Projeto: Vestindo Memórias - Legado e Identidade
Entrevista de Margaret Simas Ramos Marques
Entrevistada por Luiza Gallo e Grazielle Pellicel
São Paulo, 25 de abril de 2023
Código da entrevista: VES_HV001
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:31) P1 - Para começar, eu ...Continuar leitura
Projeto: Vestindo Memórias - Legado e Identidade
Entrevista de Margaret Simas Ramos Marques
Entrevistada por Luiza Gallo e Grazielle Pellicel
São Paulo, 25 de abril de 2023
Código da entrevista: VES_HV001
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:31) P1 - Para começar, eu gostaria muito de agradecer por você ter ‘topado’ essa entrevista para a gente. A gente vai fazer uma viagem na sua história, fique à vontade para contar o que você quiser, da maneira como você quiser. E, para começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Eu que agradeço. Desde que eu soube do projeto, eu fiquei super feliz em poder participar. Margaret Simas Ramos Marques, minha data de nascimento é 06 de setembro de 1966, no Rio de Janeiro (RJ).
(01:13) P1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - (risos) O dia do nascimento? Ai, a única coisa que eu sei, que minha mãe sempre falava, é que o hospital era perto, mas que eu nasci em Botafogo, então ela brincava: “Você não nasceu em Copacabana, você nasceu em Botafogo, então diga que você nasceu em Botafogo”. (risos) É a única coisa mais marcante, assim.
(01:43) P1 - E como foi a escolha do seu nome? Tem alguma história?
R - Tem uma história.
(01:50) P1 - Como que é?
R - Primeiro que a minha irmã achou que eu era o presente de Natal, que ela fez um pedido para o Papai Noel para ganhar uma irmãzinha e aí ela também quis dar o nome que era da melhor amiga dela na escolinha, então ela que deu o meu nome, minha irmã.
(02:11) P1 - E você tem outros irmãos?
R - Tenho mais dois irmãos. Então, a minha irmã se chama Lilian, meu irmão se chama Antônio, por parte de mãe, e aí o meu pai deu uma ‘puladinha’ de cerca’ e eu tenho um irmão mais novo, um caçulinha, que é o Rafael.
(02:31) P1 - E como foi crescer com eles? Que recordações você tem da infância com os irmãos, de histórias?
R - Ah, eu tenho uma história linda com os meus irmãos, porque eu sempre fui muito querida. A minha irmã, principalmente, me paparicava bastante, me paparica até hoje, e eu às vezes fico até brava com ela, porque ela me paparica muito. E o meu irmão, no começo, tinha um pouco de ciúmes de mim, mas sempre foi o meu amigo de brincadeira, então eu sempre brinquei de brincadeira de menino, então corria, subia em árvore, brincava de estilingue, de arminha, tudo que menino brinca, de forte apache, porque eu era o irmão que ele não teve, (risos) era eu. E a minha irmã, por outro lado, me levava para fazer passeios de menina, brincadeiras de menina, porque eu era como uma bonequinha para ela. Então eu tive esses dois lados, muito paparicada dos dois lados.
(03:41) P1 - E você conheceu os seus avós?
R - Sim. Os meus avós foram muito presentes na minha vida, principalmente da parte materna, porque como eu morava no Rio no início da minha vida, nasci e fiquei morando até três anos e meio no Rio de Janeiro, do lado dos meus avós, era um prédio assim colado, então eu falo: eu morava com os meus avós, praticamente, porque era o prédio ao lado. Então eu estava o tempo todo com os meus avós. Foi muito gostosa a convivência com os meus avós maternos. E os meus avós paternos, na verdade, a minha avó morreu antes de eu nascer, porque o meu pai era pequeno, tinha quatorze anos, era mocinho quando ela faleceu e o meu avô, eu convivi algumas vezes, mas era mais visita, não era a mesma coisa que os avós do Rio de Janeiro, que praticamente eu vivia na casa, comia na casa deles, todas as férias a gente ia pra casa dos avós. Eu vim morar em São Paulo com três anos e meio e aí eu sentia muita falta dos meus avós, porque eles eram para mim como pai e mãe, igual. Então eles vinham muito visitar e a gente ia muito para lá, pro Rio de Janeiro, eu cresci indo pro Rio de Janeiro.
(05:24) P1 - Você tem alguma memória, alguma história, algum dia muito marcante com os seus avós, que você se lembre? Alguma atividade que vocês faziam juntos?
R - Então, uma coisa que eu adoro lembrar é a véspera do Natal, que o meu avô toda vez comprava um peru, porque como eles também moraram no interior por anos, eles tinham esse hábito de criar bicho. E então ele criava por uma semana, mais ou menos, e nos três últimos dias ele ficava embebedando o peru, porque diz que o peru tinha que ficar bêbado para ele ficar mais macio e aí a gente não queria que matasse o peru. A gente era tudo pequeno e ficava lá brincando com o peru, botava nome no peru, pegava amor pelo peru e, no fim, ele virava a ceia de Natal. (risos) Essa história é sempre uma história muito legal e inclusive por isso eu trouxe uma fotografia sobre o peru de Natal.
(06:25) P1 - E seus pais, quais são os nomes deles e qual a história deles?
R - Meu pai é o Antônio, minha mãe é a Anissia e a história deles é assim, que o meu pai é do Vale do Paraíba, Guaratinguetá, nascido lá, e a minha mãe morou a vida toda no Rio de Janeiro, mas ela, na verdade, teve uma fase... a vida toda não! Morou parte no Rio de Janeiro e parte no interior, porque o meu avô estava sempre mudando de cidade - não entendia muito bem, nem entendo muito bem porque -, mas ele estava sempre com um novo negócio, então ele tinha um sítio no interior, aí depois ele tinha uma lotérica em Guaratinguetá, que foi a cidade onde a minha mãe morou bastante tempo, onde ele conheceu a minha mãe. Meu pai conheceu a minha mãe em Guaratinguetá. Minha mãe conheceu o meu pai [lá], porque eles moraram bastante tempo em Guaratinguetá, moravam na região de Pindamonhangaba quando ela era pequena - e ela criou uma cabra, tem foto até dela com a cabra - e eles então viveram muito tempo nesse ir e vir do interior [para o] Rio de Janeiro. Aí, quando os meus pais se casaram foram morar no Rio de Janeiro, porque os meus avós já estavam morando no Rio de Janeiro de novo. Acho que eles nem se desligaram do apartamento, porque o apartamento dos meus avós era um apartamento muito antigo, com coisas antigas, que eles tinham há muitos anos. Acho que eles ficavam nessa ida e vinda mesmo, do interior para o Rio de Janeiro.
(08:09) P1 - O que eles faziam, no que eles trabalhavam?
R - Então, o meu avô era vendedor, comerciante, por isso que cada hora ele estava com uma coisa. Chegou a ter boates também no Rio de Janeiro, na época da Bossa Nova. Ele era todo moderno, todo divertido, e minha avó era dona de casa.
(08:28) P1 - E seus pais?
R - Meu pai serviu a Aeronáutica, que é muito comum em Guaratinguetá, porque é do lado. A Aeronáutica é ali, a parte de servir. E depois ele foi trabalhar também ali em Guaratinguetá, na Basf do Brasil, que é uma multinacional e aí era o emprego mais bacana pra se trabalhar na época em Guaratinguetá. E aí, por isso que ele foi transferido para São Paulo, porque lá não tinha mais muito como ele crescer e ele recebeu uma proposta para vir para São Paulo, para ter um upgrade na carreira. Por isso que ele veio para São Paulo.
(09:18) P1 - Você tem recordação ou sabe alguma história dessa vinda para São Paulo? Como foi pra sua família?
R - Eu tenho uma recordação minha, (risos) que eu sentia muita saudade da praia e sentia muita saudade dos meus avós, mas eu lembro que a minha mãe, para me divertir, me levava no aeroporto, porque a gente foi morar no aeroporto e eu tenho memórias lindas. Eu adorava aeroporto e a minha mãe me levava muito para ver os aviões chegarem e partirem. (risos)
(09:56) P1 – Bem pequenininha?
R - Bem pequenininha. E escada rolante era uma coisa que não existia. Não existia shopping, isso era 1970, e no aeroporto era incrível, que tinha escada rolante, tinha, tipo... não era McDonald's, mas tinha aqueles lanches mais internacionais, meio que agora é normal aqui: Bob’s, McDonald’s, eu nem sei o que era. Mas aí tomava lanche no aeroporto. Essa era a minha diversão, já que não tinha praia. (risos)
(10:32) P1 - E qual é a origem da sua família, pensando nas raízes?
R - Minha avó veio da Argentina, ela conheceu o meu avô na fronteira, ela morava na fronteira, no Paraná. Eles moravam. O meu avô era capitão do porto e aí ele foi morar, porque foi a trabalho no porto, conheceu a minha avó e se apaixonou. Aí ele veio para o Rio de Janeiro com a minha avó. A pediu em casamento e a trouxe para o Rio de Janeiro.
(11:07) P1 - E pensando na sua infância, assim, qual é a sua casa mais marcante, nessa época?
R - Então, eu morei muitos anos em Higienópolis e é o bairro do meu coração, porque eu, de menininha, lembro de eu indo para a escola à pé. Eu estudava muito perto, estudava no Mackenzie e aí então ia a pé. Eu primeiro morei na Rua Pará, aí depois eu fui morar na Rua Maranhão. Era muito perto, então eu lembro [de ficar] andando muito pelo bairro. E na adolescência, andando muito pelo bairro, também, subindo e descendo aquela Avenida Angélica. Eu estudei sempre por ali. Depois fui estudar no Objetivo, que na época tinha o Objetivo na Angélica, depois fui estudar no Oswaldo Cruz, que eu fui fazer técnico em patologia clínica. Então sempre circulando ali por Higienópolis, pelo bairro.
(12:10) P1 - E tem - você falou de algumas brincadeiras favoritas da infância - lembranças de comida que vocês faziam, além do peru, tradição familiar ou alguma história tradicional, da família?
R - Lembro. À noite, antes de dormir, eu e o meu irmão sempre tínhamos que comer alguma coisa e minha mãe ficava louca, porque já estava dormindo, o meu pai já estava dormindo, a minha irmã já estava dormindo e estava eu e o meu irmão aprontando. A gente gostava de fritar ovo, fazer sujeira na cozinha, bagunça, arroz com ovo, sabe, essas coisas que fazem a maior bagunça, cheiro? Era isso.
(12:52) P1 - Sozinhos?
R - Era os dois.
(12:54) P1 - Quantos anos?
R -
A gente gostava de comer antes de dormir. Eu tinha uns doze, treze, e ele - [que] é três anos e meio mais velho -, uns quinze. A gente aprontava à noite - era toda noite! - e fazia sujeira.
(13:10) P1 - Acordava e estava com a cozinha imunda?
R - Isso. Isso quando eu não resolvia fazer brigadeiro também, um jantarzinho, uma ceia. Aliás, a gente [é] tudo argentino, afinal de contas, a ceia à meia-noite, depois um docinho de leite com brigadeiro. É maravilhoso.
(13:31) P1 - E recordações da escola, dessa primeira infância, professora marcante, colega, você tem?
R - Então, eu cresci dentro do mesmo colégio. Eu estudei a vida inteira no Mackenzie. Então, eu lembro que aprontava muito. E aí, como os meus irmãos também estudavam no Mackenzie, eu praticamente não tinha nome, eu era a irmã da Lilian e do Antônio: “Ah, aquela lá, a irmã da Lilian e do Antônio. Só podia ser a terrível”. Então, eu já cresci com a fama. E já que eu tinha a fama, eu ‘deitei e rolei’ na fama, então eu vivia aprontando, eu estava sempre correndo. Tinham umas árvores enormes, a gente ficava catando amoras, voltava ‘cheia’ de amora na camiseta branca, a minha mãe ficava ‘louca da vida’. Mas [era] uma coisa super saudável, gostosa. Os professores brincavam que eu era da linhagem do Antônio e da Lilian, porque eles eram também terríveis, também aprontavam. Mas foi tudo bem e eu tenho uma lembrança boa, porque eu cresci com os meus amigos e a minha melhor amiga de infância, até hoje a gente tem convivência, que é a Laura… inclusive, eu trago nas fotos também. Não a trago, mas trago a filha dela, (risos) que é minha afilhada, a Isadora.
(15:02) P1 - Vocês estudaram juntas a vida toda também?
R - Desde a quarta série primária.
(15:09) P1 - E nesse período do Mackenzie, teve algum professor muito significativo para você?
R - Olha, tinha uma professora que me adorava, mas eu não era muito chegada a professor. Eu era uma boa aluna, na média, mas eu não me apeguei a nenhum professor, não, eu era um pouco chatinha com essas coisas, todo mundo chamava de “tio” e eu falava que “não, que não era o meu tio”, eu achava tudo isso piegas. Eu era uma criança um pouco diferente, meio briguenta. (risos) Eu não sei, eu tinha bastante amigos, amigas, mas não era muito de professor, não. Nunca, até hoje não sou muito professor, não. (risos)
(16:01) P1 - E juventude, como foi o período de você começar a sair sozinha? Para onde você ia, o que você gostava de fazer no lazer, já crescendo?
R - Eu cresci brincando na rua, que era uma coisa deliciosa, porque a minha rua era bem tranquila e eu não sei como é hoje. É a Rua Maranhão. Mais ou menos, não é tão bagunçada, não é uma rua que tem trânsito, não tinha nenhum trânsito e eu morava praticamente na esquina com a… era uma esquina da Itacolomi, a outra esquina [era] a Sabará. Essa Itacolomi ficou muito tempo fechada, porque estava fazendo uma reforma. Eu lembro que tinha uns tipo de esgoto, uns dutos grandes e a gente brincava muito ali, então tinha uma turma enorme, que era a turma da Maranhão e a gente brincava de skate, de bicicleta, de Mãe da Rua, o dia inteiro, até a hora de dormir. Tinham que ficar chamando a gente na rua, a gente era da rua, (risos) os donos da rua, tipo assim, então foi muito divertida a adolescência, desde os dez, vai, a gente andava todos na mesma turma, então dos dez até os quatorze, quinze anos eu andei com essa mesma turma, fazendo bagunça.
(17:39) P1 - E aí já mais velha foi mudando, já saiu da rua?
R - Então, aí eu conheci o Moacir, os meus amigos ficaram bem bravos e todos enciumados. Eu conheci o Moacir e comecei a namorar com quatorze, quinze anos e aí estavam todos ainda nessa turma, andando nessa turma, mas eu já estava saindo com o meu namorado, fazendo mais coisas de namorado. Ele me ‘puxou’ muito pra turma dele e aí deu uma misturada, tinham as minhas amigas que eram muito amigas, então que acabavam saindo com a gente também, que a gente tentou apresentar. Até algumas pessoas da turma do Moacir namoraram (risos) com as minhas amigas, para a gente tentar unir as turmas, mas, no fim das contas, eu comecei a andar mais com a turma do Moacir.
(18:33) P1 - Como vocês se conheceram?
R - Então, a gente se conheceu com uma amiga em comum, ela se chama Rosana, e a gente tinha ido passar umas férias na casa dos avós dela, em Ocian, Cidade Ocian, [bairro na Praia Grande (SP)]. Eu nunca tinha ido pra Cidade Ocian e depois a gente foi para o Rio, então era um verãozão, e a gente falou: “Vamos primeiro então para Santos (SP), Cidade Ocian, Praia Grande, e depois vamos para o Rio”. E aí eu o conheci lá, que ele tinha casa ali na Praia Grande. E ‘não fui com a cara’ dele. Ele disse que já me achou uma gostosa, (risos) já ficou interessado. Eu o achei muito metido, mas ele já estava ‘fazendo um tipo’. Conquistou. (risos)
(19:30) P1 - E o ‘lance’ todo ‘subiu montanha’?
R - É, dizem que ‘amor de praia não sobe a montanha’. O Moacir tem esse ditado, ele fala até hoje: “Dizem que ‘amor de praia não sobe montanha’, o meu ‘subiu’”. (risos)
(19:47) P1 - E aqui vocês já se viam sempre, como começou?
R - Aí a gente começou a sair junto. Depois do primeiro beijo, ele falou que ele não queria mais me largar, que ele falou que ele se apaixonou no primeiro beijo. Eu não. Para falar sério, eu estava meio que conhecendo um monte de gente e tal, mas daí ele começou a pegar mais firme de querer me namorar, a gente acabou namorando. Eu não estava tão a fim de namorar, mas também me apaixonei por ele e aí a gente começou a namorar e namoramos dez anos e meio. Foi firme.
(20:22) P1 - Para ir casar?
R -
Para ir casar.
(20:25) P1 - E o seu primeiro trabalho, qual que foi?
R - Nossa, o meu primeiro trabalho foi na Rua Bahia, no Colégio Degrau, porque eu achava que era muito chata a vida e eu ficava só sonhando em ser psicóloga já. Eu e uma amiga que morava na Rua Bahia ficávamos sonhando em ser psicóloga e a gente achou que escola tinha um pouco a ver com psicologia, porque a gente pensava em trabalhar com criança e as duas foram trabalhar de graça (risos) no Degrau, só pelo lanche, (risos) tinha um lanche da tarde que era muito bom.
(21:05) P1 - Quantos anos vocês tinham?
R - Quatorze. Que é uma das minhas melhores amigas da adolescência também - era a Laura e a Tetela, Maria Estela.
(21:16) P1 - Pensando um pouco da sua trajetória profissional, como foi o decorrer dos seus trabalhos, essa escola, para que outros trabalhos você foi?
R - Então, daí depois disso eu resolvi que eu queria ganhar dinheiro, que você fica trabalhando de graça ainda com criança, um ‘inferno’, eu falei: “Não, eu quero ganhar dinheiro agora”, do oito ao oitenta. Eu fui trabalhar com vendas, em loja de roupas. Então comecei a trabalhar em [uma] loja na Augusta. Isso eu tinha uns dezessete anos, mas trabalhava no final do ano, pegava aquela ‘grana’ em janeiro, Rio de Janeiro, ia para a praia. Aí era para viajar, para ‘curtir’. Daí eu já estava namorando, a gente ia também para Ubatuba (SP), bastante para Ubatuba, para Praia Grande, na casa do sogro, é claro, [a] casa grande do sogro, o sogro português. Cabe todo mundo em casa de português. A gente aproveitava bastante também. Então ficava assim, transitando: ia para o Rio de Janeiro, na casa da minha avó; Praia Grande, na casa do meu sogro; um pouco pra Ubatuba, que daí a gente alugava casa. Mas só nas praias.
(22:31) P1 - Então, desde pequena você tinha o sonho de fazer ‘psico’. E foi fazer ‘psico’?
R - Fui.
(22:38) P1 - Como foi esse ingresso na faculdade?
R - É, foi interessante, porque quando eu fiz o Objetivo Júnior… porque eu ‘fugi’ do Mackenzie, eu não aguentava mais o Mackenzie, aí eu ‘fugi’ para o Objetivo Júnior, que era um colégio mais moderno, que se dizia, que podia fazer de tudo, que não tinha que levantar para o professor. Porque o Mackenzie era um colégio super rígido na época que eu estudava, tinha que levantar para o professor quando ele chegava e eu estava de ‘saco cheio’ disso. E eu era terrível, famosa no colégio, vivia de castigo, no diretor. A diretora já falava: “Entra, Margaret, senta aí. Vai passar o recreio comigo?”. Era assim e tudo bem, mas eu cansei e resolvi estudar no Objetivo Júnior a contragosto do meu pai, e lá eu já conheci um coordenador, psicólogo e ele me chamava pra ir na sala dele. Eu não entendia muito bem porque ele simpatizava tanto comigo e aí ele já achava, esse ‘cara’, o Armando, que eu tinha todo um jeito para ser psicóloga, isso quando eu tinha treze, quatorze anos, mas ele não me disse nada, só que nos testes que a gente fazia, vocacionais, ele me apontou, disse de várias profissões, entre elas a psicologia, aí eu fui fazer patologia clínica. Fui estudar no Oswaldo Cruz, saí do Objetivo. E no Objetivo a gente faz sempre essas avaliações, para saber da vocação. Já no Oswaldo Cruz, eu fiz patologia clínica, que eu achei que talvez fosse medicina. Já estava um pouco confusa, porque na época tinha só três turmas de psicólogos formados, então se dizia: “Mas o que você vai ser, você vai trabalhar em escola?”. A gente não sabia muito bem o que era a psicologia, eu falava: “Não sei. Talvez sim, trabalhar em escola”. “Você vai ter clínica, você vai ter consultório?”. Eu falava: “Talvez seja consultório, trabalhar com criança pequena”. Via alguns livros a respeito, alguns filmes a respeito, mas tinha muito pouca coisa, [pouco] acesso para informação do que era ser um psicólogo. E aí eu pensei em psiquiatria. Pensei que talvez fosse medicina, por isso que eu fui para patologia clínica e dentro desse conceito aí de fazer medicina, não sei o que, começaram a surgir outras coisas na minha cabeça, talvez fonoaudiologia. Eu fiquei bem confusa, fui uma adolescente bem confusa, mas a psicologia sempre [esteve] ali. Eu não entrei nos primeiros vestibulares, porque eu prestei biologia, fonoaudiologia e educação física, que eu sempre gostei também. Eu não entrei em nenhuma, mas também eu nem fui preparada, bebi na noite anterior. Eu não queria nada daquilo, eu não sabia o que eu queria. E aí eu fui fazer cursinho, e no cursinho encontrei com quem? Com [o] Armando. E o Armando disse: “É ‘psico’. Porque você prestou essas outras coisas?”. Eu falei: “Por que você não me disse, na época já, que era ‘psico’?”. Ele falou: “Eu falei que era ‘psico’. Mas é psico! Presta ‘psico’ no Objetivo”. E aí eu prestei só ‘psico’ no Objetivo, no meio do ano. Eu entrei, e aí fiquei feliz, porque eu adorei a faculdade. Adorei, adorei, adorei! Tinha algumas matérias que talvez não fossem tão legais, mas eu fui uma das melhores alunas da faculdade, passando sempre direto, boas notas, currículo super top. No final, principalmente na parte da clínica, eu fui muito bem e eu descobri que eu queria ser psicóloga, psicanalista clínica.
(26:48) P1 - Que recordações você tem dessa época, pensando em estágio, algum trabalho marcante?
R - Então, um estágio que eu gostei foi o de educacional. Olha que interessante! Eu sempre estava entre [a] educação e a psicologia, tanto é que hoje eu dou aula, grupos de estudo. Eu estou entre a psicologia e a educação. Na verdade, é isso que eu sou. E aí eu fui fazer um estágio no Oswaldo Cruz, encontrei com o meu professor de redação e ele: “O que você está fazendo aqui?”, “Ah, eu estou fazendo estágio aqui de psicologia”. Ele: “Eu tinha certeza que era psicologia”. Eu falei: “Por que não me avisou? Eu ali pensando em medicina, chorava porque não tirava dez nas provas, a professora dizia: ‘Vai ser médica, calma’. E agora você me diz que já sabia que era psicologia?”, “Ah, você tinha que descobrir”. Então eu acho curioso que os meus professores... olha, é ‘judiação’ eu falar que eu não tenho apego pelos professores. E os professores, eu não lembro o nome. (risos) Eu lembro do Armando, ainda bem, do coordenador, mas eu sempre me destacava de alguma maneira, acho que pela rebeldia ou por, às vezes, estar muito chateada, muito triste. As redações eram profundas, melancólicas, de adolescente. Enfim, ele gostou, (risos) ele queria até que eu fizesse um concurso de redação, esse professor.
(28:20) P1 - Lembra dele, né?
R - É, mas eu não lembro o nome. Então, um professor querido pode ser esse, mas já era do ensino médio, e o Armando, um coordenador querido, que aí foi do ensino fundamental.
(28:38) P1 - E a sua formatura na faculdade?
R - Então, foi incrível, foi uma delícia.
(28:44) P1 - Teve?
R - Foi, a gente fez colação. Na verdade, a gente não fez festa, até porque a gente era muito rebelde para fazer festa, achava que festa era uma coisa que gastava-se muito dinheiro, a gente era tudo do CA (Centro Acadêmico), tudo rebelde, era uma época complicada, porque era final de ditadura, estava começando a coisa da democracia e era uma briga ainda muito forte, a gente ainda
tinha muito medo da ditadura e aí metade da turma que sobrou da psico, eram quatro turmas de setenta alunos e aí sobrou duas turmas de setenta e metade da turma queria festa no Gallery, vocês já ouviram falar no Gallery? É a coisa mais horrorosa que tem, porque era uma coisa super altamente burguesa e conservadora, enfim, nada a ver com a outra turma, que é a que eu andava, e a gente falou: “Então vocês fazem a festa no Gallery e a gente vai fazer só a colação” e então a gente fez só a colação. E aí depois cada um saiu com a sua família e tudo bem, fui para uma pizzaria.
(30:02) P1 - E o que te encantou e fez você entender que era psico mesmo que você queria?
R - Bom, eu já comecei a atender no primeiro ano e os professores me incentivaram. Eu comecei a atender criança, porque eu sempre achei que a minha vocação era para atender criança, então eu já comecei a atender criança. E aí de criança, eu comecei a atender adolescente. Então eu atendi desde o primeiro ano e comecei a me apaixonar, e os professores me incentivavam em todas as matérias. Eu fui bem em todas as matérias, então não tinha o que dizer. Eu não frequentava algumas aulas, porque algumas matérias eram bem tristes. Posso falar [que] eu não gosto de psicologia experimental, que eu acho que é para cachorro e nem para o meu cachorro eu tenho coragem de fazer psicologia experimental, e aí eu não frequentava muito as aulas, mas eu ia muito bem na prova, a professora ficava bem brava, enfim. Então, tudo mostrava que eu gostava mesmo era de psicologia, aí eu comecei a estudar Freud já dentro da faculdade e comecei a me apaixonar por Freud e aí eu vi que tinha a ver com psicanálise mesmo, e aí eu estudei Klein, também me apaixonei por Klein, porque ela atende criança, então misturou um pouco de Freud, um pouco de Klein, que eu estudei na faculdade, foram os dois. Depois eu continuei meus estudos em psicanálise e aí estudei diversos autores e vi que eu atendo criança, adolescente, adulto, casal, família e grupo, porque dentro da faculdade eu já comecei a atender também casal e família, só não atendi grupo dentro da faculdade.
(32:00) P1 - Você quer tomar uma água?
R - Quero.
(32:10) P2 - Margaret, nesse período, você continuou a voltar para o Rio de Janeiro, visitar a sua família de lá?
R - Sim. A gente, quando ia nessas viagens de praia que eu falei, o verão era três meses. Hoje em dia não é, é uma sacanagem. A gente tinha férias de verão, [e] era muito bom o verão. Então eu ia para a Praia Grande e Rio de Janeiro, na casa dos meus avós, fazia uma baita zona na casa dos meus avós, os meus avós adoravam receber gente e era uma coisa incrível no Rio de Janeiro, porque iam as minhas primas de Guaratinguetá, porque o meu tio, irmão da minha mãe, continua em Guaratinguetá. Nessas idas e vindas dos meus avós, ele casou com uma pessoa lá em Guaratinguetá também, só que ele se firmou na Federal de Guaratinguetá, então o emprego dele era em Guaratinguetá. Não foi como o meu pai, que entrou para a Basf do Brasil, foi para o Rio de Janeiro e depois veio para São Paulo pela Basf do Brasil. Não, meu tio ficou lá estabelecido. Então iam todas as essas minhas primas para o Rio de Janeiro, os meus tios. Eu não sei como cabia naquele apartamento, [mas] eu sei que era uma farra, que demorou muito para deixarem eu dormir na sala, porque tinham medo que iam judiar de mim, que eu era a caçula, e judiavam mesmo, mas eu adorava, porque eu tinha medo de fantasma, e aí o que eu mais lembro é eu com medo do fantasma, mas, mesmo assim, brigando para dormir na sala e a minha avó: “Não, dorme aqui comigo”. ‘Botava’ uma caminha no quarto dela: “Dorme aqui com a vovó” e eu não queria dormir com a vovó, de noite ia lá para sala para fazer bagunça com os primos. Uma delícia. Então, eu tenho boas recordações. E depois, conforme eu fui crescendo, eu levava as minhas amigas - que são essas amigas que a gente ia para Ocian -: ia para o Rio de Janeiro, ia para Ubatuba fazer aquela zona em tudo quanto é parte onde a gente ia. E depois eu comecei a ir com o Moacir, as amigas ‘dançaram’, (risos) ficaram bravas que perderam o Rio de Janeiro. Eu ia muito com o Moacir para a casa dos meus avós. Então, o Rio de Janeiro está na minha história. Até hoje. As férias de verão agora, fazia dez anos que eu não ia lá, depois da morte dos meus avós, mas daí eu fui para o Rio de Janeiro, foi muito emocionante, foi extremamente emocionante. Cada lugarzinho que eu passava, eu tinha uma memória com a minha mãe, com o meu pai, com os meus avós, com os meus tios, com as minhas primas, com os meus irmãos e foi maravilhoso. E a minha vida sempre foi, então, essas viagens de feriados, férias para o Rio de Janeiro.
(35:05) P1 - E casamento, quantos anos você tinha quando resolveu casar?
R - Então, eu namorei dez anos e meio, aí eu senti que tinha uma pressão. Dizem, meu sogro e a minha sogra, meu pai e a minha mãe, que não tinha pressão nenhuma, só que eles não aguentavam mais a gente namorando [por] dez anos e meio. Porque eu falei assim: “Não, eu vou terminar a faculdade e depois eu vou casar”. O Moacir não terminou a faculdade, o sem-vergonha, ele me enganou, porque quando eu comecei a namorar com ele, ele estava lá dentro da faculdade, fazendo engenharia e eu que levei um tempo para ir para a faculdade. Ele largou a faculdade para trabalhar, mas eu terminei a faculdade, aí eu falei: “Agora sim a gente casa”. Só que quase que eu fugi: eu queria estudar Freud em alemão, então eu vi papelada, vi tudo, eu ia fazer au pair na Alemanha e aí depois eu voltava. Para mim era claro: “Depois eu volto”. Aí o Moacir me pediu em casamento, ele falou: “Não, imagina, você é doida, você não volta mais. Do jeito que você é maluca, você não vai voltar. Você vai se apaixonar por algum alemão lá, vai se apaixonar pela Alemanha, vai se apaixonar pelo Freud no alemão (risos) e não vai voltar”. Aí que eu fui pedida em casamento.
(36:32) P1 - Como foi o dia do casamento?
R - Foi um dia maravilhoso. Só que eu fiquei muito nervosa, porque a hora que a gente chegou - na verdade, eu cheguei, a noiva chegou - estava um tempo cinza e eu casei em um sítio, e todo mundo falava: “Não, não vai casar em sítio, pode chover”, “Não, não vai chover”, “Não, mas é muito arriscado, porque que você quer inventar moda?”. E eu achava o máximo, porque no interior se casa muito em sítio e eu fui criada um pouco no Rio de Janeiro e um pouco no interior. Tinha essas minhas primas do interior, porque o meu avô tinha sítio no interior, então eu fui criada um pouco lá e um pouco cá, eu falei: “Não, eu quero casar em sítio porque eu acho lindo”. E aí ‘cinza’. Na hora que eu estava lá no altarzinho, naquela cena, com o padre, tudo bonitinho, começa umas trovoadas, aí o padre parou e falou: “Calma, noiva. Dizem que pros orientais, quando chove é sinal de sorte, então não tem problema”. Eu: “Então está bom”. Mas não choveu e deu tudo certo, só foi chover quando a gente estava no coberto e aí estava tendo um coquetel, estava todo mundo já bebendo. Na verdade, o que foi legal no meu casamento é que eu falei para servir todo mundo antes da noiva chegar, então quando a noiva chegou, já estava todo mundo alegre, feliz. Se chovesse, não tinha problema. (risos) Tem uma foto dos amigos todos bêbados, que eu trouxe, no meu casamento. Muito legal.
(38:16) P1 - Foi um dia gostoso.
R - Foi. Inclusive, a noiva ficou muito bêbada, porque o marido falou assim para o garçom: “Não deixa a taça dela vazia”. Só que ele esqueceu de falar: “Também dá uns salgadinhos, um coquetelzinho para ela comer”, porque não tinha jantar, foi um brunch, então tinha uns coquetelzinhos e um vinhozinho. Eu só tomei o vinhozinho. (risos)
(38:43) P1 - Teve lua-de-mel?
R - Então, noite de núpcias não, (risos) eu ‘dei’ PT (Perda Total). Agora, lua de mel sim, a gente foi para o sul, para uma praia super meio deserta, para Guarda de Embaú (SC) e é uma delícia, meio com dunas. É rio e praia. E aí foi uma delícia, em um vilarejo [e] a gente conheceu todo mundo. Foi uma delícia, maravilhoso, passamos acho que uns quinze dias lá.
(39:22) P1 - E como foi, a vida começou a mudar depois de casada? Vocês foram morar juntos, mais responsabilidade? Como que foi desenrolando?
R - Com um ano de casada, eu queria separar, (risos) porque o Moacir é muito gastão, só que eu estou com ele há quarenta anos e ele continua muito gastão e eu fiquei ‘louca’, liguei para a minha mãe, liguei para a minha sogra, eu falei: “Não, não tem condições, eu não vou ficar casada com ele”. Ele trocou todas as roupas do armário dele, ele viajou para os Estados Unidos e não me levou, que foi a trabalho, mas na época eu estava ‘puta’ com ele: primeiro ano de casado, o dono lá na empresa onde ele trabalhava leva o meu maridinho novinho, praticamente de lua de mel, para passar um mês nos Estados Unidos? Eu queria [me] separar. Ele viaja sem mim, ele gasta dinheiro demais, mas, no fim, estou há quarenta anos com ele.
(40:23) P1 - E como foi assim... você sempre teve vontade de ser mãe? Como a maternidade entrou na sua vida?
R - Sim. Quando a minha irmã teve um bebê, o meu primeiro sobrinho, eu já tive um chamado para ser mãe. Eu fiquei com muita vontade de ter filho - tanto é que eu trago também uma foto dele bebezinho, no meu colo - e eu tive muita vontade. Minha mãe está do lado, meio com receio e eu segurando o bebê como se fosse meu, tipo, como tem que se segurar um bebê. Eu acho o máximo essa foto. Eu tinha quinze anos e eu fiquei completamente apaixonada pelo meu sobrinho. Eu queria dar de mamar e eu falava para a minha mãe: “Eu quero dar de mamar também”. E ela: “Mas não tem leite, como vai dar de mamar?”. (risos) Então, desde lá eu queria muito ter filho e aí, quando eu me casei, eu liberei. Eu tomava pílula enquanto namorava, mas aí eu vi que não engravidava e aí, conforme eu percebi que não engravidava, eu resolvi ir procurar ajuda e no fim eu fiz um bebezinho, que é a Mel, é uma bebezinha de tecnologia, de proveta, mas é minha querida, minha amada. E depois eu tive duas bebês cachorro. (risos)
(41:53) P1 - Como que foi descobrir que estava grávida?
R - Foi o máximo! Eu tenho foto com todas as barriguinhas, assim. Nossa, me senti plena. A gravidez foi maravilhosa: trabalhei até o nono mês, saudável; eu fazia ginástica, nadava. E quando eu implantei o bebê, eu queria nadar mesmo assim, aí teve que todo mundo ficar me contendo: “Mas você pôs um bebê”, “Mas eu tenho certeza que esse bebê vai ficar”. Aí eu segurei um pouco de nadar, essas coisas, só dava umas nadadinhas, tal, que eu sempre fiz natação, adorava. E aí foi incrível, foi muito saudável. Eu nadei até o nono mês e fazia yoga também, a Mel fazia yoga dentro da minha barriga. A professora de yoga falava: “Ela está fazendo as mesmas posturas, (risos) está dentro de você”. E foi o máximo.
(42:57) P1 - E o que a maternidade representou na sua vida?
R - Eu acho que pelas fotos que eu trouxe, é a parte mais importante da minha vida, porque eu trago um monte de fotos da Mel. E um pouco antes da Mel, eu já tinha ali a minha afilhada e eu já cuidava dela como se fosse a minha filha. Ela ia para minha casa desde bebezinha. É a Preta e a Branca, né? Meu afilhado, desculpa, gente, ele fez a transição, é o Bibi. O Bibi é uma pessoa que eu considero meu filho também, por ser meu afilhado. E a gente fez uma troca: eu recebi o Bibi como meu afilhado, da irmã do Moacir, a Margaret também - a minha cunhada [se] chama Margaret, é a Guet -, e depois, quando eu engravidei, eu dei a Mel como afilhada para a Guet e a roupinha que eu trago do batismo foi tanto do Bibi, quanto da Mel. Querem ver? (risos) Essa é a roupinha das coisinhas mais lindas da minha vida, que é o Bibi, então eu dei para o Bibi essa roupinha, e depois, quando eu dei a Mel para a Guet, pra ser batizada, a Guet me devolveu a roupinha e falou: “Toma, já que você teve uma menina também, de volta”.
(44:39) P1 - E desde então você guarda a roupa?
R - Guardo, tenho um carinho enorme por essa roupinha.
(44:48) P1 - O que ela representa para você?
R - Todo amor do mundo, porque o Bibi foi para mim como uma filha… na verdade, como um filho, enfim. E eu viajava o tempo todo com o Bibi, eu vi o Bibi o tempo todo crescer - vivia na casa da minha cunhada -, vi o Bibi crescer. Aí depois veio a Mel e o Bibi continuou vindo para a minha casa, no começo nem tanto, porque o Bibi era pequenininho também, e daí depois tem até uma foto da Preta e da Branca, que são os dois crescendo, se embolando na minha cama e bagunçando a minha cama e tem milhões de fotos. É que não tinha como eu trazer todas deles crescendo, deles um na festa do outro, na escola. Então, na verdade, eu tenho três meninas e um menino (risos) de filhos. É isso.
(46:01) P2 - Essa roupa, quando você sente, você chega perto dela, você sente o tecido, o cheiro, te traz, remete algum período da sua vida, assim?
R - Então, eu adoro essas casinhas de abelha, isso me lembra também, me remete à minha infância, porque essa é uma roupinha mais de antigamente, né? E a minha mãe também me colocava com roupinhas assim, de casinha de abelhas. Acho esse tecido muito delicado, eu amo essa roupa.
(47:04) P2 - Você o passaria para a frente se tivesse a oportunidade, para uma nova geração da sua família?
R - Sim, quem sabe para a filhinha da Mel. (risos) Já nasceram várias, eu tenho duas sobrinhas-netas pelo lado da minha irmã e tenho mais quatro sobrinhos-netos pelo lado do Moacir, mas eu não pensei… as gêmeas teriam o problema de que só uma das duas; a Vavá, eu nem pensei em passar para a Mamá. Eu acho que eu estou esperando mesmo a filhinha da Mel. Gente, (risos) e as sobrinhas-netas do lado da minha irmã eu também não pensei. Acho que eu estou esperando mesmo, mas quero passar para frente.
(48:00) P1 - Ótimo! E desse tempo assim, pensando depois da Mel, chegada da Mel na sua vida, até os dias de hoje, a vida casada, tem alguma história marcante desse período que você queira destacar, na sua vida? Trabalhos, amizades, estudo, família?
R - Então, uma coisa que eu acho que é importante, que eu trouxe até a foto também, foi a chegada do meu irmão, o Rafael, dentro da família. Depois que eu me casei, eu quis trazer o Rafael para encontrar com a gente, porque ele não conhecia o meu irmão e a minha irmã, nem o Antônio, nem a Lilian. Eu o tinha conhecido quando eu tinha 25 anos e ele tinha quinze, porque o meu pai falou: “Olha, você não quer conhecer o Rafael? O Rafael quer te conhecer”, e eu disse que sim, que queria conhecer o Rafael. E aí foi assim, a gente se conheceu rapidamente. Só que quando eu tive a Mel, eu tive mais desejo ainda de trazer o Rafael pra perto da gente, e aí a minha mãe concordou, porque eu sempre perguntava para a minha mãe se a incomodaria e a minha mãe falou: “Não, tudo bem”, aí eu chamei o Rafael para vir na minha casa - e os meus outros irmãos -, e foi uma das fotos que eu trouxe também, que foi um dia muito emocionante e que eu trago na lembrança, uma lembrança boa.
(49:51) P1 - Como você se sentiu nesse dia?
R - Eu acho que sempre faltou isso na minha vida. Eu sempre quis conhecer o meu irmão e ter contato, estar perto dele, saber a história dele e sentir que ele está dentro da família, então para mim foi um marco na minha vida.
(50:17) P1 - E pensando nos dias de hoje, como é o seu dia a dia? O que você gosta de fazer? [Qual é] sua rotina?
R - O que eu gosto de fazer? Eu gosto de fazer tanta coisa: eu gosto de ir ao teatro com a minha filha, que a minha filha adora teatro. Eu também. Desde que ela era pequena eu a levava ao teatro, em museu, em cinema, e hoje ela é super ligada em arte. Ela acabou de se formar, se formou jornalista, agora está com vontade de voltar toda a área de jornalismo para arte, está pensando em ser crítica de arte, está querendo fazer um jornalismo mais voltado para arte, vai estudar a história da arte. A gente está pensando juntas aí como que vai fazer, se vai fazer no Brasil, se vai fazer fora do Brasil, o que ela vai fazer. Eu me divirto muito com a Mel, e gostamos de ir para a praia. Eu gosto também de sair com as minhas amigas, eu tenho aí também uma foto das minhas amiga, que é o trio: eu, Cristiana e Mirian, e a gente sai para se divertir desde quando a gente se formou. Na verdade, a gente não se formou juntas, cada uma se formou em um tempo em função dos filhos. Foi interessante que cada uma foi engravidando em um tempo, os nossos filhos têm mais ou menos a mesma idade, mas em um tempo diferente. A gente se conheceu dentro do curso de especialização em psicanálise e é isso, acho que é o que eu gosto.
(52:16) P1 - E hoje em dia você trabalha no consultório?
R - Trabalho no consultório. Nós estamos aqui, hoje, no meu consultório. Atendo todos os dias praticamente, inclusive aos sábados. E eu adoro trabalhar, (risos) adoro estar com a família, adoro passear, adoro ir para a praia. É isso.
(52:42) P2 - Pelo jeito que você fala, você parece ser próxima da sua família. Você tem uma relação… Como é que é a relação sua, em geral?
R - Sim, eu tenho uma coisa assim... tanto é que lembrando também da roupinha. Eu tenho uma relação muito grande com as coisas da minha mãe e da minha avó. Esse anel que eu estou aqui foi um anel que foi herança, passado da minha bisavó para a minha avó, da minha avó para a minha mãe e da minha mãe, veio para mim. Eu amo esse anel. E tem, além desse anel, um conjuntinho aqui do anel, esse broche, que é um broche muito chique, que só dá para usar mesmo quando eu vou em um casamento. Mesmo o anel, eu pus hoje no dedo, agora há pouco, mas o anel também é muito chique, é coisa mesmo maravilhosa que a minha bisavó... não sei, eu acho que com certeza deve ter ganho também da minha tataravó. Gente, eu acho que isso aqui está na família a vida inteira, porque é muito antigo.
(54:17) P2 - Você sabe a origem dele, como o adquiriram?
R - Eu acho que era uma coisa de herdar, as mulheres da família vão passando. Porque eu lembro que eu mexia muito nas coisas da minha avó, além das roupas, dos lenços, que eu também tenho lenços que eu quero mostrar da minha avó, a gente mexia nas joias e ela falava: “Ah, isso vai ser seu, isso aqui eu ganhei da sua avó, isso aqui eu ganhei da bisavó". E aí, então, tem essa coisa de passar, principalmente entre as mulheres. Os homens não têm tanto isso, [é] mais uma coisa de mulheres. E aí eu tenho também, que o meu pai me deu, esse relógio [que era] da minha mãe, depois da morte dela.
(55:11) P3 - Eu posso ver o relógio? Eu queria ver e não consegui. Ele está muito viradinho, você pode virar um pouquinho? Isso.
R - Esse relógio era da minha mãezinha e o meu pai me deu depois da morte dela.
(55:31) P1 - Ela usava sempre? Tinha esse hábito?
R - Usava.
(55:38) P3 - Legal.
(55:40) R - Delicadinho. Esse colar teve até briga, que a minha irmã queria muito esse colar e o meu pai disse: “Não, mas quem gosta de pérola é a Margaret”. Ela falou: “Mas eu também!” e aí acabou ficando comigo. E minha mãe sempre me emprestava e eu lembro que ela falava, porque eu vivia com esse colar: “Tem aqui um negócio que eu nem fechei, tem um ‘pega ladrão’, que é para você não perder o meu colar”, (risos) que esse colar vivia no meu pescoço mesmo. E esse anel meu pai fez ela dar em vida para mim, ele falou: “Dá esse anel aí para a Margaret”. Ela: “Tá bom”. Ele convenceu, eu não sei porquê, [foi] à toa. E esse aqui também.
(56:30) P3 - Margaret, eu posso te pedir um favor? Eu queria pegar só um pouquinho. Se você puder fazer assim com a mão nessa câmera seria muito legal para mim.
R - Aqui, ó, esse anel meu pai fez a minha mãe me dar em vida e aí eu não sei porquê eu ganhei o anel, eu falei: “Tá bom, muito obrigada”. E esse aqui também - deixa eu trocar, porque senão não dá para ver -, ele falou: “Dá o anel para ela”. E eu falei: “Tá bom!”. E esse anel, tanto esse quanto o verdinho que eu acabei de mostrar, ele que deu para ela, então tinha sim um significado: foi de aniversário de casamento. Sempre ele dava um anel para a minha mãe.
(57:20) P2 - E ela costumava usar?
R - Costumava em festa, mas ela já estava mais velha, tinha 85 anos, aí ele começou a falar para ela dar os anéis para mim e ela deu.
(57:33) P1 - Você já os usou?
R - Já, o verde e esse eu uso sempre. Esse aqui eu sou apaixonada, gente.
[Pausa]
(58:13) P2 - Você falou que é próxima da Mel. Você também era próxima da sua mãe, como você é da sua filha?
R - Sim, minha mãe e minha avó, porque a minha avó era praticamente como a minha mãe. Aliás, a minha avó chegava para mim e falava: “Mãe é mãe, mas vó é mãe duas vezes. E o bom é que eu não tenho que te educar”, então só me paparicava também. E aí eu lembro, tem um armário - até que eu trouxe [foto minha] pequenininha - maravilhoso na casa da minha avó. Não sei hoje se está lá ainda, porque a gente alugou o apartamento dos meus avós, mas tinha um armário maravilhoso, que para mim era maravilhoso mesmo, porque eu abria aquele armário e eu ficava ‘botando’ as roupas da minha avó e eu fazia a mesma coisa na minha casa, ‘botava’ as roupas da minha mãe, mas a minha maior lembrança, no Rio de Janeiro, [era] fazendo isso com os lenços: eu ficava me enrolando nos lenços da minha avó. Por causa dessa minha paixão pelos lenços, minha avó e a minha mãe me doaram lenços. Então esse aqui foi o meu pai que me deu, depois da morte da minha mãe e é um lenço maravilhoso. Está todo amassado, porque eu o uso bastante mesmo, um lenço maravilhoso, que dá para pôr assim, no pescoço. (risos) Eu gosto de pôr no pescoço, amarradinho, por isso que ele fica todo amassado, assim. (risos)
(01:00:10) P2 - Elas costumavam usar assim também?
R - Então, acho que sim. Eu não tenho foto delas, mas eu tenho acho que memória mesmo. Eu acho que elas gostavam, principalmente que a minha mãe achava que ela podia se resfriar, elas tinham uma coisa assim de não se resfriar em São Paulo, acho que por serem do Rio de Janeiro. São Paulo sempre está meio fresquinho, então elas sempre tinham um lencinho e eu peguei esse costume do lencinho no pescoço. Eu hoje estou com o meu lencinho, (risos) vocês querem ver o meu lencinho que eu estava? É que estava muito calor para eu continuar de lencinho. Esse lencinho é meu mesmo, porque combina com a minha roupa. Eu estava com esse lencinho hoje, que eu uso assim. (risos)
(01:01:08) P1 - Esse hábito então é familiar, você via isso desde muito novinha.
R - Isso. Qualquer ventinho, minha mãe e a minha avó tapavam o peito, essa é a verdade, porque diz que vento no peito pode dar friagem, resfriado, enfim. Bom, mas está calor hoje.
(01:01:32) P2 - Esses lenços possuem alguma marca de uso? Por exemplo, uma mancha, alguma coisa que aconteceu na época?
R - Então, eu tenho aqui a mantinha (risos) - eu chamava de mantinha - que está ‘preta’, tá, gente? Está bem preta mesmo. Vocês vão ver que era branca, foi um dia, mas depois que a minha mãe morreu, o meu pai me deu e tem o cheiro da minha mãe, então eu não lavo. Tem o cheiro da minha mãe. E quando ela morreu eu o usava o tempo inteiro, por isso que ele está preto. Estava um pouco frio quando ela morreu, foi em fevereiro, mas depois foi esfriando, mais ou menos [em] maio, junho, e aí eu comecei a usar. E eu fazia todas as minhas - foi na pandemia - sessões online com ele enrolado no meu pescoço, ou embrulhada nele, embrulhadinha assim, por causa do frio. E algumas pessoas sabiam a representação dele, os meus amigos, o porquê que eu estava embrulhada nele, porque o tempo todo eu estava me sentindo perto da minha mãe.
(01:03:06) P1 - Você lembra dela usando?
R - Era de festa, ela só usava em festa. Se ela vê isso aqui preto desse jeito ela me mata, porque ela só usava isso aqui em festa (risos) e para sair. Aliás, os lenços em geral da minha mãe e da minha avó elas ficavam xingando, porque eu ficava amarrando-os na cintura: “Ah, vai estragar meu lenço”. Era tudo para sair e eu sempre amarrava tudo na cintura, sei lá.
(01:03:38) P1 - Você comentou que tinha o cheiro da sua mãe. Você consegue descrever qual é o cheiro dela?
R - Ah, cheiro de sabonete, gente. Cheiro de ‘veinha’. Ela devia guardar dentro da gaveta com sabonete, porque a minha avó tinha esse costume, não sei como é na família de vocês, mas de ter um sabonetinho que é só pra guardar na gaveta, tipo ai, um Phebo, minha avó gostava de Phebo, era só para guardar na gaveta.
(01:04:08) P2 - E foi você mesma que pegou o xale para você?
R - Não, o meu pai, meu pai me deu. Meu pai sabe do apego. Sabia, meu pai morreu também, perdi meu pai por tristeza, depois que ele perdeu a minha mãe ele não aguentou.
[Pausa]
(01:04:36) P1 - Queria te perguntar como que foi esse dia de receber esses pertences do seu pai, os pertences da sua mãe.
R - Foi muito emocionante, porque ele tinha separado tudo, me chamou na casa dele e eu ia todos os domingos almoçar com ele, com a minha mãe viva e depois continuei, depois da morte da minha mãe, e ele tinha separado os lencinhos e tinha separado essa... eu chamo de mantinha, é um echarpe, tinha separado essa mantinha para mim. Foram as primeiras coisas que ele me deu, depois que ele veio com joias e essas coisas, ele falou: “Eu sei que você vai gostar muito disso”. E aí tem uns lencinhos ainda, esse aqui é o mais famoso. Gente, esse foi da minha avó e eu não consegui achar a foto, mas tem foto dela com ele, eu com ele e a minha mãe com ele. Se eu achar, depois eu mando.
(01:05:45) P3 - Mostra um pouquinho para essa câmera aqui.
R - Esse é um lenço italiano que eu vivia amarrada nele e todo mundo me xingando, minha mãe me xingando, eu ‘botava’ na cintura, minha avó me xingando que eu botava no pescoço, ‘botava’ na cintura e me vestia com ele quando era pequena e é um lenço italiano, acho que essas coisas eram caras antigamente, é de seda, (risos) então elas ficavam ‘loucas’ de eu ficar roubando os lenços e tem esse aqui que é francês, né, gente. (risos) Elas ‘botavam’ no cabelo, elas ‘botavam’ bobes no cabelo, eu lembro delas ‘botarem’ para sair na rua. Esse eu ainda não usei, não sei se porque é preto, eu não tenho usado muito preto, tenho evitado usar preto, tenho tentado usar cores. E aí é isso. E eu tenho aqui também, que eu trouxe, um vestido, queria aproveitar e falar desse vestido, já que a gente está mostrando dos panos, que esse vestido é muito querido, é um vestido que eu usei no Natal, foi no Natal seguinte da morte da minha mãe. Meu pai ainda estava vivo e eu usei esse vestido, tem uma foto também, e depois eu emprestei para minha irmã, para usar esse vestido no dia da formatura da minha filha - eu trouxe uma foto também - e ela ficou muito linda nesse vestido. Eu mostrei um monte de vestido para ela e ela gostou só desse, ela falou: “É esse, a minha cara!”. E eu falei: “É a sua cara mesmo”. Enfim, e a gente tem essa coisa: um empresta roupa para o outro, um passa roupa por outro, briga por causa de colar, (risos) mas é tudo dentro do amor. (risos)
(01:07:58) P2 - E o estilo de vocês é parecido?
R - É. Acho que desde a avó. Por exemplo, bolinha. Gente, por isso que eu falei que é um vestido muito especial, não é à toa. Bolinha é a cara da minha avó, a minha avó adorava bolinha, ela falava petit pois: “Ah, é um vestido de petit pois”. (risos)
(01:08:29) P2 - E seu pai?
R - E eu estou com petit pois, gente, (risos) a cara da minha avó. (risos) E eu trouxe foto da minha avó, da minha mãe e minha, como a gente é parecida fisicamente, também. Eu me acho a cara das duas, mesmo, o jeito.
[Pausa]
(01:09:09) P1 - Se você puder descrever um pouquinho para a gente como eram os seus pais, o jeitinho deles.
R - Eu acho que eu sou muito parecida com a minha mãe, que também já era muito parecida com a minha avó e a minha mãe era uma pessoa meiga, alegre, o tempo todo sorrindo, eu ‘puxei’ isso dela, de estar sempre sorrindo, que todo mundo fala: “Nossa, mas você pode estar triste, pode estar chateada, que está sempre dando risada”. É, porque é o jeito que a minha mãe encarava a vida e é o jeito que a mãe da minha mãe encarava a vida; minha vó sempre estava sorrindo também, por mais que estivesse passando por dificuldades, porque a gente sempre passa. Eu, por exemplo, estou ‘podre’ aqui, eu estou há duas semanas doente e estou aqui sorrindo, estou super feliz e gosto de estar aqui, gosto de estar trabalhando, nem pensei em desmarcar com vocês, porque é assim que a gente leva a vida. Acho que a vida faz esses movimentos de altos e baixos e a gente está sempre feliz. Agora o meu pai era um contraponto e o meu avô também, que é curioso, são mais mal-humorados, seres mais mal-humorados, e o meu marido também, então eu acho que a gente segue um ciclo, uma coisa transgeracional: as mulheres alegres que escolhem os homens mal-humorados. E acho que eu faço muito bem para o Moacir, por eu ser alegre, por eu deixar... hoje eu o deixei lá resmungando, porque eu passei gripe para ele. (risos) Ele estava resmungando. Todo dia eu tenho que escutar que eu passei gripe para ele e o meu pai era assim: uma pessoa amorosa, afetuosa, mas tinha sempre alguma coisa melancólica; a gente pode dizer, sempre tem alguma coisa de um ranço, uma melancolia. O meu avô, apesar de carioca, muito brejeiro, muito engraçado, tinha também uma coisa mais mal-humorada nele. Por exemplo, ele tinha uma neurose obsessiva bem grave, mas divertida, porque ele tinha mania com os talheres, com os copos. Também ele era filho de General - está tudo explicado - e era capitão do exército, então ele tinha umas manias de regras e que no fim a gente se divertia com isso, porque a gente ia à noite para a cozinha, lá no Rio de Janeiro e fazia aquela bagunça com os talheres, com os copos do ‘véio’, né? Não devia ser fácil para ele também, porque aí as minhas primas também gostavam de cear e a minha avó sempre foi adepta: “Deixa as meninas cearem. Eu sou argentina, então eu entendo isso”. E aí meu avô ficava desesperado: “Mas ceou às duas da manhã!”. (risos) A gente chegava tarde das baladinhas e ia comer, né, e fazia aquela baita bagunça com as coisas do meu avô. Então tem esse aspecto que eu acho que é meio que a ‘tampa e a panela’, pessoas muito diferentes. Eu sou muito diferente do Moacir, meu pai é muito diferente da minha mãe, meu avô é muito diferente da minha avó e que ‘dá um caldo’, um ‘caldo bom’.
(01:13:03) P1 - Uau! E pensando nessas roupas, quando você as usa, quando você está perto delas, quando você está sentindo o cheiro delas, o que você lembra? Que histórias que te sobressaem essas memórias? Quais são?
R - Então, juntando as roupas com as fotos… posso fazer isso? Eu acho que é muito semelhante, quando a gente pega uma roupa antiga minha do armário. Por exemplo, a Mel ‘fez uma limpa’ no meu armário no final da pandemia, eu a paguei e falei: “Vai e ‘faz uma limpa’ lá no meu armário” e ela tirou mais da metade das roupas sem eu ver, porque se eu vejo eu não dou. Eu já faço esse ritual com a minha irmã, há muito tempo vendo e aí eu acabava dando pra ela algumas roupas, porque eu sabia que era para ela. Às vezes ela mentia, ela dizia: “Não, é para mim”, mas mentia, dava para os pobres. “Os pobres precisam”. “Mas se você quiser tirar uma coisa daqui, acho que eu não me importo tanto quanto roupa”. É curiosa a lembrança que traz uma roupa, o cheiro que tem numa roupa, às vezes tem um cheiro característico. Eu lembro de um amigo que me abraçou e ele falou assim: “Nossa, você tem cheiro!”. Era uma bata, mas essa bata é cheirosa. Já foi, alguém levou essa bata, era uma bata indiana, de um tecido super gostoso, fininho, crepe indiano e ela tinha um cheiro bom. “Mas quando eu te abraço tem cheiro de armário cheiroso”, ele falou. Eu falei: “Nossa, armário cheiroso?”, “É, você tem cheiro de roupa limpa” e era aquela bata. Eu, depois, pensando: “Mas por que será? Eu não pus em uma gaveta com sabonete, não ‘sprayei’ nada”, era aquela roupa que tinha aquele cheiro. Quando eu pego, cada roupa tem um cheiro característico, tem a textura característica. Esse que eu mostrei para vocês, que é o da minha mãe, um echarpe que eu fiquei embrulhadinha no meu luto, tem também uma textura que ‘abraça’, essa lãzinha. É isso.
(01:15:52) P1 - Pensando nessa peça ter te ajudado no luto, qual foi a importância nesse processo de estar com esse objeto? [De] estar sendo acolhida, abraçada?
R - Eu também me via, porque como eu estava no online, tanto quando eu estava conversando com os amigos, como com os pacientes, embrulhada nessa mantinha, eu tinha o olhar para aquilo e eu me sentia mais perto dela, mais perto da minha mãe. Eu agora não tirei o anel, porque eu estou perto dela também. É curioso, eu só observei, eu pus esse anel no dedo e não mais tirei. A entrevista foi, teve pausa e eu não tirei mais o anel. É capaz que eu vá para casa com esse anel, porque esse anel tem uma história e as roupas têm uma história também, e os objetos têm uma história. Eu não falei pra vocês, mas tem um objeto aqui que tem uma história também. Eu vou mostrar. Posso levantar?
(01:17:03) P3 - Pode.
R - Esse peso de papel foi do meu padrinho, esse eu não dou para ninguém. Então, quando um objeto tem história, ele tem um valor. Ele era médico e eu sei que ele colocava os papeizinhos debaixo desse peso de papel. (risos) Eu não uso, ele é um enfeite para mim, porque eu tenho medo de deixá-lo aqui e alguém derrubar. Ele tem um valor para mim, então eu o deixo guardadinho lá em cima. Eu não uso como peso de papel, eu uso como algo que me tem valor, como uma joia, uma coisa preciosa. Eu quase não uso essas peças que vocês estão vendo, tanto é que está chamando até a minha atenção que eu estou com o colar, eu quase não uso. São coisas para guardar.
(01:18:12) P1 - Onde você guarda essas coisas?
R - Então, eu tenho uma mesinha de canto que eu deixo as minhas coisinhas, assim, minhas joias, minhas bijuterias e elas ficam ali, eu estou sempre vendo, dentro do meu quarto de dormir.
(01:18:35) P1 - Acho que isso que você trouxe é um jeito de estar próxima dessas pessoas, né?
R - É, é um jeito de estar perto.
(01:18:45) P1 - E seu pai, mesmo não tendo algum objeto, alguma peça de roupa dele…
R - Eu tenho o álbum de fotografias. Várias fotos que estão aqui são do álbum de fotografias do meu pai. Ele me deixou isso, a herança do meu pai é um álbum de fotografias, (choro) foi o que eu herdei dele, de memórias. Ele era um ‘cara’ que ficava lembrando e quando a minha mãe morreu, ele ficava mostrando essas fotos todas para a gente, do álbum de fotografia - que são várias [em] preto e branco que eu incluí -, ele ficava mostrando: “Olha, nós temos história”. Ele gostava de contar as histórias dos meus bisavós, dos meus avós, dele. Ele contou mil vezes. Eu todos os domingos sentava para ouvir as histórias do meu pai. Depois que minha mãe morreu, então, [ele contou] muito mais histórias. Eu dei um caderno para o meu pai, com uma caneta bonita, pra ele escrever, aí ele sorriu e falou assim: “Mas eu gosto de contar as histórias. Vocês têm que ter memória das histórias”. Então, meu pai era um grande contador de histórias e a minha avó era uma grande contadora de histórias. Então o meu pai, de tanta convivência com essa minha avó, porque eles moravam muito perto, em Guaratinguetá e depois no Rio de Janeiro; ele perdeu a mãe muito cedo, a minha avó era como uma mãe pra ele, então ele ficou muito parecido com a minha avó nessa questão de contar histórias da família. Ele sabia mais histórias do que a minha mãe da vida dela e dos antepassados dela.
(01:20:48) P1 - Guardião da memória.
R - Sim. E aí, quando ele morreu, eu fiquei pensando: “E agora, quem que vai contar as histórias? A gente vai esquecer”, (choro) mas eu acho que não, que tem alguns objetos, algumas coisas que ele me deu, que ele fez questão de me dar. Principalmente para mim, isso que é interessante. Ele deu para o meu sobrinho, deu para minha irmã, deu para o meu irmão, mas eu tenho mais coisas que têm um valor emocional, sentimental, que ele achou que tinha que ficar comigo: os panos, vamos pensar assim, eu vim com sacolas cheias de pano, porque os panos parece que têm história e o meu pai trabalhou em tecelagem e tem gente que até hoje tem [os] tecidos da tecelagem onde o meu pai fazia os tecidos e falavam: “Olha, é da tecelagem do seu pai”. Depois que ele saiu da Basf ele montou uma tecelagem, então ele tinha uma ligação com panos também, com tecidos, [e] minha mãe com costura. Minha mãe fez o próprio vestido de noiva, ela fez o modelo. Então ela era estilista: fez a costura, fez o corte, fazia roupa para gente. Ela tinha essa ligação com roupa também, com tecido, com pano.
(01:22:29) P1 - Por que será que seu pai escolheu você para ser essa nova guardiã das memórias, histórias e lembranças?
R - Porque eu sou uma escutadora de histórias. Eu escolhi ser psicóloga, psicanalista; eu sou uma escutadora de histórias. Eu sempre escutava muito as histórias da minha avó, dele. Eu gosto de ouvir histórias, então eu sou a guardiã das histórias.
(01:23:00) P1 - Tem alguma dessas histórias que foi bem marcante e significativa para você, você e seu pai vendo esse álbum?
R - Ele repetia várias vezes que ele era muito apaixonado pela minha mãe e dizia que não estava aguentando de saudades dela e dizia: “Desde os dezessete anos, eu perdi minha mãe com quatorze, com dezessete eu já estava namorando com a tua mãe, então a tua mãe era tudo na minha vida”. Apesar de ele ter ‘pulado o muro’, ter tido um filho ‘por fora’, ele quis continuar com a minha mãe, a minha mãe o aceitou, perdoou, porque eles tinham uma história consistente juntos, de uma vida inteira juntos; e acho que [era] essa história que ele repetia: “Olha, família, a importância da família, de ter alguém que conhece a gente do começo, do meio e do fim, tudo da gente, o quanto é importante [a] família”. Eu acho que eu já sigo isso, porque minha avó e meu avô... minha avó morreu aos 88 anos e o meu avô estava com ela, ele viveu até os 102 anos, e depois de dois anos ele também morreu, por quê? Porque para ele não tinha mais sentido sem ela e mais ou menos foi o que aconteceu com o meu pai: depois de um ano da morte da minha mãe, ele se foi. E eu fico aqui pensando que dá medo que aconteça alguma coisa, eu ainda falei: “Moacir, você não pode morrer, promete, muito cedo, temos uma história inteira ainda para viver, quero ver os meus netos, bisnetos”. Eu pretendo viver até os 120 [anos], pelo menos, com tanta tecnologia. (risos)
(01:25:09) P1 - Você pensa em passar essa roupa para outras pessoas?
R - Isso aqui? Os lenços, os panos? Acho que sim. Ela tem que começar a se apaixonar por elas também, vou ter que contar a história de cada uma, desses tecidos, desses panos. Agora, o que eu passei para Mel, e que ela ama, é a minha flauta, que está dentro de uma camisinha, (risos) de uma capinha que a minha mãe fez pra proteger a minha flauta. Eu toquei essa flauta na escola, no Mackenzie. Quando eu tinha uns cinco anos, eu comecei a tocar a flauta, que eles davam aulinha de música. Cinco, seis anos. E aí, quando a Mel já estava um pouco entendendo como sopra, eu dei para ela e ela ficou muito apaixonada. E aí depois ela também estudou flauta na escola e ela usou essa flauta.
(01:26:35) P3 - Você pode mostrar para mim nessa câmera, por favor? Só um instantinho, tá? Você sabe tocar?
R - (risos) Mais ou menos.
(01:27:01) P3 - Você pode tocar um pouquinho?
(01:27:13) P1 - Quer tentar?
R - Vamos lá! Espera aí, faz muito tempo que eu não toco. (risos) Vocês sabem que música é?
(01:27:56) P1 - Muito bom.
R - De ouvido, assim, gente, que vergonha! (risos)
(01:28:04) P1 - Muito legal.
R - E a Mel não ter dado para ninguém essa flauta, que ela é a menina que gosta de fazer a arrumação e doar, e ela ter guardado é um bom sinal já. Quem sabe os panos também ela começa a guardar, alguns panos. As joias ela vai guardar, eu acho. Espero. Eu dei um anel de formatura para ela, que tem um significado. Vamos ver.
(01:28:39) P1 - E quando você está com esses lenços, como você se sente?
R - Chique, (risos) muito chique. E sempre alguém comenta, porque acho que usar lenço é uma coisa muito de antigamente, não é uma coisa muito trivial, as pessoas mais velhas usam lenço, e eu estar de lenço, as pessoas… eu tinha também mania de leque, porque a minha avó usava leque. - Mas eu podia ter trazido algum leque, gente e não lembrei. - Então, tinha essa coisa do leque também, que também as pessoas mais antigas que usavam leque, agora eu perdi um pouco a mania.
(01:29:25) P1 - E como foi a pandemia para você, para a sua família? Esse momento.
R - Então, o que foi mais difícil foi perder a minha mãe durante a pandemia, de covid, e a tristeza do meu pai. Eu costumo dizer para as pessoas, principalmente na época, eu dizia que eu não sabia o que me deixava mais triste: se era a morte da minha mãe ou ver a tristeza do meu pai, da hora que a gente teve que contar para ele e até o fim da vida dele, um, dois dias antes dele morrer, ele estava agarrado com a bolsa da minha mãe e dizendo que sentia muita falta dela, uma bolsinha que ela gostava de usar, uma bolsinha pequenininha, que estavam todas as coisas dela, documento, dinheirinho. Ele ainda mostrou que ela tinha ainda um dinheirinho guardado, na época. Acho que foi a parte mais dolorosa da pandemia, a perda tanto da minha mãe, quanto em seguida do meu pai. Agora eu acho que eu vou ter boas lembranças também da pandemia, porque eu tive mais tempo com a minha filha, mais tempo com o marido e isso que é importante, o que faz a nossa história é conviver mais com a família. Eu estive mais perto deles e com os cachorros, principalmente com a Pink, que a Pink chegou depois. Aliás, eu trouxe foto também de quando a Pink chegou, que ela tinha três meses e a Mel tinha sete anos e foi uma alegria, porque é a irmãzinha que ela tanto queria; e a Dama chegou na minha vida, que era um momento que eu precisava dar amor, porque ficou solta minha libido, a perda do meu pai, a perda da minha mãe, tinha amor sobrando ali, que não tinha onde investir e aí investi na minha preta, na minha Dama, que eu também trouxe foto, que é um bebezinho, e que agora ela cresceu e virou o demônio da Tasmânia, mas ela era aquele bebezinho fofo. Agora ela come tudo que tem na minha casa, mas a gente a ama demais. Resquício da pandemia, foi adotada a Dama também. Mais esse amor na nossa vida.
(01:32:05) P1 - E quais são as coisas mais importantes para você, hoje?
R - As coisas mais importantes são a minha família: meu marido, minha filha, meus cachorros. Agora eu não tenho pai, não tenho mãe, não tenho avó, não tenho avô, tenho os meus irmãos, mas eles são um pouco chatos, eles são muito papariquentos. Minha mãe e o meu pai não me paparicavam, acho que era mais meus irmãos mesmo. É engraçado, então eles são muito super protetores e eles me cansam um pouco, eles me tratam como se eu ainda fosse criança, então é isso que cansa, mas eu amo meus irmãos também, claro, inclusive o Rafael, que eu quase não vejo, mas porque ele está numa fase meio rebelde da vida dele, porque ele primeiro veio muito para dentro da nossa casa, conviveu com a nossa mãe, inclusive ele chegou a desejar ser filho da minha mãe e falar: “Ah, eu queria ser filho da senhora, Dona Nísia”. Mas agora ele se afastou um pouco, está trabalhando que nem um louco, ganhando dinheiro.
(01:33:29) P1 - E quais são os seus sonhos?
R - Sonhos? Ah, meu sonho agora é morar na praia, sabe? Ter uma vida mais praiana mesmo, voltar para o meu Rio de Janeiro. Quando eu fui agora, em janeiro, depois de dez anos de não ir pro Rio de Janeiro, eu fiquei com uma vontade enorme de voltar a morar no Rio de Janeiro. Quem sabe um projeto para daqui a pouco?
(01:34:07) P1 - A gente está caminhando para o fim e gostaria de saber se você, sei lá, tem alguma história que eu não te perguntei, que você queira contar, falar sobre alguém, algum momento específico da vida. Está aberto. Deixar alguma mensagem, enfim.
R - Eu acho que dessa experiência toda aqui, foi um prazer gigante olhar de novo essas fotos. Eu peguei todos os meus álbuns que eu tinha em casa, inclusive o álbum do meu pai, e eu fui buscar a minha história, como se eu fosse me contando de novo. E aí eu sabia que tinha algumas fotos que eu queria de qualquer jeito trazer, mas eu tinha também uma vontade de ver as outras, porque quando você começa a ver… e eu tenho um sonho desde de quando o meu pai morreu, falando em sonho, que é montar um mural com as fotos da família, construir e eu tinha já conversado na época, principalmente com um amigo meu, que me dá aula de canto, inclusive, é o Hélvio e ele falou - ele é artista, artista plástico - que a gente precisa construir esse álbum e aí eu lembrei disso de novo, que eu não construí ainda o álbum e agora eu já separei algumas fotos para essa reportagem aqui, para esse acervo, sei lá eu, pra essa entrevista e eu estou pensando que dessas fotos, eu já posso pensar em montar esse mosaico, esse mural de fotos da família. A minha avó tinha um mural lindo, tem, ainda está na família, acho que está com as minhas primas. Um mural lindo, desde quando ela começou a namorar o meu avô. E aí todas as gerações, até chegar no meu sobrinho, que era o único neto, na época e o meu tio, irmão da minha mãe, também tinha, até chegar nas filhas, porque ele ainda não tinha tido, na época, netos, que foi um artista amigo nosso, também amigo principalmente do meu tio - era como 'unha e carne' do meu tio -, lá de Guaratinguetá, um artista plástico, fez para ele e eu estou pensando em fazer isso agora com as fotos da minha família, com todos eles, inclusive os que estão nas fotos: meu tio que tem o mural dele e minha avó, que tinha o mural dela, juntar e fazer um grande mural, que daí vem desde minha avó, até as minhas sobrinhas-netas.
(01:37:10) P1 - Haja história! E o que você gostaria de deixar como legado, para a sua filha e para as gerações que vão vir a partir dela?
R - Acho que essa coisa da alegria, que nem a minha avó passou para a minha mãe, que passou para mim. Inclusive eu fiz um poema que eu falo a respeito dessa transgeracionalidade, depois eu posso até incluir aqui para vocês incluírem no acervo. Foi quando a minha mãe morreu que eu fiz esse poema, falando, porque eu tive a experiência que eu não sei se é uma experiência especial, que eu que acudi a minha mãe quando ela estava com falta de ar e nessa hora eu tive a inspiração do poema, porque eu me vi nela e vi a minha avó, vi a Mel, vi que aquilo lá é uma coisa só, (choro) essa transgeracionalidade, que a gente é tudo a mesma coisa, que a gente está em continuidade.
(01:38:39) P1 - Como foi dividir um pouco da sua história, das suas origens? Esse resgate de lembranças, memórias, fotos, objetos, cheiros.
R - Acho que eu estou elaborando mais um pouco desse luto, que é um luto eterno, gente, porque perder as pessoas que a gente ama - eu estou vendo que vocês estão todos emocionados (risos) - não tem como colocar alguma coisa no lugar, não é como a gente chegar e fazer uma costura quando descostura, é um buraco que fica e você tem que cerzir, colocar alguma coisa no lugar, que nem eu coloquei um cachorrinho no lugar. Então, poder rever essa história é ver que eu tenho feito bons ‘cerzidos’ na minha vida.
(01:39:40) P2 - Por que você decidiu dividir essa história com a gente?
R - Desde que eu recebi a proposta de que eu podia fazer aquela ficha de inscrição, que eu recebi notícias, que veio pelo Insta, coisa e tal, eu fiquei apaixonada pela proposta, porque eu lembrei dos lenços - a primeira coisa que eu lembrei -, do quanto aquilo pra mim tinha um significado de crescimento. Quando eu vestia aqueles lenços, quando eu me enrolava naqueles lenços era muito engraçado, eu ficava pelada me enrolando em lenços. Pequenininha. Era porque eu queria crescer, era porque eu queria ser igual a minha avó, era porque eu queria ser igual a minha mãe. Tem até a Mel, em algumas fotos, vestindo as minhas roupas... em algumas fotos não, eu acho que foi uma, porque a outra eu esqueci de mandar. É esse desejo de crescer, de ser gente grande, parece que a gente vai se inspirando o tempo todo nos nossos pais, nas nossas mães, nas nossas avós, nos nossos avôs, é isso e é interessante como os acessórios, as roupas fazem com que a gente se sinta grande, pôr um sapato de salto da avó, a Mel gostava de pôr os meus sapatos, é como a gente consegue se imaginar crescendo e tendo história.
(01:41:26) P1 - Para finalizar, qual é a sua primeira lembrança da vida?
R - Eita! A primeira lembrança da vida? Eu na praia, eu no Lido, sabem a Praça do Lido, em Copacabana? (risos) Posto dois, Copacabana, Praça do Lido, balanço, o meu pai me balançando, minha mãe me levando para a praia bem cedo. Essas são as minhas primeiras lembranças: eu no Rio de Janeiro, com os meus pais.
(01:42:18) P1 - Obrigada, obrigada, obrigada.
R - Obrigada vocês, (risso) amei.
(01:42:24) P1 - Muito gostoso, espero que tenha sido bom.
R - Mexeu com tudo, né? (risos)
(01:42:34) P3 - Legal, obrigado. Eu vou desligar, tá bom? Show. Obrigadão.
R - Tá bom.
Em Ondas
Ondas de tristeza, ondas de desamparo, ondas de amor e reencontro, é assim o luto da perda da mãe, nadando por vezes num oceano de imagens, flutuando; outras em um eterno desamparo, inspirando e respirando de forma ansiosa. Então, uma nova onda de ternura, lembranças da infância dão aconchego, o cafuné, as doces palavras, as cantigas de ninar, o retorno ao calor dos seus braços, ao odor de amor da sua pele, ao melhor de você, ao melhor de nós.
Assim, em ondas, é o luto da perda da mãe, um breve retorno à onda e paz da barriga da Grande M/ãe, sentindo a força maior da natureza e do transgeracional, impossível não retornar à Eva, à Gaia, à Hera, a Deméter, a mãe, a avó e todas as nossas mães.
Quando abraço a minha filha amo essa onda, é aí que me reencontro com você, mamãe, quando sou mãe sou todas as mães, sou uma.
Mãezinha na Janela
Te vi brincando ali na janela, bem pertinho, janela das percepções, portais dos sonhos, eu e Mel, mana e Liz, cada duas em uma janela, você na outra, do lado de lá, mostrando as línguas, sorrisos fáceis, alegria lúdica, simples. Ah, minha mãezinha, que sonho de infância, um lindo reencontro, linguagem do amor.Recolher