P/1 – Primeiro, boa tarde, Celia.
R – Boa tarde!
P/1 – Eu queria que você falasse pra gente o seu nome inteiro, o local de nascimento e a data.
R – Celia de Almeida Sampaio. Eu nasci em Santos, em 1943, dois de setembro.
P/1 – Qual que é o nome do seu pai e onde que ele nasceu, também?
R – Meu pai chama-se Vicente Pedro de Almeida Sampaio, ele nasceu em Jaú, em 1918, dia 29 de junho.
P/1 – E o quê que ele fazia na época em que você nasceu, assim, você sabe?
R – O que o pai dele já fazia e o que ele fez a vida inteira até morrer, ninguém nasceu em Jaú impunemente, todo mundo trabalhava com o café, são os famosos quatrocentões do interior de São Paulo, que começaram com as fazendas em Jaú, Itu, e tal, naquela área e depois, tinham as casas comissárias exportadoras de café em Santos, chamava Sampaio Bueno, em santos, na Rua do Café, em Santos que é a rua… você já foi ao Museu do Café em Santos?
P/1 – Não, não fui ainda.
R – Precisa ir. Então, o Museu do Café é onde era a Bolsa do Café, é uma esquina assim, e a rua que sai bem em frente, a porta dele era a rua onde tinham todas as comissárias de café, onde as pessoas falavam de cima da varanda aos berros, comprando e vendendo.
P/1 – É como a Bolsa de Valores, assim?
R – É a Bolsa de Café, exatamente! Só que a do café., a diferença é que é um produto só, não é como a Bolsa que você tem várias fábricas, várias marcas, tal e como eram todos velhinhos naquela época, eles falavam, assim, pouca gente, eles falavam aos berros (risos) de uma varanda para a outra. Isso é década entre 20 e 30, que se desenvolve isso. Depois, vai para adiante. Eu lembro da Bolsa funcionando quando eu era criança.
P/1 – Mas então, começou com seu avô, então essa…?
R – Começou com o meu avô, que era… é assim, tinha um momento que tinha só Itu…
P/1 – Na plantação, você diz?
R – Não, não, não, como cidade mesmo, não é só isso. E aí, era tudo da mesma família. Aí saíram alguns, daí resolveram que tava muito pequeno para eles e eles foram fundar uma cidade um pouco mais para o interior, que chama-se Jaú. Então, o meu avô e a minha avó, evidentemente, eram primos irmãos, porque nessa época, era tudo uma família só, já nasceram ambos em Jaú, nessa fazenda, Barão do Caio… um nome assim, não vou lembrar, que foi a fazenda inicial, tanto é que todo mundo dizia assim, que Jaú, durante uma época, todo mundo era primo, porque só tinha uma família que foi se multiplicando. Tem umas histórias engraçadas de Jaú, foi 150 anos da fundação de Jaú há uns três, quatro anos atrás, toda família foi. E aí, Jaú é dividido assim, você tem a igreja com o jardim típico de qualquer cidade do interior de São Paulo, pelo menos, né, de um lado para cima, eram os Almeida Prado e os Sampaio Bueno, por isso que eu sou Almeida Sampaio, porque meu pai teve 18 irmãos, tinha tudo sobrenome diferente, porque o meu avio fazia criações (risos), combinações variadas com o sobrenome. De um lado era só Almeida Prado e Sampaio Bueno e de outro lado, eram os imigrantes, que podia ser qualquer sobrenome (risos), é muito engraçado, porque eles tinham uma ideia de imigrante que não tinha nada a ver se a pessoa era imigrante mesmo, se era italiano, árabe, não, se não fosse Almeida Prado ou Sampaio Bueno era imigrante (risos). Engraçado. Mas enfim, o meu Almeida Sampaio é exatamente isso, o que eu tava dizendo, meu pai tinha 18 irmãos e então, eu tenho primos que são… primos, não, tios… nessa altura não tenho mais nenhum, tá tudo morto, né, porque o meu pai era o caçula e nasceu em 18, então você pode imaginar que não tem nenhum mais. Os primeiros, o meu avô registrou como Sampaio Bueno depois tinham uns outros que era só Almeida Prado, sim, porque era sempre nome do tio, não rinha a questão da família assim: “vai ficar com o nome”, por exemplo, o meu padrinho chamava Claudio Furquim de Almeida Prado porque era o nome do tio dele, tará, tará, tará, tará. Ele era irmão mais velho do meu pai. Aí tem um outro que já chamava Francisco Sampaio Bueno, que é… já explico depois dele, enfim, porque era o nome do outro tio não sei o quê. é que o meu pai ficou órfão, ele era o caçula dos 18, mas ele ficou órfão, devia ter dez, 12 anos, não me lembro direito. Em Santos, já, ele já morava em Santos e o meu avô… você não conheceu o bonde aberto de antigamente, né?
P/1 – Não.
R – Ah, precisa de uma foto! Ele caiu do bonde.
P/1 – Seu avô?
R – É. E bateu a nuca e morreu na hora. E o meu pai tinha 13, 14 anos, por aí, e o mais velho… não, mais velho era tio Claudio, não era tio Claudio, porque o tio Claudio morava no interior, o tio Chico tinha feito uma comissária exportadora de café com o pai dele em Santos e ele, na realidade, todo mundo achava que ele era o meu avio, porque como ele era o mais velho e o meu pai era o caçula, ele acabou de criar, tal… (risos), uma das coisas engraçadinhas é que a vida inteira eu chamei ele de tio Chico, porque ele era e as pessoas em Santos falavam assim: “Mas por quê que você chama o seu avô de tio?” (risos)
P/1 – Ele era mais velho também?
R – Era mais velho de idade.
P/1 – E o seu pai, ele foi morar em Santos, para acompanhar os negócios ou ele…?
R – Não. Quando o meu avô, com o tio Chico resolveram fazer a casa comissária exportadora, eles já mudaram com a família inteira para Santos. O meu pai ainda nasceu em Jaú, mas ele já tinha uns sete anos de idade, qualquer coisa assim, e mudou. E aí, o meu avio morreu e o tio Chico é o que meio… ele já era casado, não teve filhos e no fundo, o filho dele era o Vicente mesmo, que era o meu pai. E ele cuidava da minha avó, que fazia as coisas e tal, e aí, foi…
P/1 – Foi assim?
R – É.
P/1 – E a sua mãe? Qual que é o nome dela?
R – Minha mãe chama-se Aurea Machado de Oliveira Ferreira da Rosa, mas tudo bem, depois ela também… a família gosta de nomes curtos, ela só ficou o Ferreira da Rosa e depois, ela só assinava Ferreira Sampaio também, porque vai tirando os nomes…
P/1 – Ela é de Santos também?
R – Não. Ela é de Limeira. A família dela, original, Machado de Oliveira Ferreira da Rosa é de São Paulo, sim, mas quando a minha mãe nasceu, ela já nasceu em… ela não nasceu em Limeira, não. O meu avio era aquela coisa que se chamava coletor federal, que devia ser o cara que colhia Imposto de Renda, alguma coisa assim…
P/1 – O pai da sua mãe?
R – O pai da minha mãe. Então, eles moraram em várias cidades do interior de São Paulo, ela nasceu… aí, como é que chamava o nome? É bem perto de Limeira. Daqui a pouco, eu lembro o nome, mas ela estudou, tudo em Limeira. E o pai do meu pai, às tantas, tinha um sitio em limeira. Tanto é que o meu pai e o irmão acima dele, ambos casaram com moças de Limeira (risos), que foi quando eles já eram mocinhos, que compraram esse sitio e iam de férias e tal, então os dois últimos casaram com duas moças de Limeira. Muito louco, porque os homens morreram antes. A minha mãe morreu muito cedo e essa, tia Amelinha, que era amiga da minha mãe, que moravam vizinhas e que casaram com os dois, ela morreu essa semana, com 93, que é o que a minha mãe teria. Minha mãe morreu com 62, faz muito tempo que ela morreu. Ela morreu muito antes do meu pai.
P/1 – E ela conheceu o seu pai, então, nesse sitio…
R – Em Limeira, porque a cidade era um ovo e porque daí, tinha o sitio, aí tinha uma porção de… porque a família do meu pai tinha homens e mulheres, né, era um monte de gente e a família da minha mãe, também, se bem que elas eram oito, era menos. Era uma família pequena perto da do meu pai e a gente achava que era muito pequena. E aí, eles se conheceram… eu não sei, porque engraçado, quando eu ia para Limeira, fui muito, passei férias a vida inteira em Limeira, até ter 20 anos de idade, tal, a casa dos pais da Amelinha era vizinha da minha avó. Então, eu não sei se eles se conheceram porque era tudo vizinho, ou se essa coisa de ser vizinho virou depois, que época que eles compraram essas casas, mas quando a gente era criança, a gente pulava muro de uma casa para outra. Desses que seriam avós de uma parte dos meus primos e os meus avós. É engraçado.
P/1 – E eles falaram para você como é que foi que eles se conheceram, assim, se eles namoraram?
R – Namoraram… aí, como antigamente, tinha namoro, passeava no jardim, eu ainda vi isso em Limeira quando eu tinha 15 anos, imagine! Ainda era dessa forma: namoro, depois fica noivo mesmo de aliança, dois, três anos, não é que… depois, marca o casamento, daí casa. Como era antigamente (risos).
P/1 – Daí eles se mudaram para Santos, depois?
R – O meu pai já morava em Santos. Ah sim, num pedaço aí, não sei quando, acho que quando ele conheceu a Aurea, tudo, ele já morava em Santos. O meu avio já tinha feito a casa exportadora, eles não moravam mais em Jaú, por isso que eles tinham o sitio, não tinha mais a fazenda de Jaú, tinha o sitio de Limeira.
P/1 – Entendi. Você nasceu em que hospital de Santos? Você sabe? Ou em casa?
R – Sei, o pior é que eu acho que ela existe até hoje, mas é louco. A vó da minha mãe, família Sampaio, tudo brasileirão, paulista dos quatrocentos anos, a família da minha mãe, o pai dela que é o Ferreira da Rosa, também é um brasileiro de quatrocentos anos, tal. A mãe dela era filha de alemães, então, evidentemente, eu nasci em hospital alemão, toda família da Aurea nasceu em hospital alemão, você acredita? Em qualquer cidade que fosse…
P/1 – Tinha que ser alemão o hospital.
R – É. É muito engraçado. E eu e a minha irmã nascemos… tinha uma irmã que já morreu, mas que seria mais moça do que eu.
P/1 – Você teve uma irmã, só, então?
R – Só.
P/1 – Ela era mais nova ou mais velha?
R – Mais nova. Eu sou de 43, ela era de 45. Dois anos de diferença. Ela estaria fazendo 70, teria feito, porque ela era de abril.
P/1 – E vocês cresceram em Santos, então?
R – Só sai de Santos para fazer a segunda faculdade, porque a primeira faculdade ainda fiz lá.
P/1 – E como foi crescer lá?
R – Foi o máximo! Imagine, a gente até hoje, eu e os primos, nós morremos de dar risada quando a gente conta as histórias. Eu morava, primeiro, uma cidade absolutamente plana, a três quarteirões da praia, eu fui a praia a vida inteira, porque a minha mãe já gostava de praia, então a gente ia a praia desde que tinha quatro, cinco anos de idade, todo dia, à tarde, porque é quando o sol não queima demais (risos), mas não era de manhã, de manhã você começa a ir quando é adolescente, com 15, 16 que você quer ficar queimada. Então, praia é uma coisa que… é o lugar em que eu me sinto em casa, realmente, é um lugar de praia, já moro há muito tempo em São Paulo, mas eu morei em Ilhéus dez anos e quando eu vim para São Paulo, para fazer a segunda faculdade, daí logo, eu comecei a namorar o Zé Otavio, que é o pai dos meus filhos e a gente tinha casa em Parati, que a gente ia todos os fins de semana do ano, com chuva, sem chuva, não era um problema de tempo, a gente gosta de praia.
P/1 – E você se lembra como isso começou, assim, qual que é uma das suas primeiras lembranças de praia?
R – Pequena, já em Santos, né? Eu e a minha irmã… imagina, isso é uma coisa que vocês nunca nem ouviram falar, muito engraçado, porque maiô de lã, você sabe o que é criança brincando, os primeiros maiôs eram de lã, esse negócio de algodão, de látex muito… eu já era adolescente, já de 13, 14 anos quando começa a aparecer. E aí, o problema de criança, você senta na areia para brincar e aí, areia entra, no de lã, ela não sai, então era uma coisa que todo mundo ficava assado (risos), engraçado, mas a gente… assim, por quê que a gente…? A gente ia a praia todos os dias à tarde, quando a gente estava estudando, tudo, de manhã a gente estudava, porque a minha mãe gostava de praia e mulher casada não vai à praia sozinha nunca na vida até a década de 70 e tantos, tá? Não é a de 40, não é assim, essa não ia nem à praia (risos).
P/1 – Mas ela ia?
R – Ela ia, mas ela ia sempre levando a gente e eu só percebi isso, era normal, quer dizer, nasci com ela levando a gente à praia, a gente sempre foi, eu só percebi que ela foi à praia todos… a gente ia à praia todos os dias, porque tinha a desculpa da gente, quando eu já tinha uns 15 anos, que a gente não ia mais à praia com ela, ela nunca mais foi à praia. Meu pai toda vida odiou ir à praia, ele tinha ataques, morava em Santos e ele tinha horror de praia. Eu tenho umas fotos dele com aqueles maiôs de coisa assim, muito engraçado. Eu tenho muita foto, eu tenho muito álbum, a família gostava de tirar, meu pai tirava 200 mil fotos da gente, então a gente precisaria até fazer uma seleção, porque tem foto demais. Por isso que o André tá com, esse meu filho, tá com as fotos, porque eu disse para ele que esse rumo cultural que ele ganhou para o ano que vem, ele vai trabalhar só com as fotos da família.
P/1 – Entendi. E entre elas, estão as fotos da praia?
R – É, daí, ele tá escolhendo ainda, isso pode ter ou pode não ter, eu não sei, e ele não deixa a gente ver.
P/1 – E o que mais tinha na praia nessa época em que você se lembra, que vocês faziam?
R – Olha, ela já tinha um jardim… vocês conhecem o jardim da praia de Santos? Hoje?
P/1 – Hoje, não.
R – Bom, ele ganhou uma das maravilhas do mundo, ele é o maior jardim de praia do mundo, porque é uma sequência, vai do canal um ao canal não sei quanto, é uma sequência inteiro arborizado, inteiro com flores, mesmo e tudo, então ele já até ganhou esse prêmio, mas já existia isso, mas era… engraçado, eu acho que ele era maior e eu tô dizendo que achava que ele era menor, mas não é, não, ia falar que é um problema da faixa etária, quer dizer, quando você é pequena lembra sempre das coisas grandes, porque os prédios em Santos, quando começaram, eles estão sempre nos mesmos lugares, não mudaram, aí você tinha uma avenida normal de uma pista que ia e uma que volta, e depois era o jardim e sucessivamente, esse jardim foi sendo diminuído, porque daí hoje em dia, tem quatro pistas, mas os prédios já existiam lá, não derrubaram os prédios. Então, o jardim da minha infância, provavelmente, era o dobro do tamanho do de hoje, mas hoje ele ainda é enorme. Agora, o lugar que tem a calçada do jardim, aí você entra na areia ficou no mesmo lugar, eles foram sempre diminuindo o jardim pelo lado onde foram aumentando as pistas.
P/1 – Você lembra de alguma história dessa época, que aconteceu na praia?
R – Bom, depende de que época, porque como a praia para mim é uma coisa continua (risos), tanto como de criança, tanto de adolescente, como de um pouco maior. A gente tinha… é tão engraçado, né, tem umas coisas interessantes, por exemplo, só sábado e domingo tinham umas barracas, mas era sempre barraca assim, de associação esportiva, tá, tá, tá, mas que era quando começa a vender bebida alcoólica na praia e era sempre dentro dessas barracas que tinham essa autorização e que naquela época, não tinha nenhuma possibilidade que você conseguisse, se quer, tomar uma cerveja com 15 anos de idade, não, ponto, tinha que ser maior e todo mundo muito conhecido, né, muito pequeno. Então, você sabia, não adiantava você dizer assim: “Tenho 15 ou tenho 18”, o cara olhava como dizendo: “Lembro quando você nasceu”, então esquece. O que foi a grande sensação para a gente, que é antes do pedaço da bebida, não vou lembrar exatamente quando era, viu, quando apareceu o primeiro carrinho de Kibon, porque até então, você só tinha sorvete nas sorveterias que eram aqueles, sabe, as pás, vocês nunca nem viram isso, sabe que em Limeira, ainda tem uma padaria que mantém exatamente esse sistema de fazer sorvete. Tinham uns trecos, uns cilindros de metal, aí entrava massa não sei como que batia, depois, passava… até que virava um sorvete, que era de casquinha, não tinha sorvete… como é? Esses durinhos, aí de palito… até tinha palito, mas era redondinho, as formas eram redondinhas, então tinha um picolé que era redondinho. Então, o grande sucesso na praia que eu me lembro, que eu não tenho mais a vaga ideia do ano, mas eu já devia ter 15 anos, 14 anos, 16 anos, por aí eu não lembro, quer dizer, a idade certa eu não lembro, mas era uma coisa por aí, não era criança, não era criança até 12, vamos imaginar, já era uma época em que a gente ia à praia com turma, portanto, antes você não ia à praia com turma. E aí, aparece o carrinho da Kibon, você ter um sorvete que você não tinha aqui na sorveteria, que era uma… como são as coisas de doce, hoje, uma doceria, aliás, normalmente, elas tinham doces também, que era num prédio, você ter na praia passeando, foi o máximo! Foi mais importante isso do que ter a época que aí já tinha caipirinha sendo vendida, aí já era bobagem, porque aí a partir disso, qualquer treco você podia vender, né? A primeira coisa que vendeu era o sorvete.
P/1 – E como é que era a casa da sua infância na sua época?
R – A casa? Em Santos, eu morei em duas casas, quando eu nasci e até os 14 anos, 13, 14, por aí, eu acho que estava no final do ginásio, que chama F2 hoje, eu morei numa casa que foi onde eu nasci, que era na Oswaldo Cruz, bom… você lembra de Santos minimamente, que tem duas avenidas grandes, a Conselheiro Nébias e a Ana Costa, tal, tal? Então, essa Osvaldo Cruz, ela é exatamente a primeira paralela a Conselheiro Nébias, ela é o Boqueirão. E aí, tem o Stella Maris, que existe até hoje que é uma escola enorme das freiras do Des Oiseaux, são as mesmas freiras, eu tinha uma tia que conseguiu ser diretora… irmã do meu pai, ela foi diretora do Des Oiseaux, e depois, ela foi diretora em Santos também. Ela nasceu… ela, ainda acho que nasceu em Jaú, não sei se ela nasceu em Santos, mas enfim, ela era irmã, irmã do meu pai tinham duas freiras, tem coisas variadas (risos), era muita gente. Então, você tinha… espera aí que eu até já me perdi, tinha essa casa que eu morei e que eu estudava no Stella Maris, primário e ginásio, tal e que a gente ia até pelo fundo, porque a escola vai da Conselheiro Nébias, a frente dela chique é na Conselheiro Nébias e a frente da escola dos pobres é atrás, na Osvaldo Cruz, mas a gente entrava lá por trás, porque exatamente tinha a porta, tal, era mais perto a gente entrar por lá e só cruzava a escola. A escola, portanto, tinha a largura de um quarteirão, não era o quarteirão inteiro, mas era metade do quarteirão era a escola. E depois daí, eu fui para o Colégio Canadá, que era escola pública de Santos, que tinha o melhor colegial, que aí, eu fiz cientifico. Na época, ainda tinha cientifico e clássico e eu fiz cientifico no Canadá, que é de onde, na realidade, os meus amigos que ficaram para a vida, que tem vários que são amigos meus até hoje, são todos do Canadá.
P/1 – Onde você morava era como? A sala, um quarto para você só?
R – Então, a casa tinha essa da rua e dali… eu só morei em dois lugares em Santos, por isso que eu localizei a escola, porque a casa era atrás da escola e depois, a gente mudou num apartamento que era em frente a escola. A gente ficava em casa, na hora que tocava o sinal, a gente descia, daí era um prédio. Só morei em dois lugares em Santos. A casa era uma casa geminada só de um lado, o outro lado, não. Ela era de dois andares, tinha sala, cozinha, uma varanda… engraçado, porque ela tinha… ela teve uma concepção que a minha mãe acabou fazendo de outra forma. Então, ela era emendada de um lado, então você tinha três quartos em cima e banheiro, embaixo você tinha uma varanda, a sala de visita, a sala de jantar e cozinha. E ela tinha uma passagem bem aqui do lado que seria o lugar de guardar automóvel, o que era absolutamente relevante naquela época, porque você deixava o carro parado, nada e tal, então esta varanda, essa entrada do lado tinha planta, tinha tá, tá, tá e ficou feito uma outra varanda, a varandinha pequena que tinha na frente da casa, a gente quase nem usava e era aí que a gente brincava. E aí, tinha um quintal enorme, tinha cinco, seis arvores atrás, tinha um…
P/1 – Você brincava muito com a sua irmã, então?
R – Brincava com ela, mas naquela época, a gente tinha turma de rua. Todas as casas eram casas, nós brincávamos na turma da rua, a gente brincava na rua, tinha a casa de uma menina que era a maior de todas, aqueles dois quarteirões, que é o quarteirão aqui e o da frente, que todo mundo se conhecia, uma das meninas tinha… eu não sei se era dela ou… não me lembro, mas tinha um terreno enorme do lado da casa dela com arvores, a gente brincava de bandido e mocinho e de Tarzan era num terrenão com arvores, você subia em arvores, não tinha esses ataques que mão tem hoje: “Vai cair, vai quebrar”, não! A gente brincou muito na rua, no sentido de brincar nas calcadas, as calcadas eram grandes, como brincava nesse terreno, como tinha essa coisa da turma da rua, não éramos só nós que nos conhecíamos, não é que os pais fossem amigos dos pais dos outros, mas todo mundo se conhecia, porque numa cada você entra e sai pela rua, não sobe em elevador e nem na garagem, então, as pessoas se viam.
P/1 – Você se lembra mais ou menos quem que eram essas pessoas?
R – Olha, a menina, ela chamava Denise, até, a do terrenão do lado, que a gente brincava muito, de Tarzan, de coisas por causa das arvores, ela chamava Denise e ela era filha única. Depois, bem em frente a minha casa tinham três, quatro casas iguais, todas juntinhas, mas tinha só uma que devia ter criança, porque eram três, era um rapaz mais velho, que esse não brincava com a gente, a filha que era um ano mais velha que eu, só, e um outro menino caçula que era da idade da minha irmã. Então, a Lucia e o x… gozado, que eu lembro do mais velho, obvio, porque a gente sempre ficava tentando flertar (risos) com ele e ele chamava Luiz Antônio, ele não dava a menor pelota para a gente, o outro menino eu não me lembro o nome, que era o caçula. Então, tinha a Denise e tinha… aí, vizinho a minha casa, desse que eu disse que eram duas iguais, era muito interessante, a gente… eram os filipinos, bom, o dia que eu realizei que eles tinham nascido nas Filipinas, eu já devia ter uns 25 anos (risos), é tão engraçado, porque parecia que era o nome deles. E daí, eles eram interessantíssimos, mais morenos, bonitos. É uma cor x, poderia ser dessa cor, mas não tem nada a ver com preto, o jeito dos traços e muito esportistas e tinham barcos daqueles enormes de remo, que a baía de Santos é ótima para essas coisas, não tem onda, então o esporte de barco é bom. E é muito interessante, a gente… aquela história que você conversa só, porque encontra na rua, tal, não era amigo, eles eram todos muito mais velhos do que a gente, sei lá, a gente tinha dez, 12 anos, eles já tinham 20 e tantos, não era conversado, naquela época, então, não conversava mesmo, mas se cumprimentava, tal.
P/1 – E vocês brincavam do que lá na rua?
R – Olha, de tudo! Desde brincar de mocinho e bandido, de andar de bicicleta, de jogar bola, de queimada, você jogava muita queimada naquela época, não tinha tanto essa história do vôlei, o vôlei era uma coisa que você jogava eventualmente na escola e todo mundo achava chatérrimo! Quando eu já tava no colegial, que daí eu já tava na escola pública Canada, que era a melhor escola de Santos em termos de colegial, aí eu joguei basquete pelo Internacional de Regatas, que é um clube, eu joguei basquete por seis meses e achei um saco, porque eu tava achando engraçadinho brincar de jogar basquete, mas nunca tive nenhuma aptidão para isso, coisa nenhuma. Na realidade, a minha aptidão sempre foi mais para o intelectual, eu não sou nem um pouco modesta, é verdade. Eu fiz três faculdades, trabalhei em escola, em todas as escolas que eu trabalhei, eu entrei, em um ano eu era professora, no ano seguinte, eu já era coordenadora. E depois, eu tive uma escola em São Paulo que foi bem importante em termos só de colegial, eu e mais um grupo. Um grupo de professores do Nossa Senhora do Morumbi, nós éramos cinco, eu acho, dei bastante aula nas freiras, porque eu estudei nas freiras, as irmãs do meu pai eram freiras lá, tá, tá, tá, então, eu conhecia todo mundo. Então, foi o primeiro lugar, quando eu cheguei em São Paulo, fui trabalhar, que aí eu tinha entrado no Maria Antônia, que era do lado, eu morava na casa de uma prima ali em Higienópolis, mesmo, ia a pé e daí, fui trabalhar no Nossa Senhora do Morumbi, que aí eu conheci… tinha dito para a minha tia que eu queria um trabalho, ela disse: “Não sei quem vai sair de licença maternidade, você quer? Vai lá substituir, depois você vê”, eu fiz e daí, no ao seguinte, já fiquei. Foi no segundo semestre que eu dei o segundo semestre de aula, no ano seguinte já fiquei dando aula lá. Aí, é louco porque eu fui substituir essa minha amiga que era uma pessoa de Santos, também, que morava lá, já tinha casado, morava em São Paulo, ela dava aula de Matemática. Eu dei aula de Matemática particular em Santos no tempo em que eu tava lá. Mas na realidade, eu só fiz curso de um ano (risos), não fiz Matemática. E aí, depois que eu substitui ela em Matemática, depois no outro ano que eu fui contratada, aí eu já fui professora de História.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho antes, queria perguntar para você, nessa época, como é que era o seu pai, como é que era a sua mãe? Como que você descreveria eles em casa?
R – Assim, era um casal que se dava muito bem, que se gostavam muito e tal, eu lembro que a gente achava o máximo, meu pai e a minha mãe se beijavam na boca igual no cinema, imagine, eu nunca tinha visto nenhum pai e mãe dos meus amigos fazerem isso. Mas a minha mãe morreu antes do meu pai, mas eu já era casada, já… ela conheceu os meus filhos e tudo. Depois que a gente saiu de casa… eles se davam bem, mas o meu pai era uma pessoa mais independente, obvio, né, porque você sai para trabalhar todo dia, vai e volta e a mulher fica em casa e aí, quando a gente foi embora, fazia o quê? Então, começou a ficar deprimida, aquelas coisas bem próprias da mulher daquela idade que nunca tinha trabalhado na vida, mas eu não acho que ela seria contra, acho que eram aquelas coisas que nem passavam pela cabeça, ninguém trabalha, tem filho e cria. Acho que o que não era esperado era ter só dois, acho que sempre se tinham aos montes que quando acabava de criar os filhos, já tinha neto, tal, meio emendava. A gente era só duas, a minha irmã não teve filhos e ela até ficou bastante com o André, que é esse meu filho que é fotografo, ela cuidou, férias que eu queria viajar, eu despachava o André com a babá para ela, ela achava ótimo e o André também, porque aí ir a praia era muito mais divertido do que morar em São Paulo, um avô e uma avó que faziam tudo que eles queriam, era muito bom. A Bel já nasceu na Bahia, depois… mas o que eu achei foi que a minha mãe foi ficando… mas mais velha. Nessa época, eles se divertiam, eles saiam toda noite, eles iam ao cinema, eles se curtiam muito, era o único casal de pais… isso após uma enquete que eu fiz com os meus amigos (risos), nenhum casal de pais se beijava na boca como o meu pai e a minha mãe se beijavam quando chegava, quando saía, não tinha problema se tinha criança perto, não tinha criança, era uma coisa, eles eram muito próximos assim, afetivamente, de demonstrações.
P/1 – Como eram os outros casais, então? Era o oposto disso?
R – Não, não era o oposto, você via que as pessoas se gostavam, se respeitavam, mas naquela época, não se faziam demonstrações de afeto, quer dizer, ninguém beijava uma pessoa na frente da outra. Isso… foi a única… confesso que… bom, eu não poderia morar, mas os meus pais, era o que os meus amigos diziam, que os pais deles não eram dessa forma, não quer dizer que não se gostassem igualmente, isso era uma coisa que não se usava, concretamente, não se usava. As pessoas não faziam demonstrações, aliás, em qualquer romance que você lê da primeira metade do século 20, você não tem demonstrações de afeto publico, ou então é com puta mesmo. Outro dia eu tava lendo… eu vou divergindo, divagando, porque eu li uma entrevista outro dia do Mário de Andrade e agora levantaram a história da homossexualidade dele ou não, então é isso, ninguém falava nada, hoje em dia, todo mundo sabe, não tem problema nenhum. A coisa é essa, aliás eu vou para Flip agora, daqui a dois dias, vou para Parati. A Flip é ele que é o centro…
P/1 – O homenageado.
R – Homenageado desse ano.
P/1 – E na sua casa, vocês discutiam politica ou religião?
R – O tempo inteiro, politica, os menus pais, evidentemente, eram tudo da UDN, mas a gente cresceu discutindo politica, depois, a gente ficou contra eles, mas tudo bem, fazia parte, cada um com a coisa do momento seu (risos).
P/1 – Mas ele era filiado ou era só…
R – Não, não, a minha vó de Limeira, que é a mãe da minha mãe, era presidente do partido na região de Limeira, mulher também fazia, nunca tive uma família… família do meu pai, as mulheres faziam menos, na família da minha mãe, como a avó da minha mãe, mãe da mãe dela, meu lado materno é alemã, o Ferreira da Rosa é brasileiro, lá quatrocentão, então isto já tinha um outro tipo de educação, né? Minha avó falava em praça pública (risos), as cunhadas quase morriam, perdiam os sais (risos).
P/1 – E era presidente da UDN regional?
R – Lógico, da UDN como a família do meu pai era, porque era tudo bem conservador, tá, tá, tá, agricultura, lá, o café, pá, pá, pá… a família da Aurea não tinha coisa do café não, eles já eram comerciantes, por conta exatamente dos alemães, já eram mais para frente, a família Almeida Prado era tudo café, da vida inteira, até o meu pai só trabalhou em coisa de café, nunca fez outra coisa.
P/1 – Você se lembra como funcionava a politica naquela época?
R – UDN… assim, UDN era o partido dos reacionários – entre aspas – a minha família não achava. PTB, partido do Getúlio, de quem eles tinham ódio total, mortal e absoluto e o Adhemar de Barros era só local do estado de São Paulo, que era PSB, qualquer coisa parecida com isso. O PSD, que é o dos mineiros e que foi um partido que durou mais tempo, não era tão importante nessa época em que a gente era menina, não, é depois que eles ficam, via… que devia ser o partido do Tancredo, mas é que tinha um monte de gente antes dele, né? Mas todo mundo gostava, imagine! Eu ouvia o Getúlio falar no porto, o meu pai era absolutamente contra o Getúlio, mas todo mundo ia ao comício. Então, o Getúlio em 1950, eu vi… porque antes disso, eu nasci em 43, não dava para ter visto, né? Em 50, eu lembro de ter ido com o meu pai no centrão da cidade e era muito interessante porque era assim, primeiro, tem um grande comício era o maior divertimento (risos), é igual você ter um show de rock hoje. Então, vai os que são contra, os que são a favor e os mais ou menos, todo mundo vai ver como é. Então, era mais ou menos isso. Então, isso era… você conhece Santos o suficiente para saber onde é a Companhia Docas de Santos?
P/1 – Não.
R – Bom, você tem lá o cais, então tem uma porção de lugares, de atracador, o cais mesmo e você tem um prédio enorme, não chama Receita Federal, não me lembro o quê que é, aquilo ali é meio prédio da direção de toda parte de cais, e há uma praça enorme, você tem esse predião, você tem uma praça enorme, você tem daí, depois, você tem calcada do outro lado, você tem rua, aí você tem uns lugares que passavam uns caminhões levando as coisas de café, em geral, era café que se exportava de Santos, mas enfim, esta praça, se você pegar qualquer revista em arquivo vai ter, porque basicamente, era no arquivo do “O Cruzeiro”, mas vai ter isso se você entrar em um arquivo, o comício do Getúlio em Santos, é uma praça enorme, onde você tem um mar humano de cabecinhas e aí, porque… o Brigadeiro Eduardo Gomes, que era da UDN, que era o reacionário contra Getúlio, tal, também… que era na base de comício, não tinha televisão nessa época, certo? Estava começando, né, em 50. Então, era no comício e eram ambos cheios porque uns iam ver o outro como é que tava (risos).
P/1 – Já era eleição aí, é isso?
R – Eleição para presidente da república. Porque a primeira que eu lembro, porque daí eu tenho sete anos. Daí pra diante, eu lembro todas (risos). Todo mundo gostava de politica, minha avó fazia politica, o meu pai também fazia, tal, daí a gente vai fazer politica depois, não nos mesmos partidos deles, mas a gente fez e eu fui presidente do CPC de Santos, do Centro de Cultura Popular em 78, estudava na Maria Antônia… primeiro, eu fiz jornalismo em Santos, depois, eu vim para a Maria Antônia fazer ciências sociais e aí, eu já tinha feito bastante coisa de cultura no CPC, enfim, aí a gente já tava brigando com os pais, que tava cada um num partido (risos).
P/1 – E religião, vocês tinham uma religião em casa?
R – Tinha, imagine, meu pai tem duas irmãs freiras, uma delas foi a diretora do Des Oiseaux anos, aquela da madre diretora da música do Juca Chaves é ela, porque ele não fala o nome e os padres iam a casa da minha avó, da Igreja do Embaré, que é uma igreja católica, a gente foi educado em igreja católica, fui batizada, fui crismada, fiz primeira comunhão, todas essas coisas próprias disso. Enquanto eu tava em Santos, eu acho que eu já comecei a não ir um pouco à missa, mas ainda pouco, portanto, devo ter mudado mesmo…
P/1 – Mais pra frente.
R – É, quando eu vim para São Paulo. Eu acho que eu já não acreditava tanto, mas na realidade, tinha aquela coisa familiar que vai todo mundo, tal, a gente vai. Mas quando eu vim para São Paulo, aí eu comecei a não ir mais… engraçado… eu não tive nenhuma coisa assim: “Não quero”, foi uma coisa que deixou de ter importância, simplesmente.
P/1 – Com o tempo, assim?
R – É. Porque eu tenho amigas de Santos daquela época que moram todas em São Paulo e que continuam indo à missa até hoje. Eu acho que só eu e uma outra, só nós duas não vamos. Engraçado, mas a família dessa minha amiga já era de protestantes, a minha que era muito católica.
P/1 – Sua irmã continuou na igreja ou…?
R – Ihhh! Essa eu preciso um outro dia para gravar só sobre ela. A minha irmã ficou, não, primeiro separou, quer dizer, também deixou de ser um pouco, mas era mais religiosa que eu, aí ela casou, depois das tantas, ela foi morar na Europa, aí enfim, ela conseguiu virar mulçumana e ela andava de véu e tudo, viu?
P/1 – O marido era também mulçumano?
R – Não, não, o marido, esse, quando ela foi para a Europa, ela já tinha largado (risos). o marido ganhou uma bolsa, ele é um puta médico nos Estados Unidos, ele nunca voltou para o Brasil, quer dizer, voltou, eu já encontrei, mas para vir visitar os pais dele e tal. Ele era de Santos, também. E ele ganhou uma bolsa e foi quando ela resolveu que ela não queria ir para os Estados Unidos. E aí, ela ficou aqui sozinha, bom aí, ela arranjou um outro aqui, ele arranjou uma outra lá, e depois, ela foi morar na Europa. Aí, ela morou um tempo na Europa, na Espanha, basicamente, que é onde ela virou muçulmana, um saco. Você não acredita quando ela voltou que você tinha que aguentar ela com aquela roupinha e com o véu e rezando (risos), tapetinho
P/1 – Em Santos, mesmo?
R – Não, não. Quando ela voltou, eu já morava na fazenda em Ilhéus. Ela voltou para lá.
P/1 – E qual que é a sua primeira lembrança da escola?
R – De escola? De entrar na escola? Não sei te dizer, você sabe que eu fui tantas… a vida inteira naquela escola lá, que é a Stella Maris em Santos por causa das irmãs do meu pai, você ia lá visitar desde que você não estudava lá ainda, entendeu? Então, o dia que eu fui à escola, eu fui à escola, talvez o que me chamasse amis atenção era estar de uniforme. Tem uma coisa que na época, não me chamou… eu sei isso a posteriori, tá, de tudo o que eu sei de Educação. Quando eu entrei na escola, eu era considerada um gênio e em dois minutos, a vida inteira, eu fui a primeira da classe, tal. Um dia, eu resolvi analisar isso e aí, já como professora que trabalha… eu não gosto de trabalhar com criança, não. Eu gosto de adolescente, mas enfim, de entender dos processos educacionais, era obvio que eu tinha que ser a primeira da classe, não precisava ser nenhum gênio. Eu tinha um primo-irmão exatamente da minha idade, ele era de abril e eu de setembro, só que naquela época, você só podia entrar na escola no primeiro ano primário quando você tinha sete anos antes do primeiro semestre, portanto, de julho em diante, você não entrava. Ele entrou e eu não pude entrar. Fazia todas as lições junto com ela, tal, tal. Quando eu entrei na escola, eu era absolutamente alfabetizada, eu sabia ler e escrever e o resto estava entrando na escola. Disseram: “Você foi primeira da classe a vida inteira”, falei: “Obvio, foi tão simples”, eu entrei com um gap tão acima deles, eles estavam aprendendo a ler, eu já sabia.
P/1 – Como é que era essa escola?
R – A de freira?
P/1 – É. A Stella Maris.
R – Olha, eu acho… também, era uma escola só feminina, mas naquela época, ou elas eram só femininas, ou eram só masculinas, então, nunca me chamou atenção. Só para você ter ideia, a escola pública que foi onde eu fiz o colegial, ela só virava misto no colegial, no primário e no ginásio, eu não vou saber a ordem porque eu não estudei lá, mas era assim, por exemplo, os meninos estudavam de manhã e as meninas, à tarde ou vice-versa, mas não estudavam nem no mesmo turno. No colegial, aí ficavam todos juntos, que foi quando eu entrei lá. Então, escola de… voltando um pouquinho lá, como eu já sabia uma porção de coisas do primário, eu sempre tive… eu tenho várias teorias de Educação, eu não acho que você precisa ter habilidade motora para aprender as coisas, porque eu não tenho nenhuma e detesto e no entanto, eu fui sempre primeira da classe, tá, tá, tá. Quando eu entrei, então tinha aulas de trabalhos manuais, tinha uma série de coisas que se lia enquanto as pessoas estavam trabalhando, alguém lia histórias, tal, que era uma forma de interessar as pessoas pela leitura. Bom, eu sempre só li (risos). Eu era a única que sabia ler e depois, bom, era a única que sabia ler no primeiro ano primário, depois, os outros saberiam, mas aí, eu já tinha tanta prática de leitura, eu lia bem, eu leio bem alto, é isso. Então, nunca precisei fazer, mas é engraçado porque eu detesto… então, a minha teoria é a seguinte, as teorias de Educação dizem que para você desenvolver a cabeça, você tem que ter umas x habilidades motoras e eu digo que não, não é necessário. Depende a época em que você aprende e o seu nível de interesse.
P/1 – E tem alguma professora que te marcou ali?
R – Tinha. Do primário, eu amava de paixão a professora do segundo ano primário, tão engraçado, não me pergunte, porque eu acho que ela era mais nova, depois, eu tive outras mais velhas, como professora assim, que eu gostava mais. Mas eu passei a gostar de Matemática, até porque eu fui fazer cientifico depois de tudo, por uma professora de Matemática que eu tive no ginásio e que foi minha professora dois anos em seguida, também. Então, isso também tem reflexo. Eu não gosto de Matemática… eu até cheguei a pensar em fazer Matemática, mas depois, conclui que não era isso que eu gosto, eu gosto de raciocínio. Eu gosto mesmo é das humanas, tanto é que as três faculdades que eu fiz, eu fiz de humanas.
P/1 – E você passou até o colegial no Stella Maris, foi isso?
R – Não, colegial eu já tava na escola pública, que é o Canadá…
P/1 – Até antes do colegial, quer dizer.
R – É, o primário, o ginásio, como se fosse hoje, o primeiro grau, o segundo grau… como que é? Eu já nem lembro como é que chama hoje. É…
P/1 – Fundamental.
R – É! Fundamental I e o Fundamental II, eu fiz no Stella Maris e aí, o colegial eu fiz na escola pública, porque não tinha colegial no Stella Maris, senão, até poderia ter feito, mas só tinha magistério, o curso normal que chamava, naquela época era curso para professoras de primário e eu já explicava para as freiras que eu tinha ódio de criancinha, que eu não ia dar aula para criancinha, nunca. E a escola que eu fiz aqui em São Paulo foi só de colegial. Eu gosto de adolescente para adiante, quando já pensa e já discute.
P/1 – E qual que é aquela história que você me falou sobre o cinema dos padres?
R – Ah bom! Então, isso daí eu era muito mais nova, então, voltamos lá com uns sete anos, sei lá, por aí. Eles tinham aula de catecismo para preparar para primeira comunhão, mas era sempre seguido de um filme, para a gente ir ao catecismo para ir ao cinema (risos). E aí, a gente habituou a ir ao cinema todo domingo, primeiro, depois, eu acho que tinha um dia da semana, dia de semana não tinha, não, talvez fosse sábado. Sábado era dia de casamento, não tinha, acho que era domingo só, mesmo. É verdade, porque até hoje, sábado é dia de casamento, naquela época então, era mesmo! E a gente começou ir ao cinema e era muito divertido e depois, a gente conseguiu começar a ir a matinê, famosa chamada matinê que era um filme de duas às quatro ou de quatro às seis, sei lá, que tinha um preço e à noite, era outro e não entrava gente menor mesmo…
P/1 – De noite?
R – Desacompanhado, já a noite, não existia. Então, a gente ia ao cinema, mas era sempre sabendo onde é que ia e tal.
P/1 – O quê que você assistia na época? O quê que você gostava?
R – Olha, nos padres ainda, na igreja, a gente tanto tinha os “Quatro irmãos”… não, como é que é?
P/1 – Os irmãos Marx você diz?
R – Não, os irmãos Marx a gente via filme dos irmãos Marx… não, mas é… tinha outro nome, bom… se eu lembrar, a gente fala, porque nunca mais vi isso, é gente que já morreu há 200 anos, então não vou lembrar. E bandido e mocinho, imagine! Todas essas histórias… outro dia, eu descobri que tem (risos), achei muito engraçado, tem história em quadrinho, pelo menos eu vi outro dia numa banca, mas talvez até fossem livros velhos, Roy Rogers, Gene Autry, toda essa gente, a gente via ao vivo e a cores no cinema, eles eram atores, mesmo. Então, a gente via muito… e eu acho que naquela época não tinha, tinha no cinema e depois… tinham vários esse tipo, era tudo de bandido e mocinho, algumas comedias desses caras que eu não tô lembrando o nome e basicamente, era isso. Não tinha… história no cinema, obviamente tinha, mas aí é depois, quando a gente já começa a ir ao cinema, mesmo, que aí tem romances, aí tem histórias de amor, aí tem todos os tipos, filme de guerra, bom, daí pra adiante, tem as mesmas coisas que tem hoje. A diferença é que gente pelada, essas coisas não tinha, mas nos filmes… talvez tivesse, mas aí eram os proibidos a 18 e você não entrava mesmo. Hoje em dia nem tem divisão de coisa, você já reparou nisso? Tinha uma época que tinha filme proibido a 14, você quase que tinha que ter carteirinha falsificada e ter cara de, senão você não entrava. Depois, os de 18 e tal, hoje em dia nem tem classificação, pode ter uma classificação indicativa, só. Não tem isso. Então, você tinha… o resto, eu acho que o que não tinha naquela época… não, devia ter mas aí, a gente não ia, talvez fossem os tais proibidos, devia ter filmes mais de sacanagem – entre aspas – ou que tivesse alguém nu, tá, tá, tá, e isso não tinha, mas eu não lembro desse tipo de filme nem quando eu tinha 14, 15 anos, viu? Mas devia ter. Agora, eu pensei uma coisa, mas pode não ser. Em Santos, você tem seis ou sete filmes na área da praia e você tinha uns cinemas… filmes não, cinemas, né, e você tinha uns cinemas no centrão… porque Santos era muito separado, você tinha o centro comercial e o centro de moradia, não era misturado, hoje em dia, ficou tudo misturado. Lá nesse centrão, que também era a casa das putas e tal, tinham uns cinemas que passavam uns filmes mais pesados – entre aspas – mas que daí, nem pensar que você ia. A primeira vez que eu comecei a ir num cinema desse, mas era por outro motivo, que já era no fim… a Conselheiro Nébias é inteira, ela vai do porto à praia, um pouco antes do porto, tinha um cinema só de japonês, fizeram um cinema de japonês porque tinha uma colônia enorme e eles moravam lá no Marapé, eles eram pescadores e era coisa assim, e aí, começou a ter a tradução de alguns filmes japoneses e a gente ia… era o pessoal do clube de cinema, tal, porque era um outro cinema que a gente não conhecia, era melhor do que o cinema de Hollywood, tá, tá, tá… e aliás, vi grandes filmes, mas a gente era capaz de ficar vendo um filme duas horas falado em japonês (risos), sem tradução e a gente ficava tentando entender o filme, mas isso era para o presidente do clube de cinema que era um francês fantástico, Maurice Legeard, e aí era um monte de gente desse tipo. Mas foi muito interessante esta coisa que daí, era um cinema mais lá perto do centro. E daí, começaram a ter alguns cinemas que ficar assim, que não eram cinema que não dava para a gente ir. Mas eu já tava na faculdade, fazendo jornalismo quando eu comecei a ir, aí eu já tava…
P/1 – Ver esses filmes japonês?
R – Entre 18 e 20 anos, por exemplo, “Guerra e Humanidade” é um filme fantástico, ele tem seis horas, ele passa em dois dias, três horas num dia, três horas no outro em japonês (risos)…
P/1 – Legendado?
R – Não. Não, imagine, nada! Gente, um puta filme de guerra, como se fosse um documentário, você não precisa ler, a história tá ali. É a guerra do Japão com a Coreia, é inacreditável, eu nunca vi cenas tão chocantes de guerra como naquele filme. As pessoas comendo pedaços de gente por causa de fome, pessoas até que já estavam mortas, mas enfim, uma coisa impressionante.
P/1 – Um documentário.
R – É quase um documentário. Tem seis horas de filme, um dia você vai ver três horas e outro dia, outras três, nem é no mesmo dia (risos), seis horas ninguém aguenta.
P/1 – E tinha alguma festa tradicional em Santos que você sempre ia?
R – Tem coisas diferentes, quer ver? Então, é assim, todo julho tinha uma festa junina monumental com barracas e tal, mas era na praia. Essa era a mais divertida, porque era para qualquer pessoa, era nas férias, pegava o comecinho das férias, então você tinha gente de fora e tal, mas pegava assim, quarteirão de coisa de ter barraquinha de comer, era uma delicia. Ou então, você tinha as festas dos clubes. Aí você tinha o Tênis e o Quinze eram os clubes mais grã-finos, evidentemente era onde eu era sócia e depois, os clubes mais esportivos, que daí, era Vasco da Gama, tal, uns clubes lá para o lado da ponta da praia que existem até hoje, então era o Nacional, tal, porque eram clubes de regata que faziam coisas de regata no canal de Santos, canal de Santos, onde entra o navio, né, que tem aquela ilha, eu chamo de ilha e não é ilha, na verdade, é a parte do Guarujá, de lá, Santos é uma ilha e ele tem um canal a volta dele, tem uma parte que tá toda virada para praia e tem esse outro canal, por isso que Santos progrediu tanto, porque ele tinha uma defesa em relação a piratas, por incrível que pareça de quando ele foi fundado, sim, 1500, né, 1505 que é Santos. Santos e São Vicente brigam qual deles é o primeiro… não chamava município, como é que chamava?
P/1 – Comarca?
R – Não, é a primeira cidade, mesmo. Mas eu acho que São Vicente foi fundada antes, sim, só que São Vicente tá mais perto da embocadura e a maré ali era mais complicada e aí, eles andam mais, porque a ilha é a mesma, um tá na ponta da ilha e Santos ficou maior, que é o outro pedaço, só que Santos tá protegida por aquela montanha que tem na frente, então tanto protegida de pirata, tanto protegida de tempo, chovia muito mais, chove em Santos, é o maior… Santos e Manaus são os maiores índices pluviométricos do Brasil, mas enfim, o lado de Santos que chovia menos que São Vicente.
P/1 – Então, aí você tava falando das festas, né, a festa junina…
R – Então, aí na praia, era uma festa geral. Depois, os clubes tinham festas, era isso que eu ia dizer. Então, esses clubes que eram ligados ao esporte, eles tinham um tipo de festa e o Quinze e o Tênis que eram clubes aí dos velhos que jogavam e onde tinham os bailes de debutantes e tal era o clube dos grã-finos, dos cafés, dos donos, dos cafeicultores, dos exportadores de café e do comercio, né, porque daí, você começa a ter um comercio mais de elite, tá, tá, tá que também tinha. Era isso.
P/1 – E o que acontecia nessas festas, eram bailes?
R – Eram bailes… ah não, então você tinha, por exemplo, o Tênis só tinha baile, quer dizer, tinham dois por ano, sei lá, isso eu não lembro, eu achava a turma do Tênis chatérrima…
P/1 – Você não ia, então?
R – Não! Não ia, os grã-finos iam no Tênis, não que o Quinze não fosse de grã-finos, também, mas eram grã-finos mais democráticos – entre aspas – mais ou menos isso. E o Quinze tinha o que chamava Domingueira todos os domingos, então tinha grandes bailes, mas você podia ter três grandes bailes no ano, mas não é que a gente dançava, a gente dançava todo fim de semana.
P/1 – E vocês dançavam o quê? O quê que tocava na época, você se lembra?
R – Ah, eu peguei toda a Jovem Guarda, eu peguei todo começo do iê-iê-iê, do Rock, peguei…
P/1 – Ah, então não era um baile… que eu tava pensando em um baile de valsa, alguma coisa assim…
R – Não, não, isso daí só quando eu fiz o début, a gente ia a baile de debutante que tinha isso, mas a gente achava uma chatice (risos), era só para dizer que você tinha posto um vestido comprido. Não, o que a gente dançava mesmo era como se… a gente falava que era a boate do Quinze, mas nem era, era exatamente, tinha um jardim na frente e tinha uma pista de dança, mesinhas e árvores, era ali que a gente dançava todo domingo.
P/1 – Ao ar livre, mesmo?
R – Ao ar livre, mesmo. Aí, no salão de festas, isso era baile de vez em quando, não era lá.
P/1 – Entendi. E já tocava pop, rock…?
R – Tudo. Desde Roberto Carlos, quando começou, tudo a gente dançou nesse pedaço aí.
P/1 – Entendi. E agora estamos na adolescência já, você tinha uns 15 anos?
R – Já. De 15 para 18, já tinha até mais. Acho que até 20, dos 15 aos 20 eu fui.
P/1 – E o quê que mudou nessa época em relação ao Stella Maris…?
R – Não, aí eu já tava no colégio do estado, que era o Canadá, não estava mais no Stella Maris, no Stella Maris fiquei até os 14 e aí, o problema era o seguinte, como o meu pai teve 18 irmãos, evidentemente, eu tenho 30 primos. Então, eu comecei a ir para festa e dançar muito antes do que a maior parte das minhas amigas, porque eu tinha um monte de primas mais velhas e a gente já ia infiltrada (risos).
P/1 – Você e sua irmã?
R – Não. A minha irmã, não.
P/1 – É que ela é mais nova, né?
R – Ela era mais nova e a minha irmã foi mais moleca mais tempo do que eu, ela parecia mais… ela era maior do que eu de tamanho, mas ela era mais moleca do que eu, eu fiquei mais perto das minhas primas mais velhas muito rápido, de cabeça, de modos e tal, e a minha irmã mais perto dos mais novos, porque gostava de brincar de bicicleta na rua, tá, tá, tá, que eu em dois minutos, eu já gostava era de ler. Eu aprendi a ler com sete anos com o meu pai. Eu entrei na escola, eu já sabia ler, que é ao que eu atribuo porquê que eu sempre fui boa aluna, porque eu tava sempre na frente dos outros. Eu ganhava um livro por semana e eu lia um livro por semana.
P/1 – E o quê que você lia, assim?
R – Nessa época? Ah, Condessa de Ségur, o quê que você acha que comprava alguém de sete anos de idade (risos)?
P/1 – Eram pequenos romances?
R – Não, eram histórias mais próprias de criança, mesmo, mas eram livros.
P/1 – Entendi.
R – “Memórias de um Burro” é um livro… aí que pena, eu tenho, eu mandei restaurar ele inteirinho, tem uma mulher fantástica aqui em São Paulo de restauração de livros. Ela é avó do Marco Mion, só para você ter… ela chama Zilda Mion, é maravilhosa! Eu não sei nem como é que eu descobri essa mulher. Ela deve ter 90 (risos), mas é uma cabeça perfeita e ela faz, ela conheceu os livros todos, obvio, ela é mais velha do que eu e o restauro dela de livros é maravilhoso!
P/1 – E o que mais que você lia nessa época? Até os 14 anos assim, que você achou importante, que te marcou.
R – Olha, é assim, os livros da Condessa de Ségur inteiros, os livros do CGR Detetive inteiro, porque são coleções diferentes, eu lia muita coisa de mistério, de detetive, mas nada… gente, a gente não lia livros como hoje as pessoas leem, a gente lia muito mais. Você não lia livro de adulto e ponto, não tinha essa mistura, tinha uma literatura de criança, tinha uma literatura desse semi-adolescente aí dessa… e depois, tinha livro que você lia depois dos 18, não tinha mistura. Na minha casa, meu pai e a minha mãe, a vida inteira, leram muito, a vida inteiram, os livros estavam lá e ninguém pegava, esses não podem pegar, não pegava. Quando eu aprendi a ler, eu ganhava um livro por semana e lia um livro por semana. Mas tinha… era muito separado, eu aprendi a ler no Estadão só para você ter uma ideia.
P/1 – Seu pai lia muito jornal, também?
R – O Estadão e “A Tribuna”, logico, porque “A Tribuna” é de Santos… e o Estadão dava noticias do mundo, “A Tribuna” não tinha as noticias do mundo, mas eu aprendi a ler… eu leio o Estadão até hoje inteiro, enquanto eu tomo café da manhã. Dizem assim: “é um horror”, digo assim: “Gente, eu leio o Estadão faz 60 anos, a gente sabe todas as posições que eles têm, não tem nenhum problema, é o jornal mais bem informado, de longe. Agora, tem os reacionários, tem os mais ou menos, isso você já conhece os articulistas. É verdade, ninguém vai ser influenciado pelo o que o cara tá escrevendo, o que me importa é a noticia, porque eu odeio televisão, ponto. Jornal de televisão nem pensar, aí sim, é ruim, não tem qualidade nenhuma, é tudo uma bobagem. Eu vejo televisão… você não vai… aí é você que vai me responder. Pra que time você acha que eu torço?
P/1 – Santos.
R – É o óbvio! Eu sou do Santos da época do Pelé! Vi o Pelé jogar na Vila, então obvio… e eu vejo jogo de futebol, por exemplo, agora eu tio vendo a Copa América. Essas coisas… jogo de futebol, a vida inteira a gente gostou em Santos, imagine… quem tem a mesma idade do Pelé e não gosta? Não existe.
P/1 – Você acompanhou bem então, essa…?
R – Olha, depois que ele começou a ganhar mais dinheiro em algum momento lá da vida, não sei, porque quando ele foi para Santos, ele morava no… não era CET, mas era qualquer coisa parecida, nessa época, não era tão chique. Ele morava no Santos, tal. Depois, o primeiro apartamento que ele comprou era no mesmo quarteirão que eu morava, encontrei com ele na rua. Eu tinha… como é, assinatura é obvio, mas autografo dele, tal, que eu acabei dando… você não acredita (risos), eu dei para o porteiro do meu prédio, ele era alucinado pelo Santos mais do que eu, eu falei: “Você merece, eu vou dar isso pra você porque os meus filhos são tudo são-paulino, têm horror” (risos). Mas o Zé Otavio trabalhou com coisa de fazer o Museu do São Paulo, o pai deles, então são todos são-paulinos. Santista só eu.
P/1 – E como é que foi você ir na Vila Belmiro assistir o jogo? Como é que era?
R – Ah, mas você sabe que eu fui pouco? Porque naquela época, mulher não ia a campo. Não ia a campo, a gente ouvia o jogo pelo radio, porque nem era pela televisão, eu vi quando a televisão começou (risos), 54, eu já tinha dez anos, 11 anos. Eu acho que eu fui a Vila só depois, depois já de casada, eu não fui na Vila naquela época, não se ia. Eu tinha um tio que era casado com uma irmã da minha mãe, o meu pai não gostava, não ligava a mínima para futebol, esse meu tio ia ao campo do Santos, mas aí ele nem era dos meus tios irmãos do papai, tal, nunca fui ao campo naquela época., eu fui muito depois, eu já era casada quando eu fui. O falecido marido, quero dizer ex-marido, mas também morreu, ele foi o que fez o Museu do São Paulo, que está lá embaixo do…
P/1 – Pacaembu.
R – Pacaembu, não sei se estou confundindo, não, é, ele era são-paulino, então evidentemente, todos os meus filhos são são-paulinos (risos).
P/1 – Mas Célia, o que mais você fazia para se divertir na adolescência?
R – Olha, era basicamente… gente, não tem nada mais divertido que a praia. A gente ia à praia todo dia. E a gente ia ao cinema no fim de semana. Tinha cinema durante a semana, mas ninguém tinha dinheiro para ir ao cinema toda hora, aliás, nem hoje as pessoas têm dinheiro para ir ao cinema toda hora. O cinema era mais barato do que é hoje, mas a proporção de grana que você tinha é exatamente a mesma, tá? Então… eu hoje em dia, agora, faço de outra forma. Eu já consegui fazer… outro dia, eu vi três na sequência, mas daí, eu não conseguia nem andar de tão torta, porque eram três documentários que eu vi lá no Itaú Cultural, eu falei: “Bom, documentário dá para ver porque não é uma história…”, mas você fica muito tempo sentado, não dá. Mas ver dois filmes, eu vejo na maior. Mas naquela época, você não via assim, porque você não tinha um cinema que tinha tantos filmes, você vai no Itaú Cultural, tem cinco. Você vai no Belas Artes, tem não sei quanto, então dá certo para você ver. Eu moro pertíssimo do Kinoplex que também são seis salas, então…
P/1 – Na época, eram quantas salas?
R – Era uma só. Imagina, nem duas! Todos os que viraram duas, aquilo eram cinemas únicos daquele tamanho e que lotava.
P/1 – Eram grandes as salas, né?
R – Eram enormes. Não tem mais sala, hoje em dia, daquele tamanho. Você não tem mais um filme que de repente, tem 500 pessoas que foram assistir. Não sei, pode ser… bom, dois motivos, um é a televisão, que as pessoas acham que veem na televisão, não precisa ver e tal e outro, que as pessoas estão cada vez mais pobres mesmo e o cinema, proporcionalmente, ficou mais caro, eu não sei dizer… sobretudo, para a meninada, né, que não é estudante, velho paga meia, estudante paga meia, mas tem uma faixa que paga inteira e que fica caro.
P/1 – E você se lembra de algum blockbuster, assim, que estourou na época?
R – Ah, “O Manto Sagrado”, imagine, você já viu a versão antiga com a… tem o Richard Burton, Elizabeth Taylor, não era “O Manto Sagrado”, era? Acho que é “Cleópatra”, que o Richard Burton, então a outra é a Jean Simmons mesmo, eu não vou lembrar, é o Victor mature, sei lá, mas… gente, são aqueles atores que vocês nunca ouviram falar. De vez em quando, eu vejo alguns filmes naquele… no coisa de cinema, naquele programa de cinema, no canal, na TV Arte passa alguns filmes antigos, interessantes. O resto tudo muito… não vejo televisão, não vejo cinema na televisão nem morta, a não ser estes que são muito antigos, que senão, eu vou ao cinema. Eu gosto da telona, tudo preto que ninguém fala e telefone não toca.
P/1 – E você começou com esses flertes… você já chegou a falar, né? Os namoros começaram nessa época, mais ou menos?
R – Com 14, 15. Com dez, 12, não, ninguém nem pensava nisso. Com 14, 15 anos… engraçado, porque tem uma coisa assim, eu acho que os primeiros flertes que eu tive que foram no final do ginásio, não foram em Santos, porque eu tava numa escola só feminina e você não tinha tanto essa coisa… você não ia a clubes… não, foi em Limeira, porque tem uma coisa sagrada daquela época… quer dizer, a coisa existe até hoje, as pessoas não vão mais, que era o jardim. Jardim de cidade de interior era o máximo! Você tinha as mulheres andavam num circulo (risos) e os homens ao contrario, que era para você poder flertar, é muito engraçado isso, mas como tudo tem regra, né? Então, você tinha esse circulo grande lá, onde… acho que tinha uma gruta no meio, se andava meio em volta dela. A gruta tem lá até hoje. Quando você já passava a conversar com a pessoa, você mudava de circulo (risos), tinham uns menores, um pouco mais retirados. E a grande coisa… e o cinema era do lado do jardim, também é até hoje. Eu ainda tenho primas-irmãs que moram lá, casaram, que moravam e, limeira, casaram com gente de Limeira, então lá permanecem. Eu já fui dar uma olhada como é que era o jardim hoje, ainda tá igual. E aí, se você já começava a namorar, aí você ia ao cinema.
P/1 – Com o par?
R – É, o mais engraçado era assim, você não ia… daí eu não sei dizer todo mundo, eu sei dizer como é que a gente fazia, você não saís do jardim e ia direto para o cinema. Você ia com suas primas, eu tinha trocentas primas dos dois lados. Então, ia, tal e aí, quando tava já luz fechada, quando ia começar o filme, o menino corria e sentava do seu lado (risos). É tão engraçado, é muito engraçado de um lado, por outro lado, eu acho que a gente curtia muito mais as etapas da vida. Eu trabalho com adolescente há muitos anos, hoje em dia, eu nem trabalho mais. As pessoas com 18 anos são todas blasés e desencantadas e acham a vida uma merda, várias, não todas, né? Ou então, tem as que casam com 18, tal. Eu acho que o fato das coisas serem… é tudo irreversível, não tem volta possível, mas o fato de você ter as coisas um pouco mais devagar, elas eram mais curtidas como etapas. Agora, você é criança e de repente, você já tá transando e daí, ninguém acha mais que vai casar com a primeira pessoa que transou, evidentemente, e aí, fica uma coisa que pode ser ótima, eu não vejo muito que as pessoas curtam tanto. Da minha experiência de conversar com aluno, que é evidente, que também aluno não vai ficar falando nada para diretora, acho as pessoas mais desiludidas – entre aspas – porque ninguém é desiludido da vida aos 18 anos, convenhamos. Mas tem uma coisa que eu acho mais chata. Eu acho chato também como era, mas eu acho que elas ficam mais… me falta o termo, eu vou lembrar blasé só, mas enfim…
P/1 – Cínicas?
R – É. Mais cínicas.
P/1 – Com a expectativa?
R – Em relação à vida, no geral, o que… eu não sei, porque eu tenho alunas cujo pais já foram dessa forma e nem sempre, às vezes, dá uma porcaria, às vezes, dão ótimos, então também, quer dizer, precisava ver um pouco a geração… mas já tem geração de alunos, cujos pais já tiveram esse tipo de vida, não dá muito pra gente analisar. Na verdade, acho que o bom é cada um fazer a sua época, não tem muito jeito. Porque são coisas que instalado uma coisa, não tem volta, né, então não adianta ficar lamentando, nem coisa assim. Eu acho que os meus filhos se divertem bastante e são completamente diferentes, também, eles têm dez anos de diferença entre eles, já tiveram vidas diferentes, o André morou dez anos na Inglaterra, então, voltou o ano passado, então também é outra experiência, né, é outro lugar, é outro jeito e a Bel só morou em São Paulo. Já viajou, tal, mas só morou em São Paulo, e aí, trabalha numa ONG, trabalha com criança, tal… trabalho interessante pacas o dela. Trabalha com crianças de abrigo, uma coisa que eu curto bastante, quer dizer, à distancia, né, porque não… mas gosto muito das coisas que ela conta que eles fazem. Interessante.
P/1 – Eu quero chegar nisso, mas só ia voltar um pouco para lhe perguntar sobre o seu primeiro namorado. Você se lembra quem era e como foi?
R – Olha, a primeira coisa foi essa que eu te contei do cinema lá de Limeira, mas que tudo bem, eu nem sei, devia ter 12 anos, uma coisa parecida com essa. O primeiro namorado mesmo… é que é engraçado, né, eu tive uns dois ou três namoradinhos, daquele que você namora um mês, e tal, que não tem nenhuma importância. Eu tive um namorado que eu namorei três, quatro anos que foi há muito tempo, que é meu amigo até hoje, depois ficou uma época que a gente era inimigo, eu briguei com ele e em dois minutos, casei com outro (risos), a gente já namorava bastante tempo, mas depois, ficamos amigos, que esse é da minha turma de classe do cientifico, do Colégio Canadá, do colegial. Então, tinha uma turma que a gente ficou muito amigo, que a gente saía, ia a praia, blá, blá, blá e depois, eu namorei ele… não namorei durante o colegial, não, viu, a gente era amigo mas já saí do cientifico… já tava na faculdade quando a gente começou a namorar e a gente namorou uns três, quatro anos e eu não me lembro porquê que a gente brigou. Segundo a história dele, eu falei que eu não me lembro dessa história, segundo a história dele, eu fui para Parati, conheci o Zé Otavio, voltei e briguei com ele, mas eu acho que não foi tão assim. Eu acho que a gente já tava mais separado, mais… já não tinha tantas coisas em comum, mais… no entanto, hoje em dia, nós somos muito amigos. Ele é casado, tal, eu já tinha separado do Zé Otavio, o Zé Otavio já morreu, e a gente é amigo. Quando nós saímos, saímos só nós dois também, porque o Zé Otavio não existe e a mulher dele é muito depois, não tem nada, ela não morou em Santos, ela não conhece ninguém, então é outro tipo de relação, eu a conheço, também e tudo. Mas às vezes, a gente quer conversar, a gente sai só os dois (risos).
PAUSA
P/1 – A gente tava falando do seu primeiro namorado.
R – Então, o que eu tava retomando, aquele menino lá de Limeira foi uma coisinha de longe. Namorado, namorado foi esse que eu namorei, daí já namorei três, quatro anos, em seguida, já…
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Nós fizemos colegial juntos, mas a gente ficou amigos, mais próximos no terceiro colegial, já no final e aí, a gente começou mesmo a namorar acho que no ano seguinte e aí, a gente namorou por quatro, cinco anos. Eu fiz a faculdade inteira namorando.
P/1 – Você entrou… você fez uma prova… como é que era?
R – Ah, fiz vestibular! Tanto em Santos… porque foi assim, exatamente, a gente tinha começado a namorar, porque ele ia para São Paulo e o meu pai, obvio, imagine dois jovens de 15 anos namorando para São Paulo, nem pensar, tanto é que eu fiquei na casa de uma tia e ele não deixou e eu fiz jornalismo em Santos, eu até me diverti fazendo, mas o critério foi o curso mais rápido que tem em Santos, porque depois eu vou para São Paulo. E eu fiz jornalismo que eram, pelo menos, três anos. Então daí, eu fui para São Paulo… quando eu acabei o segundo ano de jornalismo, eu já fui para São Paulo e já fiz vestibular para Maria Antônia para Ciências Sociais, que era o que eu queria fazer e não tinha USP, graças a Deus, ainda era Maria Antônia…
P/1 – Não era no Butantã, né?
R – Não, não, era ali em Higienópolis, na Maria Antônia, aquela rua que chama Maria Antônia, de frente… eu estava lá naquela guerra com o Mackenzie, né?
P/1 – Eu ia perguntar pra você depois como foi (risos).
R – Então, estava lá. E aí, quando eu tava passando para o último ano de jornalismo, eu já fui para São Paulo e fiz vestibular, porque eu falei: “Quero ver como é”, bom, aí eu já entrei, eu entrei, fiz matricula, voltei para Santos, acabei a faculdade, aí tranquei a matricula, as tantas, no outro ano eu só fui, não tive que fazer vestibular de novo, mas o segredo não era ter feito vestibular e passado, era ter matriculado (risos), se não matricular, você perde a vaga. Aí, no outro ano, eu já fui. Então, eu fui… do colegial, eu fiz três de jornalismo, daí eu fiz quatro das Sociais… eu até não fiz em quatro, quer dizer, fiz em quatro a Sociais, mas eu fiz as pedagógicas também, porque a essa altura, eu já era professora, já dava aula, tal e depois, quando a gente fez o Logos, que foi uma história importante, tal, só colegial, aí eu fiz Pedagogia.
P/1 – Depois…
R – Depois, porque eu precisava para poder ser diretora. Porém, obvio que depois de outros dois cursos, eu já fiz uma Pedagogia que em um ano e meio, eu tinha feito a Pedagogia inteira, tá? Você sabe que a coisa mais engraçada que quando a gente abriu o Logos, ninguém tinha a coisa para poder ser diretor e eu tinha a minha tia, irmã do meu pai, que foi diretora do Des Oiseaux anos e que podia assinar. Então, é muito engraçado, porque ela é Almeida Sampaio como eu, então, os primeiros diplomas eram Maria Evangelina de Almeida Sampaio e depois, vira Célia de Almeida Sampaio, uns anos depois. Sampaio de qualquer jeito tá lá. Foi coincidência, né, mas foi assim que foi. Aí depois, eu fiz Pedagogia só para poder na realidade, assinar.
P/1 – Mas voltando lá para o Jornalismo, como é que foi esse curso? Tudo bem que você falou que era para passar o tempo, mas…
R – Olha, era um curso… na realidade, que a gente aprendesse alguma coisa, nada, viu? Coisa de importância, de substância. O interessante eram as pessoas, porque por exemplo, o Rubinho Ewald Filho era da minha turma, tinham umas pessoas muito engraçadas, eu nunca entendi pacas de cinema. A quantidade de gente de Santos que entende de cinema é muito interessante, porque Santos tem até a praia, você podia dizer que você só vai à praia, não precisaria ter uma vida cultural. O Clube de Cinema de Santos é o primeiro clube de cinema feito no Brasil e era ativíssimo por um francês que se chamava Maurice Legeard e aí, todo mundo ia ao cinema, a gente ia à praia e ia ao cinema (risos).
P/1 – Uma coisa que não casa, né, normalmente.
R – É tão engraçado, não tinha nada uma coisa a ver com outra, quer dizer, a vida intelectual não atrapalhava ir à praia. Mais ou menos isso. Então, aí tem um outro rapaz, esse também virou jornalista, mas eu acho que em algum lugar do interior, ele chama… eu não lembro muito dos nomes deles, viu? Tão engraçado. Eu fiz aquele curso tão para passar o tempo para poder ir embora para São Paulo, que realmente eu lembro médio. Eu lembro que eu tenho até foto da formatura com o seu Mario Covas dando o diploma, Mario Covas que entregou o diploma pra gente.
P/1 – Ele era prefeito?
R – Prefeito. Ele foi prefeito… eu ia dizer que ele foi prefeito duas vezes, mas eu não me lembro, é que ele foi prefeito, foi deputado estadual, foi deputado federal, ele… senador, ele nunca foi, mas então… e o Rubem Paiva morava no mesmo quarteirão que eu. Na época, eu não o conhecia bem, até conhecia a mulher dele, eu acabei conhecendo melhor a família dele e ele quando eu já tava em São Paulo, porque eles eram muito amigos do Caio Graco, o filho do caio Prado Junior, que era o dono da Brasiliense, que era o maior amigo do Zé Otavio, com quem eu fui casada, que é o padrinho da Bel, uma história assim. E o Rubem era muito amigo do Caio e eu lembro dele bem mesmo na casa do Caio, mas ele em Santos, morava no quarteirão em frente ao que eu morava. Avenida Conselheiro Nébias, Rua da Paz, ele morava nesse quarteirão aqui, no que daria as costas para a praia e eu morava no de cá, mas eu morava mais perto da Conselheiro Nébias, que era num prédio e a casa do Rubem era mais perto da Rua da Paz. Mas a gente via os meninos, coisa assim, depois aí, eu lembro muito bem dele com a Eunice e o Marcelo, eu lembro do Marcelo antes de mergulhar no rio vazio, o Caio ainda era vivo nessa época, o Caio Graco.
P/1 – Isso a gente tá falando de que ano, mais ou menos? Tá terminando o Jornalismo?
R – Não, aí eu já tô em São Paulo. Essas coisas de ver as pessoas, tá, tá, tá, isso já é 68, 69. Já é…
P/1 – Mas você entrou na Maria Antônia em que ano?
R – Então, eu entrei num ano e vim só no outro. Putz, não lembro se eu entrei em 67 e vim em 68… acho que é isso, viu! Não vou lembrar. Precisaria fazer as contas direito para ver.
P/1 – Mas então, quando você tava fazendo Jornalismo que teve o golpe de 64, é isso?
R – Sim. Aí, eu era presidente do CPC da Baixada Santista.
P/1 – Como é que era o CPC?
R – A gente fazia coisa nos sindicatos. Tinha tanto uma parte de alfabetização de adultos que era mais ou menos, uma coisa… como a gente fazia show em assembleia (risos), aí a história é muito maluca, porque eu lembro de ficar uma vez na… quando você fala “sindicatão” em Santos, todo mundo sabe qual é, que é o sindicato dos estivadores, que é o maior sindicato. Os outros, você fala pelos nomes. Teve uma greve qualquer do sindicatão, que a gente foi, cantou, dançou e tinha… imagine, aí tem umas coisas muito malucas que só naquela época acontecia, por exemplo, eu tava numa mesa porque era presidente do CPC com Almino de um lado, Brizola do outro, todo mundo falando, era uma coisa meio… não é ideal, como é que fala? Era uma coisa muito maluca, onde as pessoas faziam coisas que depois, nunca mais foram feitas. Tinham menos misturas, quer dizer, menos misturas, não, ao contrario, era muito mais misturadas as faixas etárias, por exemplo, então quando as pessoas eram mais de esquerda, não ficavam olhando se fulano é criança, não sei o que, não sei o que, entendeu? Eu lembro que a gente ia na assembleia do sindicatão que é lá no centrão de Santos e aí, eu morava quase na praia, a Avenida Conselheiro Nébias inteira de ponta a ponta, aí a gente ia embora uma hora da manhã, às duas hortas da manhã de bonde, porque não; aí, o presidente do sindicato, alguém do sindicato levava você até o bonde, olhava para o motorneiro, para o outro e dizia: “Olha, gente nossa, entrega em casa”, e você era entregue em casa – entre aspas – o bonde parava na esquina da minha casa que eu tinha que andar três prédios. Mas não tinha nenhum risco de você ser assaltada, nada disso. Era uma coisa que nem passava pela cabeça da gente. Essa coisa de ficar com medo, a coisa da violência, dos assaltos, das coisas, é tão depois, eu não sei nem dizer, porque aí eu acho que eu já era casada e não morava mais nem em Santos e nem em São Paulo, aí era uma época que eu já morava na Bahia. Quando deu essa mudada, que daí eu confesso que não sou capaz de… não é uma coisa que eu me dediquei muito a pensar, de tentar explicar porque o aumento da violência dessa forma, falta de dinheiro, mais dinheiro, menos dinheiro… não me convence por aí, porque eu acho que a gente mais novo, na minha época, tanto nós, classe média alta, quanto os pobres, a diferença de dinheiro entre a gente era… pelo menos em Santos, era muito menor, era mais parecido, não sei… a gente não tinha essa preocupação, é uma coisa que eu não estudei direito, não pensei direito, mas eu sei que a gente não tinha medo de sair na rua sozinho às duas horas da manhã e hoje em dia, não dá para pensar, eu fico aflita se o André sai, não é que precisa ser mulher.
P/1 – E você se lembra como é que foi o Golpe de 64? Onde você tava?
R – Eu tava em Santos ainda, porque às tantas, eu acordei com a minha mãe… com cheiro de queimado na casa. Adivinha o que a minha mãe tava fazendo? Queimando todos os documentos que eu tinha do CPC (risos). Simples como isso. E aí, nós ficamos presos em casa, porque não deixavam a gente sair, porque eu tinha umas tias que eram daquelas mulheres de direita, lá e tal, e elas falaram com a minha mãe que é assim: “Estudante de Santos é uma bobagem, segura cada filho na casa de vocês que não vai acontecer nada com eles porque a nossa questão aqui é acabar com os sindicatos. Agora, se eles tiverem no sindicato, eles vão junto”. Aí eu ficava presa em casa. E o pior é que a gente nem era… a gente era ainda muito de uma esquerda romântica, você não tinha muita ideia do que era, quer dizer, quando veio a repressão dura, de Fleurys, etc., etc., pra gente foi um susto, a gente não tinha essa ideia, ninguém achava que ia ter isso, que iam matar as pessoas daquela forma, nada. Era uma coisa totalmente idealizada. Se achava que era certo, guardadas as… você não tinha ideia que a reação seria daquela forma, tão pesada! Você viu o filme da Iara Yavelberg? Que a Judith Patarra que escreveu o livro, que eu também já conhecia daquela época, que conta como que é a trajetória da Iara, eu vi a Iara falar no grêmio da Maria Antônia mais de uma vez. Ela era presidente do Centro Acadêmico da Psicologia e você não tinha muito ideia dessa coisa do armado, do terrorismo daquela forma de matar e tal. Ainda lembro do Dirceu também, idiota, já era idiota naquela época, mas enfim… ele era namorado, ele foi namorado da Iara.
P/1 – Entendi. E depois de você…
R – Depois desse pedaço, eu casei e daí, a gente era de esquerda – entre aspas – nas ideias, mas a gente não fazia absolutamente mais nada, aí a gente comprou uma casa em Parati (risos) e aí, a gente ia para Parati todo fim de semana, que foi onde eu conheci a Karen. Foi em Parati.
P/1 – Entendi. Mas ainda voltando na Maria Antônia, como funcionava lá? Era o quê? Faculdade de Filosofia…
R – Era Filosofia, então você tinha… você lembra bem onde é a Maria Antônia, que hoje em dia é um centro e tal. Então, ali tinha toda Filosofia, tinha Letras, tinha Sociais, tinha História, tinha Geografia, não me lembro mais direito se tinha… Aí, você tinha a Doutor Vila Nova, naquele prédio que tem o teatro do Sesc, que é o primeiro Sesc de teatro de São Paulo, o prédio era a Economia da USP, a FAU era na Maranhão, né, que era a faculdade de Arquitetura, era na Maranhão, era tudo por ali. Depois, fizeram… depois do Golpe, tal, fizeram a cidade universitária e agente mudou lá… a Sociais, por exemplo, mudou para os barracões, os barracões de pedreiro, onde a gente teve aula até que fizessem o prédio, porque fizeram o primeiro… a FAU foi… fizeram os prédios maiores lá primeiro e depois que fizeram… a Sociais é junto com a História e a Geografia, né, é no mesmo prédio, mas é um prédio depois. Eu sei que antes de eu formar, eu acabei lá nos barracões no fim de tudo, você entra por aquele portão básico, você passa na coisa da Educação, tá, tá, tá, vai, aí você tem a História lá em cima, então aqui embaixo, uma avenidona, até o fim dela inteira, aí tinham o barracão que era o lugar dos operários, que tinham feito a cidade universitária (risos), foi lá que começou a associação de coisa.
P/1 – E o que aconteceu com a Maria Antônia?
R – Bom, ela tá lá até hoje, o prédio tá lá, mas teve a briga com o Mackenzie, né, teve a famosa guerra campal contra o Mackenzie, isso em 68 mesmo, já depois do Golpe, viu, mas eu não me lembro exatamente quando, a Karen deve ter tudo isso e aí, eles resolveram que tinham que separar a Maria Antônia do Mackenzie e como já tinha um inicio de cidade universitária mesmo para lá, fomos nós que fomos deslocados, porque o Mackenzie… os dois eram ali há anos, acho até que a Maria Antônia veio primeiro, mas enfim, o outro… a USP já tava fazendo a cidade lá…
P/1 – O campus lá…
R – O campus, então a gente, daí a hora que começou a ter lugar lá, a gente mudou para lá.
P/1 – Mas o que aconteceu nesse episodio especificamente?
R – Olah, teve armas, mas que eu não me lembro de ninguém morrer, nada! Era uma batalha de um… sabe batalha de menino, quase que joga água, pedra (risos), uma coisa nesse gênero. Na realidade, não tinha ainda de cara essa coisa de matar, mas depois, aumentou a coisa reacionária do Mackenzie e aí, você começou a ter gente armada. Mas nessa primeira batalha campal… mas aí, eles rapidamente, resolveram mudar a Maria Antônia de lugar, porque aí, teria chegado a uma coisa mais grave.
P/1 – Você estava por lá nesse dia ou nesse…
R – Nesse dia que teve a batalha, primeira? Tava! Não, eu já era casada e o Zé Otavio: “Você não vai” “Não, não vou, mas você também não”, aí nos encontramos lá os dois, porque os dois foram (risos), os dois não quiseram perder uma coisa dessa.
P/1 – Já tava acontecendo e vocês foram?
R – Eu fui até antes. Acontece que eu morava do lado, ali. Você conhece Higienópolis?
P/1 – Sim.
R – Eu morava na Alagoas e estudava na Maria Antônia e ia a pé a vida inteira, então… subia a Alagoas, pegava a lateral do Mackenzie inteiro e estava na Maria Antônia.
P/1 – E foi um choque?
R – Que ia ter alguma coisa? Não, todo mundo sabia que ia ter, por isso que as pessoas foram. O que não tinha é que não tinha arma. Isso é que foi a grande sorte. As pessoas estavam brigando como se fossem meninos: jogava pedra, xingava, jogava água, tal, mas não teve arma, senão teria sido uma mortandade, porque o Mackenzie tem aquele muro altíssimo, no Maria Antônia é baixo. Mas eu acho que quando eles apressaram a mudança, isso tudo é achometro, sei lá se foi por aí, é que na próxima que tivesse, ia ter arma. Então era melhor já separar. Acho. Mas isso é…
P/1 – E como é que foi esse período mais ou menos para os estudantes, algum colega seu…?
R – Eu tive colega de classe que foi morta pela repressão e que entrou para clandestinidade, isso não tinha jeito. O namorado dela primeiro, depois ela. Ele eu não conhecia…
P/1 – O Dirceu, você tá falando?
R – Não, não! O Dirceu tava lá naquela época, não! O pessoal que naquela época entrou para clandestinidade mesmo não era Dirceu, puro papo! Não fez guerrilha coisa nenhuma, tá? Mas aproveitou bastante depois. Tive colega de classe que morreu e o namorado dela morreu primeiro, inclusive, quer dizer, que tinha gente da Maria Antônia que entrou numa guerrilha mesmo, tinha, não sou capaz de dizer se não tinha alguém do Mackenzie também, porque eu sei que em bloco, o Mackenzie era reacionário, mas… como devia ter gente de direita também na Maria Antônia, é obvio, não dá para generalizar dessa forma, né?
P/1 – Como foi para você isso? Você sofreu alguma sanção?
R – Não. Em 68, eu já tava em São Paulo, não tinha mais nada a ver, até fomos em passeatas e tal, mas nada disso. A minha… quando eu fiz mais coisas efetivas, que eu tinha uma posição, coisa assim, foi em Santos. Depois que eu sai de Santos, não! Na realidade, na época eu não pensei nisso, hein, tô analisando agora. Em Santos, a politica mais de esquerda e tal era de adultos, onde tinham estudantes que também estavam, mas em São Paulo, era só de estudantes, era completamente diferente. Tudo bem, na universidade, você não tem… estudante, você tem, você tem estudantes dos 18 aos 30, tal, mas em Santos, o pessoal dos sindicatos, tal era tudo gente de 50, não eram estudantes. E o outro lado que eu vi bem que foi o que a minha mãe me segurou em casa, queimou lá, porque eu tinha tia casada com o irmão do meu pai, que eram da extrema direita dessas mulheres não sei das quantas, lá e que avisou: “Segura a sua filha em casa porque vai pegar fogo só com os sindicatos. A gente no tem interesse nenhum em estudantes, mas não deixa sair na rua”.
P/1 – Mas não suspeitavam nada de você em São Paulo?
R – São Paulo, não. Em Santos, sabiam quem eu era, sabiam nome, tal, mas não… Em Santos, o que interessava era o sindicato, o movimento estudantil eles achavam uma bobagem, não estavam nem um pouco a fim de… em São Paulo, o movimento estudantil foi mais forte de um lado, aí vou dizer uma coisa, eu não conhecia, nem conheço até hoje, mas na época, não conhecia o movimento sindical de São Paulo, eu não sei… não era misturado, pelo menos, porque é muito maior, né? Provavelmente, os sindicatos mais importantes também já eram no ABC, mas isso eu tô chutando, eu não me lembro disso, eu não me lembro de falar, de conhecer em São Paulo, nomes de presidente de sindicato, tal. Em Santos, a gente conhecia todos, sindicato da estiva era o sindicato que mandava.
P/1 – E quem que você conheceu na Maria Antônia que tava nesse movimento ou na liderança de uma…?
R – Eu lembro do Dirceu e da Iara, eu lembro mais da Iara, porque ela estudava no Maria Antônia e o Dirceu não estudava, mas eu lembro da cara deles, depois tinha um menino tipo Vila Lobos, eu não lembro o sobrenome dele, porque esse é um que sumiu também, tinham duas ou três meninas, você sabe a Guiomar Namo de Mello que é uma grande educadora hoje? Tinha uma turma que era… elas moravam… ela é uma grande educadora hoje, os filhos dela estudaram no Logos e tudo. Eu lembro, conheço bem, eles tiram uma república de meninas e dessa república, duas ou três sumiram também na repressão, era um pessoal que era mais de esquerda do que a gente era, de longe, e teve gente que sumiu. Mas eu tinha em São… isso foi 68, eu vim para São Paulo, acho que em 67, eu conhecia pouca gente, ainda, em São Paulo e eu logo comecei a namorar o Zé Otavio, então… e o Zé Otavio era dez anos mais velho do que eu, então eu tinha 22 e ele já tinha 32, então a gente não tinha vida… naquela época, não misturava, 32 já era gente adulta, não misturava com adolescentes. Então, não tinha… meus amigos viraram todos muito mais velhos. Então era o Caio Graco, o filho do Caio Prado Junior com a Suzy, são todos muito mais velhos do que eu, o Caio Graco era muito amigo do Zé Otavio, tanto é que ele é padrinho da Bel, era, né, porque já morreu, mas enfim… aí eu passei a andar com uma turma muito mais velha, porque o Zé Otavio era muito mais velho. Aí não tinha mais muita coisa de estudantada, não.
P/1 – O quê que os eu marido fazia nessa época?
R – O Zé Otavio sempre foi corretor de valores. Corretor de Bolsa, coisa assim, e aí, chegou uma hora que a gente tinha uma casa em Parati, a gente ia todo fim de semana, passamos anos indo todo fim de semana para Parati. Tão louco, né, aí a gente mudou para Ilhéus e alugamos a casa. Aí, um saco alugar uma casa quando você tá em Ilhéus e em Parati, porque a pessoa não paga, deixa as contas, aquela coisa… bom, aí como a gente pretendia ficar em Ilhéus meio que para sempre, aí a gente vendeu a casa e dois anos depois, nós enchemos de Ilhéus e nós voltamos, aí não tinha mais casa (risos).
P/1 – Em são Paulo?
R – Não, em Parati. Em são Paulo, a gente não tinha também, mas aí a gente arranjou, mas a gente deixou de ter a casa em parati. Aí, tinha uma grande amiga minha que é a Walnice Galvão, que é uma das eméritas professoras da USP que tinha uma casa em parati, que tava meio cheia de tomar conta, aí eu fiquei tomando conta, quer dizer, fiquei tomando conta, não, fiquei usando a casa dela uns quatro ou cinco anos, depois falei: ‘Agora enchi de tomar conta, agora você fica com ela de volta”.
P/1 – Nessa época, você era professora, já?
R – Então, quando eu vim para São Paulo, eu já fui dar aula no Nossa Senhora do Morumbi, que era o Des Oiseaux do Morumbi, tá? O Des Oiseaux estava começando a fechar, eu não lembro… não, ainda tinha o prédio, foi um absurdo ter derrubado aquele prédio, vocês não conheceram ela inteira, aquilo foi a maior judiação do mundo, uma coisa maravilhosa, de mármore branco e preto, era de babar e daria… os idiotas dos chineses, dos japoneses, sei lá que compraram, queriam fazer um hotel, fazia naquela casa, era perfeito, imagina um monte de sala de aula? Porque tudo vira… salas de aulas enormes, você só tinha que fazer um banheiro em cada uma, e você tinha os apartamentos todos perfeitos. Tinha refeitório, tinham todas essas coisas, porque tinha internato, então… foi a maior idiotice, porque derrubaram, não fizeram nada, estragaram o jardim que era maravilhoso, mas enfim… e aí, eu já me perdi, o quê que eu tava falando?
P/1 – Você tava falando que você já tava dando aula lá?
R – É, aí como a minha tia era diretora do Des Oiseaux e eu tinha amigas de Santos que estavam dando aula no Nossa Senhora do Morumbi, por isso que eu acabei indo para o Nossa Senhora do Morumbi, porque a freira do Nossa Senhora do Morumbi que era a diretora, tinha referência minha pela tia, que era superiora do Des Oiseaux. E a pessoa que ia tirar a licença era uma menina de Santos que eu conhecia desde que tinha nascido, um pouco mais velha do que eu e aí, ela tava de licença maternidade, eu fui dar aula no lugar dela, no segundo semestre e aí, no ano seguinte, a diretora do Madre Alix, a portuguesa, portuguesa mesmo, nasceu em Portugal, Isabel Sofia, me contratou e aí, eu fiquei dez anos lá, eu sai de lá para fazer o Logos, que foi um projeto de colegial, que a gente fez inteiro para as freiras fazerem, porque o Nossa senhora do Morumbi estava perdendo aluno porque não tinha colegial, aí nós fizemos um projeto e apresentamos para as freiras, para elas fazerem. Aí, elas não quiseram fazer e falaram assim: “Por quê que vocês não fazem?”, a gente fez. Depois, muito mais tempo, elas tiveram que fazer e nós tivemos que fazer o primário e o ginásio, porque o colegial sozinho também não se sustenta.
P/1 – Fizeram ao contrario, então?
R – É. Então, uma bobagem, mas enfim, foi bobagem delas, mas aí a gente não tinha muito o que fazer, aí viramos donos de escola, que… e aí, eu fiquei a diretora da escola.
P/1 – E como é que foi… quer dizer, primeiro, quando que foi fundada?
R – O Logos? Nem eu lembro direito. Setenta e poucos. Poxa, não vou lembrar. Mas isso dá para ver, eu não tinha o André, ainda, o André tem 42, tem que começar a fazer as contas tudo, para… depois eu vejo, é da década de 70, mas eu não lembro, entre 70 e 80, mas eu não me lembro exatamente em que ano que foi, é por aí. O André acho que é 73, então… é por aí, mais ou menos, porque em 83, eu já tava em Ilhéus, porque a Bel é dez anos mais nova e a Bel nasceu em Ilhéus. E aí, às tantas, o Zé Otavio resolveu que queria ser fazendeiro, tinha enchido de São Paulo, aquelas coisas dos ripongas da vida (risos), aí a gente foi para Ilhéus e…
P/1 – Aí, em Ilhéus, você deixou esse projeto, então, ou ele continuou?
R – O do Logos? Não só continuou como eu jamais deixei de ser dona, porque…
P/1 – Existe até hoje, então?
R – Não, não. Agora não existe mais. Fechou, mas eu já tava de volta quando a gente fechou o Logos, eu já tava aqui. Aí, como é que aconteceu? Aí tinha uma eleição de prefeito, eu não se logo que eu cheguei em Ilhéus, aí eu não me lembro, tinha uma eleição de prefeito, a gente já foi fazer a campanha e aí, o prefeito ganhou e aí, eu virei a diretora geral do ensino municipal de Ilhéus, que aí, eu era a única pessoa daquele grupo que já tinha larga experiência de escola e foi essa… vou te dizer uma coisa, ter feito o Logos foi legal, mas essa experiência foi a melhor experiência minha em escola, porque eu peguei uma escola pública. Eles tinham um grande… Ilhéus é muito pequeno perto de São Paulo, imagine, é muito menor que Santos. Eles tinham numa escolona pública que tinha ginásio e colegial e tinha colegial profissionalizante também, tinha colegial só colegial, tinha magistério e tal e tinha no mesmo terreno, mas não grudado, tinha o primário e mais primário em vários outros lugares, aí o primário era menor, essa parte equivalente a ginásio e colegial estava num predião enorme que tem lá até hoje e o primário tinha ali, mas tinha em outros lugares, primário, educação infantil, tal. E eu dirigia o ginásio, colegial e os profissionalizantes, então eu sempre tive horror, eu não gosto de criança (risos), eu gosto de adolescente que é aquele que normalmente, as pessoas detestam, acho os adolescentes muito mais interessantes que criancinhas, não trato mal criancinha, tratei muito bem os meus filhos, são bem educados e tudo, mas trabalhar com criança, nunca na vida, eu acho uma chatice total, não tenho a menor paciência! Tenho todas as paciências do mundo, eu gosto desses que discutem, que briga com você, esse é o adolescente, me diverte enormemente, ainda bem que tem gosto para tudo, né? E aí, a gente morou em Ilhéus quase dez anos, então imagina que eu fui diretora dessa escola uns quatro ou cinco. Aí eu fiz a melhor escola de Ilhéus, que as escolas particulares começaram a perder os alunos para lá, porque eu entendia muito mais de educação que todo mundo, consegui pegar professores bons de escolas variadas do estado, município, da escola particular, tal, fiz um grupo de professores fantástico e ficou a melhor escola de Ilhéus mesmo depois, três, quatro anos depois que eu tinha vindo embora. Depois piora, porque escola publica no interior do Brasil, às vezes, até acho no interior de São Paulo, mas no interior do Brasil é sempre cargo politico e cada quatro anos muda o prefeito e troca a direção e aí, não tem nenhuma escola que dê certo na vida. E aí, você manda embora o professor que é bom para contratar o marido de outra… aí é um inferno de coisa de politicagem e de desvalorização da escola, a escola é sempre usada como moeda de troca, é um desastre total. É assim.
PAUSA
P/1 – Você tava falando da sua experiência em Ilhéus, da escola que você teve… que foi diretora.
R – Ah sim, que a gente acabou fazendo uma escola… foi a primeira vez que teve uma escola… primeira vez foi o que as pessoas me disseram, eu não morei em Ilhéus tantos anos para ter certeza disso, mas enfim, que a escola pública ameaçou a escola particular, porque a escola pública era melhor que a particular. Acho que eu fiquei lá uns… eu morei em Ilhéus uns oito anos, mas com a escola, eu fiquei uns quatro anos, tal. E depois, imagina (risos), essa foi a experiência mais engraçada, eu era dona de escola aqui, era dona e teve qualquer briga com professor, greve, alguma coisa assim e aí, a gente teve lá… eu tive um comportamento, eu não me lembro, acho que muito histérica eu não fui, mas… aí quando o pessoal de Ilhéus resolveu fazer greve contra o prefeito por causa de coisa, você não acredita o que eles me mandaram: uma passagem para eu ir organizar a greve e evidentemente, eu fui. Os meus professores disseram: “Você é louca, esquizofrênica”, lá eu sou de uma forma, aqui eu sou de outra (risos). É verdade, mas foi muito interessante ter ido ver, porque já fazia um ano que eu tava fora de Ilhéus, então jamais me ocorreu que eles iriam me chamar numa briga contra o prefeito e mandaram a passagem, eu falei: “não tenho dinheiro”, não, mandaram a passagem, hospedagem lá eu tinha, numa cidade desse tamanho, você conhece todo mundo, então o meu problema não era de hospedagem, era passagem, mandaram a passagem de avião, eu fui (risos), a escola municipal tem um grande auditório embaixo e tem aquela parte de cima também, lá, a gente chamava de puleiro, sei lá como que chama, qual é o nome certo, vai. E aí, eu fiquei sentada lá em cima e a gente combinou alguns sinais (risos), era uma assembleia com milhares de pessoas, o prefeito e o secretario lá no palco, porque era o teatro, mesmo e a gente coordenou o quê que a gente fazia, se aceitava, não aceitava lá de cima fazendo sinal. Eu sei que o Jabes quando descobriu que eu tava lá, ele quase teve um ataque, depois eu conversei com ele, falei: “Nunca me diverti tanto quanto contra você, porque realmente…”, ganhamos a greve. Então, é muito engraçado como você é ambivalente e eu acho que a gente sempre pagou direito no Logos e a gente não teve grandes problemas, não, mas teve vez que teve que negociar, tem vezes que dá para você fazer, tem vezes que não, mas é diferente do… é louco, né? Porque na realidade, a escola particular, você tem uma fonte de renda que é a mensalidade dos alunos e ponto e prefeitura não é verdade que é dessa forma, porque você pega verba x e passa pra y e aí, você pega… então você tem uma forma mais livre, não é completamente solta, livre, mas você tem mais escapes para fazer isso. E na realidade, como de qualquer secretaria, sempre a secretaria de educação é a que tem o maior numero de funcionários, óbvio, porque você tem não só o maior numero de professores, como precisa de bedel, como precisa do limpador da escola, tudo tá na mesma coisa de secretaria de educação. Então, dar um aumento a secretaria de educação é sempre mais complicado, mas por outro lado, as prefeituras também usam isso para não dar alguma coisa que elas poderiam dar, entendeu? Tanto é que a gente ganhou na maior a greve. E o Jabes falou: “Eu não acredito que você tava lá em cima”, eu falei: “Não, eu só passei aqui que eu vim ver os meus netos”, que até tinha, o Zé Otavio tem uma filha que casou e ficou morando em Ilhéus, mora em Ilhéus até hoje e já tenho neto torto, não tenho netos dos meus dois, mas os filhos do Zé Otavio já têm filhos, então o Zé Otavio já tem netos que tem netos e tal… então eu tenho uns netos tortos. E aí, é engraçado, porque aí a gente faz… completamente… muito louco essa história de você circular… na realidade, os irmãos da Bel e do André quase que poderiam ser pais deles, não chega a ser pai, mas tem tudo assim, tem… o Luiz tem 20 anos a mais que a Bel, acho que até mais que 20, até poderia ser pai da Bel, mesmo, não é mais ou menos, que é o mais velho e até é parecido. Agora, nós vamos fazer uma reunião familiar, no fim desse ano, já compramos até as passagens, todo mundo, vai todo mundo para Ilhéus, vamos reviver um pedaço de Ilhéus.
P/1 – Eu queria perguntar para você se você tem alguma historia dessa época em que você era diretora, com alunos ou coisa que fica na sua mente, assim?
R – Eu não sei se vou conseguir lembrar qual foi a palavra, mas foi o maior susto que eu levei da minha vida. Já lembrei! Lá, tinha curso profissionalizante, tinha o pessoal de Contabilidade, não sei o que e tal, que era o curso da noite. Eu tinha… não sei o que aconteceu com um rapaz, eu não vou lembrar qual foi o… um tava brigando com o outro, alguma coisa assim no corredor, e eu tava na minha sala e eu ouvi, sabe como se tivesse assim, com a porta aberta, você ouve e vai ver o que é, tem uma briga lá fora, briga de aluno e vai ver é adulto, que isso era à noite, curso da noite. E eu olhei para o cara e falei: “deixa de ser moleque, que bobagem”. Aprendi que moleque na Bahia é um palavrão maior do que não sei o que, você chamar o cara de ladrão. É tão louco, é uma coisa tão regional, que eu falei: “Deixa de ser moleque” no sentido de dizer: deixa de ser criança, vai ficar discutindo por causa disso, ele quase voou em cima de mim (risos), levei o maior susto, eu disse assim: “Eu falei o quê que te deixou tão bravo?”, aí eu precisei explicar para ele, até pedi desculpas, falei assim: “Eu quis dizer para você deixar de ser bobo, é que moleque para mim em São Paulo não tem essa conotação de que é a maior ofensa do mundo”, e o pior é que eu não consigo entender porque é, eu não sei se tem alguma coisa, ele era preto, tudo bem, se isso é uma coisa ainda, mas putz, a escravidão tá longe, esse cara não podia saber nada da época da escravidão, porque de moleque você chamava os pretinhos numa fazenda de café na década de 1910, o cara não teria a menor noção do que era isso, porque nem teve escravidão dessa forma na Bahia, tem muito preto e não tinha… na Bahia teve a escravidão doméstica, porque o plantio das coisas da Bahia não tinha essa necessidade de mão-de-obra, como teve o café em São Paulo, no Paraná, no estado do Rio é o primeiro que tem, né? Na Bahia, o cacau, ele é um outro tipo de plantio, ele não precisa uma coisa constante para tomar conta, enfim, então ele não tinha esse tipo de escravidão, tinha a escravidão domestica, escravidão nas casas, mais do que no campo, do que o trabalho de roça. Então, o “moleque”, ah, é verdade, agora acabei de pensar, porque o “moleque” era como a sinhazinha chamava o menino que trabalhava na casa.
P/1 – Então, deve ter sido isso, né?
R – Lógico. Engraçado que você vê que… 20 anos depois, porque na época, porque eu falei: “A gente fala ‘moleque’ em São Paulo e não tem esse ataque”, é verdade! “Moleque, não me enche”, não é uma coisa que as pessoas ficam histéricas e querem bater em você se você falar “moleque”, mas é verdade.
P/1 – Tem alguma outra coisa que aconteceu? Também no Logos… alguma coisa que te marcou…
R – No Logos, foi a coisa mais louca do mundo também. Essa… eu briguei com uma menina, eu nem briguei. Sabe camiseta branca, dessa que você corta a gola, corta embaixo, tem um peito desse tamanho e tá sem sutiã? Aí, uma hora que ela passou por mim, eu falei: “Querida, tá feio dessa forma, põe um casaco…”, sei lá, qualquer coisa assim, verdade, porque você tinha dois trecos balançando, mas isso, até tudo bem, hoje em dia, a gente até tem, isso devis ter sido 1985, 86, não tinha ninguém que andasse daquela forma e ela tava… o problema maior não é só que ela tava de camiseta branca, como ela também tinha cortado. Bom, ela conseguiu fazer um tamanho… ela conseguiu levantar os alunos contra mim como se eu a tivesse desrespeitado, só que eu falei só para ela, não falei no meio do pátio, nada, falei para ela, no corredor, falei: “Vem aqui, tá feio isso”. Aí foi uma coisa… ela era filha de um dos meus sócios, obvio, né? (risos) E daí, eu acabei indo embora da escola, a escola tinha entrada pelos dois lados, tinha pela Rebouças e pela ruazinha de trás, a gente normalmente entrava por trás, eu até acabei saindo pela frente, porque a parte de recreio e tal era atrás, ela tinha feito uma coisa lá na hora do recreio, depois no outro dia, eu tava na escola e ninguém nem falou sobre isso, mas foi uma coisa pra mim, tão esquisita, dessa coisa do mal entendido por causa de palavra, porque foi meio igual do rapaz, do “moleque”, por isso que eu liguei as duas coisas, uma palavra que quer dizer alguma coisa para você e que para o outro, quer dizer outra. E que você fala… eu sou bravíssima, mas aí eu já xingo mesmo, ninguém tem dúvida que eu tô xingando (risos), eu não vou chamar ninguém de moleque, entendeu? Mas enfim, eu acho que essas duas… essa foi a única coisa que eu lembro no Logos e mesmo na escola pública, eu acho que também, não me lembro lá… agora, essa experiência de escola pública foi muito interessante, como profissional da educação, quer dizer, na realidade, todo sentido tem se você tivesse trabalhando com a escola pública daquela forma, porque é facílimo de arrumar, facílimo –entre aspas – porque na Bahia não tem concurso público, então ninguém vida dona da cátedra durante 25 anos sem fazer merda alguma. Então, você pode mandar embora. Eu sou contra concurso público para escola, pelo menos, porque na escola, quando o cara não pode ser mandado embora, só se ele assassinar em serviço, o que não acontece, ele não faz nada e você não pode mandar ele embora e não pode nem chamar a atenção. Acho a ideia de escola publica é boa para inglês, americano, francês que são educados para isso, ele tem séculos isso. No Brasil é um desastre. Como eu disse, o melhor colegial de Santos era uma escola pública, mas ela funcionava igualzinho escola de freira, quer dizer, no sentido de disciplina tal, eu não sei se… e eu não me lembro se os meus amigos acharam aquilo esquisito, para mim, então, não era mesmo, estava indo da escola de freira para lá. Ficou uma coisa, não gosto do clima da escola pública, você vê, eu tenho uma empregada que tá comigo desde que a Bel nasceu, que portanto, a Bel tem 34, então ela tem uma filha de 22, qualquer coisa assim, que nasceu praticamente na minha casa. Ela casou e morava fora, mas… então, ela fez escola pública e óbvio que eu consegui… tem um monte de faculdade que você conhece, que eu consegui Bolsa para ela, ela tá formando agora em marketing, ou qualquer coisa parecida e ela tá bem na idade certa, ela tem 22, tal.
P/1 – Depois que você voltou de Ilhéus, que você ficou em São Paulo, o quê você foi fazer?
R – Quando eu voltei de Ilhéus, eu voltei para o Logos.
P/1 – Mas depois ele terminou…
R – Depois que terminou o Logos, eu fiquei um pouco… eu fiquei, acho que um ano sem trabalhar, depois fui convidada para trabalhar no Mater Dei. Aí fiquei no Mater Dei até o ano passado. Aí, aposenta por conta de tempo, porque você já tá velha demais (risos).
P/1 – Então, você aposentou no ano passado?
R – Não, não. Aposentadoria oficial de receber o dinheiro, eu já tava há anos! Eu ainda sou da turma que recolhi 28 anos, não chegou a 30, mas quase 30, não me lembro se 28 ou 29, quando professora é 25. Mas depois, continuei trabalhando. Eu trabalhei exatamente 50 anos dentro de escola. Quando eu comecei em Santos até eu parar, deu exatamente 50. Eu comecei com 22.
P/1 – O Mater Dei é onde aqui em São Paulo?
R – Ele antigamente, era na Brasil quase chegando lá no “Deixa que eu empurro”, porque hoje em dia, na Brasil, você não pode ter entrada e saída de carro e ele vai da brasil até a rua de trás e essa entrada na rua de trás eu não me lembro o nome da rua de trás, mas é bem ali…
P/1 – Você foi professora lá também ou…?
R – Não. Fui coordenadora, não! Professor, salvo algum problema muito grave, até 50 anos, 50 e pouco é o que você aguenta. Eu comecei a trabalhar, devia ter uns 21, depois não dá. Você quer matar o aluno, o aluno normal, tal, é que você já viu aquilo tantas vezes, que fica insuportável. Então, aí você passa para outros cargos. Não, na sala… eu até já trabalhei, não aqui no Mater Dei, mas acho que até no próprio Logos, com gente que era mais velho e amava dar aula e tudo, mas os alunos podiam ser médios, ricos, pobres, mais ou menos, eles eram educados. Hoje, eles são todos igualmente mal educados, a começar dos pais dos ricos já são mal educados. Eu não tenho a menor paciência para falta de educação. É impressionante, não é uma coisa assim: os pobres…imagina, os pobres são demais educados, essa minha empregada que veio comigo, que tá comigo há muitos anos e que a filha é minha afilhada, ela é educadíssima! Agora, estudou só em escola pública. Acabou de formar na faculdade. Na minha avaliação, o nível é de quem acabou o ginásio e aí, repete-se a história de que vai arranjar um bom emprego como com aquele…? Sabe o que é mais triste? Quando ela foi alfabetizada que ela veio me mostrar, então eu falei: “Então vamos começar a trabalhar um pouco a educação”, eu falei para a mãe dela: “A alfabetização dela foi péssima, nós vamos melhorar isso”,. Não consegue, porque ela acha que ela sabe, porque a professora da escola disse que ela sabia.
P/1 – Entendi.
R – Isso quando ela era criança. Agora, de adulto, se eu falar para ela, talvez ela entenda melhor que precisa treinar muito mais.
P/1 – Queria voltar também para o seu casamento lá atrás. Como foi que você conheceu o seu marido?
R – O Zé Otavio?
P/1 – Sim.
R – Na praia em Parati. Por isso que a gente sempre… parati foi o centro, a gente teve casa lá e tal, depois… bom, aí fomos para Bahia, continuou com a casa, chegou uma hora que encheu o saco de tomar conta de casa à distancia, aí vendemos, aí depois voltamos, aí ninguém mais tinha dinheiro para comprar (risos), porque Parati tinha dado um estouro, tinha ficado carérrimo, não dava mais.
P/1 – Vocês se conheceram lá?
R – Em Parati.
P/1 – Ele era?
R – Corretor. Corretos de valores, não corretor de imóveis. Até depois, mais no final da vida, quando a gente já tava separado, ele foi corretor de imóvel, também.
P/1 – E aí, vocês namoraram, casaram depois?
R – Acho que namoramos uns dois anos. Aí casamos. Aí depois a gente foi morar na Bahia. O André nasceu aqui em São Paulo. A Bel nasceu dez anos depois na Bahia.
P/1 – Como é que foi a sua primeira gravidez?
R – As duas foram ótimas, pra dizer a verdade, e eu tenho um no meio que eu perdi, por isso que eles têm a diferença tão grande. A gravidez para mim é exatamente igual, continuo trabalhando, fazendo tudo. Por isso que eu perdi o outro, porque a gente foi para Fernando de Noronha, mergulhamos, fizemos um monte de coisa… aí eu perdi na viagem de volta.
P/1 – Na viagem de volta? Era muito grande, já?
R – Já tinha de seis para sete meses. Já era grande. Tanto é que eu cheguei a ver o bebê, consegui até batiza-lo, tinha um padre lá, falei: “Então batiza”, e tal e enterramos lá em Natal, porque você vem de avião da Ilha para natal e em natal, você pega o avião regular. Lá tem um avião que faz só Natal–Fernando de Noronha, que é um avião mais antigo, tal e que só faz esse voo e daí, você pega um avião mais novo, a gente foi para Bahia. Mas aí, eu fiquei um pouco mais em Natal. Foi muito louco, porque eu não imaginei isso… eu não imaginei isso, não, na hora que eu comecei a sentir, tava longe, nem me ocorreu que eu tava abortando. Eu falei: “Gente, tô com uma dor de barriga tão esquisita”, dor de barriga, porque você já comeu um monte de porcariada na rua, tal, o mais provável é dor de barriga. Até uma hora que eu olhei e eu não sei se saiu um pouco de sangue, alguma coisa: “Zé Otavio, pelo amor de Deus…”, isso era de madrugada, “…acorda que nós vamos ventar para o hospital porque eu estou tendo o neném”, eu já tava de sete meses, ele poderia ter vivido, não era que você tá de três, quatro meses, ele nasceu mesmo e tal. O André também nasceu de oito (risos), então… a Bel foi a única que nasceu no tempo certo. E aí, a gente enterrou. Aí, teve que fazer um enterro mesmo, um bebê normal.
P/1 – Lá mesmo, né?
R – Ah, fizemos em Natal mesmo. Tá lá no cemitério de Natal, porque não tinha muito sentido trazer… nem traria para cá, eu morava em Ilhéus nessa época! Então, nem traria para cá, nem pretendia ficar o resto da vida em Ilhéus, então ficar em natal ou ficar em Ilhéus, achamos que era bobagem.
P/1 – Como que foi a criação do seu primeiro filho? Do André?
R – Olha, devo confessar que nenhum filho meu foi complicado de criar. Eu nunca parei de trabalhar, para o André eu tinha uma e para a Bel, eu tive outra, que eu tive duas babás absolutamente fantásticas! Eu cuidava da criança, professor nunca trabalha o dia inteiro. Um dia na semana podia ser que tivesse uma reunião, tal. Professor trabalha meio período. Então sempre deu tempo de dar atenção à criança, tal. Mas se eu tivesse que só ficar em casa tomando conta de filho, eu teria um ataque apoplético, aí eles iam ter todos os traumas que você pudesse imaginar (risos), trabalhando fora dá certíssimo! Porque eu não tenho essa coisa maternal de 24 horas por dia, eu teria um ataque histérico! Eu gosto de trabalho intelectual, eu gosto de pensar, eu gosto de fazer, agora um período do dia ser um período de criança, tudo bem. Agora, eu curto mesmo quando já começa a falar e interage, o bebê, bebê acho chato. Mas dei de mamar, amamentei, fiz todas as coisas certas que tem que fazer, mas eu não curo bebê, que é o inverso da minha mãe, tão engraçado, a minha mãe gostava de bebê, eu gosto de criança que briga com você, daí pra diante, ela virou gente. Então, eu gosto mais disso, por isso que eu sempre gostei mais de adolescente do que de criança. Sempre gostei de trabalhar com adolescente.
P/1 – E aí, ele cresceu e foi fazer o quê?
R – O André? (risos) O André é engraçado, o André, ele tava no terceiro colegial, eu falaca assim: “André, o quê que você vai fazer?” “Não sei”, falei: “André, alguma coisa vai fazer, não tem sentido…”, aí não sabia, não sabia o que ia fazer, falei: “Vai fazer Administração na GV, pelo menos faz… trabalhar você vai ter que ir, então, Administração serve”, aí ele fez a GV, fez vestibular, passou, fez os anos, nunca repetiu, tal. Aí fez um estagio num órgão público qualquer, na secretaria de administração, tal, nem lembro se do estado ou do município, acho que do estado e depois, foi trabalhar numa firma de publicidade. E aí, na publicidade, eu acho que foi quando ele sacou que o que ele queria fazer mesmo era fotografia. E aí, ele fez cursos de fotografia, tal, e aí, ele virou fotografo de arte e aí, depois ele morou dez anos em Londres, porque a mulher dele, o André já tá na terceira, mas essa é a do meio (risos), a do meio ganhou uma Bolsa para Londres, uma coisa, um trabalho mesmo e foi trabalhar lá, e aí, em Londres ele foi mesmo atrás da coisa da fotografia e lá tem outro nível mesmo. Aí a primeira exposição que ele fez, ele fez lá em Londres, que até fui lá ver.
P/1 – E a sua filha?
R – A Bel é psicóloga. A Bel é dez anos mais nova. A Bel é psicóloga, a Bel tem… o André acho que tem 43 e a Bel tem 34, mas é meio… não chega a ser dez anos de diferença, mas é nove e meio, aquela coisa assim. E a Bel sempre quis trabalhar com Psicologia.
P/1 – Desde criança?
R – Ela podia até falar outras coisa, acho que nem sabia qual era o curso, mas ela queria trabalhar com pessoas, tal. Mas ela trabalha com a psicologia de outro jeito, ela não é psicóloga, ela não é de gabinete, ela não é nada disso. Hoje em dia, ela até tá no lugar da pessoa que tá viajando, mas ela dirige uma ONG e ela trabalha só com adolescentes e é o máximo o trabalho que elas fazem lá, realmente, o máximo.
P/1 – Adolescente de abrigo, né, você falou?
R – Adolescente de abrigo. Então, ela acabou usando a psicologia para outra coisa, não era para consultório, não era para ter paciente, não era desse jeito, mas é um pouco para saber como trabalhar com essas crianças que são complicadas e ela curte enormemente isso. Ela, agora, tá chefiando… por isso que ela não pode vir hoje, porque acho que ela que marcou e tinha dito que viria, mas a chefe dela está nos Estados Unidos, mas tá lá para ficar seis meses fazendo trabalho, então, a Bel agora tá com um trabalho maior, porque agora, ela tá dirigindo mesmo a ONG no lugar da outra, depois a outra volta, ela faz um outro trabalho mais ligado às pessoas que cuidam das crianças, que seria o trabalho – entre aspas – de psicólogo, não é fazendo terapia com ninguém, mas ela agora, tá na parte administrativa também além disso e isso para ela é um sacrifício. Ela fica enlouquecida, porque você gosta mais de uma coisa ou de outra, isso é óbvio! Então, aí ela acha mais chato… não é que ela acha mais chato, ocupa mais tempo, por incrível que pareça. Então é isso. Bom, o André já tá no terceiro casamento, a Bel ainda não casou nenhuma vez (risos).
P/1 – E você falou, se eu entendi bem, seu marido teve outros filhos, é isso?
R – Então, o Zé Otávio, quando eu… primeiro, que nós nunca casamos. Quando a gente resolveu ficar juntos, o Zé Otavio já tinha sido casado e já tinha dois filhos e aí, quando a gente casou, eu herdei primeiro, o filho, que mudou para a minha casa de cara e a menina, não. A menina só mudou para a minha casa quando a gente mudou para a Bahia. Aí, aguentar a mãe dela aqui sozinha, também não deu. Aí de repente, eu tinha quatro (risos). A Bel nasceu na Bahia, eu tinha o André grande e a Bel bebê quando…
P/1 – E eles são mais velhos, então?
R – São. O André tem 42, o Luiz então, tem 52. A Ana acho que tem uns 48…
P/1 – E o quê que eles fazem?
R – Olha, pra dizer a verdade, eles são… aí é outra história, eles são muito complicados. Trabalharam, deixam de trabalhar, não dá certo, casaram, descasa, tã, tã, tã e hoje em dia, cada um mora com os respectivos filhos e em lugares diferentes. Então, o Luiz mora em Rondonópolis, que não é em Rondônia, é Mato Grosso do Norte, uma coisa assim, a cidade chama Rondonópolis, acho que é Mato Grosso do Norte e a Ana mora em Ilhéus com os filhos também. Quer dizer, o menino é casado com a menina e ele mora com o menino que é casado e o André… o André é muito engraçado, ele parece o meu pai, é tão engraçado, porque ele conviveu pouquíssimo com o meu pai quando ele era muito menino e ele é parecidíssimo… de cara, nada, mas ele é parecido de jeito. Ele que gosta de cuidar da família, todos têm que ficar juntos, então agora ele organizou que no fim do ano, nós vamos todos para Ilhéus passar Natal e Réveillon, já fez todo… arranjou umas passagens baratíssimas, já fez… comprou para todo mundo, inclusive para um sobrinho que a gente tem, que ele tem só um primo pelo lado do Zé Otavio e depois, cobrou de todo mundo, não é que ele deu de presente, não, (risos), mas ele já comprou. Então, nós vamos pra Ilhéus na casa, exatamente, da Ana é a que mora em Ilhéus e o filho dela, ela mora na casa do filho. Eu já tive lá visitando, a Bel já teve também, mas o André que nunca foi lá. Mas cabe, porque eles… o ex-marido dela foi perfeito, eu disse pra ela: “bem que eu gostava, sempre gostei dele”, ele fez uma casa para o filho num terreno bom e ele fez uma edícula atrás para ela, que tem quarto, banheiro, cozinha, sala e uma varanda, não é perfeito? Família perfeita. Eu digo para ele que ele é o meu genro preferido (risos), é o único. Mas enfim…
P/1 – Queria colocar aqui pra gente chegar no fim da entrevista agora, eu queria saber se você tem alguma pergunta para fazer para ela ou não.
P/2 – Não.
P/1 – E perguntar para você se você tem alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse feito e eu acabei não fazendo.
R – Não. Acho que não. Acho que você fez as coisas do passado, essas coisas todas, a gente viu desde… um pouco de Santos, depois de São Paulo, depois, Ilhéus, depois um pouco a volta para São Paulo, fim da escola, não! Eu devo… (risos), vou fazer só uma declaração, mas não é nada… o que eu acho chato, mas não tem nada a ver com vocês, chato na vida é como é que as pessoas mais velhas, de certa forma, são mais discriminadas na vida. Eu não tenho problema nenhum, eu entro em qualquer lugar, converso com todo mundo, como eu digo ninguém trabalhou 50 anos em escola impunemente. Eu falo do cara que tiver varrendo a rua ao governador, eu não tenho problema com isso, mas acho, por exemplo, eu faço uma porção de coisas, eu vou… hoje eu tenho concerto, por exemplo, eu preciso ir embora (risos), mas as velhinhas, em geral… as velhinhas, viu, porque daí eu não estou dizendo que os velhinhos não sejam abandonados também, mas eu realmente, nunca convivi com velhinhos, porque o Zé Otavio morreu antes, né, então não sei, as pessoas são sempre… elas têm uma coisa de não… a idade limita… tem uma coisa que você tá doente, você pode ter 30, você vai ter o limite, não tem nada a ver com a idade, lógico que se você tá doente, você tem limites e coisas assim. A educação… talvez eu ache que essa geração, não, a minha foi feita para que você tenha módulos, etapas muito especificas na vida e depois, você vira avó e ponto. E fica em casa. Primeiro, que eu não sou nem avó (risos), e essa coisa que gosto de sair, de viajar, vou em todas as exposições, tudo bem porque eu tenho saúde, evidentemente, se eu tivesse doente na cama não dava para fazer, isso é condição básica, mas… vou falar uma maldade bem grande, da minha turma de Santos, a única pessoa que é igualzinha a mim é a que ficou livre de marido também, graças a Deus (risos), acho que os maridos são os empecilhos. As que ainda são casadas, porque aí já estão casadas há 40 anos, os maridos são um saco e elas não podem fazer as coisas sozinhas, porque fica tudo… eu acho isso um chatice total. Essa outra menina que tem exatamente a minha ideia, essa o marido até morreu, já eram separados, mas morreu também, de qualquer forma. Ela tem uma independência de cabeça e de coisa igualzinho eu tenho, nós não somos iguais de pensar exatamente as mesmas coisas da vida, mas é o mesmo tipo de independência, que as minhas duas amigas, nós éramos quatro muito próximas do colegial e que depois, embora fazendo cursos diferentes, continuamos amigas. As outras duas que têm marido, o mesmo até hoje, nós duas que os maridos morreram e depois, eventualmente, tivermos algum relacionamento… a cabeça da gente é muito mais jovem, não tô me vangloriando, não. O jovem no sentido de aceitar o novo, as outras pessoas tiem mais dificuldade de aceitar o novo, é nesse sentido, não é que a gente faça coisa de jovem, porque eu também acho ridículo velho fazendo coisa de jovem, mas as mudanças, as coisas do mundo, tal, eu acho que essa menina é mais próxima de mim… preciso perguntar para ela se ela também acha (risos), porque nós éramos quatro muito amigas em Santos e a cada dois meses, a gente faz um almoço, porque todas moram aqui em São Paulo e a gente faz um almoço só das mulheres, porque essas duas que eu acho que ficaram chatas são casadas com dois meninos que foram da nossa classe desde o Canadá e eles são insuportáveis, eles viraram uns velhos insuportáveis e aí, elas acabam ficando… é tão engraçado, porque eu os conheço o mesmo tempo que eu conheço elas, e é difícil conversar com eles. Tem um outro que é muito amigo meu, mas esse ficou meu amigo, ele também acha os outros um saco. Então, às vezes, a gente encontra, vamos almoçar, jantar (risos), qualquer coisa assim, também é da mesma turma, do Canadá, mas esse é publicitário, morou bastante tempo no Rio, então ficou com a cabeça mais moderninha. Mas é isso, eu acho que a gente falou de montanhas de coisas.
P/1 – Queria também te perguntar, antes de acabar mesmo, agora assim, quais são os seus sonhos.
R – Sonhos? Eu não tenho muito… sonhos, dessa forma como se tem antes, quando você tem… não quer dizer que você possa ter sonho com 18 anos e morrer com 20. Então, não é isso. É que nessa época, você tem um tipo de sonho que hoje em dia, eu não tenho. Eu, na realidade, uma das coisas que gostaria muito… morrer, tudo bem, eu não gostaria de ficar aquelas coisas que fica doente dois anos na cama. Então, você já começa a limitar, mas eu gosto muito… eu faço trocentas coisas sozinha. Eu vou a exposição sozinha, porque as exatamente as que poderiam, são as que têm marido, olha o meu saco, porque não vão, só faz essas coisas acopladas com o marido. Pra mim é difícil aceitar isso, porque eu nunca fiz isso com o Zé Otavio e nem o Zé Otavio comigo, se um queria fazer uma coisa e o outro fazer outra, a gente ia. Então, eu acho esquisitíssimo as pessoas que ficam acopladas. Então, não tem problema nenhum, eu vou ao concerto, por exemplo, com amigas, mas um dos casais é esse casal que o casal foi da minha turma, eles compram a mesma assinatura, são oito concertos, se eles vão a três, é muito, porque um tá com… é sempre o marido que… aí que saco, além de tudo, ele é exatamente da minha idade e do meu signo, eu falo: “Puts, ainda tinha que ser desse (risos)…?”, mas enfim, eu acho que um pouco você perde companhias, por outro lado, você desenvolve uma coisa de fazer coisas sozinha. Eu vou a exposição, um monte de coisas, tudo sozinha, não tem problema nenhum de fazer… claro que eu converso com a sombra, então se tiver alguém vendo o quadro, eu já converso no meio da exposição, não tem problema. Cinema eu gosto de ir sozinha. Acho que às vezes, o mais chato é quando você vai ficar em casa mais tempo, tal, tal, que daí faz falta ter uma pessoa para você conversar, tenho uma empregada hoje que vai duas vezes por semana que é mais do que o suficiente, né? Que foi babá da Bel, já tá comigo há 200 anos, mas aí não tem o que fazer, eu moro num apartamento de tamanho bem normal e tudo. Não tem o que fazer com uma pessoa o dia inteiro lá. Então, eu sinto falta às vezes, dessa conversa. Mas fora isso, não… também falo no telefone de montão. Se eu quero bater papo com alguém, eu ligo e converso, mas eu acho isso mais chato. E a outra coisa é assim, morrer a gente tá cada vez mais perto da hora de morrer, evidentemente, eu quero morrer como o meu pai e a minha mãe, que pá, pum, deitou, dormiu e não acordou. Ninguém ficou doente nem um dia. O meu pai teve um enfarto fulminante, caiu, pum, morreu. E a minha mãe teve um derrame também fulminante, em cinco minutos, ela tava morta. A única coisa que eu quero é que seja igual (risos). Eu vou ao medico cardiologista, ela fala pra mim: “Seu coração tá médio”, é disso mesmo que eu quero morrer, então não é para ficar tratando que vai durar o resto da vida. Só isso. De resto, é…
P/1 – Como é que foi contar essa história pra gente?
R – Foi ótimo, porque você sabe que eu acabei falando de coisas… é muito engraçado, as pessoas me perguntam muitas coisas, mas muito mais ligadas ao trabalho ou à época de Ilhéus, e a gente acabou falando de coisas de Santos, tal, que eu nem lembrava direito, quer dizer, lembrei tudo que eu tava falando, não tava inventando nada, mas não são as coisas que eu normalmente falo. Mas foi ótimo.
P/1 – E como é que é pra você essa ideia de contar a sua história de vida?
R – Você não acha que a Bel veio aqui, marcou uma hora pra mim, porque eu já não faço isso? Quem estudou História e fez História, eu sei todas as coisas de História, se for para contar a História de São Paulo, História de Santos, a gente nem falou nada disso, eu acho História… a história pessoal, eu nunca tinha pensado nesse aspecto, aí, mas acho fundamental para as pessoas que em qualquer época em que elas vivam, elas entenderem o momento em que elas vivem, porque as atitudes que você vai tomar desde no que você vai trabalhar ou não, até como você vai educar o seu filho, se você entender o momento em que você vive, é muito importante e vai funcionar mais. Mas isso é a visão do historiador, né? Eu não gosto da História só para dizer que a gente fez aquilo no passado, eu gosto da História enquanto ela informa como é que você pode trabalhar o presente. é dessa forma. Eu gosto, eu sou capaz de gostar da história dos reis de França e tal, mas aí não vai me acrescentar nada. é igual eu tivesse lendo um romancinho qualquer de hoje. Eu gosto da história nesse sentido de você perceber que a história tem um caminho natural, você dirige ou não, todo mundo começa, tem o apogeu, instituições, pessoas (risos), tudo começa e acaba e como é que você pode fazer isso de uma forma melhor, sem grande sofrimento. Eu não tenho sofrimento pela velhice, bom, até porque eu não tenho um sofrimento, se eu puder morrer pá, pum é ótimo (risos), se não der…
P/1 – Tá certo então. É isso, então. Obrigado Célia.
R – Tá bom.
P/1 – Foi ótimo, viu?
R – Eu também achei.
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