Memória Oral do Idoso
Depoimento de Corina Mota Rezende da Cunha
Entrevistado por Maria Valéria
São Paulo, 6 de outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Fita 01, entrevista MOI_HV043
Transcrito por: Fernanda Regina
P/1 - A gente podia começar a nossa entrevista com a senhora nos dizendo o seu nome completo, o local onde a senhora nasceu, o nome dos pais e o local de nascimento dos pais.
R - Eu sou filha de pai brasileiro e mãe uruguaia. Meu pai se chamava Uralino Araújo Rezende, minha mãe Amélia Mota Moura em virtude de ter se casado novamente por morte do primeiro esposo, por isso o sobrenome Moura, né? Família Moura. E morávamos na Campanha, na fazenda, meus avós eram fazendeiros também. Aí quando meu pai faleceu nos mudamos para cidade, porque estávamos em idade escolar. Arrendamos o campo e mais tarde ele foi vendido, as partes mais abundantes.
Então quando eu fiquei moça, eu fiz o curso primário que naquela época era 7 anos. Hoje [se] chama primeiro grau até a oitava série, né? Bom, antes era sete anos [e] chamava-se Colégio Elementar. Depois tinha o colégio das irmãs, que era complementar, mais 3 anos e se formava professora em 10 anos. 7 elementar e 3 complementar.
P/1 - Sobre o lugar que a senhora nasceu, onde havia a fazenda, qual era a cidade? Que lugar era?
R - O nome do lugar onde nós morávamos era Upacaraí. Antes morávamos em Vacaquá, depois meu pai comprou campo em Upacaraí. Eu nasci em Vacaquá mesmo, em Dom Pedrito, mas em um lugar denominado Vacaquá, e depois [fui para] Upacaraí. Os meus avós moravam no Uruguai. Jaguarão era o nome do lugar, perto de Tacuarembó.
P/1 - Conte para a gente um pouco da infância da senhora nessa fazenda em Dom Pedrito? Como é que era?
R - Passei até 6 anos na Campanha, depois quando fomos para cidade, quando meu pai faleceu, naquela época o rio que banhava a cidade - chamava-se Passo - dava a passagem, porque era ali que se chegava [até] a cidade, por meio de um bote....
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Memória Oral do Idoso
Depoimento de Corina Mota Rezende da Cunha
Entrevistado por Maria Valéria
São Paulo, 6 de outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Fita 01, entrevista MOI_HV043
Transcrito por: Fernanda Regina
P/1 - A gente podia começar a nossa entrevista com a senhora nos dizendo o seu nome completo, o local onde a senhora nasceu, o nome dos pais e o local de nascimento dos pais.
R - Eu sou filha de pai brasileiro e mãe uruguaia. Meu pai se chamava Uralino Araújo Rezende, minha mãe Amélia Mota Moura em virtude de ter se casado novamente por morte do primeiro esposo, por isso o sobrenome Moura, né? Família Moura. E morávamos na Campanha, na fazenda, meus avós eram fazendeiros também. Aí quando meu pai faleceu nos mudamos para cidade, porque estávamos em idade escolar. Arrendamos o campo e mais tarde ele foi vendido, as partes mais abundantes.
Então quando eu fiquei moça, eu fiz o curso primário que naquela época era 7 anos. Hoje [se] chama primeiro grau até a oitava série, né? Bom, antes era sete anos [e] chamava-se Colégio Elementar. Depois tinha o colégio das irmãs, que era complementar, mais 3 anos e se formava professora em 10 anos. 7 elementar e 3 complementar.
P/1 - Sobre o lugar que a senhora nasceu, onde havia a fazenda, qual era a cidade? Que lugar era?
R - O nome do lugar onde nós morávamos era Upacaraí. Antes morávamos em Vacaquá, depois meu pai comprou campo em Upacaraí. Eu nasci em Vacaquá mesmo, em Dom Pedrito, mas em um lugar denominado Vacaquá, e depois [fui para] Upacaraí. Os meus avós moravam no Uruguai. Jaguarão era o nome do lugar, perto de Tacuarembó.
P/1 - Conte para a gente um pouco da infância da senhora nessa fazenda em Dom Pedrito? Como é que era?
R - Passei até 6 anos na Campanha, depois quando fomos para cidade, quando meu pai faleceu, naquela época o rio que banhava a cidade - chamava-se Passo - dava a passagem, porque era ali que se chegava [até] a cidade, por meio de um bote. O rio era largo, eu me lembro, passei um medo, porque eu tinha 6 anos, né? E os meus irmãos eram mais velhos, a minha irmã e o meu irmão, e os dois menores. Um era mais velho e outra era de colo. E aí quando eu atingi os 7 anos, eu entrei na escola. Completei [7 anos] em março. Eu acho que a escola abre no dia primeiro de março. Lá abria primeiro de março, agora aqui abre em fevereiro, né? E como faço aniversário dia 11 de março, eu já tinha quase 7 completos. Por ser 7 anos o primário, chamava-se Colégio Elementar, tinha quinta, sexta e sétima, era muito puxado. Quando a gente passava para a Complementar já sabia muito. Aí ela [a Complementar] foi fácil, né?
Então, depois que eu atingi a idade de 18 anos, eu fiz o concurso para professora municipal. E fui mandada para cidade, mas como era muito longe, não tinha ônibus, não tinha condução, era difícil ir a pé. Então troquei com outra e fui lecionar na Campanha. Lecionei 4 anos na Campanha, aí [foi] quando eu resolvi continuar os estudos, o prefeito me transferiu para a cidade e eu trabalhava e estudava ao mesmo tempo. Formei em 3 anos e ainda lecionei mais um ano para a prefeitura, aí fui nomeada para o estado. Fiquei na cidade porque eu me casei, né? [Com] a lei que protege a professora a casar e eu lecionei no grupo da cidade.
P/1 - Numa escola estadual já?
R - Escola estadual. Nesse tempo já era grupo estadual. Grupo Escolar Estadual.
P/1 - A senhora sempre morou nessa cidade? Quando a senhora veio para São Paulo?
R - Eu fui para Porto Alegre primeiro, em 1959. E lá eu lecionei mais 10 anos. 20 [anos] em Dom Pedrito e 10 em Porto Alegre. Formando os 30 anos, eu me aposentei. Aí meu filho já estava aqui em São Paulo, me convidou para ir morar com ele. Eu vim em 69, foi quando eu me aposentei. Depois de 30 anos.
P/1 - A senhora falou que se casou. Conta para a gente um pouquinho, como é que foi o casamento da senhora? Quando foi?
R - Eu tive 12 anos casada, [depois] separei. Agora estou viúva há 4 anos.
P/1 - Porque que a senhora mudou para Porto Alegre, por causa da escola?
R - Porque eu já estava separada, eu fiz um concurso para quem tem entrância (?), Porto Alegre era quinta entrância. Então era perfeito. Fiz concurso para quem tem entrância nos trabalhos, e fui promovida.
P/1 - E quando a senhora saiu de Dom Pedrito para Porto Alegre, a senhora sentiu alguma mudança, como é que foram as mudanças?
R - É, a mudança foi brusca. De uma cidade pequenininha para cidade maior bem maior, claro que foi né? Mas eu me adaptei lá.
P/1 - Como é que foi a adaptação?
R - Porto Alegre eu trabalhei em dois grupos, porque eu me inscrevi para acúmulo de cargo. E quando eu fui nomeada, eu não pude comprovar menos de 40 anos. Foi uma lei criada pelo governador, Leonel Brizola. Foi Leonel que estragou a minha carreira, viu (risos)? Eu poderia estar com dois ordenados de aposentadoria, né? (risos)
P/1 - E em Porto Alegre, em termos de cidade, a senhora sentiu muita diferença? Como é que foi?
R - Sim. Eu já conhecia, na verdade, já tinha estado em Porto Alegre, [pois] eu tenho uma cunhada que mora lá, então já conhecia um pouco, em seguida me adaptei. Então eu trabalhei em dois grupos, como eu disse, dois grupos não... Três! Porque eu pedi (?) para ir esperar o acúmulo em virtude de não ter a idade por lei para assumir. O centro dos professores batalhou para ver se conseguia, né? Não era só eu, era uma turma grande. E eu tinha que ter dinheiro de (?) para ir para a escola de terceira, que eu estava em quinta. Foi lá que eu fiquei esperando, mas aí eu fiquei esperando inutilmente. Eu pedi remoção e voltei para o grupo de origem. Depois eu pedi remoção para outra que ficava pertinho da minha casa, porque eu queria mais comodismo (risos). E foi lá nesse grupo que eu me aposentei, depois de ter trabalhado no Olímpio de Oliveira e no Senhor Landell de Moura, que ficava no bairro Tristeza.
P/1 - Morando em Porto Alegre, a senhora mantinha laços com as pessoas de Dom Pedrito ou não?
R - Tinha algumas pessoas de Dom Pedrito lá que eu conhecia, né? Encontrava na rua, [eram] colegas mesmo. Não fiquei tão por fora da classe (risos).
P/1 - Sobre o trabalho da senhora, que lecionou durante tantos anos...
R - Eu lecionava quinta-serie, eu gostava de lecionar quinta série. Eu lecionava particular para ajudar, [então] eu tinha alunos particular também.
P/1 - Que matéria a senhora dava?
R - Matemática e Português.
P/1 - As duas?
R - Sim.
P/1 - A senhora lembra de algum momento, de algum caso interessante?
R - Tem alguns casos. Eu lembro de um que eu fui levar as crianças em uma colônia de férias, em Rosário do Sul, eu levei [durante] uns dois ou três anos. E nesse lugar, onde eu cheguei, não tinha ninguém esperando né, eu não sabia o que fazer. Aí apareceu um moço militar que estava policiando a estação, pois nós fomos de trem. Quando nós descemos o trem, ficou aquela confusão, não sabíamos como chegar na escola onde ia ser alojada as crianças que eu levava para colônia de férias. E esse rapaz militar, que era sargento, tinha sido meu aluno. E ele disse “Dona Corina, eu sou Fulano, seu aluno do primeiro ano”, aí eu achei maravilhoso, porque ele se ofereceu [para ajudar], mandou buscar no quartel dois caminhões para levar as crianças para escola. Um momento muito bom, gostei muito. Aí tem outros, que não me ocorre no momento.
P/1 - Professor tem muita história, né?
R - Sim, tem muita. Mas eu não me lembro mais, teria que pensar para lembrar. Já fazem muitos anos, de 1969 para cá quantos anos já fazem?
P/1 - Bastante. Em 1969 a senhora veio para São Paulo, como disse...
R – Em 1969.
P/1 - Qual foi o primeiro bairro que a senhora morou aqui em São Paulo?
R - Perdizes, depois do Pinheiros, e finalmente na Raposo Tavares.
P/1 - Butantã?
R - É.
P/1 - E quando a senhora chegou aqui em São Paulo, como é que foi? Sair de Porto Alegre e vir para São Paulo?
R - Eu já tinha vindo uma vez passear. Sabia que era bem maior que Porto Alegre, a gente se acostuma. Eu sou adaptável a todas as coisas (risos).
P/1 - Qual é o maior lazer da senhora?
R - Palavras cruzadas (risos). [E] ler muito, romance, livros didáticos...
P/1 - A senhora lia almanaques. Aqueles almanaques que tinham antigamente?
R - Quais almanaques?
P/1 - Aquelas revistas que traziam várias curiosidades, várias informações...
R - Sim. Esses almanaques eu tenho até hoje. Eu tenho de Porto Alegre. Eu acho que outras revistas eu tenho também. Eu leio a revista Veja. (risos)
P/1 - Gosta de leitura, né?
R - Poxa...
P/1 - A senhora tem alguma atividade comunitária, algum grupo religioso ou político?
R - Não. Só de vez em quando eu dou algumas aulinhas, porque me aparecem alguns alunos.
P/1 - Ainda dá aulas?
R - Ainda dou quando aparecem.
P/1 - Aulas particulares?
R - Aulas particulares.
P/1 - E como a senhora descreveria o seu cotidiano atualmente? O dia a dia da senhora?
R - O meu dia é [de] dona de casa, né? Fico em casa, só saio nos finais de semana, eu vou para o sítio sábado e volto domingo. E no resto da semana eu só saio para ir no médico (risos). E [fico] arrumando a casa.
P/1 - E esse sítio que você vai no final de semana, é mais para lazer?
R - Sim.
P/1 - É do filho da senhora? A senhora mora com seu filho, né?
R - Sim. Eu saio com o meu filho porque ele precisa descansar. O sítio tem piscina, sala de jogos, é uma recreação.
P/1 - É mais para descansar mesmo?
R - É mais para descansar a cabeça, porque [ele] trabalha muito dirigindo um estúdio de dublagem e fica o dia inteiro até tarde da noite, às vezes na semana toda.
P/1 - A senhora tem netos?
R - Netos? Não, ele está solteiro ainda.
P/1 - Ah, ele está solteiro... E a senhora tem algum sonho? Deseja fazer alguma coisa?
R - Não, eu acho que tenho tudo realizado já. Eu acho que já realizei todos os meus sonhos. Não tenho não.
P/1 - Sobre outras pessoas, pessoas de outras gerações mesmo, pessoas mais jovens, crianças... A senhora gostaria de dizer alguma coisa? Deixar registrado alguma coisa?
R - Como o que?
P/1 - Alguma mensagem...
R - Ah, alguma mensagem para as crianças que estão estudando?
P/1 - Sim, para as crianças, para pessoas de outras gerações...
R - Bom, eu aconselho que estudem, que vão além do 2º Grau. Que cheguem a faculdade, porque é muito importante o estudo, né? Esse era o meu sonho: fazer faculdade, mas não consegui. Trabalhava muito, não tinha tempo. Tinha que dar aula particular, porque o ordenado era muito pequeno. Para fazer faculdade precisa ter apoio, ter um marido apoiando, e eu não tinha. Não deu para fazer. Mas eu queria fazer matemática e português.
P/1 - Faculdade?
R - Faculdade.
P/1 - Tá bom, Dona Corina, então, muito obrigada.
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