Projeto Mestres do Brasil
Depoimento de Antonio Carlos de Oliveira
Entrevistado por Julia Basso e Winny Choe
Rio de Janeiro, 30/09/2008
Realização Museu da Pessoa
Entrevista OFMB_HV032
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisada por Paula Bonfatti e Ligia Furlan
P/1 – Antonio, pra começar eu queria que você me falasse o seu nome completo, a cidade onde você nasceu e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Antonio Carlos de Oliveira Santos, nasci na cidade do Rio de Janeiro, em 13 de junho de 1959.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – A minha mãe chama-se Nilda de Oliveira dos Santos, e o meu pai Geneci Valério dos Santos.
P/1 – E eles nasceram, também, no Rio?
R – Todos os dois. O meu pai é de Campos, e a minha mãe é de Vassouras.
P/1 – Você conheceu os seus avós?
R – Conheci. O pai da minha mãe não, o pai da minha mãe falesceu com 33 anos, mas eu considero como avô, né, o padrasto, que por sinal também é o meu padrinho.
P/1 – E eles são daqui também, dessa região?
R – São também, são também, são do Rio de Janeiro.
P/1 – E vocês moravam todos juntos quando você era criança?
R – Os pais do meu pai eram de Campos, os pais da minha mãe moravam juntos sim, nós morávamos próximos.
P/1 – O que os seus pais faziam quando você era criança?
R – O meu pai era ferroviário, e a minha mãe professora.
P/1 – Onde vocês moravam?
R – Nós morávamos em Nova Iguaçu, na rua, na Travessa Joaquim Leitão, no Bairro Califórnia.
P/1 – Você se lembra como era a casa?
R – Lembro, era uma casa muito simples; quarto, sala, cozinha e banheiro, o que a gente chama de “meia água”.
P/1 – Meia água?
R – É, uma meia água é uma vida simples, é vida de pobre. O meu pai ferroviário, na verdade, era um roleteiro, ele trabalhava na roleta. Minha mãe era uma professora que, na época, trabalhava o ano inteiro e recebia os vencimentos no final do ano. Quer dizer, era uma...
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Depoimento de Antonio Carlos de Oliveira
Entrevistado por Julia Basso e Winny Choe
Rio de Janeiro, 30/09/2008
Realização Museu da Pessoa
Entrevista OFMB_HV032
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisada por Paula Bonfatti e Ligia Furlan
P/1 – Antonio, pra começar eu queria que você me falasse o seu nome completo, a cidade onde você nasceu e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Antonio Carlos de Oliveira Santos, nasci na cidade do Rio de Janeiro, em 13 de junho de 1959.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – A minha mãe chama-se Nilda de Oliveira dos Santos, e o meu pai Geneci Valério dos Santos.
P/1 – E eles nasceram, também, no Rio?
R – Todos os dois. O meu pai é de Campos, e a minha mãe é de Vassouras.
P/1 – Você conheceu os seus avós?
R – Conheci. O pai da minha mãe não, o pai da minha mãe falesceu com 33 anos, mas eu considero como avô, né, o padrasto, que por sinal também é o meu padrinho.
P/1 – E eles são daqui também, dessa região?
R – São também, são também, são do Rio de Janeiro.
P/1 – E vocês moravam todos juntos quando você era criança?
R – Os pais do meu pai eram de Campos, os pais da minha mãe moravam juntos sim, nós morávamos próximos.
P/1 – O que os seus pais faziam quando você era criança?
R – O meu pai era ferroviário, e a minha mãe professora.
P/1 – Onde vocês moravam?
R – Nós morávamos em Nova Iguaçu, na rua, na Travessa Joaquim Leitão, no Bairro Califórnia.
P/1 – Você se lembra como era a casa?
R – Lembro, era uma casa muito simples; quarto, sala, cozinha e banheiro, o que a gente chama de “meia água”.
P/1 – Meia água?
R – É, uma meia água é uma vida simples, é vida de pobre. O meu pai ferroviário, na verdade, era um roleteiro, ele trabalhava na roleta. Minha mãe era uma professora que, na época, trabalhava o ano inteiro e recebia os vencimentos no final do ano. Quer dizer, era uma família bem simples, vivia com dificuldade. Então a nossa casa era muito simples, mas não faltava uma coisa superimportante, eu acho que a família, o amor, o respeito que a gente tinha entre si era muito grande.
P/1 – Tinha quintal essa casa?
R – Não, muito pequeno.
P/1 – E do que você brincava nessa casa, quando você era criança?
R – Bom, eu era moleque. (riso) Gente, eu acho que fiz de tudo que uma criança com saúde faz, né? Soltei muita pipa, joguei muita bola, trepei muito em árvore! Meu avô costumava pegar a gente... Quando crianças nós tínhamos um sitiozinho, um sítio em (Maribelo?), e nos levava para lá. A gente subia morro, andava pelo meio do mato, catava banana no meio do bananal, madura. É uma coisa que a gente não vê mais hoje em dia, não é? Eu acho que a minha filha não vê mais isso, não é? Eu acho que a cidade tomou conta, e os espaços estão, cada vez mais, menores, esse tipo de coisa, a coisa está muito, assim, comercial, não é? Existem os bananais, os bananais comerciais, não é o que a gente tinha antigamente, que era plantado, ali, para uso próprio, não. É, não tinha o objetivo da venda, e a gente entrava ali naquele meio, e era a banana, era o mamão, a manga, era muito bom! Era eu, os meus primos... Era uma bagunça danada, e eu sinto muita saudade disso.
P/1 – Você ia com os seus primos para esse sítio?
R – Íamos, íamos, e era sagrado, quando não podíamos ir a gente aproveitava ali, próximo de casa mesmo, mas sempre que possível o meu avô levava.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã.
P/1 – Ela ia com vocês também?
R – Ia, era a turma toda.
P/1 – E como era nas férias?
R – Não tinha um período específico, geralmente, era no final de semana (que?) a gente não tinha aula, período que a gente estava em casa. E ele gostava muito lá de cima. Eu acho que a vida dele era aquele sítio, e ele passou um pouquinho disso para gente.
P/1 – E o que você gostava de comer, tinha alguma coisa especial na sua infância?
R – Gente, uma senhora está já há bastante tempo falecida. Eu não sou jovem né, mas a gente lembra. Eu costumava, nas épocas de festas... Ela fazia um angu à baiana. Gente, até hoje eu nunca mais vi fazer igual, era sentar e comer, e comer, e comer (riso), enquanto tinha a gente estava comendo, era muito bom!
P/1 – Como era esse angu?
R – Bom, é com fissuras, não é? Mas era muito bem feito, porque a gente vê um angu à baiana hoje, ele não tem gosto, e o dela, eu não sei o que ela fazia naquele danado daquele angu que a gente quanto mais comia, mais vontade tinha. A fissura não tinha gosto de fissura, o tempero era diferente, não é esse tempero que a gente vê hoje. Eu acho que é da mão da pessoa, é o jeito de se lidar com as panelas, a gente costuma dizer.
P/1 – E quem era ela, essa cozinheira?
R – Dona Maria!
P/1 – Ela era uma amiga da família?
R – Era uma amiga da família.
P/1 – Mas ela costumava ficar próxima de vocês?
R – Sempre, ela era rezadeira, era a nossa rezadeira. Quando a gente tinha alguma coisinha: “Ih, está mal olhado, é mal olhado! Procura a Dona Maria que ela reza”. E era batata! Era ir lá, a Dona Maria rezar e a gente já levantava e ia embora para casa. É meio que superstição, não é? A gente sabe disso, mas na nossa época valia, a gente não tinha essa visão que se tem hoje.
P/1 – Você se lembra de alguma situação em que você ou alguém da sua família se consultou com ela?
R – Toda vez que a gente se sentia mal, que achava que estava com mal olhado, eu sempre procurava, eu não precisava pedir, eu já chegava: “A senhora dá para me rezar?”. Já ia com aquela mudinha de vassoura, aqueles matinhos que a gente tem, que chama de vassoura, né? Chegava lá com a vassoura e entregava. Ela, na mesma hora, sentava e fazia as orações. Interessante era a hora que ela dizia: “Eu vou despachar o seu mal olhado”. Ela olhava diretamente para o Sol e rezava olhando para o Sol, eu não sei como que ela aguentava, era complicado! Mas são coisas que a gente grava e marca.
P/2 – Antonio, nesse sítio do seu avô, você se lembra de alguma aventura, de alguma travessura?
R – Eu lembro, só tinha travessura, (riso) é o que mais se fazia. Eu lembro uma vez que eu saí com a minha irmã − ele levou a minha irmã −, e nós não tínhamos... Éramos só nós dois, brincar como? Então tinha uma várzea assim, que passava por baixo. A gente olhava assim, aquela coisinha, bem um filetizinho de água até, aquela água enferrujadazinha que costuma passar: “Vamos brincar de pescar”. E o que a gente fez? Eu peguei uma vara de bambu, a minha mãe estava até na varanda, eu não lembro se era a minha mãe ou se era uma tia minha, e a gente brincando, eu peguei e amarrei uma bota velha na ponta da vara, né, levantei: “Olha o que eu pesquei aqui”. Alguém tirou a foto, essa foto a minha irmã ainda tem guardada, de vez em quando a gente senta e olha esse tipo de arte. Ah, eu já catei muito caranguejo embaixo de pedra também, nesse sítio. E tinha, assim, uma cachoeirazinha que a gente fechava, represava a água e fazia de piscina, ou andava pelo meio do mato mesmo, pela própria cachoeira, levantando as pedras e catando os caranguejozinhos para a gente degustar nas tardes, era bom!
P/1 – Quem preparava o caranguejo depois?
R – Ah, era a gente mesmo, botava na água e sal, e salve-se quem puder! Quem pegar primeiro é dono! (riso) Porque não era muita coisa.
P/1 – Antonio, você costumava ir à ferrovia com o seu pai?
R – Não, não! Porque era uma coisa muito assim... Trabalho é responsabilidade, como ele trabalhava com dinheiro, com roleta... E até mesmo as próprias normas da empresa não deixavam a gente estar com ele, mas eu levava alguns, tá? Não era próximo de casa, tinha que pegar condução, e num desses passeios eu me distraí, passei do ponto onde tinha que saltar, e quando dei por mim eu estava perdido, e eu só tinha o dinheiro para ir e para voltar, eu consegui chegar até onde ele estava, mas para chegar em casa naquele dia foi um sufoco.
P/1 – Como é que foi, você se lembra?
R – Tem muito tempo! Eu sei que eu estava com uma pessoa conversando do lado, aí me distraí mesmo, porque a gente, ainda por cima, tinha que saltar naquele pontozinho certo, como quando a gente não conhece o lugar, presta sempre atenção, tem um ponto de referência, e eu me distraí, passei do ponto de referência, e o ponto de referência já não tinha mais. Eu sei que eu cheguei no ponto final do ônibus e fui obrigado a saltar e pegar o ônibus de volta, eu e a marmitinha na mão. Eu consegui chegar bem mais tarde e entregar, mas na volta foi um sufoco, porque era dinheiro de ida e de volta, né?
P/1 – E como você conseguiu voltar?
R – Ele conseguiu emprestado no serviço, porque na época que ele trabalhava como cobrador, né, bilheteiro, a coisa era muito controlada mesmo, porque a minha mãe só recebia nos finais de ano, trabalhava o ano inteiro para receber no final do período tudo aquilo que ela trabalhou. Quer dizer, tinha que acostumar a pegar todo aquele dinheiro e dividir para o ano seguinte nas despesas de cada mês, tinha que ser muito controlado, a coisa era muito escassa.
P/1 – Você se lembra se nas redondezas da sua casa tinha crianças?
R – Tinha! Ah, tinha!
P/1 – O que você fazia por lá?
R – Eu já pulei muita amarelinha, brinquei muito de queimada. Oh, eu acho que a minha infância eu aproveitei bem, eu pude tirar dela tudo que eu tinha o direito. Não fui rico, mas eu acho que de saúde e de amigos, na minha infância, eu acho que compensou tudo isso, né?
P/1 – Tinha algum amigo companheiro?
R – Sempre tem, tem que ter.
P/1 – E o que vocês faziam?
R – Bola, catar goiaba no quintal dos outros, trepar em pé de jamelão. Um ficava embaixo tomando conta para a dona não brigar, porque a gente estava lá em cima, enchendo o saquinho para descer, não é? Era assim, era aquela cumplicidade. Quando sobrava, tinha que sobrar para os dois, não podia ficar para um, sozinho. Mas era difícil pegar, porque tinha sempre um tomando conta.
P/1 – E você começou a ir para a escola quando?
R – Eu comecei cedo. Eu fiz... Hoje em dia não se conta mais dessa forma, mas eu comecei com o jardim de infância, eu comecei com quatro, cinco anos de idade. Eu fiz todo aquele trâmite legal que o pessoal faz de jardim, e faz primeira série, e a série A, série B. Hoje, é CA, maternal, né? Mas antigamente, era primeira série A, série B, e se fosse preciso, uma série C, até você estar alfabetizado.
P/1 – E você aprendeu a ler lá?
R – Aprendi, de certa forma eu já entrei quase que sabendo, porque a minha mãe era professora, então, a gente tinha o treinamento em casa também.
P/1 – Como é que ela ensinava vocês?
R – Bom, tem tempo né, mas eu acredito que seja usando aqueles caderninhos que a gente tinha antigamente, de caligrafia, que não adiantou muito, porque a gente acaba crescendo e escrevendo com muita pressa, e com a pressa, acaba voltando a letra ao que era antes, de ruim fica pior. Usando um caderninho de caligrafia e a própria cartilha que se usava na época. Ela era alfabetizadora também, acabou que quando eu entrei na escola eu já sabia algumas coisinhas.
P/1 – E essa escola era distante da sua casa?
R – Era próxima.
P/1 – Como é que você ia para lá?
R – A princípio a pé, e sempre acompanhado por alguém, por uma pessoa maior, porque na época, criança, a gente não podia ir só. Depois de certo tempo, já começando a caminhar por conta própria, eu passei a ir sozinho. A princípio a pé e depois de bicicleta.
P/1 – Você se lembra como era esse caminho?
R – Olha, mudou muito, mudou muito! Porque eu sempre morei no mesmo lugar por praticamente 30 anos. Na minha época de criança era só a minha casa e algumas casas ao redor, não muito próximas. O progresso vai chegando, vai se enchendo de imóveis à volta, conjunto residencial, prédios, não é? Mas quando criança, era praticamente uma linha reta até a escola, eu andava meus dois quilômetros aí, mas era uma linha reta, não tinha muita coisa, tinha mato! A gente via muito mato, na época.
P/1 – E esse comecinho de ir para a escola, você se lembra dos seus primeiros dias na escola, como foi chegar nesse espaço?
R – Lembro, e não lembro o nome da professora. Eu me recordo um sufoco que eu passei, eu não queria ficar. Eu acho que as coisas ruins a gente grava mais que as coisas boas, não é isso? Mas aquele primeiro momento foi muito ruim. Eu não consigo gravar nomes de professoras iniciais, uma, de repente, eu até arrisco, mas a primeira professora não, eu não lembro mais não!
P/1 – E você entrou na sala de aula... Era por série?
R – Por série. Foi no Jardim, Jardim de Infância, aquele primeiro contato com coisas que você não está acostumado. Eu sempre fui muito solto, solto no sentido de que não tinha com o que se preocupar na redondeza. Apesar das casas não serem tão próximas, todos se conheciam, então a gente estava sempre ali, naquele grupo de amigos, juntos. Era de um lado ao outro, era pipa, era bola, então sempre muito solto. E quando a gente entra numa escola você está preso, não é? De certa forma fechou aquele espaço que você tinha, e aquilo, para mim, foi apavorante, de você ter que ficar preso, ter que estar ali. É hora de entrar, é hora de sair, começar a seguir certas regras, aí a gente não está muito acostumado, nesse sentido foi meio difícil, o começo.
P/1 – E o que você achou para fazer lá na escola, para não ser tão...
R – Gritei muito, isso eu lembro, que eu gritei muito. (riso)
P/1 – Como assim?
R – Ah, quando você não está bem num lugar, que você quer sair, quando é jovem, quando é pequeno, eu acho que é uma forma de defesa que você tem, é uma forma de chamar a atenção. Mas eu acho que os primeiros dias foram bem difíceis. Depois a gente acaba acostumando, amizades, a gente conhece o grupo de alunos que estão ali, os colegas, e aí encaminha.
P/1 – E o que você passou a gostar de fazer na escola? Tinha algum lugar que você gostava mais?
R – Na infância, nas séries iniciais eu não... A minha recordação não é tão grande. A partir da quarta para a quinta série, na época... Porque não era a quinta série que a gente tem hoje, mas era a quinta série, era um acesso ao ginásio, é bem antigo. Aí já dá para a gente recordar alguma coisa, já fixar mais, até em função da própria idade. Mas eu gostava muito de jogar ping-pong, tinha umas mesinhas lá, de fundo, onde a gente merendava, a gente levava, fazia as raquetes em casa de tabuinha, aquelas bolinhas que quase que não quicam, e a gente passava a maioria do tempo ali. Quando estava com horário vago, horário de merenda, antes de entrar nas salas, sair, a gente jogava ping-pong ou uma bolhazinha, sem a professora brigar, porque ela não gostava muito que a gente entrasse na sala suado, não! Ninguém gosta, o cheiro é horrível. (riso)
P/1 – Teve alguma situação que te marcou, nessa fase?
R – Teve, mas já no ginásio. Isso eu não esqueço, eu estava, inclusive, numa mesa dessas jogando. Um amigo meu, que por sinal estava ganhando, a gente costumava passar, à medida que se ganhava a rodada, passava uma amigo para o outro lado. Eu estava praticamente sozinho de um lado da mesa, jogando, e um colega meu começou a brincar comigo, bater, eu pedi para parar, não parou, novamente eu pedi para parar, não parou, e eu, sem querer, virei e bati no nariz dele, e o sangue desceu. Não teve briga, a gente não brigou, mas nós ficamos um bom tempo sem se falar. Em um determinado momento a professora nos reuniu para fazer um trabalho de grupo, e esse amigo estava sem grupo, eu percebi, cheguei perto, primeiro pedi desculpas pelo que tinha acontecido e convidei esse amigo meu para participar do nosso grupo. Hoje ele é um dos meus melhores amigos, a gente vê como é que um simples ato muda praticamente uma vida inteira, não é? É uma pessoa que eu estou sempre em contato, e a gente não se desligou desde esse tempo. O interessante é que se eu moro em tal lugar ele me liga e marca, arruma um jeitinho de estar ali perto. A gente está sempre trocando ideias e chorando as mágoas um com o outro. Isso aí foi um fato que me marcou e que eu não esqueço.
P/1 – E você continuou nessa escola até quando?
R – Eu cursei até o terceiro ano, na formação de professores, nessa escola. Ela tinha do jardim até o terceiro ano, na formação de professores. Eu fiz todo esse trajeto.
P/1 – E no final do ginásio, quando você vai começando a ficar jovem, adolescente, você lembra o que você começou a fazer de diferente?
R – Lembro, foi o meu primeiro casamento. (riso) Foi quando começou o meu primeiro casamento. De oitava série para o primeiro ano da formação de professores, na época, foi quando eu conheci a minha ex-esposa, e nós até nos separamos, eu passei para a noite, porque eu estava tendo problemas, a gente quase não assistia aula, e ela ficou na manhã, passou para o dia. Na época ainda tinha o formação à noite, para que nós pudéssemos estudar, porque não estava dando certo. Concluímos o curso e casamos.
P/1 – Você já tinha tido namorada antes?
R – Olha, não! Eu sempre fui muito caseiro, eu sempre fui uma pessoa muito de casa, eu nunca fui muito... Mas depois da primeira vez que, puxa, a gente prova, aí fica meio sem vergonha (riso). Eu não vou dizer a você que depois disso eu não tenha tido outras, não! Mas antes dela, não.
P/1 – Como é que vocês se conheceram? Você se lembra como é que vocês se aproximaram?
R – Colega de sala! Na verdade não era ela que eu queria namorar, era uma outra, mas como não deu certo... E a gente, de tanto pedir para dar recado, acabou que o recado ficou para ela, e a gente começou a nos ver de forma diferente, até que um dia eu tomei coragem e pedi. Porque eu me formei muito cedo, eu me formei professor, na época, com 17 anos, então, para se ter uma ideia, eu era muito jovem, era na fase mesmo de princípio de adolescência, foi quando a gente começou a namorar.
P/1 – Como é o nome da escola que você se formou?
R – Institudo de Educação de Nova Iguaçu, na época. Hoje se chama Instituto de Educação Rangel Pestana, porque fundiu a escola de primeira à quinta série, na época, com o ginásio e ensino médio, aí fez uma escola só, porque eram vizinhos de muro, pertencente ao mesmo governo, então juntou e passou a se chamar Instituto de Educação, por conta do Normal, e é Rangel Pestana por conta do fundamental.
P/1 – E como você decidiu fazer o curso Normal?
R – Eu me pergunto isso até hoje! Por Deus do céu, uma pergunta que eu não consegui responder! Começou com a minha oitava série, eu tinha uma professora de ciências que separou a turma em grupo e pediu que nós preparássemos um trabalho para apresentar. Como eu sempre era o mais preguiçoso, nunca entrei de sola para montar o trabalho... Mas na apresentação sempre sobrou pra mim! Como eu não participei de forma ativa na construção: “Pelo menos a apresentação fica por conta de você”. Depois que eu terminei de apresentar, era um trabalho sobre cadeia alimentar, de ciências – interessante, a gente não esquece, né? – ela virou para mim, quando terminou a aula, isso já na oitava série: “Você já pensou em ser professor?”. Foi a pergunta que ela me fez, eu falei: “Ih, professora, larga disso, eu gosto muito de mexer com eletricidade, o meu caminho vai ser outro”. Passou. Aconteceu novamente numa apresentação de trabalho e, novamente, eu fui apresentar e o professor falou a mesma coisa. Nesse período eu estava procurando escola, porque eu ia sair do instituto, e eu encontrei, inclusive, uma escola que trabalhava com eletrotécnica, eletrônica, cheguei a fazer matrícula, mas eu não sei o que aconteceu, eu continuei na mesma escola e, quando me dei por mim, eu estava terminando o primeiro ano do formação de professores com uma aula de matemática. Terminei a aula, o professor virou para mim e disse: “Você já pensou em ser professor de matemática?”. Foi que eu acordei, foi naquele momento que eu percebi que eu estava na formação de professores. Então é uma pergunta que eu também não consegui responder para mim: “Por que você entrou?”, eu não sei, não sei. Eu só sei dizer para você que eu gosto muito, e isso já vai fazer mais de 30 anos. Eu já estou praticamente pendurando a minha chuteira e dando a minha vez para outro.
P/1 – E a elétrica, como você se interessava pela elétrica?
R – Ficou de lado. Eu sou curioso, mexo, futuco, quando não dá certo, explode. Mas eu não mergulhei de cabeça, faço o básico, a eletricidade ficou só para casa.
P/1 – Você já trabalhava, na época da escola Normal?
R – Trabalhava. Eu acho que foi o curso mais difícil para eu terminar, os dois últimos anos desse ciclo, que a gente chama de primeiro e segundo segmento, foi o mais difícil. Porque, na época, eu estava começando, chegando, beirando, aí a necessidade de ter que ajudar a família, e eu tive que trabalhar. Mas deu pra conciliar, tirando sete, sete e meio, os professores puxando a orelha, o único homem da turma: “Mas nós temos que compreender, não é sempre que a gente tem um aluno homem na turma de formação de professores”. E desse jeitinho eu fui até o final. Também, o que tinha de ruim sobrava só para mim, né? “Tem que ler!”, “Antonio, é você”, “Antonio, pega o material lá embaixo”. É o único homem da turma: “Oh, tem um trabalho pra apresentar na semana que vem, quem vai apresentar?”, “É o Antonio!”. Quer dizer, eu levei o curso todinho assim, praticamente pagando o pato por todo mundo: primeiro, por ser o único homem da turma, porque não era muito comum um homem fazer formação de professores, e segundo pela necessidade, às vezes, de chegar um pouquinho mais tarde, porque não dava tempo, o trabalho me prendia.
P/1 – Você trabalhava com o quê?
R – Eu trabalhei com tanta coisa, Jesus! Olha, eu já vendi verduras, eu já catei ferro velho, eu já fui mecânico de bicicleta, eu já fui mecânico de carro, técnico de informática... Deixa eu ver o que mais... Pedreiro, carpinteiro, pintor, eu acho que me fixei no magistério mesmo. (riso) Mas, a princípio, eu trabalhava mesmo na rua, eu trabalhei com venda, fui cobrador de uma loja que vendia produtos de cama e mesa, e muita coisa. A necessidade obriga, a gente não pode deixar faltar nada em casa.
P/1 – Onde você vendia verduras?
R – No bairro. Como eu disse para você, onde eu morava cresceu, não é um conjunto residencial. Eu pegava o meu carrinho de mão, passava no boteco do meu tio − que ele vendia verduras −, jogava no carrinho: “Quanto é que você quer?”, “Ah, quero tanto. O que você vender além disso é teu!”, “Tá legal, vamos embora”. E saía por ali, se o preço era “x”, eu botava o “x” mais alguma coisa em cima e era o meu ganho. Às vezes eu ganhava mais que ele.
P/1 – E como era, você ficava em contato com várias pessoas?
R – Ficava, sempre! Eu conhecia o bairro inteiro: primeiro porque eu vi crescer, a primeira família que mudou para o bairro ainda estava cercado com arame, que a gente não podia entrar no conjunto, né, mudou para ali, apesar de não poder entrar. As ruas eram certinhas e a gente sempre tinha uma bicicleta para andar, e o melhor lugar pra andar de bicicleta é numa rua certinha, né? A gente pulava aquela cerca, o vigia não esquentava muito a cabeça, a gente andava na rua de bicicleta. À medida que o pessoal ia mudando, ia chegando, a gente ia fazendo amizade, acabou que a gente passou a conhecer todo mundo, e desde moleque. Então ia pra frente, era só jogar o carrinho, passar, bater, e falar: “Vai verdura?”. Aí vai largando. Eu não levava meia hora para vender o meu carrinho, era rápido.
P/1 – Você se lembra de alguém especial no seu bairro que você convivia quando você vendia verduras?
R – Especial, especial... Eu tinha muito, vamos dizer, não são amigos, tinha colegas. Porque para ser especial tem que ser um pouco mais que colega. Como eu coloquei ainda há pouco, amigo mesmo é esse que eu trouxe da época de colégio, porque eu sei que se eu precisar de alguma coisa é só ligar pra ele, da mesma forma, eu sei que se ele ligar para mim eu estou pronto pro que der e vier.
P/2 – Qual é o nome desse amigo?
R – Adilson, Adilson. Eu acho que são amizades que a gente não pode esquecer. Então, especial, assim, eu não tenho. Colegas eu tive muitos, vi muitos colegas meus, da minha época de infância... Porque a gente sabe que o mundo em que a gente vive, hoje, é complicado. Vi muitos colegas meus, de futebol, pipa, ficarem pelo caminho, e eu segui em frente. Se envolviam com o que não devia e a gente se afastava por conta disso. Porque eu estou aí hoje!
P/2 – Antonio, conta uma história que você já passou com o Adilson. Deve ter passado várias, na verdade, né?
R – Muitas, eu, meu Deus! (riso) Tem uma história com o Adilson... Teve uma vez, que nós costumávamos sair eu, o Adilson, e tem um terceiro, esse terceiro não era tão amigo quanto o Adilson, mas a gente pode chamar de amigo ainda, porque amigo é aquele que a gente vê sempre, mesmo nos momentos bons ou, principalmente, nos ruins. Eu perdi o contato com essa pessoa, mas saíamos sempre os três. Nós saímos num final de semana, coisa de adolescente, coisa de... É terrível. Saímos no final de semana, minha mãe tinha, na época, alugado uma casa próxima à Itacuruça, mais especificamente em Coroa Grande, e saímos, fomos passar um final de semana, saímos numa sexta-feira à noite pra chegarmos lá em Coroa Grande. Isso já foi uma aventura, porque na época não tinha condução, para chegar em Coroa Grande foi um terror, não tinha aquela estrada maravilhosa que vocês passam, era estrada de chão. Na maioria das vezes a gente tinha que fazer um tour, sair de Nova Iguaçu, ir para Deodoro, de Deodoro saltar e pegar outro trem para Santa Cruz, saltar novamente e pegar um outro, chamado Mata Sapo, para poder chegar até lá. Era um dia de viagem. Então saímos pela Coroa Grande, nós chegamos lá à noite, e não tinha nada pra fazer, a primeira coisa que a gente: “Ah, vamos comer o quê?” − não tinha nada − “Vamos procurar lá fora”. Chegamos na cidade, tudo fechado, voltamos pra casa. Antigamente tinha uns pacotes de sopa pronta, e tinha um pacote dessa sopa pronta em pó lá dentro do armário, eu não sei nem se estava na data de validade. Olha, que coisa horrível, eu nunca comi uma coisa tão ruim quanto aquilo, mas eu estava com fome: “Vamos comer esse negócio aí, e amanhã cedo a gente compra”. Comemos aquilo e saímos ali, para dar umas voltas. Encontramos o pessoal, morador do local, e a gente, jovem: “O que tem de bom, o que vai acontecer?”, nós descobrimos que ia ter uma festa no Iate Clube. Olha um pro outro... Eu andava duro, o Adilson mais duro que eu, e esse meu amigo, Linandro era o nome dele, ele sempre teve uma situação muito melhor que a nossa, ele sempre dizia que não tinha, mas na verdade, tinha sempre alguma coisa oculta, não sabia de onde saía, mas sempre tinha. Então nós descobrimos que ia ter um baile no dia seguinte, nesse Iate Clube: “Muito bem, nós vamos ao baile”. Voltamos para casa. No dia seguinte, levantamos cedo e fomos tomar um café fora, porque não tinha nada dentro de casa. Compramos alguma coisa para fazer no almoço e nos preparamos pro baile, a festa no clube: “Agora, sim, vamos lá!”, “Como é que a gente vai pro clube? Eu só tenho dinheiro da passagem pra voltar”. Eu e o Adilson, ele está quieto, o Adilson: “Eu não vou, não! Eu vou ficar por aqui, porque eu não vou ao baile sem dinheiro. Eu vou chegar lá e vou ficar fazendo o que na porta? No baile a gente tem que estar dentro, não fora”. Isso foi até quase a hora do baile. Quando estava dando a hora, aí vira o Linandro e diz assim: “Olha, eu tenho um dinheirinho aqui guardado”. Ele apareceu com um dinheirinho e pagou a entrada da gente. Fomos pro baile, estamos lá no baile e toca, e toca, e toca, estamos no cantinho sentados, sentados no pé, no cantinho, aí o Linandro vira pra gente − esse amigo que tem sempre alguma coisa escondida e que a gente nunca sabe: − “Ah, eu estou cansado de ficar em pé, vamos sentar naquela mesa ali? Vamos sentar na mesa!”. Sentamos na mesa, 15 minutos depois vem o garçom: “Tem couvert, vocês vão ter que pagar a mesa”. Eu olho pro Adilson, na mesma hora eu levantei, o colega também levantou e o Linandro está sentado, aí ele virou: “Senta aí que eu pago”, “Ah, você paga? Então a gente senta”. E isso foi, nesse enrola: “Eu pago”, “Eu não faço”. E começou o baile pra valer, e toca, toca, toca, e dança... Nessa época, a gente começando, adolescente sempre bebe alguma coisa: “Vamos tomar uma cerveja”, isso falou o Linandro, aí eu olho pro Adilson, Adilson olha pra mim: “Eu não tenho dinheiro, nem ele!”. Quer dizer, a gente pensou um olhando pro outro, aí ele meteu a mão no bolso: “Vai lá, compra duas cervejas”. Ele foi lá, comprou duas cervejas, voltou e botou na mesa. Depois da sexta, a gente olhava lá pro... O baile encheu. Ah, mas a pista de dança está lá, linda, maravilhosa, vazia, e depois de seis cervejas, adolescentes, já está todo mundo mais pra lá do que pra cá, né? Aí, o Linandro vira pro Adilson: “Pega mais duas”, o Adilson olha pra mim, eu olho pro Adilson, falei: “Isso não vai prestar!”. O Adilson foi, quando voltou, ao invés dele dar a volta, ele veio pelo palco, parou no palco com duas garrafas de cerveja e começou a dançar (riso), começou a dançar, e nisso que ele começou a dançar o colega levantou, foi lá, pegou as cervejas, botou na mesa, sentou, levantou, não foi pra pista, mas começou a dançar ali. Eu sempre fui o mais quieto, estou olhando, aí chegou uma hora que o camarada que estava tocando, botando as músicas pra tocar, chegou perto da gente e perguntou: “O que eu estou fazendo de errado que ninguém dança?”. Um olhou pro outro: “Você quer encher a pista? Espera aí!”, disse o colega que estava bancando: “Levanta todo mundo, vamos lá dançar”. Aí fomos nós três, três palhaços lá, dançando! E começou, e toca, e dança, e foi juntando gente, foi juntando, foi juntando, quando a gente deu por si, a pista estava cheia. Voltamos para a mesa, e nós não pagamos mais nada a partir desse momento, (riso) foi tudo por conta da casa. Esse foi um fato que eu nunca mais esqueci. A gente saiu dali tão doido, tão doido, que do jeito que a gente estava, a gente não sabia nem o caminho de casa. Nos demos por si que o dia estava amanhecendo e nós tínhamos tomado banho de mar com roupa e tudo. Eu penso que, pelo menos, eu não percebi, (riso) mas esse fato não dá, é um dos fatos que não dá para esquecer. É, mas foi muito louco, a gente era muito louco!
P/2 – Conta mais uma.
R – Não, eu vou ficar o dia inteiro contando (riso).
P/2 – Conta, nós estamos aqui para isso!
R – Esses três não eram fáceis! (riso) A minha mãe também teve casa alugada em Sepetiba, praia, bem próximo! Nós, na época... Foi quando eu comecei a fumar. Eu parei. E nós saímos, também à noite, pra lá. As nossas aventuras sempre foram à noite. “Nós vamos para lá estudar para a prova do colégio Normal. Vai eu, o Linadro e o Adilson”. Saímos de casa ia dar cinco e meia para as seis horas. Peguei a chave com a minha mãe e saímos, sempre eu com o Adilson duros, quer dizer, dessa vez eu não estava tão duro, mas ele sempre teve uma situação melhor que a nossa. “Vamos para lá!”, e saímos! Aí ele olha pra gente: “Ah, vamos pra lá de mão vazia não! Vamos levar um lanchinho, porque nós já apanhamos por aí”. Passamos, na época, num mercado que nem existe mais, em Nova Iguaçu. E ele foi, é lógico... Eu, pelo menos eu e o Adilson compramos pão _______, pegamos o queijo com presunto, e ele foi pra seção de bebidas e traz uma garrafa de conhaque Dreher: “Não vai prestar, para quem vai estudar para prova de colégio Normal, não vai prestar!”. Tá bom! Saímos dali, passamos em frente a um barzinho, na época, saiu um cigarro preto – eu não lembro nem o nome dele, é um cigarro preto e fininho – ele comprou, praticamente, umas quatro carteiras daquele maço de cigarros. Aí é bebida com cigarro, vamos nós. E para minha mãe nós íamos estudar pra prova do colégio Normal. Já foi no ônibus uma bagunça danada, porque eles eram doidos, né? Fomos até Sepetiba, quer dizer, aquela viagem toda: vai pra Deodoro, de Deodoro novamente, só que ao invés de pegar __________, pegamos lá em Santa Cruz um ônibus para Sepetiba. Chegamos em Sepetiba quase onze horas da noite. Saltamos, aí começa: “Nós vamos fazer alguma coisa pra comer, porque nós não vamos ficar aqui sem comer nada!”, “Tá legal”. Aí fizemos, lá, um sanduíche: “E vamos beber com o quê?”. Aí, ele olhou pra garrafa de conhaque: “Eu não vou beber isso, não! Eu vou dormir, porque amanhã eu vou acordar cedo”, mas ele não se contentou, enquanto a gente não saiu para ir comprar o refrigerante para misturar com aquilo, ele não se conteve. Compramos o refrigerante, trouxemos e começamos a usar aquele bendito cigarro preto – que coisa horrível, gente! A gente faz cada loucura na vida, né? – Está legal! No dia seguinte... Isso foi à noite, e o livro que é bom, que nós levamos, a gente não abriu! No dia seguinte levantamos cedo, ele saiu, aí a gente não viu, ele acordou um pouco mais cedo que a gente, que eu e o Adilson, foi no açougue e comprou carne, comprou mais refrigerante... E ele nunca tem dinheiro, até hoje eu queria saber de onde ele consegue tirar aquele dinheiro escondido dele, que a gente via as coisas saírem, mas não sabia de mais nada, mas sempre aparece, parece que ele tinha um lugarzinho escondido no sapato pra poder guardar. Ele apareceu com aquela carne e com as bebidas. Aí, fechamos a casa toda e fomos lá para os fundos da casa, e assim fazíamos o churrasco, churrasco com Dreher misturado com refrigerante, e o bendito cigarro preto. Quando, de repente, bate na porta. Quem é? Bom, bateu à porta, quem era? A minha mãe, meu pai, minha irmã, aí foi uma correria que só. Quando a gente abriu que falou: “Oh, Dona Nilda!” − quem abriu foi o Adilson: − “Oh, Dona Nilda!”, que estava lá. Olha, eu vi cigarro voando, era garrafa sendo escondida, era bebida sendo entornada: “O que vocês estão fazendo aí?”, “Nós estamos estudando”, “Como?” “Ah, estamos estudando” − com o livro na mão, né? − “Como vocês estão estudando, o livro está de cabeça pra baixo!” (riso). Aí o meu pai me chamou num cantinho: “Oh, esse copo está com um cheiro estranho” (riso). Isso aí também foi uma situação que eu vivi com os meninos e que a gente também não esquece, são coisas de adolescentes.
P/2 – Mas o que os seus pais falaram?
R – Não falaram nada, porque não conseguiram descobrir, só sentiram o cheiro e o livro de cabeça pra baixo (riso). Prova, não tinha prova!
P/1 – E você tem mais alguma que você queira contar?
R – Tem um monte. Eu sempre fui muito pescador também, aí já não é mais de infância, não. Se eu começar a contar as histórias da minha infância... Como eu te disse, graças a Deus, eu nunca fui pessoa de ter dinheiro no bolso, mas eu sempre vivi bem a vida, de forma positiva, porque quando a gente vive de forma positiva... Eu estou aí hoje, ainda, pelo mundo em que eu vivi... Mas já numa fase mais avançada, eu sempre gostei muito de pescar, e em uma dessas pescarias que eu fiz na vida, eu saí com um grupo de colegas também, aí já não são amigos, são colegas, e a gente entra em um carro: “Vamos pescar? Tem uma vaga aqui”, “Tá legal!” “Então, vamos embora”, e saímos para pescar, numa praia em Niteroí, a chamada praia do Adão, bem lá pra dentro, perto do Forte, antes um pouquinho do Forte. E nessa noite nós chegamos lá, chegamos à tardezinha, levamos o material para as pedras e começamos a fazer a nossa pescaria. O Robinho pesca, o Jorge pesca, o Paulinho pesca, o outro camarada pesca, o fulano pesca, e eu não pesco nada. Estou aqui, e a hora vai passando, e todo mundo pescando, até siri no anzol tiraram, e eu estou lá, nem uma beliscadinha. Chegou um determinado momento em que viraram pra mim: “Você é pé frio, hein? Você sai lá de Nova Iguaçu pra pescar, chega aqui, molha a isca e não coloca nada dentro dessa bendita caixa de isopor!”. Uma caixa de isopor imensa! “Não bota nada aí dentro, por quê?” e a hora foi passando e eu estou lá, sentadinho, eu e a minha varinha. Quando foi, mais ou menos, por volta de uma e meia da manhã para duas horas, o pessoal cansou, um foi pescar lá num cantinho, o outro deitou aqui do lado, o outro deitou mais em cima, um foi andar na areia, e eu lá, com a minha varinha, perseverante. Todo mundo dormindo... Isso, a partir de uma hora, quando o dia começou a querer clariar, minha varinha mexeu, então eu estou lá, puxei o primeiro peixinho, o primeiro peixinho! – não é de pescador, não, tá? – O primeiro peixinho! Joguei de novo, a linha bateu na água, lá vem o segundo peixinho, botei lá, joguei de novo a linha na água, com dois anzóis, agora, vêm dois peixinhos. Eu estou quieto, olhando para eles, porque eu sou o pé frio! Então eu estou botando no isopor. E joguei de novo, peguei, a gente chama de molicano, é uma linha numa lata, joguei na água, peguei na linha e peguei uma vara, e estou lá jogando. Eu sei que quando deu cinco e meia da manhã, que o dia estava praticamente claro, eu fui chamar os meninos que estavam dormindo: “Como é, vocês não vão pescar, não?” e eu com a minha varinha batendo aqui. Aí acordou, o cara viu eu batendo, fazendo força: “Vocês não vão pescar, não? Oh aqui!” e eu com outra aqui na mão, também batendo: “Faz um favor pra mim? Você tira essa aqui pra mim que eu vou tirar essa aqui”. Ele tirou, e eu aqui: “Ah, não vai tirar não? Tira pra mim”. Quando ele tirou os peixes e foi jogar na caixa, eu deixei a caixa de isopor até as tampas de peixe! Eu olhei: “Mas vocês são pé frio, hein? Que pé frio!”. Foi uma pescaria que eu nunca esqueci.
P/1 – Onde é que vocês estavam pescando?
R – Em uma praia em Niteroí, chamada praia... Eu não sei se é do Adão ou da Eva, porque tem o nome, eu acho que é Adão e Eva, né? Antes do Forte, em Niterói.
P/1 – Antonio, voltando um pouquinho para a sua juventude, você se formou lá na escola Normal?
R – Isso!
P/1 – E como foi, você se casou, é isso?
R – Não, não foi logo, de imediato. Eu a conheci, pedi autorização para namorar, namorei oito anos, depois de oito anos, casei. E levei 26 anos de casado para descobrir que não estava dando certo, aliás, antes dos 26 anos. Eu só vivi 26 anos, porque eu tenho dois filhos, e eu esperei o primeiro, o mais velho se formar na faculdade. Eu acho que é responsabilidade de pai. Quando eu percebi que os meus filhos não dependiam mais de mim: “É a hora de eu ser feliz na vida”. Foi a hora que eu dei o grito de independência, mas também não deixo faltar nada para a ex e nem para atual, por uma questão de compromisso, pai é pai, não é?
P/1 – E teve festa quando você se casou?
R – Teve, mas eu não vi, porque geralmente quando a gente casa – eu não sei se vocês já passaram por isso – quando eu casei, o fotógrafo não deu colher de chá, eu fui fotografado da hora que entrou na igreja ao final da festa, ele só parou de tirar fotografia quando eu disse, assim: “Eu vou embora, porque nem falar com os convidados eu consegui direito”. O que eu me lembro da festa está fotografado, porque a festa em si, eu não lembro, não deu! Ele me levou pra tudo quanto foi lugar, menos pra minha festa (riso).
P/2 – E a formatura da escola Normal, como é que foi?
R – Estranha, porque estava todo mundo de branco, bonitinho, e o único camarada de cinza era eu, porque eu era o único homem a se formar, não é? Mas foi bonita, foi bonita! (riso)
P/2 – E essa sua experiência de ser o único homem na sala, deu pra aprender um pouco mais sobre o universo das meninas, como é?
R – Não deu não! Mulher é estranho! Quando você pensa que você entendeu, ela complica tudo de novo. E olha que eu vivo isso, eu sou professor de escola Normal também. E isso aí não tem como mudar, quando você pensa: “Ah, eu entendi!”, não, está começando outra vez, muda tudo, é muito irregular (riso). Você está rindo, é verdade!
P/2 – Mas como é que foi então, você não tinha nenhum colega, nenhum professor homem que você pudesse compartilhar?
R – Os poucos professores que eu tinha, homens, eram justamente aqueles que mais me exploravam. Mas eles não foram alunos de escola Normal, eles eram professores do curso normal, mas oriundos de uma faculdade, não resignados ali do colégio Normal, pra depois fazer o curso superior, pra voltar pra lá, não!
P/2 – E os seus pais, gostavam que você estivesse fazendo o Normal? O que eles achavam?
R – A minha família toda é de professor! O meu pai não; mãe, tio, tia, tudo! Mas a maioria dos meus parentes são professores, então eu acho que foi indiferente, era mais um. Eu acho que foi por isso que eu não percebi de ter iniciado o curso Normal.
P/1 – E quando que você começou a ir para a sala de aula?
R – Eu estava no segundo ano do Normal e eu comecei, já, a trabalhar como estagiário. A minha primeira turma foi uma turma de terceira série. Interessante é que eu entrei nessa turma no dia 22 de abril de 1977, 22 de abril de 1977! Por que eu lembro? Porque eu consegui errar a data do descobrimento do Brasil, eu troquei e disse que era dia de Tiradentes, de tão nervoso que eu estava, porque eu não fui preparado para dar aula naquele dia, eu fui me apresentar e conhecer a turma que eu iria trabalhar, só que, quando eu me apresentei, que me colocaram na frente da turma, a pessoa disse assim: “Fulana, chega aí! Esse é o professor da turma, pode sair! Entra!”. E eu entrei, olhei pra mesa, não tinha nada, tinha um giz e um apagador. Olhei pra turma, tudo olhando pra mim, quer dizer, um professor homem é diferente, porque é novidade em ensino fundamental. E aí? Eles olhavam para mim e eu olhava para eles: “O que eu vou fazer?”. Lembrei que era dia 22, só que eu disse que era dia de Tiradentes, e não era, era do descobrimento do Brasil (riso)! Troca isso da cabeça do aluno depois, porque a primeira impressão é a que fica. Eu dei uma aula de história, mas tudo trocado! Mas o desespero foi muito, aquela sensação, a primeira vez marcou.
P/1 – Era a terceira série?
R – Do fundamental.
P/1 – Um?
R – Antigamente era: primeira, segunda, terceira, quarta e quinta. Então, eu estava na terceira, não tinha essa separação de primeiro segmento, segundo segmento, que tem hoje. Eu entrei para pegar aquela terceira série do fundamental, dar aula, e dei. Um desastre né, mas dei! Aí teve um problema sério, porque eu fui com fome, eu não fui preparado para dar aula, quer dizer, eu não tinha lanche, a escola não tinha merenda. Foi no intervalo... Aquele tempo intermediário que vai das onze até as duas da tarde, dez e meia, se não me engano, na época, até duas e meia da tarde, que era o horário do turno do meio, porque eram quatro horários antigamente, hoje são três, não é? Aquilo foi uma loucura! Isso não dá para esquecer, a primeira experiência marcou.
P/1 – E teve alguma repercursão na escola, essa troca?
R – Na época eu tinha 17 anos, eu comecei a minha vida como professor aos 17 anos, foi muito novo para mim, e mais ainda para o aluno, porque o que corria na escola não era o professor da terceira série, mas era o professor homem, diferente, não é? Uma novidade numa escola onde só tinha mulheres e você aparece de repente, no meio. Eu passei por poucas e boas, não dá para esquecer não. Levei muito bilhete pra casa.
P/1 – Você se lembra de alguma situação em que isso...
R – Eu não vou contar não! É complicado. Eu não vou contar não! (riso) Me deixou numa situação muito ruim, isso eu não quero nem lembrar. Lembro! Muito ruim! Agora, bilhetes, telefone, até de colegas mesmo de profissão você recebe, você tem que ter muito a cabeça no lugar e entender que o espaço de trabalho tem que ser... Pra mim ele é sagrado! Eu não misturo as coisas, tá? Isso a minha mãe me ensinou: “A única coisa que o pobre...” − porque todo professor, com certeza, é pobre – “... o que tem valor é o nome, então, zele por ele”. É o que eu faço.
P/1 – Era bilhete de paquera?
R – Era. Não, até nas provas! Provas, trabalhos, vinham cartas. Às vezes você tinha um trabalho pronto com uma carta atrás. Isso acontece muito, tanto com professora... Hoje em dia principalmente, com professora como professor. Se você não for responsável naquilo que você faz, você faz muita besteira.
P/2 – E essa sedução que acontece das alunas ficarem apaixonadas pelo professor, no começo, não foi difícil lidar com isso?
R – Foi, porque para mim foi uma experiência nova, já começou logo, na terceira série. Para você ver, pra mim foi uma loucura, eu não sabia como lidar com isso. Hoje em dia, não! Macaco velho já sabe, faz de conta que não vê, não é? Não dá muito ouvido. A maneira que a pessoa chega, hoje em dia, já não é como antigamente. Antigamente te mandavam bilhete, hoje é na cara de pau, já te olha e fala. Aí, você faz de conta que não percebeu, dá uma de bobo. Mas é gostoso você saber que tem alguém que te vê de forma diferente, mas, ao mesmo tempo, é gostoso, você tem que se colocar, ali, na situação toda, a questão da responsabilidade, a questão da ética. E isso aí eu cobro dos meus alunos.
P/1 – E você era o professor da sala para todas as matérias?
R – Era! Atividades, o fundamental é atividades, você trabalha com tudo.
P/1 – E como era transitar por todas as matérias... Né, porque aí você tinha que preparar a aula.
R – Tinha, tinha planejamento. A gente faz o planejamento, trabalha em cima do planejamento, muitas das vezes. Às vezes, dependendo da situação, você foge à regra, tem que pegar oportunidades, as deixas, na sala. Você prepara uma aula maravilhosa e surge um assunto que a tua aula vai toda para outro lado, e você muda tudo aquilo ali instantaneamente. Mas geralmente você entra na sala já com a tua matéria pré-moldada para trabalhar, tem que ter!
P/1 – Você se lembra de alguma situação em que os alunos trouxeram alguma questão que você teve que mudar o seu roteiro?
R – Sempre tem! Dificilmente você entra numa sala e você dá aquilo que planeja. Você planeja x e, de repente, o x nem começa. Um assunto que foi tocado aqui você já começa a trabalhar o outro, você tem que pegar o momento. Eu acho que o professor que se liga só naquele planejamento pré-moldado, acho que ele não consegue desenvolver um trabalho, é se preocupar com o planejamento anual. Eu não me preocupo com o planejamento anual, eu já fujo muito disso, depende muito da situação, do momento, do que você está fazendo, do que a escola precisa, do que o aluno precisa. Como o professor de matemática, ele, dependendo da situação... Eu paro a minha aula e vou falar de uma outra coisa que não tem nada a ver com a minha matéria. Se no momento o assunto surgiu, por exemplo, doenças sexualmente transmissíveis, se você tiver a deixa na sala para discutir, eu paro a minha aula e vou discutir. Hoje em dia você tem muito em evidência a política, se for necessário eu paro a aula e vou discutir política, não aquela política de partido, mas aquela política em linhas gerais. O que a gente vê muito na televisão e do que o aluno precisa saber pra escolher um bom candidato. Isso eu faço muito nas minhas aulas.
P/1 – E você tinha algum outro tipo de recurso, que não fosse só a sala de aula, para dar aula para os menores?
R – Mas eu não trabalho, dificilmente eu trabalho em sala de aula, na maioria das vezes eu estou no pátio, eu estou na sala de vídeo. Quando é possível eu estou no laboratório de informática, se for uma escola que tenha recursos pra isso, caso contrário eu encaminho o aluno para que faça esse tipo de pesquisa. O professor que trabalha, hoje, só com giz e apagador, primeiro que ele não consegue entrar nas novas tecnologias, ele não se atualiza, e o próprio aluno percebe que o professor está trabalhando naquela mesma linha sempre. Eu gosto muito da coisa prática, eu não gosto muito da teoria, não, eu gosto de fazer. Se eu tenho que ensinar medidas, se eu tenho espaço, eu vou trabalhar num canteiro, vamos medir canteiros, vamos trabalhar... Eu chamo a professora do curso de metodologia das ciências, né, porque hoje eu estou dentro da escola normal, a gente senta, a gente monta a horta, mas, ao mesmo tempo, a gente tira medidas, faz planilhas, faz um monte de coisas em cima da matemática, mas usando a prática. A gente pega, esquematiza na teoria e leva para a prática, a gente associa simplesmente, eu gosto muito disso.
P/1 – Você se lembra de alguma aula que você tenha feito no pátio, com a sua terceira série?
R – Com a minha terceira série... Eu caí na besteira de fazer um curso de recreação esportiva, na época, pela Prefeitura de Nova Iguaçu. Terrível! E eu passei a ser, também, o professor de recreação esportiva. Eu, além de dar aula pra minha turma, tinha que arrumar os momentos para juntar a turma dos outros e dar aula de recreação esportiva, era o único momento que eu deixava a minha turma com alguém e ia aplicar aquilo que eu aprendi com o outro. Então a gente trabalhava muito no pátio, e a recreação esportiva não é educação física, são jogos, queimada, bandeirinha, peteca, é tudo aquilo que a gente não vê mais hoje em dia dentro de uma escola, e a gente aplicava antigamente, na minha época de terceira série.
P/1 – E como era, os alunos gostavam?
R – Gostavam! Ah, fora da sala de aula, bagunça, quem não gosta? Eu acho que mesmo na minha época de início, que hoje em dia não é a mesma coisa, não é, mudou muito! Mas tirou da sala de aula e partiu pra prática, partiu pra jogos coletivos, ah, todo mundo participa sem problema nenhum.
P/1 – E o que a diretora achou disso?
R – Era obrigado a fazer, na época era uma regra, e a gente fez o curso pra aplicar na unidade. E foi bom, porque agitou, o aluno passou a frequentar mais a escola.
P/1 – Antonio, quando foi que você virou professor de matemática?
R – É outra questão, também, que eu me pergunto, porque era pra eu fazer engenharia. Interessante, né? Mas eu vou te contar, antes disso, uma outra história como professor. Essa é uma das poucas histórias que eu tenho, que pra mim é uma história triste. Eu fui funcionário da Prefeitura do Rio de Janeiro por dois anos, e foi um dos motivos pelo qual me fez abandonar a Prefeitura do Rio de Janeiro. Eu tinha o trabalho de levantar todas as manhãs, às quatro, para pegar um ônibus às cinco e dez, em Nova Iguaçu, para saltar em Sepetiba, que é bem longe, por volta de sete e meia, quando a aula começava às sete. A minha turma ficava de sete e meia até meio dia e meia, quando deveria ser ao meio dia, porque eu não conseguia chegar antes disso, e eu peguei uma turma no último ano. O meu primeiro ano foi maravilhoso também, uma terceira série que a gente conseguiu fazer um trabalho fantástico também, trabalhando muito com o processo construtivista, onde a gente trabalha mais na prática, e na teoria é para eu entrar nas deixas. Eu acho que o caminho que eu tomei de formação de professores é até, em função disso, da minha experiência inicial como professor. No segundo ano eu peguei uma turma de quarta série, e aquela chamada “turma que ninguém queria”. Como eu era um professor novo na escola, eu era o último a escolher a turma, e a turma que sobrou para mim era a turma do “eu não quero”. O que é isso? É uma turma de quarta série onde só tinha alunas que já têm uma certa experiência de vida, alunos que já passaram pela FEBEM [Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor] né, ou uma coisa parecida, só de adolescentes entre 14 e 17 anos, era a minha turma. Quando me entregaram essa turma, disseram para mim o seguinte: “Antonio, passa todo mundo, não deixa ninguém. Não dá para aguentar mais esses alunos na escola”. O que você vai fazer? A referência que você teve foi a pior possível, né? “Passa todo mundo!”. Mas eu sou uma pessoa que nunca entregou os pontos, por pior que seja a situação, eu nunca entreguei. Peguei a turma, entrei na sala, e realmente, não consegui dar a primeira aula, não consegui dar a segunda, não consegui dar a terceira; eu falei: “Eu vou entrar na brincadeira deles”. E comecei a fazer bagunça também, jogava a bolinha para lá, pegava a bolinha e jogava de volta, brincava aqui... Eu entrava no bolo, e comecei a fazer amizades com aqueles mais agitados: “Ah, vamos estudar hoje não!”, “Também não vou dar aula hoje não! Acabou!”, e começamos a conhecer, comecei a pegar a amizade de cada um deles. Depois de 30 dias dentro da sala, sem fazer absolutamente nada − porque eu não tinha compromisso com a turma −, “passa todo mundo”. Quer dizer, você não precisa se preocupar: “Eu não quero saber da nota, eu quero que tire da escola”. Depois de 30 dias eu tentei dar a primeira aula, eu consegui escrever umas três frases no quadro e, depois disso, eu não consegui mais nada. Tá, passou! Entrei na sala e fiz um acordo com a turma: “Olha, eu estou com vontade de jogar bola. Vamos jogar bola? Menina joga queimada e eu vou jogar bola, vou jogar bola com os meninos”. Foi uma festa né, porque a canela de professor é uma maravilha! E fomos jogar bola, joguei bola a semana inteirinha, e joguei queimada. Eu fechei a semana todo roxo, era chute na canela, era tapa, era soco, fizeram a festa com o professor! Na semana seguinte já entrei: “Vamos jogar bola?”, “Ah, vamos embora”, “Não, mas primeiro vamos fazer um negócio aqui no quadro comigo, senão vai ficar chato pro meu lado, a direção vai brigar” e comecei a dar aula. Meia hora no primeiro dia, 45 minutos no segundo dia, e foi aumentando, aumentando, aumentando, até que, no final da segunda semana, eu já estava jogando bola três vezes na semana e duas aulas direto. Trinta dias depois, recreação só na sexta-feira, e eu dava a minha aula. Tudo bem, aquela turma que ninguém queria estava assistindo aula, melhorou! E isso já foi em maio, em junho eu peguei e fiz a minha primeira avaliação, pois a minha turma, aquela turma que ninguém queria, foi melhor que a quarta série da outra professora, arrebentou com a mesma matéria, legal! Aí, aquela turma que ninguém queria, já passaram a querer. Mas a minha canela continuava roxa, porque tinha que ter a peladinha de sexta-feira, era sagrada! Não tinha aula, a gente já chegava vestido pra jogar bola. Era meio tempo com o pessoal lá, de futebol, e depois eu tinha que ir pra queimada com as meninas. Muito bem! No finalzinho de junho para julho, eu estou dando uma aula na sala, e me chamam: “Antonio, eu tenho um problema para você resolver”, isso devia ser umas dez e meia. Eu fui na secretaria, tinha uma patrulinha do lado de fora, a diretora me esperando: “Tem um aluno com você, na sala, que ele invadiu uma casa, assaltou um casal de velhos e ainda bateu. Está reconhecido e a polícia veio pegar, o que você vai fazer?”, “Aluno meu ninguém tira de sala, busque o responsável”. Procura, procura, acharam, apareceu a mãe. O aluno só saiu da escola quando saiu comigo, eu fui para a delegacia com esse aluno e saí dessa delegacia era quase cinco horas da tarde. E o interessante é que ele negou, negou, negou, quando o delegado deu um soco na mesa, ele falou tudo que tinha direito. Eu olhei para a diretora e disse para ela: “Oh, arruma outro professor que pra mim chega, tá? Depois dessa eu não... Agora quem não quer a turma sou eu, chega!”, mas quando eu saí, já deixei uma outra professora no lugar e a turma caminhou, foi o único momento ruim em educação que eu vivi, foi especificamente esse momento, em que eu fui obrigado a pegar esse aluno... Quando você pensa que resgatou, ele cometeu aquele erro que você não esperava que ele cometesse mais, ainda pensei: “Eu vou parar”, mas aquele negócio vem e fala assim: “Sabe, aquele dia ali que... Ah, volta, volta, volta”. Eu voltei e eu vou, praticamente, fazer 30 anos de magistério, mas são fatos que você não esquece.
P/1 – Antonio, você falou um pouquinho do construtivismo, né? E aí, nesse seu exemplo, dá para ver que você pensa sobre isso. Como foi isso na sua formação, você se lembra quando foi que você entrou em contato com isso?
R – Isso aconteceu quando eu ingressei na Prefeitura do Rio de Janeiro, porque todo o processo na prefeitura era construtivista, e nós fomos obrigados a fazer curso. Nós tínhamos o nosso período normal de aula, mas tinha um dia na semana, específico, para nós fazermos o curso de construtivismo, para aplicarmos isso na sala de aula, e tínhamos um acompanhamento. Eu acho que isso aí abriu um leque imenso para se desenvolver um trabalho.
P/1 – E como eram as aulas, assim, que você se lembre? O que te pegou?
R – Eram dinâmicas, e você... É aquela história, você tem que pegar todas as deixas, todas! O que aparece na sala, de momento, qualquer assunto em discussão usa para educação, é o fio, é o gancho, que a gente costuma falar, né? Pega aquilo como um gancho e desenvolve o teu trabalho em cima. Se eu for falar, por exemplo, de operações fundamentais, surgiu a história de contagem de votos, como hoje, em política. Aproveita isso e traz para uma situação problema e você desenvolve, em cima disso, a sua proposta de trabalho. É esse o princípio básico de construtivismo, é você usar o dia-a-dia do teu aluno para construir a sua aula, não é trazer aquele modelo pronto do que você quer, não. Se você traz pronto você não... Geralmente você não trabalha. Se você trabalha, é porque você não está olhando o que o aluno quer que você faça.
P/1 – Você se lembra de alguma situação em que isso foi essencial, assim, alguma história que você tenha para contar sobre isso?
R – Todas as aulas que você trabalha, geralmente você usa. Eu tenho um fato não construtivista, que isso também marcou! Se eu for contar a história de professor, aqui, você vai gastar umas dez fitas que você tem aí. Eu tenho uma história, aqui, de professor, como professor... Isso já como professor de quinta série. Eu estava ensinando os meus alunos a extrair raiz quadrada, eu estava desenvolvendo um processo de faturação no quadro e ensinando como se faz isso brincando, e eu não percebi que as salas tinham umas janelas né, pátios, janelas, e eu não percebi, isso no curso noturno. Não percebi porque na medida em que eu estava trabalhando, eu estava de costas para janela, brincando com meus alunos, né? Realmente, a coisa integrada, e foi aquela hora que eu comecei a trabalhar, quando eu tinha uma coisa preparada, e surgiu um gancho: “Professor, como é que eu faço isso?”. Eu larguei tudo que eu tinha e fui explicar, só que ao invés de eu explicar só para aquela pessoa, eu peguei o geral. Viro de costas para a janela e estou explicando como se faz o processo de faturação, como é que eu trabalho com as divisões dentro desse processo, todos os caminhos que você tem para extrair uma raiz, seja ela de qual índice for, quando, de repente, bateram na minha porta, aí a menina abriu, a coordenadora de turma olhou para mim: “Está acontecendo alguma coisa na sua sala, Antonio?”, falei: “Não, eu estou dando aula”, “É porque a tua janela está cheia”. Eu olhei para a janela, e tinha mais gente na janela assistindo a minha aula do que aluno na sala, e o pessoal pensou que estava acontecendo alguma coisa. Isso foi um fato que marcou e eu não esqueço, porque eu não percebi, eu estava tão compenetrado, tão dentro da aula, e o aluno também estava participando tanto daquilo que a gente estava fazendo, que eu não vi a janela encher. Acabou que eu dei aula para a turma e para o pessoal da janela. Interessante, foi um fato que eu não esqueço. Mas foi em cima disso, de uma deixa que eu peguei, não era a minha aula, a minha aula era outra coisa totalmente diferente, surgiu a pergunta e eu aproveitei. Naquela pergunta, esclareci para todo mundo, porque geralmente a dúvida é geral, e realmente, era bem geral!
P/1 – E você ia contar como é que você foi atrás da matemática.
R – Matemática, gente! Quando eu fiz concurso vestibular, na minha época, a coisa era muito difícil, ou é isso, ou é isso, sabe? Se você quer alguma coisa diferente, está muito longe de casa, eu já não tinha recursos nessa época, eu já estava casado, já tinha um filho: “Eu tenho que me sustentar, tenho que sustentar a família e tenho que ter uma coisa mais próxima de mim”. Então, quando eu fiz, a minha intenção era engenharia, engenharia estava muito cara, então eu imaginei o seguinte: “Matemática é um trampolim. Já estou no magistério, faço matemática, termino e tento entrar em engenharia. Para algumas matérias, que eu tenho, o curso se torna menor e eu gasto menos”. Essa era a minha ideia na época, e fiz o vestibular para matemática e, graças a Deus, passei. Levei aos trancos e barrancos, porque a gente trabalhando, faculdade, filho pequeno, recém-casado. Quer dizer, tive o meu filho depois de dois anos de casado, aí junta uma despesa altíssima, né? Eu sei que foi um período muito... E trabalhando longe, eu trabalhava em Sepetiba. Consegui, na época, fazer concurso para o estado, e também passar, aí junta tudo, porque trabalhando no estado, trabalhando na Prefeitura do Rio, faculdade e filho pequeno... Olha, é uma coisa de doido! Então o caminho para a matemática, na época, era um trampolim pra engenharia, só que acabou que eu virei professor de matemática e eu estou aí até hoje. Também não me arrependo, gosto! Não tenho mais aquele gás que eu tinha quando comecei, mas eu estou aí, né? Eu gostaria de ter mais, mesmo, porque até a voz já está sumindo de tanto a gente falar, eu não tenho mais aquela voz que eu tinha antes.
P/1 – Você estava falando da sua família. O seu filho nasceu nessa época?
R – Foi na época que eu estava na faculdade, o meu primeiro garoto.
P/1 – E como foi essa experiência?
R – Maravilhosa! Primeiro que ele não estava projetado (riso). Um colega meu disse para mim o seguinte: – porque ela tomava remédio – “Oh, leva uns dois ou três anos para engravidar, para o efeito do remédio passar”, eu cheguei em casa: “Olha, o nosso projeto é para daqui a tanto tempo, para!”. No mês seguinte ela estava grávida! Quase que eu mandei ele criar (riso). Isso aí também me pegou de surpresa, mas a vida da gente é surpresa! Boas, não é? Seja bem-vindo! E está criado aí, hoje ele é professor de educação física, está bem encaminhado.
P/2 – Como é que foi quando você pegou ele no colo pela primeira vez?
R – Você fica bobão, você não sabe o que faz, a sensação é maravilhosa. Primeiro, quando eu cheguei no berçário para ver o menino, ele era o maior de todos eles, eu até estranhei, porque eu pensei que fosse um pequenininho, então a enfermeira pegou aquele baita garoto, desse tamanho, e me mostrou. Eu falei: “Não, não é meu, não! A senhora errou”. Aí tinha um colega do meu lado, ainda brincou comigo. Mas a sensação é maravilhosa, eu acho que não tem coisa melhor no mundo do que ser pai ou, até, do que ser mãe, digamos assim, porque o pai também é um pouco mãe. Eu acho que eu faço mais pelos meus filhos do que a própria mãe, tanto é que eu fui capaz de ficar 26 anos casado para vê-los formados.
P/1 – É um pai curuja?
R – Curujão! É curujão, não é curuja, não! Curuja é pouco! (riso)
P/1 – Como ele se chama?
R – O mais velho é Cláudio.
P/1 – Você que escolheu o nome?
R – Foi. O nome dos meus filhos... Eu acho que sou meio chato, a mãe, quando descobriu, já estava com nome. O mais velho chama-se Cláudio, tenho outro que chama-se Vitor, que também já está se formando em educação física, termina agora, ano que vem, e a Ana Julia, a minha caçulinha, essa é a minha paixão. Por quê? Toda menina, para o homem, é uma paixão, pelo menos pra mim, eu acho que aquilo ali: “Não toca nela não que vai quebrar”. (riso)
P/2 – E ela é linda, né?
R – Muito linda, não é porque sou o pai, não! Muito linda!
P/1 – Nessa corujisse, o que você curtia fazer com o seu primeiro filho?
R – O mais velho eu carreguei muito nas costas, pescando siri. Eu acho que, praticamente, para todo lugar que eu fui, eu sempre carreguei, sempre procurei dar tudo aquilo que eu não tive, até mesmo quando estava fora do meu alcance. Até hoje eu ainda faço isso, eu sou bobão, não tem jeito. Ah, passear, sempre! Sempre comigo! Eu sou coruja mesmo, aquele pai chato que quer saber o que está acontecendo, o que está fazendo, mesmo quando você sabe que ele não vai falar, você força a barra, mas não tem jeito.
P/1 – E você se lembra de alguma história em que ele fez alguma travessura?
R – Eu tenho uma do mais novo, eu tenho do mais novo! Uma vez, o mais novo, o mais novo, não! O do meio agora né, o Vitor, ele fez uma arte comigo. Onde eu morava, a casa tinha quintal na volta, ele fez uma arte comigo, eu falei: “Ah, agora eu te pego de chinelo” e passei à mão numa correia, num chinelo, – nem lembro o que era – eu corri atrás, dei três voltas na casa e eu não consegui pegar o Vitor. Depois da terceira volta, sentei nos fundos da casa e comecei a rir, eu decobri que eu não tinha mais a capacidade de correr atrás do meu filho (riso), a idade estava começando a chegar. Mas interessante, essa eu não esqueci, não deu pra esquecer não! Não consegui bater, depois eu comecei a rir, ele chegou perto de mim e, ao invés de bater, eu abracei, aí acabou a arte, pronto: “Me desculpa”. E ficou tudo bem.
P/1 – Tem muita história assim, com filho?
R – Tem (riso), tem! A minha filha, a Ana Julia, ela me viu − isso foi há uns dois meses atrás, eu não sei de onde ela tirou essa ideia: − “Pai, eu queria uma festa de aniversário”. Porque eu sempre fiz festinha rápida, para não passar em branco, e sempre disse para a mãe que eu só faria festa quando eu pudesse curtir a festa, e ela virou pra mim há uns dois meses atrás e disse: “Pai, eu quero a minha festa de aniversário, mas a minha festa tem que ser uma festa de princesa”. E eu vou fazer uma festa de princesa de que jeito? Meu Deus do céu, pegou aquele momento em que você está cheio de coisas a pagar, cheio de problemas, né? Mas filho, eu vou fazer o quê? Vamos fazer uma forcinha aí, junta daqui, junta dali, compra e guarda, compra e guarda. No sábado passado, não foi aquela festa de princesa, não! Mas juntou meia dúzia de alunos, eu botei uma tiara na cabeça dela: “Você é a princesa, pronto!” e fiz a festa! Nunca vi uma menina curtir tanto uma festa de aniversário como ela curtiu, nunca vi! Olha, eu tenho acompanhado os meus filhos já há bastante tempo, mas igual a essa aí, curtir a festa de aniversário dela, foi a primeira vez, curtiu!
P/2 – Quantos anos ela fez?
R – Quatro, quatro aninhos.
P/2 – Vamos voltar para o tempo da faculdade de matemática. Como é que foi fazer graduação, entrar numa universidade?
R – Difícil! Eu acho que até eu concluir a formação de professores, tudo bem! Mas a faculdade, para mim, principalmente de matemática, foi difícil, porque o que eu aprendi, à nível de ensino médio, de matemática, na formação, não é o que a gente estuda na faculdade, nem me deu suporte para trabalhar. Foram dois anos de muita luta e de muito a aprender. Quando eu digo muito a aprender é que, na verdade, eu não tive professor, eu tive que, realmente, sentar na biblioteca e pesquisar muito. Não tinha Internet, eu não peguei essa fase boa que todo mundo pegou hoje, que a faculdade cai do céu. Você só não entra nela se não quiser, não é? Mas eu tive que estudar muito para aprender o que eu precisava, como base, para fazer a faculdade de matemática, porque lá ela não te dá a base, ela já te joga naquele nível bem lá em cima para você trabalhar, eu não tinha aquele nível para chegar lá, então, foram dois anos de luta, muita luta, onde eu descobri que eu não sabia absolutamente nada para estar naquela faculdade, e tive que aprender.
P/2 – E os colegas, o ambiente de universidade?
R – Eu tive um grupo de colegas de faculdade que eu acho que só concluí por conta deles. Eu tenho uma pessoa que eu digo que na faculdade, para mim, foi o meu anjo da guarda, tinham dias que eu chegava tão cansado em casa − porque a minha faculdade foi feita à noite −, eu chegava tão cansado em casa que eu não tinha coragem de sair, o telefone tocava e dizia assim: “Antonio, o que você está fazendo aí? Tem um trabalho para apresentar aqui, quer fazer o favor de vir, porque o seu nome já está no trabalho”. Eu ter que tomar banho correndo e estar na faculdae em dez minutos, e ter que apresentar um trabalho sem ter lido uma linha dele; eu na frente, o professor de costas, e a colega atrás fazendo sinal para eu poder fazer o trabalho, apresentar o trabalho. Isso eu não esqueço, estar em casa, o telefone tocar: “Você quer fazer o favor de estar aqui que o grupo está lhe esperando. A sua presença é indispensável.” Entã, eu acho que essa pessoa, se não fosse ela, o nome é Lúcia, e é uma colega que quase não tenho a oportunidade de ver, porque ela está morando muito longe, mas foi o meu anjo da guarda, aquela ali não existe, se não fosse ela eu, não tinha concluído matemática, não! Eu tinha jogado para o alto, porque chega um momento da vida da gente que a gente está tão cansado...
P/3 – Antonio, desculpa!
R – Ela é agarrada demais comigo, Deus me livre! Olha, eu disse para a mãe: “O dia que você quiser ir embora você pode ir, mas a Júlia fica” (riso). Até para dormir, ela só dorme depois que deita meia hora comigo em cima de mim e abraça, beija, e vira pra mim: “Pai, a tua barba está espetando, vai fazer”. Aí, volto, deito de novo, aí sim: “Agora eu vou mamar, tá pai? Você fica aí”. Aí ela mama e pronto, acabou! Enquanto ela não faz esse ritual, não dorme. Vamos lá! Eu não sei onde eu parei, não!
P/2 – Você parou quando falava da sua amiga que te ajudou.
R – Tá. Sem ela eu não tinha me formado, com certeza!
P/1 – Então a formatura foi um momento importante?
R – Maravilhoso! Gente, eu acho que foi a maior vitória que eu consegui na vida, a maior delas, porque uma pessoa que tinha como base, uma situação muito ruim, que a gente vivia mesmo com... Praticamente, sendo sustentado pelo meu falecido avô, e chegar onde eu cheguei e ter o que eu consegui hoje, é muito difícil, tem muita gente que desiste. Como eu disse para você, muitos colegas meus ficaram no caminho, eu não olhei para eles, eu olhei para a frente, para ser a minha meta, e vamos embora.
P/1 – Você se lembra do sentimento de quando você pegou o seu diploma?
R – Foi maravilhoso! Não é nem o diploma em si, mas aquele momento que disseram assim: “Fulano, vamos colar grau!”, e chamaram o meu nome, que eu levantei, que eu fiz o juramento e que disse assim: “Agora você está formado”. É bom demais, é bom demais!
P/2 – E nessa época você já dava aula?
R – Já, já! Eu sempre trabalhei, desde cedo!
P/2 – E você continuou dando aula nas mesmas escolas depois que se formou?
R – Eu trabalhei em duas escolas só, a primeira escola, quando eu entrei para o estado, eu trabalhei nove anos, e saí dessa escola para ser diretor de uma outra, eu fui diretor da escola em que hoje eu sou professor.
P/1 – No Bernardino de Melo?
R – Não, no Instituto de Educação, nessa escola eu trabalhei... Trabalho lá há 16 anos, primeiro como diretor e, depois, como professor, praticamente eu não tenho uma vida, assim, de alta rotatividade entre escolas, eu me fixei em duas. O Bernardino de Melo, pra mim, também é uma escola única. Quando eu saí da Secretaria de Educação, que a gente terminou, desenvolvemos o projeto de implantação de uma educação nova, que eu deixei a pedagógica, na época, e eu fui trabalhar no Bernardino de Melo. Já vai para 16 anos, quer dizer, eu não sou aquele tipo de professor pipoca, que trabalha hoje aqui, ali e ali, eu acho que isso não é justo. O professor que muda muito de escola, ou ele tem algum problema consigo mesmo, ou ele não é um bom profissional, porque o bom profissional não troca de lugar, então, pelo menos eu tenho esse pensamento.
P/1 – Na Secretaria você entrou logo que começou?
R – Quinze dias depois da criação do município.
P/1 – Como é que foi?
R – Uma loucura total. Gente, você sabe o que é desordem? Nada está no lugar, nada está funcionando, e você tem que pegar aquela máquina que está parada, aquela máquina que foi jogada pra você de qualquer maneira, e ter que fazer funcionar, foi assim que nós pegamos a Secretaria de Educação e as escolas. Não tinha uma história, não tinha um projeto de trabalho, não tinha uma administração, porque, na época, foram todas exoneradas pela prefeitura que perdeu o distrito, não tinha administradores. Olha, que loucura, nós tivemos que restruturar tudo aquilo, arrumar pessoas capazes para assegurar as escolas, desenvolver um trabalho com o professorado novo, porque não tinha, na época foi tudo contrato também, porque não tinha, o pessoal teve que fazer opção entre Nova Iguaçu e Japeri, e quem optou aqui para Nova Iguaçu, as escolas esvaziaram, a maioria dos professores foi embora, então foi uma coisa muito, assim, corrida, para começar o ano. Nós tivemos que deixar as escolas montadas, preparadas, em praticamente 20 dias, colocar o profissional dentro da unidade para lecionar, pegar esse pessoal e desenvolver um projeto pedagógico em cima do grupo, em todos os sentidos, preparar cursos. Foi uma loucura, eu acho que foi uma fase, assim, de mudança geral mesmo, não só para o município, até para a vida da gente, porque a gente não estava muito habituado a fazer esse tipo de coisa, geralmente a gente está habituado a receber, mas para transmitir conhecimento, para quem já tem esse conhecimento, é complicado, não é colocar normas em cima disso, conhecimentos. É o que aconteceu com a gente, que foi uma restruturação de sistema, e nós levamos, aí, para colocar isso funcionando, sete meses, depois disso, nós nos alocamos em unidades. Então valeu a pena, hoje funciona, não é?
P/1 – E como foi sair e ir para o Bernardino, sair desse cargo?
R – Isso tem outra história também. Eu lembro que nós trabalhamos muito na época da emancipação, foram sete meses de luta, depois de sete meses, com tudo estruturado, a nossa equipe, quando pensou que ia começar a desenvolver um trabalho para valer, com a estrutura já preparada, ela foi desfeita. Eu não sei por que, e até hoje a gente não tem explicação para isso. Então, nesse momento, foi cada um para uma escola e, na época, me colocaram numa escola tão longe, tão longe, que ainda penso se isso foi castigo. Dia de chuva eu não conseguia chegar na escola, de tão loge que ela era e de tanto barro e tanta lama, eu não chegava na escola: primeiro que só tinham duas conduções, uma pela manhã e uma à tarde. Eu vinha e voltava, vinha e voltava, acabou, não tem mais condução; segundo, o difícil acesso, era uma zona tão rural, tão rural, que quando eu conseguia chegar e vir embora, para você ter uma ideia, eu vinha com cacau, eu vinha com... Eu vinha com a minha feira do mês ali, porque eu ganhava de todo o pessoal que mandava para a gente, tá? Então o que eu achei naquele momento foi que era um castigo, mas eu descobri depois que não foi um castigo, eu acho que ainda era um presente, eu ganhei mais um desafio, porque a escola que eu fui parar não tinha salas direito, não tinha banheiro, e quando eu comecei a trabalhar, nós começamos a fazer uma campanha dentro da unidade, e era muito próxima de Olaria, e nós conseguíamos tijolos, pedra, areia, a ferragem... Por conta de material de construção, nós conseguimos construir duas salas e os banheiros, e fomos premiados, depois, com a reforma total da escola, em função desse trabalho que a gente teve. E eu fico feliz em falar disso, porque toda vez que eu vou na escola... Quem está lá não esquece, foi uma passagem boa, é aquele momento que a gente imagina ser um momento ruim e foi um momento bom. Mas por conta disso, eu fiz uma promessa, eu tinha feito uma promessa de que... Na época que eu entrei na prefeitura, era um contrato, eu entrei com um contrato a título de restruturação de educação, e veio o concurso para você se efetivar na prefeitura como estatutário. Eu disse que eu não faria, eu larguei o município do Rio, na época, para trabalhar no município de Japeri, e eu fui tratado daquela forma, como todo mundo foi, e ninguém da equipe quis fazer o concurso, na época. E eu me lembro, nós tínhamos uma amiga que era diretora de educação, passou o período das inscrições, ela nos chamou lá na secretaria, sentou comigo e com uma colega, principalmente, e disse o seguinte: “Você” − ela fez assim – “Você, vai fazer o seu concurso pra educação artística”. Olhando para mim, assim, eu olhei para ela: “Mas eu sou professor de matemática!”, “Eu não quero saber, tu vai fazer pra educação artística”, “Eu não vou fazer nada. Eu não quero fazer o concurso”, “Vai! E você”, − pra colega – “Vai acompanhá-lo no concurso de educação artística”. Ela olhou para mim: “Mas eu sou pedagoga!” e eu olhei para ela: “E eu sou professor de matemática! Eu não entendo nada de educação artística! Eu vou falar da história da arte, o que eu vou falar disso?”, “Vai fazer, porque eu já fiz a inscrição e paguei. Só vai lá entregar o documento, isso é a única coisa que eu quero de você”. E eu fui entregar os documentos. Sabe quantas inscrições teve para educação artística? Três! A minha, a da colega que era chefe da equipe, e a de um rapaz chamado... Como que é o nome dele, meu Deus? João, João! Que também trabalhava dentro da secretaria. Quantas vagas tinham? Oito! Três inscrições para oito vagas, não teve mais inscrição: “Fulana, mas eu não vou passar”, “Você vai fazer, que você vai passar”. Aí fomos para lá, colocaram nós três dentro de uma sala única, – isso eu não esqueço até hoje – entregaram a prova, botou um fiscal para tomar conta, que nós olhamos para o fiscal, amigo nosso, ele olhou e riu: “Eu vou tomar um café e já volto, tá?”, e nós fizemos a prova. Eu não fiz redação, quem fez foi a Denise, o outro sabia a parte, alguma coisinha de história da arte, ele fez, e alguma coisa que eu sabia eu fiz, e a gente foi fazer a prova ____________, daí, um olhou para a cara um do outro: “E agora, o que a gente faz? Eu nunca fiz um concurso desses”. Depois que terminou, o colega chamou a gente: “Isso é ordem do Secretário de Educação, vocês são as únicas três pessoas que andaram, pegaram carrapato, treparam em morro, caíram em buraco, ficaram atolado dentro de cachoeira”. Porque é o que acontecia com a gente. “Você, Antonio, você conseguiu mudar a vida de uma escola, e o município não pode perder vocês, não, são as únicas três pessoas que o secretário faz questão que continuem, é por isso que ele fez isso”. Conclusão, estou aí, até hoje, no Bernardino de Melo, como professor de matemática... Não como professor de matemática, mas como responsável de um laboratório, implementando o Projeto Tô no Mundo. Complicado!
P/2 – Conta pra gente, você conheceu o Vicente, a Aidê, a Gilvanete no começo ou já conhecia eles antes?
R – O Vicente já é amigo meu há muito tempo, tá? A Aidê é como se fosse uma irmã, apesar de nós termos nos conhecido no Bernardino de Melo, mas nós, o Vicente, a Gilvanete, a Aidê, a professora Fátima, – que não teve a oportunidade de estar com vocês, se Fatima vem aqui, ela fala muito, é pior que a Dilvanete – é, a Rosimar ainda tem um grupo de professores, que aqui a gente tem como se fosse família, são professores desde o princípio da prefeitura do município, e que atuam dentro da mesma escola, então a gente já criou aquele vínculo de troca de ideias. Então toda vez que se pensa em desenvolver um projeto reúne o grupo e cada um tem um horário diferente de trabalho, então a gente leva isso para os turnos diferentes, e a gente desenvolve esse trabalho dentro da escola por turno, faltava o supletivo no turno da noite, mas a gente já conseguiu trazer mais um, um outro professor de matemática, o professor Marcos, que também está nos ajudando a desenvolver os trabalhos e tentar implementar o projeto na escola.
P/2 – E você tem alguma história engraçada ou... Como é que foi que vocês se conheceram ali?
R – Interessante, nós nos conhecemos dentro da escola, mas história engraçada não tem, é mais em cima de projetos mesmo, e acabou criando esse laço de família. O Vicente não consegue desenvolver nada sem me mostrar. Inclusive, o material que ele trouxe para apresentar para vocês era para eu terminar a edição, só que eu não consegui, o meu material lá é muito pobre, e ele quer sonorizar uma coisa que eu não tenho material para isso. Eu dependo de terceiros, e essa pessoa também está com o equipamento quebrado, então ele não entregou o material bonito para vocês. A Aidê também, por sua vez, não consegue desenvolver um projeto, seja lá o que for, sem a gente sentar, rascunhar e ver qual o caminho que cada um vai tomar. E a mesma coisa sou eu ou o restante do grupo, a gente fecha essa ideia, o que cabe a cada um dentro daquele projeto. Se não é a participação direta, a gente entra como co-participação: “O que eu posso fazer para te ajudar?”. Se eu estou dentro do laboratório trabalhando: “O que eu vou fazer com esse material? Tá, eu vou digitalizar e vou pesquisar material para jogar em cima, quem vai me ajudar? Você vai arrumar aluno para me ajudar?”, porque no Bernardino de Melo eu não lido direto com o aluno, eu lido com o projeto, e o pessoal é que manda o aluno para mim, então, eu pego esse grupo de alunos que me mandam, a gente sai em campo e desenvolve o trabalho em cima disso.
P/1 – E vocês são amigos, também, fora do colégio?
R – Também! Eu acho que amizade, quando ela é verdadeira, ela passa os muros da escola.
P/1 – Vocês se encontram?
R – Você precisa ver a paçoca que o Vicente faz, é maravilhosa! E toda vez que ele prepara essa danada dessa paçoca, se eu não vou na casa dele, ele leva na escola pra gente, é muito boa! A Aidê, de vez em quando, a gente senta para comer um feijãozinho que ela faz, é no fogão de lenha, que é, também, muito bom! (riso) A Gilvanete é mais difícil da gente sentar, porque ela não mora no município, mas também, sempre que possível, a gente senta, a gente discute, a gente não é tão junto, mas a gente discute da mesma forma, não tem aquele relacionamento mais íntimo de residência. Agora, as outras não! As outras, também, estamos sempre juntos.
P/1 – Antonio, você falou que vocês saem para fazer trabalho de campo, é isso que você faz no projeto?
R – Sai, isso!
P/1 – Como que é, conta pra gente?
R – Quando nós desenvolvemos o trabalho de resgate da cultura do município – dos materias que estão ali –, eu deixo de estar no laboratório e saio com um grupo de alunos ou pra fazer pesquisa de campo, fazer um levantamento de dados. Ou, quando não saio eu com a Aidê ou eu com o Vicente, ou eu com Gilvanete, nunca todo mundo junto, porque a gente não pode deixar a escola vazia, né? E a gente sai para fazer fotografia. Tem um tal de Pico da Coragem, que aquilo ali é uma tristeza para a gente subir, e eu tive que subir aquilo ali umas quatro vezes pra tirar foto, porque é um lugar bem alto, tem uma rampa de vôo livre, e a gente chega ali, na beirada, dá medo de cair. Mas a gente tem uma visão do município ampla, e a gente sabe, mais ou menos, aonde a gente vai caminhar a partir daquele ponto, então a gente já traça algumas metas, e algumas fotografias até, dali, eu acho que têm fotos, lá, dele. Então, a partir desse momento, a gente começa a desenhar o nosso trajeto, descobrir o que a gente vai fazer, para onde a gente vai, quais os bairros a serem visitados, onde a gente vai fotografar. Teve um projeto que foi desenvolvido, já no final do ano passado, teve culminância nesse ano, chamado Projeto Belezas Naturais, que eu acho que a Gilvanete comentou com vocês. Aquilo ali foi uma caminhada só e, depois, para poder fazer o fechamento desse material, não foi para qualquer um, foi muita foto, e você vai escolher aquela que é mais bonita, você vai selecionar, vai fazer folder, e coloca aquilo para a secretaria jogar no site, para fazer votação nesse site. Quer dizer, foi uma coisa bonita, eu não sei se ela trouxe para vocês, eu tenho isso digitalizado também, esse eu não trouxe. Como eu imaginei que cada um trouxe um pedaço, eu tentei não trazer aquilo que já estava...
P/1 – Antonio, o que vocês fazem nessa visita ao bairro, nesse projeto de resgate histórico?
R – A gente indaga, a gente procura saber qual é a formação étnica de cada bairro, a gente procura saber de que origem é cada elemento, de que país, se é imigrante de outros países ou é retirante... A gente faz esse tipo de levantamento. A gente procura saber o tempo que a pessoa está situada no município, e , em cima disso, também é coletada áreas geográficas, e cada um tem a sua história. Como vocês estão fazendo aqui, a gente coleta esses dados e faz, depois, um relatório. E fecha isso em forma de dossiê, é o nosso trabalho. Quando não é feito pelo professor com um grupo, a gente tenta entrar em contato com outras unidades escolares para nos auxiliar, porque não é só o Bernardino que trabalha no projeto, de certa forma, a gente leva isso para outra escola, e a gente pega o retorno disso.
P/1 – E vocês descobriram alguma coisa interessante?
R – Descobrimos! Gente, aquilo ali é uma coisa de louco! Descobrimos! Você conhece o Poeta Azulão? Já ouviu falar? O Poeta Azulão, o Azulão, como o pessoal diz, ele é um dos grandes repentistas aí do nordeste, que mora lá no nosso município. Tem muita publicação, e o pessoal quase não percebe, ninguém diz que ele é morador lá, a muito tempo, da cidade. É fácil, é só entrar ali e digitar Azulão, vai aparecer um monte de... Na Internet, no Google você o localiza, ele é lá do nosso espaço. Independente disso, nós descobrimos que a história do município também é muito bonita, ela vem desde a época das bandeiras, e é tão gostoso você descobrir moedas antigas. Tem um sítio arqueológico que ninguém dá valor, que lá também tem. Saber que aquilo foi cemitério dos escravos, saber que ali foi enterrada muita gente na época da construção da estrada de ferro... É gostoso você conhecer a história do município e saber que a origem da palavra Japeri é indígena, é um junco. E a gente começa a perceber isso quando pesquisa, porque simplesmente ‘Japeri’ é uma palavra.
P/1 – E como que esse projeto se articulou com o uso da Internet, com o laboratório da escola? Vocês trabalham juntos?
R – Trabalham juntos, tudo articulado dessa forma.
P/1 – Como, o que vocês fazem para juntar?
R – Primeiro é o trabalho de campo, depois é o trabalho de digitalização de todo material que a gente tem, de pegar as fotos, revelar. Depois é o trabalho de organização dessas fotos numa espécie de cronologia. Em cima dessas fotos a gente desenvolve, – eu acho que eu tenho um material que eu deixei, que está até com alguma coisa anotada –um historicozinho e, em cima desse histórico, a gente fecha e faz aquelas apresentações, sempre que possível a gente apresenta para os alunos, porque o espaço, também, não dá, porque são dez micros, e nós não temos um data show. Mas sempre que possível o aluno está participando das nossas atividades.
P/2 – Antonio, como é que foi, para você, que já está há algum tempo dando aula, a entrada do computador como ferramenta?
R – No princípio, medo, muito receio, porque tudo que é novo dá medo, e até hoje tem colegas nossos que não conseguem mexer no micro, dá medo! E você quebrar isso dele é difícil, mas está conseguindo. Mas o computador, se bem usado, é uma ferramenta importantíssima para o desenvolvimento do conhecimento, para desenvolver o conhecimento do aluno. Eu digo a título de pesquisa, a título, até, de construção de trabalho. É muito importante, se usado de forma correta. Agora, tudo que é novo, tudo que é moderno, tudo que é bom a gente sabe que se bobear toma rumos diferentes.
P/2 – Como é que foi começar a usar o computador, com quem você aprendeu?
R – Necessidade! Quando diretor, eu comecei a imaginar, dentro da unidade em que eu estava administrando, um laboratório. Não tinha no município ainda, nós fizemos muitas campanhas, foi muito aborrecimento, foi muito “não”, mais “não” do que “sim”, mas conseguimos colocar dez computadores antigos e usados. Tudo que o pessoal faz hoje aí, recolhe para fazer doação, nós juntamos dez máquinas desse tipo e colocamos na escola, que não era, na época, ainda, a formação de professores. E eu comecei a me interessar pela informática quando eu tinha o micro enguiçado e tinha que chamar um técnico para consertar: “Enguiçou, chama o cara!”, ele foi embora, enguiçou de novo. “Pô, cara, volta aí que parou!”. Aí, vai lá e conserta. Ele entra no carro, dois dias depois: “Parou de novo”. Aí eu comecei a passar... Passei a prestar atenção no que ele estava fazendo. Então, a princípio, foi por uma necessidade financeira, de não ter que pagar mais, eu comecei aprendendo montagem e manutenção de micro. Mas não adianta você saber montar micro se você não sabe configurar o micro. E toda configuração depende de você saber mexer no teclado, foi quando eu comecei a mexer no teclado de computador e descobri que era muito mais fácil fazer o meu trabalho burocrático digitando, e salvar lá, e quando precisar eu pego e só troco. Eu comecei a fazer o meu trabalho burocrático também, na época, em computador, eu acho que foi uma das escolas pioneiras, na época, com informática, no município. A partir daí, eu comecei a mexer, sem ter professor, que é o mais importante. Mexe, escangalha, conserta, e eu olho, presto atenção para o cara consertar, pra eu fazer como ele fez e não errar novamente. Foi indo, foi indo, foi indo, hoje eu pinto e bordo, monto, desmonto, entro em qualquer programa que me coloque aí pela frente. É claro que não tão modernos, porque a gente também tem que se atualizar, eu não tenho muito tempo para fazer isso ultimamente, mas sempre que possível eu estou lendo, estou pesquisando, eu estou me atualizando na área de informática, porque eu acho aí... Para mim é uma das minhas meninas dos olhos, eu sou meio que cupim, hoje, de computador, também.
P/2 – E a Internet, como é que foi, você se lembra de quando foi a primeira vez que você acessou a Internet?
R – Em modem, linha discada. A primeira vez foi maravilhosa, parecia tudo muito rápido, tudo muito bom. Só que quando você descobre que existe uma banda larga, que você tem uma possibilidade muito maior de conseguir as coisas, a linha discada cai em desuso. Mas a Internet entrou para mim como forma de pesquisa também, não só para a minha disciplina, mas também, de repente, para conseguir drivers para montar, arrumar as máquinas enguiçadas, que a gente nunca acha para as antigas. Eu consegui começar a mexer na Internet a partir desse momento.
P/1 – E para dar aula você já usava o computador antes da Internet?
R – Já, já, porque tem muito software de matemática, ou muita coisa que você desenvolve no micro dentro da minha disciplina que você não precisa da Internet, especificamente. A Internet é uma consequência, se você já tem um trabalho pré-moldado e você sabe que pode usar o computador para fazer o fecho desse teu trabalho, legal! A Internet é mais um complemento para aquilo que você está realizando em sala de aula. Se eu preciso, dentro de uma aula minha, alguma coisa que o aluno não conseguiu entender... Sei que nem todas as escolas têm tá, eu trabalho, por exemplo, na formação de professores que não têm, mas lá eu faço um trabalho com o meu aluno no computador sem Internet. O professor, eu acho que ele precisa saber mexer no micro, são planilhas, é, a própria digitação de material. O excel, dentro da matemática, ele é maravilhoso! Ele faz um monte de trabalho sem você precisar ficar esquentando a cabeça em ter uma calculadora do lado, que ele te dá pronto. Então isso a gente trabalha na disciplina, mostra para o meu aluno que ele tem essa possibilidade de usar essa ferramenta dentro da matéria que a gente está atuando ou, até mesmo, no seu dia-a-dia, como profissional de educação. Eu não preciso, especificamente, da Internet para fazer isso.
P/1 – E como os alunos respondem?
R – Tanto é, que o projeto funcionou por dois anos na escola sem micro, sem micro! A minha briga com o pessoal de São Paulo foi justamente essa, o projeto só existe e só funciona se ele for colocado no portal. Eu acho que o caminho para você premiar alguém não é esse. Esse prêmio de botar no portal eu não quero, porque eu posso sentar numa lan house, inventar um troço muito bonito, colocá-lo no portal e não acontecer dentro da minha escola. Eu não sei se você está entendendo! Fotografia, você consegue em qualquer lugar, gente! Pelo amor de Deus! Tem uma festa linda, eu vou lá, fotografo a festa, é minha, botei lá, acabou! Prova que não é, está entendendo? Então os projetos de verdade, eu acho que eles acontecem, eu não preciso de um laboratório. Eu entrava na Internet, sabia o que estava sendo desenvolvido, pegava aquilo e jogava para a escola, aí a gente desenvolvia ali. E eu tenho registrado, eu só não mandei, não tinha como. Então, eu acho que o micro, ele é bom, ele te auxilia no teu trabalho, mas ele não é a ferramenta principal.
P/2 – No Bernardino de Melo, o Tô no Mundo é o quê para a escola?
R – Tudo, tudo! Nós somos referência dentro do município. Para você ter uma ideia, o senso escolar que aconteceu agora, de maio para agosto, foi todo desenvolvido dentro da escola, não tem outro lugar para fazer, é todo desenvolvido no laboratório. Tá, é um período que a gente para tudo e abre espaço só para fechar esse trabalho. Pra você ter uma ideia, teve uma época em que nós fazíamos, ali... Recebíamos a comunidade pra fazer Imposto de Renda, daquelas pessoas que estavam praticamente sem CPF [Cadastro de Pessoa Física], porque lá o pessoal é retirante, então a renda é muito pequena, e não tem a necessidade de fazer uma declaração completa, e por si só esquece de fazer, então a escola abriu para fazer o cadastramento de todo esse pessoal. Quer dizer, a escola, ela não só... O laboratório não é só voltado para a comunidade interna, mas ele também atua com a comunidade externa, atendendo em todos os sentidos; é claro, desde que seja aquilo que esteja dentro da proposta estabelecida pela fundação.
P/1 – Antonio, como é que você foi convidado e chegou próximo do Tô no Mundo?
R – Eu estava... Eu cheguei na escola de formação de professores que eu trabalho, que eu era professor, na época, de matemática, do Bernardino também, e nesse dia, eu estava chegando na escola de formação de professores para dar aula, a subsecretária parou o carro, me viu, parou, me chamou e disse o seguinte: “Antonio, o seu nome eu mandei para a fundação para você fazer um curso. Você gosta de informática, não gosta?” − porque ela sabia do trabalho que eu tinha feito no Aparecido Aurélio − : “Você gosta de informática?”, “Gosto”, “Mandei teu nome para você fazer um curso em São Paulo”, mas também não me especificou o que era. Eu falei: “Tá legal! Agora, tem um problema, eu tenho as escolas que eu trabalho, eu vou precisar faltar”, “Não tem problema não, eu vou entrar em contato com a direção e a gente resolve”. E eu fui tomar, assim, a entender o projeto, quando eu participei do curso em São Paulo. Até então eu não sabia, e nem sabia que já tinha os computadores na escola. Quando eu voltei, sim, é que a gente começou a disseminar a ideia.
P/2 – Como é que foi esse curso?
R – Oito dias, foram oito dias. De oito da manhã às seis horas o danado do telefone tocava, eu nunca vi, aquele telefone, para tirar a gente da cama, é uma maravilha, às seis ele tocava para você estar às oito lá na Escola do Futuro, em São Paulo. Você levantava, tomava café, se arrumava correndo e já tinha um carro esperando, mas não tinha hora de vir embora não. Era sete, oito horas da noite, às vezes uma fome que você não aguentava, mas estava ali, firme e forte. Mas é interessante, eu aprendi muita coisa boa.
P/2 – Foi a primeira vez que você foi para São Paulo?
R – Foi, foi a primeira vez que eu fui a São Paulo. Primeira e única!
P/1 – E as pessoas que você conheceu... Porque agora vocês se encontram, né, periodicamente.
R – A gente sempre troca ideias, a gente coloca o que está acontecendo. Eu sou de reclamar muito, quando você não tem suporte, quando você trabalha aos trancos e barrancos, sabendo que tem necessidade de fazer uma coisa boa e não consegue, a gente tem que reclamar, porque se você não reclama não melhora, foi por conta dessa reclamação que eu consegui arrumar um link que não funcionava, foi por conta das reclamações que eu consegui trocar os dez micros. Mas eu briguei com muita gente. Foi por conta da reclamação que eu consegui participar. Desses últimos anos para cá eu perdi três encontros, porque eu consegui participar do que acontecia no Itacuruça, senão eu não chegava lá não, porque é difícil.
P/1 – E como é que vocês se articulam? Porque eu vi que vocês se conhecem bastante, né?
R – Gente, depois que você consegue desenvolver, não um, mas vários projetos com o mesmo grupo, eu acho que a coisa fica bem mais fácil. Você não consegue receber, o que geralmente muitos professores fazem? Diz “não”, né? Você chega para esse grupo: “Vamos fazer?”, “Vamos!”. E, através dele, a gente pega mais um, mais dois, agrega mais um, enrola! Se não for dessa forma, se você não tiver, já, aquele grupo coeso para você desenvolver o seu trabalho dentro de uma unidade, se você está sozinho, não vai fazer nada. Eu já estive nessa situação de estar sozinho, e eu só consegui começar a desenvolver alguma coisa quando descobri que eu tinha dentro da escola um grupo de professores que tinham compromisso com a educação, porque a grande maioria, hoje, entra e diz assim: “Eu não ganho bem, por que eu vou fazer isso? Vai me pagar hora extra? Eu estou correndo para outra escola”. Eu vivo isso! Você, até para conseguir uma entrevista, “pô”, foi difícil! Mas eu vivo isso e consigo conciliar todas as minhas dificuldades com o projeto, eu acho que se o professor tem boa vontade, ele consegue um tempinho, e dentro até do seu próprio horário de aula ele, de certa forma, mesmo que seja de forma indireta, ajuda o trabalho. Mas tem muita gente que não faz isso, não; simplesmente diz não, vira as costas e não quer nem saber. Então nesse grupo eu tenho certeza que, seja o que for, o que eu precisar para fazer dentro da escola, desenvolver o projeto, ele anda, ele anda!
P/2 – Antonio, qual é o seu interesse, a sua motivação individual que te leva a fazer projetos assim?
R – Hoje eu estou cansado. Você sabe aquela sensação de que você chegou num momento em que tem que ter sangue novo? Eu não sei se você está entendendo! Você já viveu tanta coisa, você já passou por tanta coisa, já sofreu tanto, já lutou tanto para acontecer... Chega um momento que você acha que aquilo que você está fazendo já não é mais o suficiente, que precisa de uma cabeça nova, de pessoas com ideias novas, projetos novos para caminhar, eu imagino dessa forma. Vai fazer oito anos que eu estou no projeto, eu acho que já está na hora de botar mais sangue novo ali, você não acha? Eu penso assim. Por quê? Porque, de repente, dar uma sacudida geral. Eu já estou até pensando em uma pessoa... Dar uma sacudida geral para que o projeto caminhe como tem que ser, eu acho isso.
P/1 – Como é que você acha que tem que ser, assim, quais são os desafios que você não conseguiu resolver?
R – Tem tanta coisa, gente! É tão chato você ter mil e uma ideias e, dessas mil e uma ideias, só uma dá certo e ficam mil para trás. Têm muita coisa, muita coisa! Tenho muitos projetos que estão lá, engavetados, e que eu não consegui fazer nada. A hora que você mais precisa você fica sem gente para te ajudar, é difícil, eu passei por isso, na hora que eu mais precisei, me tiraram todo mundo que estava me... Eu formei um monte de gente, porque os alunos... A gente sabe que forma multiplicadores, mas esses multiplicadores, com o passar do tempo, vão embora, mas você precisa dos multiplicadores fixos, porque quando você não está, tem que ter uma pessoa que responda. E me tiraram todo mundo, eu fiquei sozinho para trabalhar com 2143 alunos, eu já passei por isso, e você ter que desenvolver um projeto sozinho com os 2143 alunos ou mais, depende do momento da escola. É quando você grita socorro para essa turma que você está vendo aí, que não te vira as costas, porque, na verdade, são professores de turma, nem sempre têm disponibilidade para te dar um socorro na hora que você precisa e, às vezes, o socorro que você precisa está dentro do laboratório, e não fora dele. Como é que eu posso trabalhar, de repente, com pesquisas, se sou eu sozinho em dois dias? Dois dias que eu digo são 12 horas, P1, com 12 horas de trabalho eu faço em dois dias, ou manhã, dois dias ou tardes, dependendo do que eu faça, sem ter uma equipe, como eu vou abrir esse laboratório? Você não tem suporte. Esse, graças a Deus, que está terminando agora, ele não respeitou o convênio, eu acho que isso me desgastou muito, sabe? Olhou o projeto como se fosse uma brincadeira de criança e, para mim, é uma coisa muito séria. Então, é a hora de mudar, chegar alguém novo, de repente com mais gás e, quem sabe, sacudir as poeiras que estão por dentro e fazer funcionar. Ajudo, não vou virar as costas, porque são oito anos que eu sofro, mas deixa uma pessoa segurando a frente e eu vou só dando o suporte que for preciso, igual ao que os meus colegas estão fazendo comigo, não é isso?
P/2 – Antonio, mudando um pouquinho de assunto, você é FML do Bernardino de Melo, e o que mais o Antonio faz por fora?
R – Gente, eu não faço muita coisa. Eu sou professor de matemática numa escola de formação de professores chamada Aparício (Evareli?), sou professor de matemática de formação geral em uma outra escola, chamada Colégio Estadual João Santos Solto, também dou aula de formação geral em um outro CIEP [Centros Integrados de Educação Pública], chamado Lucimar de Souza Santos, também dou aula para a formação geral em uma outra escola, chamada Gilson Amado. Você já viu que a minha vida é uma loucura como professor de matemática.
P/2 – E como é que você conheceu a sua atual esposa?
R – Acidente! Você sabe aqueles momentos da sua vida que você já perdeu, você, assim, não tem mais a certeza se você é gostado por alguém, com excessão dos seus filhos? Eu estava nesse momento, e ela foi uma pessoa que passou na minha vida por acidente, nunca foi minha aluna, o grau de instrução dela é o mínimo possível. A gente se conheceu num dos acasos da vida, aí, numa lan house dessas aí, por acidente. Conversamos, não houve nada demais nessas conversas e, de repente, quando eu dei por mim, nós já estávamos praticamente namorando. E quando eu percebi que a coisa estava tomando esse rumo, foi o momento em que eu acordei e descobri que não tinha mais nada a ver onde eu estava. Eu gosto das minhas coisas muito certas, ou eu estou lá ou eu estou aqui, eu não quero fazer nada que prejudique a vida da fulana ou a vida da ciclana, então foi o momento em que eu acabei com o meu casamento e assumi uma situação nova. Isso tem quatro anos, e está ali a minha filhinha linda, divina, maravilhosa, que eu amo pra caramba.
P/2 – E o que você gosta de fazer nas horas vagas? Se é que tem uma horinha vaga aí, né?
R – Tem! Eu sou cupim de computador, sento no meu micro e navego, e, geralmente, faço uma relação de assuntos que eu tenho interesse em saber, entro na Internet e pesquiso, faço os meus levantamentos, preparo as minhas aulas, faço algumas pesquisas a título de... Porque eu também monto computadores, né, comercialmente, e faço levantamentos de preço, procuro sempre estar atualizado. Fora isso, eu pesco, apesar de que ultimamente eu não tenho conseguido não, o tempo não tem ajudado. Mas eu pesco, da pescaria a gente não abre mão, é o meu hobby.
P/1 – E fotografia também?
R – Também! Ultimamente nem tanto, porque a minha câmera quebrou, e eu comprei um famoso MP5, que disse que tinha uma câmera maravilhosa, e a câmera é muito ruim, então, para tirar uma fotografia ruim, eu prefiro não tirar. Mas dentre os hobbys, esse é mais durante a semana, que eu tiro fotos, muitas! Não é pouca, são muitas fotos.
P/2 – O Vicente me falou uma coisa que também tem um pouco de você assim, que vocês são muito preocupados com a história lá de Pedreira.
R – Em Minas Gerais. Eu acho que ali tem muita coisa de bom para se mostrar, o grande problema é que a gente chega na cidade hoje e a cidade tem uma vista feia. Não era para ter, aquilo que a gente tem ali, pelo que está escondido, tem um, como eu disse pra você, tem um sítio arqueológico maravilhoso, tem umas ruínas da época da passagem dessas bandeiras... Está jogado, não tem a ideia da preservação histórica. Então o trabalho que eu tenho feito com o Vicente, com a Aidê, Rosimar, Fatima, Gilvanete, tem um monte, foi juntar um grupo de professores aí, imenso... É justamente isso, é não deixar que isso acabe, mesmo não sendo a minha disciplina. Veja bem, sou professor de matemática, mas eu me incomodo muito em saber que as coisas estão sendo apagadas. Quem entra não tem esse compromisso, então, o que acontece? Se eu consigo registrar, isso é muito bom, eu tenho esse caminho do nada, porque a gente tem agora, e tenho registrado todas essas mudanças que sofreu Engenheiro Pedreira e Japeri, eu fundei os dois distritos, não é? E esse crescimento de bairros, essa mudança, essa visão que a gente tem hoje de lá, se você fizer uma comparação do passado, honestamente, eu prefiro o passado, está mais bonito. Isso a gente tem registrado ali, você vai perceber quando a gente passar os slides.
P/2 – E quais são as suas expectativas para a Bernardino de Melo?
R – Se mudar a política de educação, hoje, que a gente tem dentro do município, e ela for realmente assumida com responsabilidade, são muito boas. Agora, se a gente continuar com essa mesma política de educação e de... Eu digo a nível de poder central, que a gente tem hoje dentro do município. Eu acho que não é só o Bernardino de Melo, não, acho que todas as escolas. Eu não sei onde vai chegar, não. Só pra você ter uma ideia, hoje, se você entrar dentro do Bernardino de Melo, não existe um sabão para lavar louça, só pra você ver, mais ou menos, o que está acontecendo. Se não tem um sabão, como é que uma escola pode oferecer alimentação de forma sadia para os seus alunos? Outra coisa interessante, como é que você, sabendo que você tem responsabilidade cívica com o seu município, com o país em linhas gerais, como é que você não deixa acontecer um desfile cívico, quando todo mundo está esperando que isso aconteça, principalmente as escolas da rede pública municipal? Então, por aí, você vai tomando as ideias do que está acontecendo, hoje, dentro de Japeri. Então a gente não tem... Eu, hoje, se continuar essa política de educação que você está vendo, não tenho grandes perspectivas de futuro, não, porque a minha escola era bonita, ela está caindo. Os vazamentos, as infiltrações existem e ninguém toma uma postura para conserto. Nós tínhamos salas maravilhosas, elas estão desmanchando, não existe uma manutenção preventiva. Então, como é que você pode esperar uma escola de qualidade se essa escola não é um espaço agradável para o aluno estar? Eu acho que a escola é boa quando o aluno entra e se sente bem dentro dela. O ambiente é importante, se você tem um ambiente bom, você tem um aluno que tem o prazer de estar, e um professor com vontade de trabalhar. Como é que um professor pode dar aula se você não tem nem o giz, que é o elemento básico para você escrever no quadro? Eu estou torcendo para trocar, para mudar isso tudo, e que quem entre, não quero saber quem é, mas entre com responsabilidade, mas responsabilidade de mudar para melhor.
P/1 – E na sua vida pessoal, quais são os seus sonhos?
R – Ah, têm muita coisa! Apesar de eu estar beirando os 50 anos, eu acho que eu ainda sou bem jovem para poder... Cinquenta anos de corpo, mas de espírito eu ainda estou na faixa de 19, 20, porque, se depender do espírito, eu ainda tenho muito gás e muita lenha pra queimar. Eu moro, hoje, em uma casa minha, em uma casa de vila, mas, se Deus quiser, eu já consegui o meu terreno e, até o meio do ano que vem, eu tenho a minha casa. Eu quero ver a minha filha correndo em volta, igual eu corria atrás do Vitor, eu quero correr atrás dela, também, sem conseguir pegar, no meu quintal.
P/2 – Tem alguma viagem, alguma coisa que você queira fazer?
R – Eu sou apaixonado por excursões, ah, sou! Já fiz muitas. Nos últimos quatro anos, depois que eu mudei de vida, eu com a minha atual esposa, eu só consegui fazer uma, mas a minha intenção já é para começar ano que vem com pelo menos duas por ano. Mas excursões pra locais que valham a pena, porque você passear num local que você não tem nada para ver, ou nada para te acrescentar de bom, não adianta.
P/2 – Você já pensou em algum bom lugar para ir?
R – Eu sou doido pra conhecer Caldas Novas, dizem que é muito bonito. Sou doido para conhecer um local chamado Bonito, é muito lindo, de vez em quando eu passeio por lá pela Internet, não é? Aliás, eu passeio muito pelo meu computador, e nesses passeios tem alguns locais que eu gostaria de conhecer. Eu vou torcer para eu conseguir no ano que vem, pelo menos unzinho, né?
P/1 – E essa excursão que você fez junto com a sua mulher, o que você conseguiu fazer?
R – Uma eu fui pagar uma promessa em Aparecida. Eu consegui ir a Aparecida pagar uma promessa (riso), mas foi um dos melhores dias que eu passei, eu nunca vi a minha neném correr tanto. Naquela frente da igreja tem um pátio imenso, ela andou solta, foi para um lado, foi pro outro. Nós conseguimos almoçar juntos, finalmente, em paz, sem ninguém incomodar. Foi um dia muito bom, sem contar que eu consegui pagar a minha promessa, que é o mais importante.
P/1 – É enorme lá, né?
R – É muito lindo! Eu tenho as fotos, todas da Basílica, peguei uma foto de frente, maravilhosa! Aquilo ali está no meu Orkut (riso).
P/1 – Estava cheio lá?
R – Bem cheio! Também, eu acho que Aparecida dificilmente está vazia, não é? Eu só tive a oportunidade de estar em Aparecida com aquilo vazio, foi numa segunda-feira pela manhã, que eu fui por acaso, também fui pagar uma promessa. Quando eu cheguei estava vazio, não assisti a missa porque não teve, mas eu paguei a promessa. Eu sou muito devoto de Aparecida.
P/1 – Tem alguma coisa, Antonio, que você gostaria de dizer, algo que você se lembrou e que a gente não tenha perguntado?
R – Você já explorou tudo o que eu tinha, pelo menos assim, mais aflorado.
P/2 – A gente queria agradecer, em nome do Museu da Pessoa, e desejar muita força e um caminho de muitos amigos e muita luta para a Bernardino de Melo.
R – Se Deus quiser! Porque eu acho que os professores, pelo menos na sua grande maioria... A gente não vai dizer todos porque hoje em dia tem muito professor novo, e a maioria dos professores novos, que eu vejo, pelo menos os que eu conheço, caíram no magistério de pára-quedas e descobriram que não vale tão a pena estar dando aula quanto a gente que já está quase se aposentando, e que vê nisso um sacerdócio, não é? Mas eu tenho um grande número de professores, no Bernardino de Melo, que têm compromisso com a educação, e é em nome desses professores que acho que, de repente, eu posso até falar, não é? A gente tem certeza de que, se depender de nós, o Bernardino continuará sendo o que ele é hoje, apesar de todos os problemas, a gente ainda é referência dentro do município.
P/2 – Antonio, eu queria só fazer duas perguntinhas finais: uma, é se você já conhecia o museu?
R – Já, eu conheço o museu desde 2005, três anos atrás, não é isso, desde 2005, quando tive a oportunidade, também, de ser entrevistado, mas não dessa forma, foi uma coisa mais, assim, objetiva, mais sucinta.
P/2 – A segunta pergunta é: o que você achou de fazer essa volta no tempo com a gente?
R – Não é sempre que a gente tem a oportunidade de parar e relembrar o passado, foi bom! Triste em determinados momentos, porque eu fui obrigado a lembrar de pessoas que me fazem muita falta, que eu sempre quis muito bem. E bom porque a gente sabe que, apesar de ter tanto sofrimento na vida, a gente chegou até aqui hoje, né? Valeu a pena! Valeu a pena porque somou para formar a personalidade que eu tenho hoje, a pessoa que eu sou hoje, eu agradeço muito às minhas experiências do passado.
P/1 – Obrigada, eu quero agradecer. Obrigada mesmo por compartilhar com a gente isso tudo.
R – Se precisar do Antonio, já tem o meu e-mail. Entra em contato e o que eu puder fazer, não sei se vou estar ainda, porque a minha ideia pra 2009 é não estar no projeto, tanto é que eu estou de licença para ver se alguém chega um pouco mais próximo. Eu estou achando difícil, porque, ultimamente, a gente pegar responsabilidade e levar essa responsabilidade até o final é complicado, mas se não estiver junto com vocês em 2009, pelo menos eu vou estar próximo, porque o projeto eu tenho certeza que não acaba no município não, tá?
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