Entrevista HV História de Vida 040
Tony Miyasaka - Foto Miyasaka
Transcrita por Selma Paiva
P1: ‘Seu’ Tony, para começar, eu gostaria que o senhor dissesse o seu nome completo, a data de nascimento e o local que o senhor nasceu.
R1: Nome completo é Akio Tony Miyasaka, sou nascido em 12 de setembro de 1960, em Ribeirão Preto mesmo.
P1: Em Ribeirão, né? E qual que é o nome do seu pai e da sua mãe?
R1: Meu pai adotou, porque os japoneses tinham só nome japonês e, quando eles vieram na imigração, eles sempre adotavam algum nome brasileiro, né? No caso, ele adotou Tony. Na verdade, o nome dele real é Miyuky Miyasaka. Tá? E a minha mãe Teresa Keyko Miyasaka.
P1: Certo. E eles vieram do Japão, os dois ou...
R1: Não, minha mãe é nascida aqui no Brasil, de pais japoneses e meu pai veio devia ter um, dois anos de idade, para o Brasil, ele era bem nenê.
P1: Para o Brasil. E o senhor conheceu seus avós? Ou ficaram no Japão, alguns?
R1: Não, vieram, eles viveram aqui, conheci os dois, os dois lados: maternos e paternos.
P1: Sim. E o nome deles, qual que era?
R1: O lado paterno é Sakuma, meu avô e materno... paterno, minha avó, Kikuy, tá? Do lado da minha mãe, não sei te dizer. ((Risos)) Você me desculpa, mas eu não guardei o nome deles.
P1: Tudo bem. O senhor sabe se eles vieram direto do Japão para Ribeirão ou eles passaram por outros lugares antes?
R1: Ó, do lado do paterno, eles vieram, mas ficaram trabalhando na agricultura, numa fazenda, há uns cinco quilômetros de Ribeirão Preto, tá? Aí, meu pai era criança ainda, devia ter sete, oito anos, ele levou uma picada de cobra na fazenda e aí foi o start para o meu vô resolver sair da fazenda e ir procurar vida na cidade, né? Foi quando eles começaram a vida aqui em Ribeirão.
P1: Sim, sim. E eles trabalhavam nas fazendas de café aí de Ribeirão?
R1: Isso.
P1: Da região, quer dizer.
R1: É, na região.
P1: Entendi. E o senhor sabe como é que seu pai conheceu a sua mãe?
R1: Ó, japonês tem muito assim, de ter um negócio meio combinado, tá? ((risos)). Então, um japonês fala: “Ó, tem um filho do amigo meu que está procurando a esposa, não sei o que lá”. É um negócio mais ou menos desse jeito. E sempre deu muito certo, acho que em outras raças também tem esse tipo de coisa, né?
P1: Claro. E aí, foi assim? Foi meio... conheceram por causa da família, então, né?
R1: É, é uma coisa meio arranjada, né? Mas que deu certo, graças a Deus. (risos)
P1: Que bom! E qual que é... aí, vocês vieram... seu pai veio para a cidade, né?
R1: Isso.
P1: E casou com a sua mãe. Qual que era a profissão deles, dos dois, do pai e da mãe?
R1: Minha mãe não tinha profissão, ela trabalhava em casa. Eles moravam num sítio também, né, minha mãe, antes de casar e ela... eram cinco irmãos, ela ficou assim, meio que para trabalhar em casa, para que os irmãos dela pudessem estudar, né? Então, ela e o irmão ficaram no sítio trabalhando e outros irmãos estudaram. Do lado do meu pai, eles começaram, assim, fazendo alguns trabalhos corriqueiros, eles moravam na periferia. Um dos meus tios, mais para a frente, conseguiu um curso de fotografia, com um amigo, em outra cidade e tal. Foi onde que os irmãos começaram a...
P1: Trabalhar?
R1: ...mexer com fotografia. É. Foi assim, bem informal, né?
P1: Certo. Aí, então, seu pai começou com a loja, né, de fotografia, então? Seu pai começou a ser fotógrafo, antes de você?
R1: Ah, sim, sim. Ele que... ele e meus tios que começaram tudo, né?
P1: Ah, certo. E você sabe onde é que começou a loja de fotografia? Como que eles começaram a trabalhar, assim? Eles iam pela cidade ou eles tinham um local, já? Já tinham uma loja?
R1: Então, começou meio que sem loja, mas logo que puderam, eles montaram uma loja, ao lado da catedral. Era assim: a catedral, praça da catedral e, assim, a cinquenta passos da igreja era a loja. Por que disso? A fotografia, quando eles começaram, não existia película, esse filme plástico que deve ter visto já e era feito uma placa de vidro a fotografia. Tá?
P1: Sim.
R1: Com isso, a fotografia de casamento era uma ou duas fotos só, onde os noivos saíam da igreja para o estúdio fotográfico, tiravam uma foto dos noivos, aí que eles iam para a festa.
P1: Sim.
R1: Os casamentos dessa época, você só tinha uma ou duas fotos que eram chapa de vidro, era muito complexo isso e caro, né? Então, por isso que tinha que _________ (07:08) o vidro, sabe? Era uma mão de obra tremenda. Mas, em seguida, quando começou a ter acesso aos filmes de película plástica, meu pai foi, na cidade, o primeiro a fazer os trabalhos de reportagem externa. Então, ele ia no casamento com a máquina e vários filmes e fazia todas as fotografias possíveis.
P1: Sim.
R1: Não era fácil também, porque o filme dessa máquina era um filme 120, era um rolinho, ele dava para fazer oito ou dez fotografias. Então, o fotógrafo tinha que calcular, porque ele não podia estar no momento de trocar o filme na hora que fosse trocar aliança. Então, tem todo um esquema, né, dos momentos principais do casamento, onde o fotógrafo tem que saber: “Não, nesse momento tem que estar no começo do filme, senão não vai dar certo”. Outra coisa: a luz era um flash que... vocês conhecem o flash eletrônico, que põe a pilha e dispara um monte, tá? Nesse começo de reportagem, o flash era uma lâmpada de disparo único, ele chegava na... cada foto era uma lâmpada do tamanho dessa lâmpada comum que a gente usa em casa, tá e só batia uma foto. Então, eles chegavam no casamento com meia dúzia de filmes, dez filmes, não sei, mas com uma caixa de lâmpada, porque cada foto era uma lâmpada, do tamanho dessa comum de casa. E usava e jogava fora, usava e jogava fora, né? Então, era um trabalhão nesse sentido, também.
P2: Isso daí, ‘seu’ Tony, no final da década de quarenta, começo da década de cinquenta, foi isso?
R1: Exato. Exato. Ele começou em 1949 __ (09:16) da loja.
P1: E, nessa época, o que dava receita mesmo para um estúdio de fotografia era casamento, ou, por exemplo, o jornal já chamava para fazer uma reportagem? Por exemplo: se batesse um carro, ia lá, tirava foto ou algum caso na rua ou era mais fotografia de festa casamento? O que era a demanda aí?
R1: Então, __(09:50)
P1: Caio?
P2: Deu problema.
P1: Deu problema.
P2: Está ruim a conexão.
P1: O som dele está ruim. Vamos ver se, quando ele voltar, ele pode ir mais perto do roteador, alguma coisa assim?
P3: Isso. É. O problema é de conexão com a internet, igual o outro lá.
P1: Puta, hoje está a bruxa. De manhã também, a gente teve que pedir para o senhor mudar de sala.
P2: É, talvez seja o caso.
P3: É, chegar um pouco mais perto ou se ele, às vezes, não está nem no wi-fi, né? Ele está mais no 3G, às vezes.
P1: Ele saiu, acho que vai... é.
P2: A gente estava falando ali do final da década de quarenta e ele ia começar a explicar alguma coisa.
P1: É, o que dava dinheiro, né? Será que era só casamento ou ele já saía para fazer reportagem, tal. Eu vou tentar ligar para ele, né? Acho que é melhor. Vai que ele está com uma dificuldade lá.
P2: Parece que ele foi tão bem, né? Tomara que não tenha acabado a bateria. Pode tentar.
P1: É.
P3: Eu acho que é mais problema de internet mesmo, porque a conexão já estava meio ruim.
P2: É. Deu certo, Luís?
P1: Deu. Ele já mudou de lugar, falou que já está entrando de novo. E quando é assim, edita, Caio?
P3: Edita.
P1: Edita, né? Esse pedaço aqui não fica.
P3: Sim, sim. Aí, se puder voltar na última pergunta, né? Que travou no meio.
P1: É. Legal.
P3: Refazer toda a pergunta, aí eu corto essa parte e volto nela.
P1: Está bom.
P3: Ele entrou de novo aqui, vou aceitá-lo.
P1: Está legal.
P3: Se puder, quando ele entrar, se tiver tudo certinho. Deixa eu ver.
P1: Oi.Tudo bom?
R1: ((Risos)) Fui mudar de lugar aqui, apanhei para conectar.
P2: Tranquilo.
P1: Está legal. Bom, voltando... não, tudo bem, acontece, né? É um desafio fazer esse trabalho com reportagem assim...
R1: Aham.
P1: ... porque sempre o ao vivo, né? Na frente...
R1: Aham.
P1: ...da pessoa, é melhor, né? Mas assim, acontece, pode acabar a luz, pode acontecer um monte de coisa.
R1: Exato.
P: Mas, ‘seu’ Tony, então a gente estava falando sobre aquela época do passado da fotografia, né?
R1: Tá.
P1: O que dava mais receita para o fotógrafo? Era casamento?
R1: Então, como eu estava dizendo, tudo que existia em serviço fotográfico era meu pai que era chamado para fazer. Então, a foto era... montava no avião, subia, tinha que se virar para fazer, umas máquinas enormes, superdifícil fazer. Acidente de carro, como você falou, casamento, baile fazia muito, festas também fazia muito, tá? E até... como é que fala? Medicina Legal, às vezes, ele... ((Risos)) a pessoa chamava: “Ó, estou precisando de foto”. Ele ia lá e tinha que fazer, porque não tinha outra pessoa para fazer. Então, tudo isso ele fazia. Agora, a rentabilidade era na parte social, realmente, tá? Então, era nas festas, bailes fazia muito e casamentos. Uma coisa que ele fazia também nessa parte social, que era um diferencial enorme, o que era? Ele ia durante à noite, fazia as fotografias do evento, fosse o que fosse: festa, baile etc, né? Ele saía do baile, ia para o laboratório, revelava todos os filmes, tá? E fazia o contato. Vocês sabem o que é o contato? É uma folha onde você encosta o negativo num papel fotográfico e faz umas provinhas. Então, a foto fica minúscula, só que ela não fica negativa, fica positiva, né? Então, dá para a pessoa escolher a fotografia melhor. Então, dos eventos sociais, ele passava a madrugada fazendo esse processo de deixar todas as fotos impressas, tá? Sete horas da manhã abria a loja, o pessoal podia chegar da festa, passar na loja, escolher as fotos já, que ia querer ampliada, tá?
P1: Sim.
R1: Isso o pessoal adorava, todo mundo comenta muito comigo que, quando eles tinham essa facilidade, né, para ver as fotos praticamente depois da festa, né?
P1: Sim. Aí, ele recebia por cada foto que ele vendia para quem ia na festa, mas ele recebia também para ir fazer o trabalho na festa também, né? Do dono da festa.
R1: É, ele fazia tipo um álbum, né, para o dono da festa, mas os convidados também tinham opção de querer uma foto ou outra, individual.
P1: Entendi. E, ‘seu’ Tony, quando o senhor nasceu, o senhor morava em qual bairro, aí de Ribeirão Preto?
R1: Morava praticamente no Centro, tá? Na Avenida Independência, um local bem central.
P1: Sim. Aí, o senhor lembra como é que era? Devia ser bem diferente Ribeirão Preto daquela época, de hoje, né?
R1: ((Risos)) Era.
P1: O senhor tem na cabeça a paisagem, como é que era a sua rua? Como que era?
R1: Então, eu lembro muito assim, no quarteirão da loja, onde meu pai tinha a loja de fotografia, eu passei muito tempo lá, né? Então, eu lembro: tinha uma livraria; tinha um barbeiro; tinha a foto do meu pai; depois tinha uma boate, que era a única boate da cidade; o jornal, um dos jornais da cidade era ali; e um armazém, que não existia supermercado, né? Então, era no armazém que você fazia essas compras. Isso lá no quarteirão da loja. Já onde a gente morava, no quarteirão que eu morava, aí era estritamente residencial, mas, assim, um quarteirão depois, dois quarteirões abaixo da minha casa, passava um rio, não tinha ponto. Então, praticamente a cidade acabava ali. Tinha o bairro do outro lado do rio, mas era, assim, muito escasso, muito perdido o que tinha por lá, né?
P1: Sim.
R1: E hoje, é tudo Centro da cidade.
P1: Hoje é tudo Centro, né?
R1: É.
P: E o senhor ia muito da loja do seu pai, né? Praticamente todo dia? Era perto da casa, da sua casa?
R1: Ó, ia a pé, né? Devia ser uns oito quarteirões, dez, por aí. Eu não lembro exato, mas deve ser mais ou menos isso.
P1: Sim. Sim.
R1: E a minha escola era perto da loja. Então, eu saía da escola e ia para a loja.
P1: Ah, está certo. E, naquela época, como é que era a infância do senhor em Ribeirão Preto, né? Ribeirão Preto era uma cidade menor. Como é que era brincadeira com seus amigos, passeios? O que o senhor lembra disso?
R1: Ó, assim, eu tenho, assim, muitos amigos de escola, que a gente tem uma amizade enraizada até hoje, com a facilidade da internet a gente conversa todo dia, né? Muito gostoso isso. E amizade que eu vejo que, assim, meus filhos praticamente não conseguem ter essa convivência mais, porque essa turma de amigos que eu tinha, a gente saía, moleque, andava a pé para todo lado, não tinha perigo, né? Então, ia em festa, ia fazer bagunça, fazer arte, o que fosse, era tudo a pé, às vezes andava um monte e tal, mas, assim, era tudo muito sadio e muito gostoso, porque nem sabia que ia ter celular um dia, né? ((Risos)) Então, era um outro tipo de diversão. Fiz muita arte. ((Risos))
P1: Certo. E como o senhor disse, né, a cidade era muito menor.
R1: Sim.
P1: Perto da sua casa, um pouquinho mais para lá, já terminava a cidade, né?
R1: Uhum.
P1: E a gente sabe que quem viveu essa época, vivia muito na natureza. O senhor costumava ir para fora da cidade, andar no meio do mato, passar no rio, pescar aí por perto ou não?
R1: Aí, eu fazia uma coisa diferente, que os meus avós maternos viviam num sítio, que é na região de Araraquara, não é longe daqui, é uns cinquenta quilômetros de Ribeirão. E, assim, a minha infância, antes da idade escolar, eu praticamente fiquei mais lá do que aqui. Tá? E, mesmo depois de começar a escola, eu sempre que podia, eu ia para lá, passar férias, coisa desse tipo. E lá eles criavam bicho da seda, tá?
P1: Uhum.
R1: Então, assim, é um processo que eles trabalhavam demais, porque o bicho da seda requer muito cuidado, alimentação o dia inteiro, sabe? Tem que ficar pegando folha de amora, tinha plantação de amora, tinha que ficar colhendo isso o dia inteiro, para alimentar os animais, não sei o que lá. Então, eu tive essa vivência e aproveitei demais essa infância rural, tá? Então, assim, não tinha muito recurso no sítio, mas assim, a gente se divertia pra caramba. Foi muito bom. Uma outra coisa também que me marcou muito: com 12, 13 anos de idade eu comecei a dirigir, porque era terra, né? Então, meu tio deixava eu pegar carro, andar de trator, não sei o que lá. E aí, depois disso, na cidade, eu vinha para a cidade, com 15 anos de idade eu já andava de carro para tudo quanto é lado, né? Hoje você não... é impossível fazer esse tipo de coisa. __________ (26:47) demais, assim, só não pegava a estrada, mas aproveitei muito nesse sentido.
P1: Imagino. E como que era Ribeirão Preto, assim? Vocês iam muito... hoje não existe mais, né, cinema. Cinema só dentro do shopping, mas Ribeirão devia ter bastante cinema. Tinha circo, tinha festa? O que tinha aí, na época?
R1: Ó, cinema tinha uma meia dúzia de cinemas, eu ia muito também, tá? Festas, a gente ia assim: a minha turminha da escola, quando tinha, a gente ia bastante em festa, a gente chamava de brincadeira na época, né? Frequentei bastante. E sempre andava era mais atrás de festa. Eu não bebo, assim, a molecada estava pré-adolescente, começa a beber alguma coisa, não sei o que lá. Então, meus amigos gostavam de sair, sentar num boteco, beber alguma coisa, ficar batendo papo. Isso também a gente fazia bastante.
P1: Muito bom. “Seu’ Tony, e quanto à tradição japonesa? O senhor teve bastante, na sua casa, comida japonesa, música, festas tradicionais japonesas, danças? O senhor teve alguma coisa disso?
R1: Eu tive. Minha mãe sempre insistiu muito em mostrar bastante cultura japonesa para a gente. Eu vivia com meus avós no sítio também, bastante coisa, tal. Só que tem uma coisa, quando eu era assim... no começo da idade escolar, logo que eu entrei, eu comecei a frequentar escola, existia muito bullying, tá? Hoje a gente tem a palavra, na época não tinha, tá? Mas por eu ser japonês, vocês não fazem ideia do quanto eu sofri em relação a isso, tá? O pessoal tirava sarro demais, gozava o tempo todo, porque comia peixe cru, porque tinha olho puxado, não sei o que lá. Então, era gozação o tempo todo. Em função disso, eu, assim, meio que abandonei, a minha mãe tentava ensinar a gente a falar japonês, mas sabe? A gente ficava meio com raiva disso. Então, eu fui meio que largando de lado essa cultura__ (29:21), sabe? Se precisar falar alguma coisa, eu sei falar, mas poderia ter aprendido e aproveitado muito mais cultura, se não fosse esse bullying que a gente passava. Hoje, o bullying com o japonês é inverso, né? ((Risos))
P1: Sim.
R1: Hoje ____________ (29:39) criança japonesa na escola, ela, assim, não chega a ser venerada, mas é respeitada. Na minha época era complicado, vocês não fazem ideia de quanto eu sofri nesse sentido.
P2: Ô, Tony, isso é uma coisa que eu queria te perguntar, aproveitando que o Luís perguntou dessa inserção aí da cultura japonesa: como que você vê essa diferença, hoje em dia? Como que é, hoje em dia, essa diferença de estar, né, junto... juntando essas duas culturas dentro de casa, com a família, com os mais novos, talvez? Como que você vê essa diferença da sua época que você estava contando aí e dessa época mais de hoje em dia? Assim, acredito que tenha difundido um pouco mais a ideia, né, de estar no Brasil e praticar cultura japonesa, mas também tem as dificuldades ainda.
R1: Hoje é tudo muito mais fácil, né? Porque você vê... eu respeito, sempre respeitei demais o negro, tá? Mas a mesma coisa que eu estou falando que eu passei, por esse bullying na infância, o negro passa até hoje, certo? É meio disfarçado, mas ele está passando, tá?
P2: Certo.
R1: Então, eu sinto na pele. Existe uma boa evolução, tá? Então, as pessoas são obrigadas a respeitar. Então, antigamente não tinha essa obrigação, né? Então, de certa forma, a gente está evoluindo nesse sentido, não sei se vai chegar um dia à perfeição, eu acho muito difícil, tá? Mas, a longo prazo, eu acho que o respeito vai melhorar bastante. Eu sou separado, mas eu era casado com uma portuguesa que veio de Angola. Então, você vê, já tem uma miscigenação legal de raças. Então, __________ (31:42), sei lá, a gente tem bastante evolução e bastante respeito melhorando, acredito, né hoje em dia.
P1: Sim. E hoje, também, a cultura japonesa no Brasil, é muito mais valorizada, né? Porque o Japão se tornou um país de primeiríssimo mundo, né?
R1: Aham.
P1: Não tem... acredito que não tem mais sentido o bullying com o japonês, não teria mais lugar, né, na sociedade. Mas, continuando, além do bullying, o que o senhor achou da escola? Como é que foi sua vida na escola? Onde o senhor estudava também, dava para ir a pé? Como que era sua vida na escola?
P: Ah, na escola sempre foi muito bom, tive muitos amigos nos dois ciclos, né, no primeiro grau e segundo grau. Eu tenho, assim, praticamente o dobro de amigos, em função de ter bombado um ano no segundo grau, né? Então, tem as turmas de antes de repetir e as turmas que eu conheci depois. E, assim, uma coisa que era gostosa: a cidade era relativamente pequena, então a gente andava na rua, a gente conhecia 90% das pessoas. Era muito gostoso isso, tá? As famílias se conheciam, sabe? A gente tem... eu tenho muitos amigos que, assim, eu peguei o fim da fase boa da escola pública, no segundo grau eu fiz escola pública e foi, assim, o finalzinho da escola pública boa. Tá? Então, os meus colegas de colégio, hoje, se a gente conversar, são os melhores médicos da cidade, sabe? Ministro da Economia do Lula era da minha turma, sabe? ((Risos)) Coisa desse tipo. Então, a gente tem muita gente conhecida que, assim, cresceu e ficou famosa e muita gente legal.
P1: Sei. E o senhor se dava melhor em qual disciplina, assim? Existia alguma disciplina que já te deu uma ideia do que... é que o senhor seguiu a carreira do seu pai, mas o senhor teve vontade de seguir outra carreira, a partir das disciplinas da escola?
R1: Então, na escola, eu cheguei a entrar na FEI, comecei Engenharia, em São Paulo, em São Bernardo. Tive que parar, para vir ajudar meu pai na empresa, né? Mas depois eu fiz aqui, comecei de novo a Engenharia aqui em Ribeirão, larguei de novo. E há uns anos eu comecei de novo, já casado, com os filhos grandes, eu entrei, consegui entrar na Engenharia e concluí o curso. Então, eu sou engenheiro civil e é a área que eu gosto. Assim, se algum dia eu sair dessa área aqui, eu vou brincar de construir.
P1: Ah, está certo. Mas o senhor... apesar dessa paixão pela Exatas e pela Engenharia, o senhor decidiu seguir a carreira do seu pai? Como que foi tomar essa decisão?
R1: Eu acho que é uma... seria uma osmose isso, não sei. Mas assim, foi ‘fondo’, sabe? ((Risos)) Foi... eu comecei a trabalhar com ele, eu tinha 12, 13 anos de idade.
P1: Ah!
R1: A fase em que... foi na década de setenta e ele, nesse período, estava muito cansado já do trabalho de reportagem, porque trabalhava todo fim de semana, madrugada etc. Então, nessa época, ele resolveu mudar de rumo, no sentido de parar de fazer reportagem e fazer só comércio. Então, na época, ele montou uma loja, boa, montou um laboratório. Tá? E começou só com a parte comercial da fotografia. Então, foi aonde eu entrei. Então, se você perguntar: “Ah, você está aí, mas você é artista?”. Não sou. Não me considero, tá? ((Risos)) Considero mais um comerciante, do que um artista. Meu pai, sim, ele exercitava fotografar e fazia muita arte em cima do trabalho dele. Agora, eu sempre trabalhei só na parte comercial. Fotografo, tudo, tal. Os cursos de fotografia são muito tradicionais, tá? Meu pai começou dando curso nessa época, na década de setenta e eu continuo com isso até hoje. Então, três, quatro meses eu monto uma turminha, vou lá, dou um curso básico de fotografia. A gente tem milhares de alunos na região, na cidade, formados pela gente, em fotografia.
P2: Mas, ô Tony, o início seu aí no ramo, digamos assim, você começou trabalhando com seu pai, mas esse interesse pela fotografia, em si, como começou? O que você fazia, exatamente, com o seu pai e quando que você começou a parar e tirar foto, mesmo, assim? Ter aquela paciência de olhar a imagem e como compõe a imagem, esse tipo de coisa, assim?
R1: Então, assim, eu comecei a trabalhar porque - acho que, mais criança do que adolescente, porque 13, 14 anos, né - achava divertido.
P2: Uhum.
R1: E era interessante, porque foi uma época de ouro na parte comercial. Eu lembro: eu, com 14 anos, atendia três, quatro clientes ao mesmo tempo, para vender uma máquina. Então, os clientes chegavam lá, falavam: "Ó, ah, quero ver a Olympus Trip". Né? Na época, era o ‘tchans’ da fotografia esse modelo de câmera.
P2: Como que chamava? Desculpa.
R1: Olympus Trip.
P2: Uhum.
R1: Tá? Aí, tinha um monte de gente querendo a máquina. Eu, moleque de 14, 13 anos, juntava: “Vem vocês quatro, que eu já ensino para vocês ao mesmo tempo”. Né? Imagina isso, que um moleque achava superdivertido, né? E projetor de slide vendia, assim, dezenas de projetores também. Então, era muito divertido. E, com isso, saiu um interesse, assim, automaticamente, de começar a sair e fotografar, né? Então, eu brincava. Uma coisa que é muito gostosa de se fazer, é revelar filme e ampliar branco-preto. Vocês não fazem ideia da mágica que é isso, tá? Então, tinha o laboratório branco-preto, dentro do laboratório da loja. Às vezes eu pegava mais um ou outro amigo, a gente saía para fotografar, voltava para o laboratório, sem querer, assim, brincando ali, passava a noite inteira revelando fotografia e não percebia, de tão gostoso que era, tá? Que o branco-preto, a revelação manual, você tem, assim - tanto na revelação do fotografar, revelação do filme e ampliar a foto - dezenas de caminhos para você ter resultado. Então, não é simplesmente você fotografou, regulou e ampliou, vai sair a foto. Você pode mudar esse resultado de várias formas. É contraste, é claridade, é definição, sabe? Então, muita coisa a gente ficava brincando ali, era muito legal.
P1: Ô, ‘seu’ Tony e como é que, numa época que não tinha internet, vocês descobriam o funcionamento de cada aparelho, de cada máquina? Porque devia ter alguma revista, algum fornecedor. Mas aí o senhor pegava vários modelos de câmera e tinha que ficar (fuçando). Como é que era para saber como é que funciona tudo?
R1: Ó, basicamente, eu compararia, assim, ao motor de combustão, né? O mesmo motor de combustão que foi inventado há mais de 100 anos, a base dele, você tem até hoje. É uma vela, uma explosão e um pistão que anda, digamos que seja isso o motor de combustão. A fotografia, desde que ela foi inventada, as regulagens são as mesmas, tá? Então, você vai falar em velocidade, diafragma ou abertura, ISO, que são as três coisas básicas que você precisa saber na fotografia e que você vai __________ (41:05) máquina e, se você comprar uma máquina daqui cinco anos, você vai ter essas mesmas regulagens. Se você pegar no seu celular, você procurar lá, você vai ver essas regulagens para serem feitas, tá? Então, foi surgindo coisas novas, realmente, a gente ficava perdido, porque começou a crescer o automatismo dessas regulagens, tá? Aí foi começando ficar complicado para a gente entender como que era. Teve muita coisa que eu apanhei demais para assimilar quando começou a entrar, quando as máquinas começaram a ficar mais eletrônicas, mais automáticas, tal. Mas, assim, a base é a mesma, tá? Resumindo, é isso. Então, tem muita coisa nova. Nas máquinas digitais de hoje, você vê coisas absurdas para quem trabalhava ((risos)) há cinquenta anos. Assim, é muito novo, muita coisa legal, mas continua a mesma base.
P1: Certo. E nessa época que o senhor trabalhava na loja com o seu pai, então, como o senhor disse, era muito movimentado, tinha muitos clientes, né, porque todo mundo tinha que recorrer a uma loja, diferente...
R1: Isso.
P1: ... de hoje, que é tudo automático, está tudo pronto. E quem que era seu público na loja? Que tipo de público que ia?
R1: Ó, a gente tem... tinha o público amador, né, interessado em ter a documentação da família, tá? Só que uma coisa que é muito forte aqui em Ribeirão Preto, são as universidades de Medicina e Odontologia e precisavam demais a documentação fotográfica, principalmente Odontologia. Eles precisam disso. E foi uma das funções de a gente ter montado o curso de fotografia na época, também, justamente pra, assim, essas pessoas conseguirem documentar tudo que eles precisavam. E assim, um médico, um dentista, ele não tem segunda chance. Se a fotografia da festa do seu filho, perdeu uma foto, tudo bem, né? Não deixou de ter o aniversário, nem a festa. Agora, você foi lá, fez a cirurgia, não vai ter outro nunca mais. Você não pode perder aquela imagem, tá? Então, eles tinham que ter, assim, margem de erro praticamente zero. Então, o pessoal ficava muito em cima da loja, atrás de aprender, para ter o mínimo de erro possível.
P1: Ah, interessante.
R1: A gente tinha até cursos direcionados para esses profissionais, pra... eu tinha curso que eu dava para dentistas, então, vários assuntos relativos a eles, como que eles precisavam fazer. Eu tinha curso só para eles.
P1: Certo. E, ô Gui, você quer fazer mais alguma pergunta?
P2: Ah, eu queria entender, assim, como leigo, ‘seu’ Tony, como que... o que você pode falar dessa questão dessa revelação do filme? Como que... hoje em dia - que você falou em contraste, em luz, essas coisas - o pessoal já pensa em Instagram, só para cá e para lá com o dedinho, que aumenta o contraste, que abaixa, igual televisão. Mas como que você pode... o que você pode tentar explicar para quem não conhece esse mundo aí da revelação e tal? Como que funciona essas coisas, essas minúcias, assim? Fisicamente, você pega a foto e coloca num lugar e tira, você mexe nela, assim? Ou é um líquido que você põe, assim? Como é que você faz isso?
R1: Então, o processo de filme, era um processo totalmente químico, né? Reações químicas. Então, o filme era composto de cristais de prata, tá? Que, com reação química, era que você colocava no produto químico, a prata que tinha recebido luz, ela _________ (45:23) e a prata que não tinha recebido luz, ficava branca. E tem o meio termo, a que recebeu menos luz, mais luz, coisa desse tipo. Então, o químico fazia essa... a gente chama de marcação, tá, com outro produto químico, que era fixador, que limpava a prata que não tinha sido queimada. Então, o filme, resumindo, é isso, tá? O papel, também o mesmo processo. O que eu acho que, assim, que eu diria em função do que você está comparando com a fotografia de hoje: hoje é muito fácil e muito gostoso fotografar, tá? Então, que eu acho muito legal: qualquer pessoa ao seu redor, fotografa. Tá? Você pega criança, não sei se você tem filho, o meu tem três anos e ele já tá fotografando, tá? Ele pode, depois, aprender a enquadrar, aprender a brincar, fazer algum efeito na fotografia. Mas, assim, ao mesmo tempo que eu acho que a gente tem muitas fotos banais, porque é muito fácil e qualquer um fotografa, ninguém tem o capricho de ir lá enquadrar, mudar o ângulo, achar uma posição melhor para fotografar. Isso não existe mais, tá? E, assim, desculpe insultar os profissionais, mas nem eles fazem mais isso ((Risos)), sabe?
R2: Sei.
R1: Essa geração nova de fotógrafo, a maioria deles não tem noção de luz. A luz é uma coisa muito importante na fotografia. Tá? Então, por exemplo, estou vendo aqui a foto do Guilherme na minha tela, ela está hiper contrastada, a pele dele está estourada. A gente chama esse branco aí de estourado, tá?
P2: Aham.
R2: Aí a do Luís está homogênea, a minha também. Na hora que a gente foi na outra sala que eu estava, não sei se vocês viram, tem uma luminária que eu tenho em cima do computador, eu fiquei ajustando, para tirar esse brilho, que eu estava igual o Guilherme, tá?
P2: Aham.
R1: Então, são coisinhas que, assim, os profissionais que estão chegando no mercado, se eles não estudam isso, eles fazem de qualquer jeito. Tá? Se vocês pegarem fotógrafos de moda, de comida etc, que são coisas que usam muito fotografia, eles estão ___________ (48:10) muita coisa banal, é difícil você ver uma foto bem elaborada hoje, tá? E a mesma...
P2: Mas resumindo o que você disse sobre o processo, então, do filme, você diria que é um processo bem químico mesmo, então, que vocês...
R1: Exatamente, é.
P2: ... _________ (48:24) totalmente?
R1: Totalmente.
P: Que isso meio que saiu da profissão a partir do momento, que nem você falou, que os novos fotógrafos, ou boa parte deles, nem tem conhecimento, nem chega a saber, ver esse tipo de coisa.
R1: Não. Para você ter uma ideia, só eu passar rapidinho. O slide vocês sabem o que é? Aquele quadradinho que projeta na parede?
P1: Sim.
R1: Esse, que projetava na parede, né? O processo de revelação do slide - assim, que nem eu falei do filme, passa por dois químicos, né? - a gente passava por sete químicos. Tá? Sete produtos diferentes. Esses produtos, quando você passa __________ (49:10) lá, a temperatura não pode variar nem um grau. Então, tem todo um esquema de banho-maria, com regulagem de temperatura; cada produto químico tem o seu pH e a densidade específica. Você tem que controlar isso aí todo dia, tá? Era um trabalho (risos) que vocês não fazem ideia da mão de obra que era. É um absurdo de chato.
P1: Ô, ‘seu’ Tony, para aprender tudo isso, só de observar seu pai, não dá. O senhor teve livros teóricos que mostravam isso? Tinha alguma apostila? Onde que o senhor estudou tudo isso?
R1: Ó, eu estudei muito pouco, tá? E, se você, digo assim, fizer uma chamada oral aqui, você vai ver que eu vou ser reprovado ((Risos)). Assim, eu sou muito de vivência, tá? Mas, assim, se você me falar técnicas de fotografar em estúdio, técnicas de iluminação, eu sei a base, tá? Mas, assim, eu não sei me aprofundar nessas coisas. Quando eu dou um curso, eu sempre dou coisas básicas. Tem gente que pede para eu ensinar Photoshop e eu ensino coisas básicas, também, que eu uso no dia a dia. É muito mais extenso se... para quem quer se aprofundar, do que o trabalho no dia a dia. Eu estudo...
P1: Sim.
R1: ... o possível, livro, internet, tal, mas eu me considero, assim, muito ignorante nesse sentido.
P2: ((Risos)) Não, que isso!
P1: Mas o senhor, então, foi um autodidata? Um autodidata, então, né?
P1: O senhor aprendeu na prática, é isso que o senhor quer dizer, talvez, né?
R1: É, é. É, sim.
P1: Entendi. E, ‘seu’ Tony, quando o senhor foi fazer a faculdade, o senhor deu uma largada na fotografia? O senhor sentiu falta? Como foi?
R1: É, senti falta, mas, assim, não sei se vocês já ouviram falar da FEI em São Bernardo do Campo, a faculdade. Conhecem? Assim...
P1: Uma das melhores _______ (51:32).
R1: É, na época que eu estudei, ela era, assim, comparada à Poli e ao ITA, se eu não me engano. Então, era muito pesada, não dava tempo (risos) da gente ter outras preocupações, né, outras diversões. E eu ficava 100% do tempo em cima dos livros. Era muito difícil lá.
P1: É. A gente sabe da fama da FEI, né?
R1: É.
P1: É uma faculdade ___________ (52:03). Aí o senhor resolveu voltar para Ribeirão...
R1: Então, eu voltei, na verdade, porque meu pai estava em dificuldade, que a empresa estava em dificuldade, tá? Aí, ele pediu para eu voltar e eu vim embora.
P1: Ah, entendi. E isso foi mais ou menos que época? Anos oitenta, já? Ou anos setenta?
R1: Isso. Deve ter sido 1982, 1983, mais ou menos.
P1: Aí, o senhor assumiu a loja de novo? E continuou trabalhando lá?
R1: Não, eu assumi junto com ele, né, trabalhando juntos todo o tempo.
P1: Ah, entendi. E depois, ‘seu’ Tony, como que o senhor conheceu... o senhor tem filhos?
R1: Tenho dois menininhos.
P1: Então, como que o senhor conheceu a sua esposa?
R1: Ah, na verdade, ela, assim, morava em Angola. Aí, quando teve a revolução lá, eles vieram para o Brasil.
P1: Sim.
R1: Foi na década de setenta também, se eu não me engano. E ela estudou na escola que eu estudava. Eu conheci de longe, eu não tinha amizade. E, depois de muitos anos, por acaso, a gente se encontrou ((risos)) e deu certo.
P1: Certo. Aí, como é que chama seus dois filhos? Para a gente deixar gravado aqui.
R1: Tem o Daniel, o mais velho, está com 33 anos e o Felipe, de 29 para 30 anos.
P1: E eles fazem o que, hoje?
R1: O Daniel trabalha com eventos, ele trabalha numa empresa de formatura, em Goiânia. E o Felipe trabalha numa agência de publicidade dedicada somente a atender influenciadores, tá? A conexão entre empresas e influenciadores.
P1: Olha! É um ramo progressista esse!
R1: Exato, um mundo totalmente novo, é.
P1: Ô, ‘seu’ Tony, e aí, como é que foi dos anos 1980 para cá, né? Não, dos anos 1990 para cá, a fotografia começou a se transformar, né e o pessoal começou a comprar coisas eletrônicas. Como que o senhor enfrentou essa situação nova da fotografia? O que mudou daquela época que o estúdio fotográfico era super requisitado na cidade, para hoje? Como que o senhor se adaptou e enfrentou isso aí?
R1: Então, a gente teve um... assim, uma fase muito boa, acredito que até o ano 2000, tá? Se você pegar 2000 e pouco, foi quando, realmente, começaram a sair as primeiras câmeras digitais.
P1: Sim.
R1: E, nessa época, se eu não me engano, 2001, eu fui convidado para dar uma palestra nos Estados Unidos, a respeito do comércio. A gente era uma empresa, assim, no Brasil, das que mais vendia câmera fotográfica, tá? Então, eu fui dar uma palestra lá a respeito disso, na Feira de Foto. E, na feira, vendo as novidades e lançamentos ligados à fotografia digital, que estava começando a sair naquela época, eu, naquele momento, vi que, assim, a fotografia ia mudar totalmente, não ia ter retorno, tá? Na época, eu comecei a falar isso entre os meus amigos da área fotográfica, eles tiravam sarro de mim, mas hoje a gente vê que ((risos)) realmente aconteceu. E uma coisa que, assim, o pessoal até brigou comigo quando comecei falar isso, tá? Mas é uma coisa que não tem retorno, não adianta. Uma coisa que eu falo - meus colegas de comércio, de fotografia, falam: "Ah, mas a gente tem que incentivar as pessoas a revelarem fotografia" - para as pessoas: "Não adianta vocês irem atrás disso, que ninguém vai revelar foto". A não ser, assim, eu tenho a loja até hoje, você vai lá, revela duas, três fotos para pôr num porta-retrato, dar um porta-retrato para o seu cunhado, coisa desse tipo, mas revelar que nem revelava: "Ah, viajei para a Europa, tem quinhentas fotos para revelar", isso não existe mais. E jamais vai existir de novo isso, tá? Então, é um processo sem retorno, não tem conversa.
P1: Sim. E hoje, a loja vive do que, assim? O senhor vende mais o que, assim? O seu serviço é em cima do quê?
R1: Hoje, a loja é minúscula, não tem funcionário, ficou eu sozinho lá. Eu retardei essa cirurgia, não sei se você sabe por quê.
P1: Não.
R1: Essa entrevista eu retardei, porque há um mês, eu passei por uma cirurgia do coração e eu estou em casa e vou ficar em casa uns dias e a loja está fechada esse tempo todo, tá? Fico sozinho lá, sem funcionário. O que eu tenho lá? É porta-retrato, as fotos que a pessoa quer fazer o porta-retrato, eu faço e alguns acessórios para câmera fotográfica, que é o tripé, coisas desse tipo, que hoje em dia eu vendo para o pessoal fazer as lives, né? Fazer...
P1: Sim.
R1: ... _________ (58:06) pra youtuber etc. Então, alguma coisa eu vendo, mas é uma loja pequenininha, que... só para me sustentar, nada mais, tá?
P1: Certo. Mas e as máquinas? Hoje em dia ainda existem, né, máquinas excelentes de fotografia, que não são mais de filme - deve existir até as de filme -que são profissionais mesmo. Eu sei por que eu trabalhei com um fotógrafo num livro que eu fiz e ele é um excelente fotógrafo de natureza, tal. Essas máquinas não têm mercado, essas excelentes?
R1: Então, existe esse mercado, só que a gente perde para a internet, então não vendo essas máquinas, tá?
P1: Hum.
R1: Se você perguntar para qualquer pessoa que tem esse tipo de máquina, ele foi lá e comprou na internet, de alguma forma. Raramente você vai ver alguém que foi lá e comprou numa loja.
P1: Certo.
R1: 99% das fotos são de celular, né? Então, é isso.
P1: Certo. Uma coisa que eu esqueci de perguntar lá do passado...
R1: Aham.
P1: ...é sobre o jornal. O jornalismo fotográfico, né? O jornal aí em Ribeirão, tinha seu próprio fotógrafo ou chamava seu pai ou o senhor, para fazer foto?
R1: Eu nunca fotografei, tá? Nesse... para esse tipo de coisa. Quando existia... no começo da fotografia, da loja do meu pai, ele que era chamado, tá? Aí, com o passar dos anos, os jornais tinham... foram contratando fotógrafos.
P1: Sim, sim.
R1: Mas na década de setenta, era ele que fazia. Final de 1960, começo de 1970, né?
P1: Certo. E, ‘seu’ Tony, na sua mentalidade, o que o senhor acha que vai ser o futuro da fotografia? O que o senhor acha que vai acontecer, daqui para a frente?
R1: Ó, é o que eu disse: todo mundo vai ter muita imagem guardada, tá? Como eu disse, todo mundo é fotógrafo hoje, né? Então, eu tenho essa visão, tá? Agora, se falar o lado comercial, você quer saber o que o Tony vai fazer, eu acredito que daqui a algum tempo eu vá fechar a loja porque, realmente, não vai compensar de jeito nenhum, tá?
P1: Sei, sei. E o... mas o senhor ainda gosta de fotografar, assim, por diversão? O senhor pegar a câmera e sair aí no jardim da sua casa ou aí na praça, aí na frente, o senhor faz isso ainda?
R1: Às vezes, faço. Eu gosto muito de arte também, né? Então, eu divido um pouco com fazer __ (01:01:06) e fazer a fotografia.
P1: Ah, está certo.
R1: Gosto de fotografar, sim.
P1: Sim. Outra área que ainda tem muito fotógrafo é o futebol, né? O esporte. A fotografia...
R1: Sim, sim.
P1: ... esportiva aí. Isso o senhor já fez?
R1: Não, eu nunca fiz. Eu fiz... eu trabalhei um pouco com fotografia...
P1: Sim.
R1: ... de turismo só, tá? Eu tinha um amigo que tinha revista de turismo, aí ele pedia para eu fazer algumas matérias de viagem, coisas desse tipo.
P1: Entendi. Ô Gui, você tem mais alguma pergunta também?
P2: Eu acredito que deu para falar bastante coisa, viu? Acho que eu estou satisfeito aí com a conversa. Se o Tony quiser falar alguma coisa ou alguma coisa que a gente não falou também, quiser registrar aqui.
R1: Ah, eu queria agradecer vocês, obrigado por ter me procurado, né? Espero ter atendido à curiosidade de vocês, ter atendido à intenção da entrevista.
P2: Atendeu, deu uma aula aqui...
P1: Sim, sim.
P2: ... sobre luz para a gente. Eu já vou ter que ajeitar a luz aqui, o contraste aqui ((Risos)). Muito legal.
R1: A luz, sabe o que você vai fazer, Guilherme? Pega um... alguma coisa e põe na frente dessa luz que você está aí, tá?
P2: Faz sentido. Vou fazer, sim.
R1: Então, uma coisa para suavizar a luz, porque essa luz é mais dura, aí corta esse efeito aí.
P2: Olha aí, que beleza!
P1: Ô, ‘seu’ Tony, mas eu tenho mais uma pergunta.
R1: Pode falar.
P1: O senhor sabe que, no passado, quando eu era bem novo, todo mundo comprava disco de vinil, aqueles discos grandes, redondos, aí depois, quando surgiu o CD e depois essas coisas novas que têm, todo mundo aposentou o vinil. Só que hoje está valendo uma fortuna quem tem coleção de vinil. Voltou, de novo, o interesse por você ter o disco redondo. O senhor não acha que é possível acontecer isso com a fotografia? Uma volta do interesse por você ir lá, botar a mão na química, revelar o filme e ficar mais bonito e isso virar, novamente, um... voltar?
R1: Então, esse tipo de coisa, eu digo o seguinte a respeito: se você analisar tudo que a gente consome hoje, tá, então, sua alimentação, suas roupas, tá, a sua música, o que está acontecendo? A gente está, cada dia, piorando tudo que a gente consome. Não sei se você concorda com isso, tá?
P1: É, quase tudo.
R1: Da mesma forma que... você já teve uma camisa de linho, por acaso?
P1: Ah, no passado, já tive.
R1: Conhece. O Guilherme nem sabe o que é isso. ((Risos)). Está certo? Então, é o tipo da coisa ((Risos)) que a gente está indo para as facilidades do dia a dia, tá? Então, você não quer passar roupa, então vai lá e compra essa camisa que não precisa passar etc. A música, uma coisa... o disco de vinil, como você comentou: quando começou a sair os iPod, os CDs, eu gosto muito de música, se você analisar, tem muitas frequências que você ouve no vinil e não ouve no CD, tá?
P2: Por causa da curva, né?
R1: As frequências que você perde. É a mesma coisa como você comentou do filme: você perde bastante coisa, com certeza, tá? Agora, tem que ver. Custa caro. Se você quiser brincar de vinil, quiser brincar de revelar filme, você tem que ter dinheiro para brincar, é só isso, tá? É mais bonito? É. É mais gostoso ouvir um vinil? É. Tá? Melhor ainda se você for lá e comprar um amplificador à válvula, não sei se você conheceu isso.
P1: Conheci de guitarra.
R1: Então. Amplificador para você pôr no disco de vinil, tá? Outro dia eu estava vendo na internet, cinquenta mil dólares um bom ((Risos)).
P1: É.
R1: Então, existe, basta você ter dinheiro para estar curtindo essa música que você quer, tá? Mas, assim, são as facilidades que a gente está atrás no dia a dia, né? Todo mundo...
P1: Sim.
R1: E assim, uma coisa que eu comentei, só complementar aqui, que não vai ter mais pessoas revelando um monte de foto, que os meus colegas de loja de foto comentam, eu digo o seguinte: você conhece um adolescente de 15 anos, já viu as fotografias que ele fotografa, que ele tem, mesmo que ele goste de fotografia, não tem mais o conceito de ter a foto impressa. Na cabeça dessa criançada que está chegando, não existe isso na cabeça deles.
P1: Sim, sim.
R1: Então, não adianta eu chegar e falar: "Ó, nós vamos introduzir na cabeça dessas crianças que ela precisa revelar fotografia". Você não vai pôr isso na cabeça dessas pessoas, tá? É uma geração que está chegando com o pensamento diferente. Esse mesmo adolescente só conheceu o... como é que fala?... a gravação de disco em CD, na internet etc. Ele nunca ouviu um LP. Então, não adianta você falar que o LP _________ (01:07:20), para ele não interessa isso. O que ele está ouvindo pelo CD está bom, ele não precisa conhecer a outra qualidade. É isso que eu penso, tá?
P1: Está certo. É uma pena, né? Porque...
R1: É.
P1: ... eu trabalho com História, né? Eu sou jornalista, mas trabalho com História já faz tempo. Então, eu pego muita fotografia do final do século XIX, começo do XX, fotos preto e brancas, que você fica impressionado com os detalhes...
R1: Uhum.
P1: ... que tinham naquelas fotos. E hoje, a gente não consegue ver nas fotos de celular, de jeito nenhum. Uma foto...
R1: É.
P1: ... com tanto sombreado bonito, né?
R1: Ah, não tem. Aham.
P1: Pois é. ‘Seu’ Tony, eu gostaria de agradecer... desculpa, o senhor... deu uma travadinha.
R1: Tá.
P1: Eu gostaria de agradecer muito o senhor por ter participado. O nosso fotógrafo aí de Ribeirão Preto vai entrar em contato com o senhor, para um dia...
R1: Está bem.
P1: ... mais para a frente, depois que acabar esse lockdown, esse perigo...
R1: Tá.
P1: ... para ele tirar algumas fotos do senhor na loja. E, se o senhor tiver algumas fotos antigas do seu pai, da sua infância, para ele copiar, porque todo o projeto Memórias do Comércio, do Sesc, dá origem a um livro que, por causa da pandemia...
R1: Ok.
P1: ... só no ano que vem.
R1: Ok.
P1: Mas tem exposição, tudo. Então, para a gente conseguir compor essa entrevista que o senhor deu, com algumas imagens __ (01:09:00).
R1: Vou mandar. Aham.
P1: Ele vai ligar para o senhor. Então, muito obrigado. Foi muito interessante tudo o que o senhor falou. E a gente se vê. Quando eu for pra Ribeirão, eu entro em contato com o senhor aí. Tá bom?
R1: Sim, senhor. Vamos tomar um café junto ((Risos)). Obrigado. Prazer, gente.
P2: Valeu, Tony. Tchau, tchau.
R1: Obrigado.
P2: Obrigado.
R1: Obrigado.
P1: Obrigado, Caio, até logo!
Recolher