórias, é contador de experiências, ela meio que inclui algumas coisinhas que eu acho que não é de verdade, só pra complementar mais, mas fica bonito, fica gostoso, você acredita, você fala: ‘É verdade”. Minha vó falava que as nuvens eram algodão doce, que foi feito por Deus, sabe, quando chovia, era Deus chorando para derreter o algodão doce. Eu ainda acredito nisso (risos), apesar de não ser religiosa.
P/1 – Você sempre morou onde você nora hoje ou você já se mudou alguma vez de casa?
R – Eu sempre morei no Capão, eu já morei no extremo do Capão, que é na periferia mesmo, você tem que passar nuns becos, nuns lugar bem louco só pra chegar no ponto. Agora, eu moro ainda no Capão, só que mais na estrada, na avenida, mesmo, onde tem… o centrinho do Capão. é bem diferente o modo de vida… por mais… é Capão os dois, mas por mais que… olha, não consigo nem falar, mas é porque um é muito gueto e um é muito disfarce do gueto.
P/2 – Qual é a sua relação com o seu pai? Como que você lida com ele no dia a dia, assim?
R – No dia a dia? Ah, dando bom dia para todo mundo, seja o maconheiro da esquina, seja a velhinha patricinha, lá. Falo com todo mundo.
P/2 – Eles respondem?
R – Respondem. O maconheiro responde, pra você ver, não julgue. A comunicação é boa. Eu acho que eu lido melhor com o pessoal da rua, mesmo, do que gente fechada, boyzinho.
P/3 – Explica melhor essa diferença entre o gueto e o centrinho, o gueto maquiado, explica pra gente o quê que é.
R – O Nutella e a raiz (risos). A raiz é a favela, é a periferia. A Nutella é o centrinho dos boyzinhos. É sem frescura, é pé descalço, é mexeu com um, mexeu com todos e não vem tirar, não, senão o pessoal vai… não vem mexer com um, não, senão você tá fodido. Agora centrinho… eu tô convivendo… eu estudo aqui, na Brigadeiro e eu convivo muito com o centrinho, as vezes, eu me vejo tentando disfarçar minha raiz só para tentar me enquadrar nesse povão. Aí, mas é tão enjoativo, aí… gente, joga mais pergunta que aí, eu vou conseguindo falar.
P/2 – O Jean perguntou se você tem algo de próximo com a sua mãe, aqui, me pareceu que você tem uma proximidade grande com o seu pai…
R – Muito grande…
P/2 – Então, deixa eu perguntar o contrário disso. No quê que você difere do seu pai?
R – Ah eu não sei se isso é importante, mas ele é extremamente limpo, limpo e organizado. Ele tem TOC, tudo certinho. Eu sou bagunçada… pé no chão, coisa jogada, pra mim é sem frescura (risos). Sei lá, por mais que ele goste de ficar zarpando por aí, ele quer zarpando tudo certinho, ter o roteiro do que ele quer fazer, igual a minha mãe também, acho que foi nisso que eles se conectaram: “Pronto, encontrei, fechou”, TOC.
P/2 – E a sua irmã tem quanto tempo de diferença de você?
R – Nove anos.
P/2 – Então não chega a ser o mesmo olhar, né? São tempos diferentes de vida.
R – São tempos diferentes.
P/2 – Vocês se dão bem, vocês brigam, brigavam?
R – A gente se dá muito bem, eu gosto muito da minha irmã, eu gosto muito de levar referências do que eu vivo para ela. Eu sempre levo ela para o SESC, sempre, sempre, sempre por causa da programação cultural, eu levo ela sempre pra museu, cinema. Eu gosto muito de sair com ela já para ela crescer com isso, sabe? Eu não tive muito convívio com programação cultural ou referências do centro. não, era sempre o Capão, o gueto mesmo, gueto e a bagunça dali. Aí pra minha irmã, não, eu já queria levar ela mais para fora, para a mente dela abrir mais, sabe? E ele ter um conhecimento maior e quem sabe, né, a bicha não vira outra coisa.
P/2 – Você se preocupa com esse papel de referencial, você sabe que você é um referencial dela?
R – Eu sei (risos). Na verdade, eu gosto de… eu vou falar, eu gosto de ser um exemplo pra ela, assim como o meu pai e minha mãe são exemplos pra mim. Eles pagam a minha faculdade e assim, eu quero pagar a faculdade da minha irmã, eu quero ser meio que uma mãezona dela, eu gosto. Eu não sou tão mais velha do que ela, mas nossa, bicho… eu gosto muito dela, por isso que eu… (risos)
P/1 – Você gosta de ajudar as pessoas como você diz, né?
R – Gosto.
P/1 – É o que você faz com a sua irmã, né?
R – É o que eu faço com a minha irmã e com quem tá por perto, né?
P/3 – Fernanda, o SESC é uma referência Nutella?
R – Não. Pelo menos o SESC Campo Limpo não é, não. Porque é ali na periferia, Campo Limpo, pessoal que frequenta, a maioria é tudo da Vila das Beleza, Campo Limpo, mesmo, Capão, então é um pessoal todo parceiro, parça. Você vai conversar, o papo é sempre o mesmo. É um assunto bom, é muito legal. É os moleque chegando sempre de skate, pessoal chegando de chinelo e regata, como se você tivesse em casa, mesmo. Chegando bem tranquilão, nem leve, mas na maior amizade.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho pro passado, assim, você lembra de algum sabor da sua infância, assim?
R – Sabor…
P/1 – Alguma coisa de paladar, mesmo, alguma coisa que você comia, que você tem na sua memória?
R – Só tem a maçã do amor (risos). Era muito típico isso, estava passando um carro anunciando, né, que você pode trocar uma panela velha por maçã do amor, aí você: “Mãe…”, aí você pega lá e sai correndo…
P/1 – Conta melhor essa história da maçã do amor.
R – Eu acho que eu lembro mais do cheirinho. Aí, gente, como que é? ‘Tá passando o carro da maçã do amor”, aí o cara fala que você pode trocar por Telesena, ferro, material velho, aí você troca por maçã do amor, ainda, um negocinho doce, gostoso (risos). Teve uma vez que eu fiquei tão empolgada, tão empolgada que tava passando, só que já tava indo embora e eu fiz um negócio na mão que eu cai, mas eu cai muito feio da escada, era uma escada muito grande e eu cortei isso daqui, ó, tem uma marca até hoje de um… tatuou, né? Tatuou o dodói. Mas é o cheiro do dodói e o gosto da maçã. É muito bom.
P/1 – Do quê que você gostava de brincar quando você era criança? E onde você brincava?
R – Onde eu brincava? Nossa, eu gostava muito de brincar de Barbie, só que eu dava Barbie de balde, balde ou caixa d’água (risos)
P/1 – Como assim?
R – Caixa d’água é muito bom. Meu pai liberava lá a caixa d’água, a gente entrava, eu e a minha amiga, chamava todo mundo: “Vamos entrar”, e a gente pegava as Barbies e fingia que tava na praia, era uma delicia. Pra mim, era realmente a praia, sabe? Eu acho que eu criei uma imaginação para ser a praia aquilo e eu não consigo lembrar da caixa d’água, mas sim, a Barbie na praia (risos), muito bom.
P/3 – Usava o tanque?
R – Tanque. Tanque era muito bom, você fingia que era escadinha as partes do tanque, pegava o pregador e ficava pulando assim, descendo, até mergulhar. Mas eu acho que isso é comum de todo mundo, não é não?
P/1 – E você brincava com quem? Quem eram suas parceiras, seus parceiros de brincadeira nessa época?
R – Minha parceira é minha melhor amiga até hoje, né? Carina. Eu conheço ela desde que ela tava na barriga da mãe dela. Ela era minha vizinha de quintal, nossa casa era assim, grudada e era um quintal só para nós duas.
P/1 – Carina?
R – Carina.
P/1 – E você ainda tem contato com ela?
R – Tenho. A gente sai sempre, fofoca sempre, amiga, sabe? Um pouco mais afastada, porque eu me mudei, ela começou a namorar e muda tudo, né? Foca mais para o namorado e… mas… já passou tanta gente na minha vida, tantos amigos, só que ela continua, sabe? Por mais que eu tenha mudado, por mais que ela tenha começado a namorar, ela continua sendo a minha melhor amiga e… não sei, a presença dela sempre é muito boa, é muito intima.
P/1 – Tem coisas que só anos de experiência pode dar, né?
R – Sim.
P/1 – Quando eu vim para São Paulo, eu pensava: nossa, eu não quero ter nenhum amigo novo, eu quero aqueles amigos meus de lá, que tem dez anos de amizade.
R – Nossa, e quando você chega, maior amizade nova, né, maior galerinha nova, não é verdade?
P/2 – Como é que foi a sua chegada, então? Reconhecimento de outro espaço… você se mudou da onde para onde?
R – Eu mudei, tipo, umas três ruas para cima. Mas mesmo assim, mudou muito o meu estilo de vida, sei lá. Levou tempo pra eu conhecer… é que é um pessoal muito fechado, sabe? não tem aquele relacionamento… eu não sei direito quem são os meus vizinhos, eu tô começando a conhecer agora, que eu tô montando o projeto de Slackline lá na pracinha, aí eu converso com eles, aí juntam as criancinhas, os filhinhos de cada um deles lá, levo todo mundo para a pracinha que é de frente, aí assim, tem a interação de vizinhos. Mas lá, não, lá era todo mundo na rua, mesmo, todo mundo se conhecia, a gente ia pedir açúcar para o vizinho, assim. E o vizinho, sabe, dava sem fazer cara feia. Aqui não, você toca a campainha, ele já fala: “E aí? Vai ficar atrapalhando?” “Eu só quero um copo de açúcar”.
P/1 – Então, o centrinho do Capão é a São Paulo que todo mundo conhece já, né?
R – É. Tá virando. Tá muito…
P/1 – Como é que é esse projeto de Slackline que você tá fazendo?
R – Eu pratico Slackline no SESC sempre, sempre. Pratico sempre nas férias e aí, eu gosto tanto que eu comprei um pra mim, só que aí, eu não tava usando, porque eu usava o do SESC. E aí, pra não deixar o meu parado, jogado, que eu não gosto de coisa nova parada, eu fui investir. Aí, eu montei só para minha irmã andar na pracinha, e foi chegando uma galerinha, só que aí, eu não sabia se eles podiam, né? Aí, fui conversar com a vizinhança pra ver se dava pra montar um projetinho e até que a igreja batista que é perto da minha casa conseguiu um patrocínio do governo com sete mil que agora a gente vai montar um projeto Galpão, que vai ter aula de música, dança, teatro que é comigo e o Slackline. Tudo isso num projeto que saiu do nada, sem intenção nenhuma.
P/1 – Você que teve essa ideia toda?
R – Não, eu tive a ideia do Slackline, que formou pra outra que vai formando, que depois vai crescendo e vai ficando uma coisa que você fala assim: “Ué, uau, que surreal isso”.
P/1 – E além da paroquia, quem mais tá envolvido nesse projeto? Pessoas que você conhecia já ou foi conhecendo?
R – Não, tinha uma menina que eu conhecia que eu já tinha estudado com ela, só. Pessoal é todo mundo da paroquia, eu que vou me integrar a eles.
P/1 – Nossa, muito legal.
R – Quero ver, a gente tá começando a montar. Curioso. Dá medo.
P/2 – Por que Slackline? Qual foi essa aproximação? Nessa atividade, o quê que você sente?
R – Primeiro porque eu não me dou bem com bola, já tentei jogar todas: futebol, basquete… por mais que todo mundo na rua goste, o pessoal fala assim: “O que vamos jogar?” “Vamos jogar futebol” ‘Que futebol, o quê?”, eu nunca consegui, não. Aí, eu gosto muito de praia e quando eu ia na praia, sempre tinha uns carinhas assim, tentando se equilibrar e eu ficava curiosa, olhando aquilo, né, e ficava olhando a concentração deles, o momento, a presença que eles tinham naquilo, sabe? Tava acontecendo a maior movimentação fora e eles focados ali. E é a mesma coisa que eu sinto quando eu vou praticar Slackline, tá todo mundo gritando, correndo, mas quando eu subo no Slack e eu encontro o meu ponto fixo ali, é eu e eu, eu e a corda. É um equilíbrio só meu, sabe, é a minha conexão com…
P/1 – Nossa, que legal. Eu nunca tinha visto o Slackline sob essa ótica, assim.
R – O pessoal olha assim e fala assim: “Esse negócio é muito fácil, para, aí que coisa besta, aí…”, então vai tentar, vai (risos). pessoal julga demais e tenta de menos.
P/1 – Você tem uma galera que faz Slackline contigo?
R – Tem grupos, o pessoal até viaja, eu não viajo porque eu não tenho grana. Eles praticam na pracinha que fica no Campo Limpo, aí junta uma galerinha que tem o Slackline, a gente monta lá e fica à noite toda, bebendo, fumando e andando na corda.
P/2 – Fica mais difícil depois de beber e fumar, não?
R – Quando você tem prática, não, parece que… você foca mais. É muito bom, é outra brisa, nossa!
P/1 – Parece que você tira o peso das preocupações, né?
R – Você nem lembra… você sente a sua respiração, olha isso não é comum, você respira no automático, você sente o seu toque da perna no chão, sabe? A sua vibração do corpo, mesmo fora da corda, quando você sai da corda, ali, por isso que eu gosto desse bagulho, desse Slackline, porque ele dá uma presença real na vida… na vida de hoje, é maior desconexão, tanto é que quando a gente sai pra andar, a gente proíbe: sem celular, no way, sai daqui.
P/1 – Você falou que conheceu na praia, que você gosta de praia?
R – Nossa, nossa! Meu foco é morar na praia. Eu gosto muito de água, muito, mesmo, acho que era por causa das caixa d’água, passei minha vida toda em banheira, caixa d’água, mangueira, nossa, dando banho na Barbie. Aí, agora o meu foco é realmente a praia, o lugar.
P/1 – Qual praia você gosta mais de ir aqui em São Paulo?
R – Ubatuba, porque tem várias… foi a primeira praia que eu conheci, eu acho que como foi a que eu tive o primeiro contato, foi a que eu mais… falei assim: “Essa que eu gosto”, e levei pra vida. E é bem isoladinho, não tem muita gente, eu não gosto de muita movimentação, é bem paradinho, bem calmo. Tem muito movimentação quando é temporada, mas aí quando é… como que se fala? Quando não é temporada, aí, é tranquilidade, eu gosto disso. São Paulo é um porre, é muita correria, não dorme, eu não durmo. Nossa! No ano passado, eu saía de casa cinco e meia da manhã pra chegar meia-noite e meia, todo dia de segunda à sexta e era um dia muito corrido. Eu ia pra faculdade, estudava a manhã toda, aí de tarde, a gente fazia todos os trabalho que a gente tinha que fazer, planejava TCC, tal e às cinco da tarde, eu ia trabalhar até às dez da noite. Eu trabalhava em uma biblioteca, na biblioteca da faculdade. Era um corre muito ruim, eu não tinha tempo pra mim. E eu mês sentia muito agoniada, eu chegava em casa e eu começava a chorar de tanto estresse que eu passava. Olha, no dia, eu sorria o tempo todo, eu mostrava sempre positividade, mas quando chegava de noite, eu descarregava o peso, começava a chorar, falava pra minha mãe que não tava aguentando mais, até então que parei. Agora, eu faço os meus bicos. Olha, eu sou de vendedora de latinha, eu junto muita latinha, que eu moro de frente para um ferro velho, para modelo, quando aparece coisa de agência chamando, eu tô indo também, o que aparecer, eu tô fazendo, porque é isso, né? A vida…
P/1 – Quando você começou a trabalhar?
R – Trabalhar registrado com 17 anos. Trabalhava em uma empresa de telemarketing, eu não trabalhava num callcenter, eu não ia aguentar trabalhando num callcenter, eu já não gosto de falar no telefone, imagina falar no telefone com gente chata, ninguém merece. Nossa, eu trabalhava na supervisão do pessoal que era callcenter, então, se eles fizessem alguma coisa errada, eu tinha que falar… mas eu não falava nada, eu deixava passar porque aí, os bichos estão trabalhando lá o dia inteiro… como é que é?
P/1 – Eu perguntei quando você começou a trabalhar, você falou que começou a trabalhar aos 17 com… registrada, né?
R – Registrada.
P/1 – Antes disso, você já fazia algum tipo de trabalho sem registro?
R – Eu desfilava para 1DASUL, que é a marca do Capão, já desfilei para o FUNDÃO também. Eu participava de uns eventos para ganhar dinheiro.
P/1 – FUNDÃO para a Vila Fundão?
R – Vila Fundão, é marca de roupa, é bem legal.
P/2 – Você veste essa marca?
R – Visto essa marca, tenho boné, tenho a blusa, mas eu gosto… eu uso mais da 1DASUL. A Vila Fundão, eu não frequento muito, não, porque fica mais perto do metrô, então… sei lá, é um outro canto, um outro contato. 1DASUL é mais para perto, o dono da 1DASUL… esqueci, o Ferres, né? Ele estudou com o meu pai no Margarida, meu pai já teve… com o meu pai e com a minha vizinha. Aí, como é todo mundo já junto do gueto…
P/1 – E depois do telemarketing, você trabalhou mais com o quê?
R – Aí, eu fui trabalhar nessa… eu trabalhei um ano no telemarketing, no callcenter, aí eu fui trabalhar um ano na biblioteca, que é uma delicia, nossa senhora, o que eu não lia em um ano, eu lia em uma semana, ali prado, né, a biblioteca que eu trabalhava era biblioteca e computador, mas o pessoal entrava ali e iam em direção ao computador, e os livros, bonitinhos lá jogados. Então, como era bem paradinho, eu aproveitava pra ler, estudar, tudo mais. E depois disso, agora, eu tô fazendo um estágio em escola formal, eu faço acompanhamento de observação com o professor de Artes, no CEU do Capão. É legal, a professora, às vezes, deixa eu criar um planinho de aula e eu oferecer a aula, é bem gostoso, pelo menos, a professora aprende, eu também aprendo.
P/1 – Você tá gostando disso agora?
R – Tô gostando, tanto é que eu tô arrependida de não ter me inscrito no concurso público que teve pra professor.
P/1 – Mas vão ter outros. Sempre tem.
R – Vai ter um em Bertioga, eu vou procurar. Vai ter um em Ubatuba, tá vendo? Eu tô procurando já pela maré, você acha que eu vou ficar por aqui?
P/1 – Nossa, a gente foi conversando aqui, eu me perdi… a gente tá falando de trabalho, né? (risos)
PAUSA
P/1 – Então, vamos dar mais um passo atrás, que tem uma pergunta aqui que eu acho bacana, que o Claudio pensou. Ainda nesse contexto que você falou de… sei lá, do Capãozinho, do Capazão e você fala que quer dar para a sua irmã um contato mais da cultura do centro, quando você sai do seu bairro, do seu bairro, assim, né, quando você sai da região do Campo Lindo e do Capão, pra onde você costuma ir, fora faculdade e trabalho?
R – Frequentemente?
P/1 – Ou para onde você costumava ir?
R – Eu gosto de ir para qualquer lugar que tiver evento bom. Se eu vir que… sei lá, por mais que seja longe, mas seja bom, eu vou. Se for perto, melhor ainda, né? Mas eu costumo ir para o centro, que geralmente é lá o foco, né? Então, é lá mesmo.
P/1 – Um evento assim, uma peça, um show, é isso? Com uma festa?
R – Festa, adoro festa (risos).
P/1 – Achei que você tinha dito que não gostava de muita gente.
R – Tá ai, é o meu contraponto, ou eu gosto de tudo parado ou eu gosto de muito movimentado. Sempre é o extremo: ou eu tenho muito frio, ou eu tenho muito calor, tipo agora, eu não sei se eu tô tremendo de frio ou se eu tô nervosa. Mas geralmente, aí…
P/1 – Entendi. Você quer falar mais um pouco disso?
R – Não.
P/2 – Você lida bem com esses opostos?
R – Quando o mundo colabora comigo, sim, quando o mundo tá nos extremos junto comigo, me acompanhando, aí sim. Mas quando tá meio termo, sabe? Tá calmo, mas tem aquela movimentação chata, aí eu não gosto, não.
P/1 – Acho que eu sou um pouco assim, também. Vamos falar da sua época de escola. Não faz muito tempo, né?
R – Faz nada, três anos.
P/1 – Você estudou sempre perto de casa?
R – Eu estudei a minha vida toda em uma escola só, então, quando eu morava na outra casa, eu morava perto da escola, como eu me mudei, aí eu passei a morar longe da escola, mesmo assim, ia a pé, levava 13 minutinhos, mas ia na correria, nossa! A escola… a gente fala assim: “Não vejo a hora de acabar”, e quando acaba, você sente uma falta! É igual faculdade, eu não vejo a hora que acabe. Mas eu tenho certeza que eu vou sentir uma falta danada, nossa! Escola foi uma época… nossa! De tanta mudança, minha vida toda foi uma completa mudança, mas principalmente do terceiro ano do ensino médio para a faculdade, parece que eu me desenvolvi mais, eu cresci. Eu me tornei mulher, sabe? Eu era muito imatura, gostava de xingar, brigar (risos) e depois, eu meio que me acalmei, percebi que é tudo paz, é tudo amor.
P/1 – Na escola, você era da turma do fundão, então? A que causava na escola?
R – Eu era da turma que falava com todo mundo (risos), eu sentava no fundão, mas ao mesmo tempo, eu sentava na frente com os nerds. Ou sentava no cantinho com o isolado, tentava até animar ele, sabe, porque eu não gostava. Eu já fui… quando eu era pequenininha, eu era daquela que não me comunicava com ninguém, eu não gostava de mim. Foi isso, do terceiro ano do ensino médio para a faculdade, eu acho que eu comecei a gostar mais de mim, a me reconhecer, porque durante a escola era difícil, eu tentava me espelhar em outras pessoas, eu olhava assim, nossa! E me colocava em lugar inferior. Agora não, é todo mundo junto, todo mundo bonitão, nossa, é uma beleza.
P/1 – Qual o nome da escola que você estudava?
R – Escola Estadual Doutor Afiz Gebara. Bem louco (risos).
P/1 – Fica onde?
R – Fica no parque Fernanda, meu parque (risos), nossa, cabulava, pulava o portão da quadra pra… pulando da entrada da escola para ir para a quadra, se juntar lá com os moleques, era bom, acho que por isso que hoje eu faço teatro, a professora falou isso pra mim, que geralmente, quem procura o curso… a faculdade de teatro era porque era da turma do… ela foi dar um exemplo, era da turma do fundão, era da turma agitada, faz sentido.
P/1 – Isso, a professora da faculdade que disse isso? E na escola, tem alguma professora ou professor que te marcou?
R – Nossa! Tem bastante, tem uns que eu nem lembro direito, nossa, mas Bento, ele dava aula de Filosofia, Sociologia…
P/1 – História?
R – E História. Isso. Gente, era uma maravilha! O quanto… eu tentava aprender com ele, né, sei lá, eu era meio… eu era muito ignorante.
P/1 – tem alguma aula dele, assim, que te marcou, algum ensinamento, talvez? Que ele te passou? Algum trabalho de escola?
R – Teve uma vez que ele perguntou quem eram os burgueses da época antiga. E aí, fui eu que respondi, eu respondi assim: “É o povo riquinho”, ele falou assim: “Hoje em dia, todo mundo é”, e ele olhou assim, com uma cara. Aí, saudades. Ele, Josiane, nossa, são professores que não tem nem comentário, sabe? Que até o pessoal que não ia, conhecia, pessoal que faltava na escola sabia quem eram os dois, porque eles não tinham uma relação de professor/aluno e sim, uma interação de amizade. Eu não consigo explicar isso.
P/3 – Eles eram moradores da região? Os professores?
R – Não, eu acho que um saía de muito longe para trabalhar lá. Assim como o meu pai, o meu pai trabalha depois de Parelheiros, que eu não sei onde é, eu não sei o nome da região.
P/1 – Depois de parelheiros?
R – Depois de parelheiros, ele sai todo dia e tem aula às sete da manhã pra dar.
P/1 – Seu pai é professor?
R – Professor de Educação Física e agora, ele dá aula de Biologia, também.
P/1 – E sua mãe, faz o quê?
R – Minha mãe, ela cuida do salão de festas. Organiza lá. E às vezes, ela trabalha em casa, em casa de… como se fala? Como…
P/3 – Diarista?
R – Diarista.
P/1 – E me diz uma coisa, quando você tava na escola, o quê que você imaginava que você ia ser quando crescesse? O que você desejava ser quando crescesse? E agora que você cresceu? Tem alguma relação a ver com o que você pensava?
R – Gente! Todo ano, a gente… meu pai me levava pra visitar minha tia Leozina, ela tem, acho que 60 anos e tá fazendo a sexta faculdade dela, ela adora estudar e ela todo ano me perguntava o que eu queria fazer e todo ano, eu falava alguma coisa diferente. Eu comecei pequenininha falando que eu queria ser escritora, porque eu gosto muito de anotar, mas eu gosto de anotar fatos, coisas que acontecem no dia a dia. Aí, eu já quis ser escritora, ser professora de Educação Física, só porque o meu pai era, mas eu acho chato, já quis… já quis não, eu quero ser ainda, arqueóloga. Eu ainda quero estudar Arqueologia e Geologia e Ciências e Tecnologia do mar, porque eu gosto muito do mar, eu gosto muito da água, eu quero ir pra praia, agora (risos).
P/1 – Mas hoje você faz faculdade de?
R – Faço teatro. Tá vendo? Eu quis ser tanta coisa, mas eu nunca coloquei na minha cabeça que eu quis estudar teatro. É muito louco isso. E ainda mais Licenciatura que é para trabalhar na parte de Pedagogia e não como atriz em companhia como profissional, mas eu comecei com essa história de teatro assim que eu comecei fazer curso de teatro na Wizard, toda sexta, eram uns experimentos, eram jogos e eu gostei tanto que assim que eu sai do ensino médio, eu fiquei naquela perdição: “O quê que eu faço agora? Aí, eu tenho que fazer faculdade”, era aquela repressão dada pelo meu pai: “Você precisa fazer faculdade agora”, eu falava assim: “Não pai, deixa eu fazer um cursinho” “Não, você vai fazer faculdade agora”, aí eu fiquei encabulada, aí eu pesquisei, aí eu ia fazer turismo, porque eu também não sei, só que aí, eu vi essa faculdade aqui na Brigadeiro, de teatro, aí eu conversei com um professor de Artes que tinha feito faculdade lá também e ele me empolgou tanto, tanto que aí, eu fui estudar lá e tô lá, nossa, mas eu não me arrependo, eu gosto tanto. Mas assim, eu não penso em fazer pós-graduação, mestrado, doutorado, porque pra mim é mais titulo e você vai ganhar mais, mas são títulos, eu pretendo fazer várias faculdades, várias graduações, estudar várias coisas ao extremo Arqueologia a Teatro, Geologia, estudar o mar.
P/2 – Ou muito movimentado, ou muito agitado.
R – Exatamente.
P/2 – Como o mar.
R – Como o mar.
P/1 – E como tá a faculdade hoje? Você tá em que ano?
R – Ixi, eu tô no ano, no último ano. Penúltimo semestre, ano de TCC, estágio, cenas de direção e montagem. Tá bom que isso dava pra gente ter organizado antes, mas quem disse que a gente parou pra organizar? Não tem tempo. Aí, junta tudo… nossa, é muita coisa, até arrepia. É muita coisa, às vezes, eu tenho que anotar, assim, porque senão, eu esqueço de fazer alguma coisa, nossa, eu tenho que organizar estágio, tenho que pensar no TCC, que eu começo com um tema e quando eu vou ver, é outra coisa, por isso que você tem que começar com a problematização, né? Você coloca uma questão, aí você vai respondendo a questão, mesmo se você fugir, você vai estar respondendo a questão. Aí, tem montagem, uma loucura!
P/3 – Seus pais te apoiaram em relação ao Teatro?
R – Então, meu pai falou assim: “Interessante”, minha mãe: “Hã?”, entendeu? E até hoje, minha mãe fica assim: “Hã?”, pra ela não… “Fernanda, mas isso não vai te dar dinheiro depois”, “Fernanda, o que você vai ganhar com isso?”, “Fernanda, você não vai ter reconhecimento” “Mãe, pai, tô estudando, tô aqui, depois vocês vão ver eu numa escola, dando aula ou com algum projeto que eu gosto muito, trabalhando na minha área e estudando outra coisa também:, porque é assim que eu quero, eu não gosto de focar em uma coisa só. Mas eu tinha que começar por algum começo e eu quis começar pelo teatro, pela licenciatura, porque eu fui empolgada por uma pessoa. Eu podia não ter gostado, mas eu gostei.
P/1 –E assim, acho que tá claro que você tem um carinho pela área da Educação, né? Por ensinar, isso eu não entendi ainda como surgiu na sua vida, essa vontade de virar uma professora. Você consegue identificar como isso começou? Será que foi por causa do seu pai?
R – Sim, exatamente, foi pelo contato, nossa, desde que eu me conheço por gente. Eu frequento as aulas com o meu pai, eu vejo como que ele dá aula, eu gosto da maneira, eu gosto de ver os alunos interagindo com ele. Apesar de na escola eu não ter aproveitado tanto, sei lá, eu quase nunca tinha aula. Era uma coisa bem difícil, mas não só educação, não só dar aula, mas a transformação, o que eu posso… eu gosto de ajudar, então eu quero ajudar transformando por meio da educação, e por meio da educação no teatro. Uma coisa bem amor meu.
P/1 – A gente já falou de estudo, de trabalho, vamos voltar para o lado pessoal, assim. Hoje você tem 21 anos, né? Você…
R – Eu tenho 19.
P/1 – Dezenove? Onde eu anotei que você tinha 21? Desculpa. Eu memorizei isso, que você tinha 21.
R – Tenho 19 anos, vou terminar com 20 anos a faculdade. Vou fazer 20 anos, aí eu vou terminar.
P/1 – Nossa, desculpas, eu tinha certeza que era 21.
P/3 – Fernanda, só uma coisa, o ano passado você disse que estava super estressante, né, TCC, trabalho, chegando tarde? Como é que você conseguiu fazer essa pausa? Qual foi a opção? Abriu mão da biblioteca? É isso?
R – Eu tinha que fazer estágio, só que assim, o tempo que eu levava o ano passado não tava… não dava pra incluir o estágio com a correria. E aí, eu parei. Aí, eu sentei com o meu pai e conversei, falei assim: “Pai, tenta pagar a faculdade aí, segura a marimba, que eu vou… que agora eu vou focar realmente no estudo”, porque o ano passado eu não consegui entregar o trabalho, nossa, eu fazia tudo na hora. Pessoal falava assim: “tem que passar à noite estudando, você chega…”, eu chegava cansada, não vou passar à noite estudando, vou passar dormindo, oxi, não sou obrigada”, a gente tem que dormir, não é? Nossa, mas aí, eu realmente, eu falei assim: “Não dá mais”, sabe? Aí, eu sai. Eles cortaram a monitoria de lá também e eu reduzi o… eu ganhava uma bolsa de 100%, aí eu reduzi, aí nem compensava, era melhor eu focar, era o meu último ano, não dá para ficar em DP, nossa, é bem louco (risos). Mas é tão bom não fazer nada de tarde, estudar, né, mas às vezes, eu me pego fazendo nada, sentada, fazendo nada. É a melhor coisa, pensando no zero, sabe?
P/1 – E me diz uma coisa, você mora na mesma casa que você morava na sua adolescência ou não?
R – Eu não lembro quando eu me mudei, mas já faz uns cinco anos. Eu vivi um pouquinho lá e um pouquinho aqui, se bem que lá, na época, eu era tão moleca, tão criançona, que até quando eu fui para essa casa, eu era… porque eu faço relação com a minha irmã, minha irmã já tem celular e ela só tem dez anos, ela já tem whatsapp e só tem dez anos. Nossa, com dez anos, nossa, eu tava correndo, eu tava chorando por causa do dodói. Agora minha irmã, por isso que eu falo que eu quero incluir ela mais nesse mundo centro da cultura, pra ela não ficar muito conectada com a rede, com o que os outros falam pela rede e sim, eu quero ver o olhar dela no mundo, mesmo, não o olhar que os outros passam na tecnologia.
P/1 – No mundo real, seria talvez?
R – Prefiro que ela veja o mundo real pela experiência dela do que não, do que pelo celular, por esses bagulhos, né?
P/1 – Vocês dividem o quarto?
R – Pessoal fala que é ruim, né, mas eu gosto tanto. Às vezes, bate uma carência em mim, eu vou pra lá, bate uma carência nela, ela também vem para cá. Às vezes, a gente briga, aí uma: “Vai dormir lá, sai daqui”, é bom, muito bom. Ela viaja muito com aminha mãe para Pernambuco. Aí, nossa, bate uma tristeza (risos).
P/1 – Como é que é o quarto de vocês?
R – A gente gosta muito de figuras, fotografias. Muito, muito, mesmo. Se você olhar, o meu quarto é cheio de fotografias, só não tenho no teto porque o meu pai não deixa, mas é cheio de fotografia. Fotografia que a gente pega na monogaleria do SESC, fotografia que a gente mesmo tira, eu peço pra ela tirar, ou eu tiro e a gente revela, ou fotografia antiga que a gente pega do… vai na casa da vó, vai na casa do tio, achou legal, pega e cola na parede também, cola no guarda-roupa. É bem legal. Tem umas… a gente gosta de figuras… como se fala? Mascaras, esses negócios, é bem legal, nossa, eu queria ter uma foto para mostrar (risos), é muito legal.
P/1 – Depois você faz uma foto e manda pra gente. No período de adolescência assim, você gostava de algum artista específico?
R – Nossa, eu era Potterheads, super fã de Harry Potter (risos), nossa senhora, eu acompanhei todos… eu li a saga duas vezes, eu… nossa, o primeiro filme, foi o filme que eu mais assisti na vida, Harry Potter e a Pedra Filosofal, eu assisti mais de 20 vezes, assisto filmes acompanhando as falas, eu falo junto com o ator, nossa, é muito bom. Hoje em dia não sou a fã, mas nossa, eu sou toda perdida quando eu vou falar.
P/1 – Mas você acha legal ainda? Você foi assistir Animais Fantásticos?
R – Não, ainda não.
P/1 – É bem legal.
R – Eu preciso… é porque eu meio que… eu gostava muito de entrar no mundo imaginário, eu gostava muito de sagas, ler livros que não tem nada a ver com o real, tudo ficção e eu me colocava no mundo da ficção, eu criava a minha própria história, eu gostava de escrever o meu fato do dia a dia, incluído na saga. Eu era muito criativa. Criança é muito criativa, a gente tem que aproveitar. E hoje em dia, eu acho que eu perdi… eu perdi essa criatividade, eu não consigo mais relacionar, tanto é que quando eu assisto filme, eu realmente assisto, eu não me coloco no filme. Eu assisto, assisto, julgo, falo: “Nossa, isso não é legal”, antigamente, não, eu só assistia e aproveitava e era uma delicia. Hoje em dia, você vê defeito em tudo. Aí, mas é o que é nos colocado pra você ter um outro olhar.
P/3 – Vem da sua formação isso? Vem da atuação, vem do montar, vem do…?
R – É por assistir muito filme e ler criticas de outras pessoas te leva a criticar também, eu tô tentando mudar isso, mudar pra mim, isso, uma coisa pessoal, porque eu não acho legal. A pessoa vai assistir a peça e reclama disso, reclama daquilo. Teve um menino, boyzinho que foi assistir… eu esqueci o nome do espetáculo, mas foi lá no SESC Campo Limpo, que tinha um monte de caixas no chão? Você lembra?
P/1 – Foi esse ano que eles iam pulando pelas caixas, assim?
R – Isso, foi maravilhoso, foi um monte de gente…
P/1 – Esqueci. Eram dois ou três atores homens…
R – Dois atores homens, que eles falavam… eles narravam várias histórias e o espaço não era muito grande, e… aí, eu me perdi toda, de novo. (risos)
P/1 – Você tava falando que você começa a analisar, né, as peças, as pessoas, criticar… enfim…
R – Aí, o cara olhou e falou assim: “Nossa, mas essa peça ficaria muito melhor lá no Teatro Augusta”, mas quem vai sair daqui da periferia para ir lá no teatro Augusta pagar pra ir lá, se aqui é de graça? Nossa, eu fiquei com tanta raiva. O cara saiu lá dos infernos dele pra vim criticar aqui, falando assim… foi ótima a peça, foi linda, os atores fizeram um trabalho maravilhoso e o cara sai lá do centro dele, da bolha dele para criticar. Menino, não pode.
P/1 – A troco de que, né?
R – A troco de quê? “Seria melhor no teatro Augusta”, então tá bom, arranja uma excursão para levar todo mundo aí.
P/1 – “Seria melhor no teatro Augusta”, tá e daí? Aqui não pode ser bom, também?
R – Exatamente.
P/1 – Quando você era moleca, assim, adolescente, o quê que você fazia pra se divertir? Você ia ao teatro, por exemplo?
R – Nossa, eu comecei a ir ao teatro com 15 anos, nem 15, 17 anos. Há pouco tempo atrás. Eu acho que eu comecei ir ao teatro quando eu comecei a estudar teatro, porque aí, realmente foquei e vi o que eu gostava. Mas quando eu era pequena, eu não achava tão interessante, eu ia no… eu participava das pecinhas de final de ano de escola que é muito sem noção (risos).
P/1 – E de diversão assim, na adolescência, você fazia o quê? Ia pra show? Ia pra…
R – Eu ia muito pras festas, festa parque, pessoal; de escola, mesmo, tudo adolescente que organizava. Eles alugavam um salão e aí, chamavam Capão inteiro, Campo Limpo inteiro, periferia toda… mas não era uma festa fechada, sabe, né? Era baile de rua. Era… tem a Glow Party, tem até hoje isso, é porque vai… só vai adolescente, então meio que a minha época passou agora, veio a vez de outro adolescente aproveitar, sabe? Nossa, mas é muita loucura em uma festa só. Pra idade que eu tinha.
P/1 – Mas na época, você percebia que era muita loucura?
R – Percebe, né, mas você gosta. Agora que você fala assim: “Putz, o quê que foi aquilo que eu vivi?”, e eu não me arrependo de nada, não, eu gostava, nossa!
P/1 – Que tipo de som que rolava nessa época?
R – Só funck, pancadão mesmo e Rap.
P/1 – Rap nacional?
R – Aham. Nossa, que saudades dessa época, era uma época tranquila, eu nem percebia.
P/1 – Você teve problemas em casa quando você começou a sair?
R – Eu tenho até hoje: “Fernanda, não volta tarde” “Tá bom, mãe”, aí eu chego cinco horas da manhã, não é tarde. É tarde? Não é.
P/2 – O sol tá nascendo, né?
R – Não é? Nossa, mas… meu pai e minha mãe são; meu pai é muito liberal e minha mãe, não, só que aí, o meu pai conversa com a minha mãe e a minha mãe cede, sabe? Aí, eu posso sair e voltar a hora que eu quiser que o meu pai… meu pai… eu chego mais cedo ainda na manhã do que o meu pai. Ele também é muito rueiro, muito, mesmo. Professor da bagaça.
P/1 – Como que você pagava esses rolês? Com o dinheiro do seu trabalho? Você ganhava mesada, pedia dinheiro?
R – Ixi, os rolês dessas parties que tinham aí, ah, eu conversava com o pessoal, eu tentava arranjar VIP, era tudo parceiro, tudo amigo, mas quando eles não davam VIP, a gente tinha que se arranjar, né? Aí, eu pedia pra minha mãe de mansinho, lavava louca, varria a casa, eu tinha que passar uma semana obedecendo pra sair no sábado, ter aquela semana de tristeza para no sábado, ó, dispersar tudo, ah, era bom.
P/1 – E quando você trabalhava, você fazia o que com o dinheiro que você ganhava?
R – Aí, mudou já, né? É porque quando eu comecei a trabalhar foi quando eu comecei a fazer a faculdade, aí eu comecei os dois quase no mesmo dia, nossa, era uma agonia só, tudo junto. Menino, era pra pagar a faculdade com o dinheiro, mas eu saía, eu tinha os meus barzinho, eu tinha minhas balada. Aí o meu pai falava assim… eu ganhava só 800 reais pra trabalhar muito mesmo e o meu pai falava assim: “Você me dá 700 e fica com 100”, eu ficava assim: “Oxi, porque ele pagava a faculdade, no final, eu só dava 300, se sobrava, nossa! Parece que faz tanto tempo, mas foi o ano retrasado, foi a época que eu comecei… com 17 anos, foi a época que eu comecei com balada, RG falso, misericórdia, já fui expulsa (risos).
P/1 – Quem nunca?
R – Quem nunca?
P/1 – Como foi que você foi expulsa? Expulsa da balada?
R – Duas vezes.
P/1 – Como foi essa historia?
R – Uma e porque eu tava tão empolgada, na fila, que eu comecei a beber demais, eu tava na fila ainda, aí a gente entrou lá para entregar o RG e tudo bonitinho, eu não lembro direitinho, isso é o que me contaram, eu não lembro de nada. Eu bati a cabeça no extintor e cai. E aí, o meu amigo tava tão empolgado, que ele falou assim: ‘Não, ela tá bem:, e eu lá assim “Ela tá bem, ela tá bem, vamos”, aí chega um segurança assim, todo ogro e ele despejou a gente e isso à uma da manhã, nossa! E também já me expulsaram por causa de RG falso, a mulher passou uma luzinha azul, aí ela descobriu. Aí eu fiquei na rua, fiquei pela Augusta, que foi muito melhor do que ter ficado na balada, que senão, eu teria gastado muita coisa, na Augusta, não, um pouquinho daqui, um pouquinho dali, você já tá muito louca.
P/1 – Hoje, essas baladas, você sai com quem?
R – Com a galera da faculdade, mesmo. Pessoal do Capão não sai pra esses rolês, não, é tudo em casa, tudo interno. Da faculdade assim, tá na sexta-feira: “Ah, hoje tem Porão VIP” “Vão bora”, são meus amigos. Por incrível que pareça, por mais diferente que seja de mim. Gosto de viajar com eles, gosto de conviver com eles por mais diferente que seja.
P/1 – Diferentes em quê?
R – Questão financeira. Tem gente que não tem nada, tem gente que tem tudo, chega de motorista na faculdade, motorista deixa lá e depois pega. Enquanto a gente… eu e a minha amiga tem que correr pra pegar o busão.
P/1 – Mas vocês convivem bem, mesmo assim?
R – Sim.
P/1 – Porque tem gostos parecido, talvez, né?
R – O amor ao teatro, à arte e à educação.
P/1 – E vocês viajam, você falou, você gosta de viajar?
R – Eu tenho uma amiga que ela mora no interior de Nova Horizonte, ela vai pra lá sempre no… como é que se fala? Sempre quando tem feriado. Sempre quando tem, a gente junta uma graninha e vai pra aproveitar e descansar, sabe? Se desconectar de São Paulo pra conectar o interiorzão.
P/1 – O quê que você faz em Nova Horizonte quando você vai pra lá?
R – Eu vou pra festa. Tá vendo?
P/1 – Em Nova horizonte?
R – Tem festa sempre. Misericórdia, só que lá é festa com piscina, lá tem água, tá vendo? Lá é uma delícia! Mas é aquelas festas mais caseiras, sabe, é churrasquinho, bate-papo, não é todo mundo dançando, sacudindo.
P/1 – Você já viajou muito na vida?
R – Já viajei muito com o meu pai, muito mesmo. Por isso que eu tenho uma ligação maior com ele. Agente já fez mochilão, nossa, foi bem porra louca, a gente pediu carona (risos). A gente chegou na Bahia de avião, aí de lá, a gente foi pra Sergipe, Alagoas e depois, a gente foi pra Pernambuco. Nossa, foi uma delicia. Eu quero repetir isso, mochilar é a melhor coisa, eu queria trabalhar de mochilão, levando o Slackline nas costas, indo de litoral a litoral, só conhecendo. Eu adoro conhecer gente, aí, se eu pudesse, eu queria ter uma vida eterna, só para poder viver viajando e conhecendo gente. Todo tipo de gente, sabe? Pra você ver, o extremo…
P/1 – Essa foi a viagem mais marcante que você fez, então?
R – Nossa, foi. Marcante. Teve outra viagem bem marcante que deixou até marquinha, aqui, tá vendo? Eu fui subir na rocha, aí eu sai… aí, o meu rosto saiu… na areia, até chegar lá na areinha, aí ficou muito, muito inchado, tipo, rasgou, abriu aqui minha boca, só que aí, graças a Deus, tinha ido… como que é? Farmacêutica com a gente e ela tinha todo esse negocinho, aí ela cuidou bonitinho, aí eu tô tentando curar pra não ficar tatuada, igual a tatuagem da maçã do amor. É difícil. Será que sai?
P/1 – Acho que o importante é tentar não tomar sol.
R – É.
P/1 – Mas no rosto é difícil não tomar sol.
R – Por isso que eu tenho sempre que estar com boné.
P/2 – Mas você também não acha que as marcas contam histórias? Você contou uma história a partir dessa marca.
R – É verdade. Por isso que eu não tenho vergonha dela.
P/1 – Eu nem tinha percebido (risos).
R – Então tá sumindo, porque todo mundo falava assim: “O quê que é isso?”, e eu passei do começo desse ano até o final só explicando o quê que era isso. Uma longa história, de madrugada, bêbada, tentando escalar uma rocha não dá certo (risos), não dá certo.
P/1 – Conta essa história. Vocês estavam onde? Onde começa essa história da rocha?
R – Foi em Ubatuba, em uma das ilhas desertas. Tava… tinha bastante gente, 15 pessoas, no final, ficou eu e um menino (risos). Nossa, a gente tava bebendo, bebendo, na praia, isso não pode, eu não vou repetir isso nunca mais, só cervejinha, só cervejinha… nossa, meu, mas aí ele falou: “Eu vou entrar no mar”, eu falei assim: “Você não vai, não”, porque tava muito forte a ressaca, meu Deus do céu! E ele entrou e eu fiquei tipo assim: “Eita, preciso chamar”, não sei porque eu decidi: “Preciso chamar”, ei eu decidi subir na pedra, escalar e assim, eu não lembro direito o quê que aconteceu, preciso parar de beber… só sei que eu sai rasgando aqui, na hora eu não senti nada, nada. Eu fui sentir no outro dia. Na hora eu tava tão emocionada. Mas tá assim, agora, bonito.
P/1 – Suas histórias sempre me fazem lembrar das minhas, também. Eu já… uma vez, em Morro São Paulo que é uma ilha lá na Bahia, eu cortei o pé assim, de um lado para o outro, assim, numa pedra e eu não percebi. Aí, quando chegou no camping, eu era criança, a mãe falou: “O quê que e isso no seu pé?”, aí eu olhei assim… acho que eu cortei, fui para o mar, o sal…
R – Aí depois que você percebe que tá machucado que você sente, começa a doer.
P/2 – Você funciona assim, também? Precisa olhar pra coisa pra sentir que tá doendo?
R – Sim.
P/2 – O que te dói?
R – O que me dói? O coração. Mentira (risos). O que me dói? No momento, nada. Nada. Só as pontadas de cólica, de vez em quando, mas…
P/1 – Você tem muita cólica todo mês?
R – Tenho, nada. Só no frio (risos).
P/3 – Bom, e é no Capão que tem a Cooperifa?
R – Tem, mas eu não… não tive muita ligação, não… na verdade, eu vou ver. Agora que você me lembrou.
P/1 – O sarau da Cooperifa é bem legal.
R – Cooperifa, tem as fabricas de cultura, lá.
P/3 – Você frequenta?
R – Frequento, conheço a galerinha de teatro, lá, pessoal da hora. Tem uns eventos lá legal, tem… quinta-feira agora vai ter desfile de roupa de brechó de uma amiga nossa lá, que aí, a gente conversa com a administração e eles permitem usar o espaço e a gente divulga.
P/1 – Na Fabrica de Cultura do Capão?
R – Aham.
P/1 – Não conheço nenhum, ainda. Tinha um conhecido meu que dava aula lá, mas acho que ele foi demitido numa greve que teve lá.
R – Na greve, nossa! Foi tenso aquilo.
P/1 – Você acompanhou?
R – Eu fui um dia lá. O pessoal ocupou o espaço mesmo e tava morando, gravando vídeos pra tentar explicar a situação deles, era o pessoal de teatro, da fotografia, do grafite pra explicar que o espaço era deles, né? Nossa, mas daí, chegou a policia, uma confusão, mas no final, o espaço tá lá usado pelo pessoal da área mesmo, muito bom, projetos bons.
P/1 – E quando você caiu lá na pedra, você tava com um cara, você falou? Era um namorado seu?
R – Não (risos). É amor de verão. Conheci em Nova Horizonte.
P/1 – E levou pra Ubatuba?
R – E levei pra Ubatuba, pra você ver. Nossa, eu casaria com aquele menino. Mentira, eu não consigo namorar. Aí, eu tenho que ficar explicando tudo.
P/1 – Hoje você não tá namorando?
R – Não (risos).
P/2 – O quê que você tá fazendo?
R – Eu estou trabalhando. Ah, tem aquelas relações de festinha e relação que você conversa com a pessoa e você acaba ficando com ela, sabe? Mas nada sério. Eu não gosto de nada sério, tem que ser mais uma coisa aberta.
P/1 – Mas você já teve algum namoro sério?
R – Não. Nunca tive, porque eu nunca… o máximo, uma semana. Uma semana já é muito bom, só que eu não consegui… aí, eu no consigo falar (risos), não consegui tolerar, sabe, é muito chato. Eu não sei se é porque eu ainda não achei a pessoa certa, eu não sei se isso existe, mas é porque realmente, eu tô na época em que eu quero viver, eu quero me descobrir e eu não quero que outra pessoa tente, me auxilie a descobrir quem eu sou, porque isso já desvia o que eu realmente quero, o meu foco.
P/1 – E no futuro, você se imagina com alguém?
R – Ah, tem que se imaginar, né, senão…
P/1 – Casada talvez?
R – Quando eu tiver velhinha… talvez casada, mas aí eu já penso na separação. Então, eu tenho medo disso. Eu penso nas crias, eu acho muito bom ter criança por perto.
P/1 – Você pensa em ter filhos e filhas, então, talvez?
R – Penso. Só não penso em ter alguma coisa seria com alguém, mas ter os filhos, sim.
P/1 – Quantos?
R – Oxi, quanto a casa caber, oxi…
P/2 – Quais são os nomes?
R – Ah! Eu tenho que pensar nos personagens do Harry Potter pra dar nome. Hermione (risos).
P/3 – Fernanda, e relação com movimentos, assim, por exemplo, movimento negro, movimento feminista ou partido politico, você tem isso na sua vida? Que tenha durado mais de uma semana?
R – Tem o movimento da paz, eu e a minha paz (risos). Eu gosto de tipo, sabe, contra a violência. Então, junta a galerinha, vamos bater…
P/3 – Que galerinha?
R – Da escola Carolina de Jesus, que é o curso do Emancipa, você já ouviu falar? Fica lá no Capão. Eles têm bastante projetos de…
P/3 – Emancipa?
R – Emancipa. Tá bombando agora. Ai…
P/3 – Mas o que você causa com eles?
R – Reunião de bate-papo das minas sapatão, mesmo. Elas falam assim: “Sou sapatão, mesmo”, elas não veem isso como xingamento. E eu gosto de participar porque eu gosto de ver vários olhares, mas eu gosto de ouvir, não gosto de falar, porque eu acho que escutando vários discursos, eu vou formar o meu, eu vou entender várias linguagens. Por isso que eu queria conhecer várias pessoas, entender várias opiniões pra formar a minha, que eu não formo nunca. É uma coisa muito incerta, eu não tenho certeza de nada, nada, nada nessa vida, nossa, nada. Pra mim nada é fato, eu não sei se eu tô aqui fisicamente, sabe? Isso é incerto pra mim, eu não preciso ter certeza de nada, por isso que eu vou descobrindo e estudando e conversando com todo mundo. Aí, a história de cada um, eu vou criando a minha, como se fosse uma ficção minha, só para viver mesmo. É bom. Isso faz você entender mais a sua realidade.
P/1 – Concordo plenamente.
P/2 – Eu queria que você falasse mais da arte, um pouquinho, dessa sua opção de entrada no teatro, tal, fora todos os seus desejos, ela surgiu e você falou: “Tem que começar com um começo”.
R – Tem que tentar com um começo, e eu comecei com a arte, porque isso que a vida é, uma beleza pura, a arte ou não. Ou a vida é o grotesco puro, um horror. Mas a arte é uma coisa que não tem definição, pessoal fala assim: “A arte é isso, a arte é aquilo…”, não, não tem definição. Não tem: “A arte é…”, a arte é emoção, é uma integração dos dois.
P/2 – Você vê beleza em tudo?
R – Vejo. Ontem, uma menina perguntou assim pra… ela mostrou um bloquinho de pergunta: “Você se sente feliz nesse momento?”, eu respondi: “Sim”, ela olhou assim pra mim com uma cara feia, realmente, eu não tava em nenhuma situação… porque ontem foi uma performance, a gente trabalhou com uma performance e tava muito frio ontem de noite e o nosso workshop, a gente trabalhou com aquele principio do Laban que é do sólido para o liquido e a gente trabalhou diretamente, a gente trabalhou um bloco de gelo virando liquido, mas a gente tinha que interagir com o bloco de gelo, só com a roupa mais curta possível. E era aquele frio danado e a gente tinha que abraçar o gelo, lamber o gelo, esfregar pelo rosto e depois que terminou, a gente… isso foi 40 minutos de workshop, ela me mostrou o bloquinho: “Você se sente feliz agora, nesse momento?” “Sim, por que não?”, se eu falar não, o que vai mudar? Só vai aumentar a minha carga negativa, vou falar sim, tô feliz. Quando eu penso positivo, vibra coisas positivas pra mim e é assim que eu me movo. Por isso que eu vejo beleza em tudo e arte é uma beleza. É um marco pra mim começar. E ir para outros caminhos.
P/2 – Você recomeça muitas vezes, né?
R – Muitas vezes. Vários recomeços. Só não tem final, mas tem sempre um recomeço.
P/2 – Você lembra de algum aleatório? Um que te marque: nessas hora, recomecei, mas foi bom?
R – Relação mesmo, eu sempre tento recomeçar, porque eu não gosto de terminar, então eu sempre recomeço um novo, todo dia, um novo (risos).Conheço uma pessoa: “Oi”, é um novo recomeço, quem sabe? Por mais que eu esteja com alguém, vou conhecer, ué, quem sabe?
P/2 – E como essas pessoas te respondem com essa tua forma de enxergar?
R – Tem uns que gostam, pessoal… não sei, eu acho que as pessoas não me olham com olhar negativo, eles já veem que eu não quero maldade com ninguém.
P/2 – Me descreve um dia seu, comum.
R – Um dia comum?
P/2 – É. Um dia normal.
R – Não tem dia normal pra mim, eu sou uma vida sem roteiro.
P/1 – Você acorda e aí, você faz o quê?
R – Isso se eu acordar. É assim, olha, se eu não for pra faculdade de manhã, tem a mesma aula de noite, então eu vou de noite, mas eu gosto de ir de manhã, por causa do pessoalzinho que eu conheço, que é da hora, mas assim, eu acordo de manhã, escovo os dentes, quando lembro e parto para a faculdade. E tipo assim, segunda-feira, hoje é segunda, não, né? Hoje é terça. É, terça-feira que eu não faço nada de tarde. Eu não me programo… e terça-feira, museu é de graça, então hoje eu vou para o Museu Catavento, eu aproveito que é de graça e eu não tenho nada para fazer, sabe assim? sem roteiro. Ou senão, eu vejo que hoje tem um filme legal no Cine SESC, então eu vou. Hoje eu vou fazer nada, vou ficar sentada sem fazer nada. Hoje eu vou estudar. Sem roteiro. Roteiro é o que eu tinha lá no passado: acordar, estudar, trabalhar, dormir, acordar, estudar, trabalhar e dormir. Tá vendo? Rotação. Hoje em dia é acordar e viver.
P/2 – Então não tem diferença do seu fim de semana para o dia da semana?
R – Não.
P/2 – Todo dia é dia?
R – Todo dia é dia. Se tem festa hoje à noite, eu vou. Amanhã eu vou virada estudar, não ligo, não.
P/2 – Você tem uma situação que te deixou fora de controle, assim? Você tem o seu jeito de ser, aí você lembra de alguma coisa que você saiu dele? “Agora eu me perdi e agora eu tenho que voltar para o eixo”.
R – Algum momento conturbado?
P/2 – É.
R – Nossa! Você acredita que eu não consigo lembrar? É porque eu não deixo nada me levar ao lado negativo da vida, então eu acho que eu não tenho momento conturbado, eu tenho momento triste, momento que eu falo assim: “Hoje eu quero ficar em casa, deitada, chorando”, mas momento conturbado…
P/2 – O que te deixa triste?
R – Às vezes, nem eu sei o quê que é, não sei, TPM (risos). Vem uma tristeza surreal que você fala assim: “Poxa, eu tô triste, mas por que eu tô triste?”, você não sabe, mas você tá muito triste, você tá mais triste do que quando você sabe que tá triste por alguma coisa. Perturbado.
P/2 – O que te deixa orgulhosa?
R – Orgulhosa?
P/2 – É. Fala. No que você é foda?
R – No que eu sou foda?
P/2 – É.
R – Eu me acho foda quando alguém fala de mim (risos). Eu sempre falo assim… tem aquela música, né: “Fale bem ou fale mal”, aí pra mim é assim: ‘Fale bem ou fale mal mas pense em mim sempre”. Eu acho muito foda quando alguém se lembra de mim porque eu, realmente, fiz um marco na vida dessa pessoa, eu passei pela vida dessa pessoa. Eu falo assim: “Eu sou foda, tem vibração minha nessa pessoa ai”.
P/2 – E se caso não chegar nessa pessoa? Você se frustra por alguma coisa ou você fala: “Não, tudo bem, também”?
R – Eu me frustro, aí eu falo assim: “Faltou alguma coisa” e aí, eu fico me remoendo, por que será que essa pessoa não sentiu a minha presença? Por que será que essa pessoa… sei lá, não gostou de mim? Aí, eu fico muito chateada.
P/2 – Aí, você vai pra onde? O quê que você busca pra voltar?
R – Slackline. Porque aí, eu vou lá e me foco. Ou o mar, mas como eu moro longe do mar, um momento eu sozinha, sabe? Eu gosto muito de sentar em um bar, tomar cerveja e ficar lá tomando cerveja e olhando todo mundo passar. Tá bom que eu nunca consigo fazer isso, porque sempre senta algum estranho na mesa, sempre! É incrível. Eu já fiz um teste, mas não, sempre tem alguém estranho na mesa. Mas os meus segundos sozinha são os melhores momentos da minha vida. Eu acho que e porque eu convivo com muita gente sempre e quando eu paro pra mim, eu realmente: Uau, eu existo.
P/1 – Eu achei legal você falar que vai no Cine SESC (risos).
R – Adoro!
P/1 – Você frequenta outros SESCs então? não é exclusiva do Campo Limpo?
R – Eu sou exclusiva do Campo Limpo, oxi! De terça a domingo, eu tô lá, só que eu frequentava mais quando eu tinha o credencial, quando eu trabalhava na empresa de callcenter, mas como eu sai, aí eu perdi o credencial, você não pode ter mais filiação, mas eu gostava de frequentar tipo o SESC do Carmo, que é o prato é cinco reais para quem tem credencial, era maravilhoso os descontos.
P/1 – Antes de você frequentar o SESC Campo Limpo, você já conhecia outra unidade, assim, que você ia?
R – O SESC Interlagos. Porque lá é maravilhoso, né? Lá tem água (risos), lá tem onde se banhar e eu ia lá nas excursões de escola que tinha. Tem bastante ainda.
P/1 – NO dia que eu te convidei para esse projeto, você tava no SESC. Naquele dia lá, você foi fazer o quê no SESC, especificamente?
R – Fui assistir o curta, curta das minas, nossa que delicia! Que pesado. Mina tem cada ideia, né? Não é cada ideia, mas é cada experiência que ela passa e quer mostrar por meio da arte, que você fala assim: “Poxa!”, é tenso.
P/1 – A gente tá chegando ao final aqui. Quer fazer mais uma?
P/2 – Vamos falar um pouquinho de futuro?
R – Vamos falar do futuro incerto.
P/2 – Diz aí o quê que é o futuro.
R – É a incerteza da vida. Ah, o futuro… eu não vou falar que é a construção do que eu tô fazendo agora porque a construção que eu tô fazendo agora pode ser retocada, pode mudar, transfigurar. E é isso que eu espero, que ela seja mudada. Eu tenho foco em uma coisa, mas eu realmente quero que… tenho foco em um coisa, não, que eu não tenho foco em nada, mas eu espero uma coisa e espero também que essa coisa melhore. Aí, como eu posso falar? Eu tenho muita vontade de ser geóloga, quero muito ser geóloga. Então, o meu futuro é ser geóloga, mas eu tô na área artística, eu quero estudar Geologia, ainda. Mas e se eu avançar nessa área artística? E se eu, realmente, me enquadrar nessa área artística, sabe? Arte Educação, aí eu não me vejo porque pular dela e ir para Geologia. Nada certo, só faço tudo de bom agora pra tudo de bom recolher.
P/2 – Você entende que você é a autora da história, mas que também tem outras…
R – Tem. Tem as pessoas. Por isso que eu converso com todo mundo, tem que ser legal com todo mundo, porque as pessoas que colocam os bloquinhos em mim, eu dou os meus retoques, sabe?
P/2 – Se eu te falo velhice, o quê que te vem à mente?
R – Black Mirror (risos), lá tem tipo um programinha que quando você fica velho, eles tiram o negócio e você vai viver pra sempre, não é? Quem sabe? (risos)
P/3 – Maravilhoso, Fernanda.
P/1 – É um alivio pensar dessa forma.
P/1 – Danilo, quer colocar mais alguma coisa?
P/3 – Acho que a gente pode ir finalizando, mesmo.
P/1 – Fernanda, tem alguma coisa que você gostaria ou imaginou que a gente ia perguntar que a gente não perguntou e que você queira falar?
R – Eu achei que vocês iam perguntar “quem é você?”, porque você falou alguma coisa do “quem sou eu”, aí eu falei assim: “Ixi”, aí lá eu já tava me matutando: e aí, quem sou eu? Eu sou Fernanda, tá, mas o quê que eu faço da minha vida? Tá, mas quem sou eu? Sou Fernanda, eu sou uma pessoa. E é isso, eu respiro. Nada mais (risos). O resto é só com a experiência, só convivendo. Boca a coca nem sempre dá certo. Agora o convívio, menino, vocês arrasam!
P/1 – Muito grato.
R – Eu que agradeço.
P/3 – Muito obrigado Fernanda, foi demais!
FINAL DA ENTREVISTA
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