Plano Anual de Atividades 2013 – PRONAC 128.976 - Whirlpool
Depoimento de Eunice Claudia Sampaio
Entrevistada por Márcia Trezza
Rio Claro, 17 de abril de 2014
WHLP_HV012_Eunice Claudia Sampaio
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Eunice, pode falar o seu nome completo.
R – Meu nome é Eunice Claudia Sampaio.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Eu nasci em Rio Claro mesmo.
P/1 – Quando?
R – No dia 14 de maio de 1949.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai tinha o nome de Sebastião Sampaio e a minha mãe Ermínia Dragone Sampaio.
P/1 – Seu pai trabalhava em quê?
R – Meu pai era pintor, pintor de parede, mas ele tinha um grande conhecimento de artes plásticas, ele desenhava muito bem, ele fazia gravuras, pintura em afresco. E eu acho que eu herdei essa parte dele, porque eu estava sempre junto, então eu fui gostando do trabalho à mão, né, e eu fui me interessando por isso, até aonde eu cheguei hoje.
P/1 – Ele era pintor de parede também?
R – Pintor de parede, é.
P/1 – Além disso ele fazia alguns desenhos profissionalmente?
R – Fazia, fazia, mas profissionalmente não. Ele nunca vendeu quadro, nunca nem pintou um quadro, mas quando ele ia pintar uma parede, na época usava muito aquelas áreas pro pessoal ficar olhando na rua, eles pediam pra que ele fizesse algum desenho e ele fazia em cima. Na época era cal que eles pintavam a parede, né, e ele fazia ali em cima o desenho, uma paisagem, ficava muito bonito o trabalho dele.
P/1 – Você lembra de uma paisagem que você gostava bastante?
R – Eu sempre gostei da parte da natureza. Ele fazia sempre um lugar assim, com árvores, um lugar bem gostoso, refrescante, eu acho que ele tinha aquilo na imaginação dele como uma paz, uma tranquilidade então ele colocava aquilo nos desenhos que ele fazia.
P/1 – E sua mãe, que lembranças você tem?
R – A minha mãe, ela era dona de casa, trabalhava muito pra poder criar a gente, que na época as mulheres não tinham serviço como têm hoje, as mulheres têm profissão atualmente, né, naquela época dela não. Então ela simplesmente, ela era mãe e dona de casa, só isso, tinha que mandar pra escola, que tinha que deixar a comida pronta a hora que o meu pai chegasse, aquela vida de mulher que eu nunca quis pra mim, né, então (riso) é uma coisa. Mas minha infância foi muito boa, sabe, a gente tinha a liberdade de brincar na rua, não tinha os perigos que tem hoje, de pedófilos, de pessoas que sequestram, nunca teve nada disso. A gente brincava na frente da casa até umas nove, dez horas da noite, podia sair tranquilo, a gente ia ao cinema com os meus pais, e era muito bom, uma infância muito gostosa. Quando chovia, as ruas aqui não eram asfaltadas, formava aquelas crateras, a gente entrava dentro pra tomar banho na lama, era uma beleza, sabe, foi muito boa a minha infância.
P/1 – Você disse que ia no cinema com os seus pais.
R – Íamos, nós íamos sempre ao cinema. Não todo final de semana, porque a gente, né, tinha uma certa dificuldade financeira, que hoje é mais fácil do que na época passada, era só o meu pai que trabalhava, então ele tinha mais três bocas pra alimentar, né? Mas às vezes a gente ia, quando passava um filme bom, que todos nós pudéssemos ter um entendimento do que estava sendo passado, aí ele levava a gente. Principalmente filme nacional, né, porque ainda, numa idade menor, a gente ainda não sabia ler direito, então não dava pra acompanhar um filme internacional. Quando era uma comédia brasileira ele sempre nos levava pra ver.
P/1 – Você lembra a primeira vez que você foi ao cinema?
R – Eu lembro, foi um filme do Mazzaropi (riso), mas era tão lindo, sabe? A gente nunca tinha ido, né, aquela sensação de ir ao cinema, no Excelsior aqui, que hoje, infelizmente, terminaram os cinemas daqui, é a Loja Americana, ali na Rua Quatro. Então tinha um bar muito grande dentro do cinema, onde vendia bala, pipoca, então eu gostava mais de ir ao cinema pra comer a bala e a pipoca, e aí nós fomos todos. Eu ia fazer piquenique no cinema, então eu gostava mais disso do que do próprio filme. Eu me entretinha mais com os docinhos ali do que lá, assistindo os filmes, né? Mas sempre, eu sempre gostei muito de cinema, eu sempre ia, quando era menor meu pai, nós íamos em família, aí depois ele foi deixando. O filme que a gente gostasse de ver, a gente tinha liberdade, ele levava até a porta, aí ele ia buscar, eu ia com amigas, e aí ele ia nos buscar pra não virmos sozinhas na rua. Então ele sempre deu o maior apoio pra gente pra ter cultura, então foi muito bom sim! Eu gostei muito da minha infância, se eu pudesse eu voltaria lá pelos 15, 16 anos, até menos eu voltaria, porque foi muito boa mesmo.
P/1 – Em casa qual era a rotina de vocês, além de brincar, tinha outras coisas?
R – Ah, sim, a gente tinha os deveres, né, porque estávamos na escola e tínhamos o dever de fazer todas as tarefas, bonitinho, às vezes ajudar a mãe um pouco a lavar uma loucinha do café. A gente brincava mais à noite, que daí durante o dia a gente já tinha ido pra escola, então os meus pais pediam que a gente fizesse a tarefa no dia seguinte de manhã, que a gente ia à tarde, né? Então já tava cansado da escola, então falava: “Não, agora você pode brincar, depois, amanhã cedo, levanta cedo e começa a fazer sua tarefa pra ir à escola”. Então era bem, assim, diversificado as coisas que a gente tinha que fazer: ajudava a mãe um pouquinho, lavava uma louça, ou às vezes ia comprar uma coisa que ela necessitasse, mas depois, à noite, era livre pra gente brincar.
P/1 – Você lembra de alguma travessura?
R – Ah, se eu contar vai ficar meio pesado (riso).
P/1 – Fica à vontade, mas agora eu fiquei curiosa.
R – Bom, eu posso contar uma só. A gente fazia caveira de mamão verde, e as ruas aqui não eram tão iluminadas quanto hoje, eram postes de eucalipto e uma luzinha pequenininha, que ela não tinha força de clarear o chão, então mesmo à noite a gente saía com lanterna pra poder visualizar. Então a gente fazia... Tinha muitos terrenos baldios e a gente fazia caveira de mamão e deixava pra assustar as pessoas. Agora, a outra eu não posso falar, que essa é mais pesada (riso), essa era uma travessura daquelas mesmo, sabe, que não pode falar.
P/1 – Compromete?
R – É, essa compromete, mas eu acho que as pessoas que caíram nas armadilhas já morreram, porque a gente era criança, tudo, então eu acredito que não tenha mais ninguém vivo, mas se existir um fantasminha deles e tiver por aí, ele puxa o meu pé à noite (riso).
P/1 – Depois você crescendo, você disse que continuava indo ao cinema, que outra diversão vocês tinham aqui?
R – Na época pra gente era só cinema mesmo. Tinha quermesse, mas eu já não ia, não, sabe, eu não gostava muito, tinha, o mais comum mesmo da gente era no cinema, né? Tinha as, tinha o Panquecas, mas aí eu já não gostava, eu não ia.
P/1 – O que é o Panquecas?
R – Ah, era uma danceteria, hoje chama danceteria, na época era Danceteria Panquecas, né, que reunia a cidade toda lá, então na segunda-feira: “Ó, eu vi fulano, não sei o que”, aquela coisa toda, todo mundo tinha ido ao mesmo lugar ao mesmo tempo. Mas eu nunca fui, não gostava dessas coisas, eu gostava mais do cinema mesmo.
P/1 – Além do cinema, depois esticava?
R – Não. A gente vinha pra casa, porque nessa época de criança e adolescência os juízes de menores andavam nas ruas, e se a gente tivesse depois das dez sem estar acompanhada eles podiam até encaminhar pra uma autoridade judicial, entendeu? Então por isso que o meu pai ia sempre buscar, eu ia com amigas no cinema, e ele sempre ia nos buscar porque tinha um adulto junto. Hoje não, hoje começa a festa da moçada depois da meia noite. Na época não, dez horas no máximo tinha que tá em casa.
P/1 – Eunice, e da escola, você lembra do primeiro dia de aula?
R – Eu lembro do meu primeiro dia de aula, eu fiz o meu, no Joaquim Sales. E o primeiro dia que a minha mãe me levou pra escola eu entrei, sentei, era um mundo completamente desconhecido pra mim, eu não sabia o que me esperava além da escadinha, lá dentro o que seria. Pra mim foi meio, assim, um suspense, né? Então, mas daí depois eu já vi que não era assim. Eu já tinha sido preparada em casa, minha mãe já tinha ensinado a escrever o nome, então eu fiquei mais com medo, não seria assim um medo, mas algo desconhecido, né? Que eu não sabia o que tinha lá dentro. Eu sabia que eu ia aprender a ler, a escrever, mas: “E aí, como que eu vou ser tratada? O que tem lá?”. É aquela curiosidade e ao mesmo tempo meio, uma coisa meio aterrorizante.
P/1 – Você fez amizades nessa escola?
R – Ah, fiz, eu sempre tive muita facilidade pra fazer amizade. Primeiro, assim, acho que os primeiros dois, três dias eu vi que a coisa não era tão feia como eu imaginava, aí já fui pegando... A gente sentava em dois na carteira, já fui pegando amizade da menina que sentava comigo. Já fui pegando amizade com ela e com a da frente, com a do lado. E de repente eu tinha amizade com a sala toda e com a professora também, e foi, aí eu não quis mais sair da escola.
P/1 – Era escola pública?
R – Era escola pública, eu sempre estudei em escola pública, porque a minha família não tinha condições de pagar e na época aqui só tinha o Puríssimo e o Koelle, que eram escolas particulares, e era só pra quem podia. Inclusive o Koelle funcionava na forma de internato, tinha pessoas de fora, artistas, muitos deles tiveram filhos internos aí na Escola Koelle, que era uma escola que a gente falava que era escola de rico, que a gente não podia, a gente era pobre. Mas na época qualquer escola pública que a gente fosse, o ensino era excelente, entendeu? Hoje, infelizmente não é assim, mas antigamente era, qualquer uma delas.
P/1 – E professor, teve algum que te marcou, ou professora?
R – Todos me marcaram como professor, todos eles, sabe? Eu lembro até hoje da minha primeira professora que me ensinou a ler, a escrever. Eu acho que todos eles tiveram uma importância muito grande na minha vida, porque se eu tenho alguma coisa, um mínimo de cultura que eu tenha, eu devo a eles que me ensinaram a pelo menos a escrever, a entender o que eu estava lendo. Então pra mim todos eles foram importantes, mesmo os professores universitários, todos eles foram bem vindos na minha vida. Tenho saudade deles, sabe, muito respeito por eles até hoje. Porque a gente vai subindo... Eu acho que a formação, a educação da gente é como se fosse uma escada muito alta que a gente vai subindo desde o primeiro degrau até atingir o topo, e a gente vai ganhando conhecimento e tudo, sabe? Então eu acho que a escola é muito importante pra cada pessoa! Pena que hoje muitas pessoas não veem dessa forma, mas eu vi. Mesmo trabalhando eu continuei, eu vivi dentro de uma escola eu acho que mais da metade da minha vida, estudando e trabalhando.
P/1 – Na mesma escola?
R – Não, na mesma não, mas como aluna e como profissional, né? Então pra mim a escola é tudo na vida. Nossa, eu sou apaixonada, sabe, pela minha profissão, fui uma professora, assim, muito consciente, procurei levar cultura para qualquer aluno. Eu era muito marechal, eu cobrava mesmo, exigia que aprendessem, porque eu estava lá pra ensinar, então eu queria que pelo menos a minha função fizesse jus ao salário que eu recebia, né?
P/1 – Você dava aula de que matéria?
R – Geografia, muito bom.
P/1 – Muitas histórias de professores junto com os seus alunos são marcantes, mas conta uma pra gente que foi bastante intensa.
R – Ah, eu tinha, assim, os meus... Principalmente um diretor, ele tinha, eu tinha muita liberdade com ele de, não fora de respeito, mas eu nunca gostei de ficar só dentro de um local fechado com 40 pessoas ali e eu lá, comandando. Eu sempre falava pra ele: “Olha, qualquer hora, qualquer dia aí nós vamos fazer um passeio, eu e os alunos”, então nunca teve um dia marcado. E às vezes enjoava de ficar dentro da sala, falava: “Gente, vamos, vamos lá no jardim”. E a gente tinha aula mesmo, no coreto, todo mundo; eu sentava também no chão, e os alunos também, e a gente tinha aula, não era matar aula, não, era aula mesmo. À noite, nessa época agora de Semana Santa, tinha procissão, eu tirava os alunos da sala de aula e ia na procissão com eles, voltava e eles nunca deram balão, nunca fugiram, sabe, eles me respeitavam muito. Eu lembro dessa época aqui por causa disso, a gente ia mesmo fazer as coisas.
P/1 – Você dava aula durante o dia e à noite?
R – É. Eu começava uma hora da tarde e até às seis, aí começava às sete e ia até às dez e meia.
P/1 – Você dava aula pra ensino fundamental ou ensino médio?
R – E ensino médio, os dois.
P/1 – Enquanto aluna ainda, você, quando era aluna, pensou em ser professora?
R – Não, eu nunca pensei (riso), eu acho que foi ironia do destino, sabe? Eu acho que quando a gente nasce marcada pra ser alguma coisa não adianta querer fugir, que a gente não vai ser outra. Eu estudei bastante, vivia fazendo concurso público pra tudo que era coisa, nunca passei! Mas como professora eu passei. E agora vamos tocar a banda, né? O meu vestibular foi por acaso também; uma colega de sala me pediu pra fazer companhia pra ela no vestibular e eu falei: “Pô, mas o que eu vou fazer lá? Eu não quero fazer faculdade”, “Mas vamos comigo”. E ela falou na minha cabeça uma semana, eu falei: “Tá bom, pra você ficar quieta eu vou, vai”.
P/1 – Você se inscreveu?
R – Me inscrevi, tudo bonitinho, porque ela ficou na minha orelha, né: “Vamos porque vamos” e eu: “Eu não quero fazer faculdade”, “Mas vamos comigo”. Pra ela parar de falar, eu fui. Não estudei, não estudei. Porque como eu não queria passar, eu fui com o que eu sabia só. E foi tão bom o meu ensino, né, de escola pública, foi tão bom que eu passei no vestibular. E aí ela chegou toda feliz em casa, eu lembro dela subindo a rua de pressa, com um sorriso, eu fiquei: “O que será que houve, né?”. Ela chegou pra mim: “Passamos, passamos”. Eu falei: “Onde?” (riso), “Na faculdade”. Eu falei: “Ahn? Você tem certeza?”, ela falou, né? “Você passou”, eu falei pra ela: “Não, nós passamos”, eu falei: “Eu também?”, “É”, eu falei: “Ah, mas eu não quero ir, não”, “Ai, vamos comigo, nem que seja uma semana, pra eu seguir assim, até me ambientar”.
P/1 – O mesmo curso?
R – É. Primeiro nós fizemos opção pra Biologia, aí chegou em casa, eu fiquei pensando, porque eu amo animal, eu falei: “Eu não vou matar o rato”, eu falei: “Eu mato o professor, mas o rato não”. Aí ela pensou, que ela tinha medo de bicho, eu gosto e ela tem medo, então ela pensou: “Vou pegar no rato? Ai que horror, não quero!”. Ela veio em casa e falou pra mim: “Vamos mudar”. Porque nós fizemos a opção em primeiro lugar pra Biologia e segunda em Geografia, aí nós invertemos: primeira em Geografia e segunda em Biologia e aí foi que nós passamos.
P/1 – Passaram na primeira?
R – Na primeira, primeira chamada.
P/1 – Qual universidade?
R – Aqui na Unesp. Aí ela me pediu pra ir acompanhá-la pelo menos uma semana, até que ela se ambientasse, e eu fui (riso). Ai meu Deus, levantar cedo pra ir num lugar que eu não queria, era meio impactante, sabe? Eu queria trabalhar e o meu pai não queria, o meu pai falava pra mim: “Enquanto eu for vivo você não trabalha”, “Pai, mas eu preciso trabalhar, pai”, “Não, enquanto eu for vivo você não trabalha, você trata de ir fazer a faculdade”. E lá ia eu marchando pra ir, porque o meu pai queria e a outra também, eu falei: “Vou, né, fazer o quê?”. E comecei a levar no vai da valsa, não queria mesmo. Eu gostei só de uma matéria, aquela eu me dedicava até!
P/1 – Qual era?
R – Fotogrametria, um palavrão, né? Essa matéria eu gostava, mas apesar de eu não gostar das outras, eu sei lá, fazia prova, ia bem. Eu fiquei de DP em uma matéria por dois décimos, eu queria trucidar o professor, mas ele não deixou. Aí eu dei um chega pra lá em mim mesma, eu tive uma conversa comigo, falei: “Escuta aqui, tem muitas pessoas que gostariam de estar no seu lugar e não tá, ou você vai ou você sai”. Eu pensei comigo, né: “Já fui seis meses”, eu falei: “Eu não vou desistir, agora eu vou”. Fui em frente e precisei repor aquela matéria, eu deixei pro último ano depois, repus aquela matéria e aí foi só alegria.
P/1 – Pegou gosto?
R – Peguei o gosto pra estudar, a gente fazia muitas viagens de estudo, e aí eu gostei, fui bem mesmo, que eu comecei a conhecer melhor a coisa, porque daí eu engrenei naquilo que era bom pra mim. Que antes era só por fazer, era dama de companhia, qualquer coisa assim, então (riso), mas depois foi muito bom.
P/1 – Eunice, você resolveu começar a dar aula como?
R – Eu já não consegui aula imediatamente depois que eu saí da faculdade. Eu voltei pra Escola Joaquim Ribeiro, eu fiz uma complementação do Magistério pra pré-escola, né, e também tava muito difícil. Um dia eu fui na “Escolha”, na Delegacia de Ensino, que era aqui na cidade, que já sumiu, eu peguei aula em Cordeirópolis.
P/1 – E o seu primeiro dia em sala de aula?
R – Nossa, foi pior que o meu primeiro dia na primeira série (riso)!
P/1 – Como foi?
R – Eu tinha, assim, um medo que o aluno me fizesse uma pergunta e que eu não soubesse dar uma resposta pra ele. Meu Deus do céu, eu quase comi o livro, sabe, de tanto que eu estudei! Eu estudava muito pra dar aula, eu pesquisava, porque se surgisse uma pergunta, se eu não soubesse responder, eu achava que eu ficaria desmoralizada perante eles: “Pô, a professora não sabe”. Então eu estudava muito pra eu poder... Mas nunca surgiu nada que eu não soubesse, não, mas pastei bastante assim no início, porque é completamente diferente do que a gente aprende na faculdade pra depois dar aula. Então eu só tinha o diploma! Eu estava completamente analfabeta, vamos dizer, em matéria de ensinar, porque eu não sabia nada e era muito, muito perigoso um aluno fazer uma pergunta. Hoje não! Hoje quem tiver se formando, pode entrar sossegado, que não vai nem ver a professora. Mas na minha época não, eles faziam perguntas mesmo, entendeu? Mas todas que fizeram, eu me saí bem, não teve problema, não.
P/1 – Você disse que hoje é diferente, que ele nem vai ver a professora. Como assim?
R – É, porque hoje já não tem mais interesse na escola, né? O aluno principalmente, e a lei também obriga o menor... Obriga, que eu acho uma palavra tão feia, obrigar alguém a fazer alguma coisa, então ele vai lá porque ele é obrigado a ir. Só que ele não estuda, ele vai lá pra fazer zoeira, ele vai pra brigar, ele vai pra bater, então ele não respeita professor, diretor, escola, amigos, não respeita nada, entendeu? Mas na época em que eu comecei a dar aula, eles queriam aprender, então se eles viam uma coisa na televisão, eles guardavam a pergunta pra fazer pra professora no dia da aula, então era meio difícil no início, hoje não. Hoje o professor tá falando, ele não quer nem saber o que está sendo tratado, mas na época não.
P/1 – Como você se aproximou do artesanato?
R – Olha, eu sempre fiz artesanato desde criança, devido à minha pouca possibilidade de locomoção. Eu sempre fui muito frágil quando criança e de medo, meus pais tinham medo que eu caísse, me machucasse e que não tivesse concerto, como eles falaram.
P/1 – Desde criança que você tem essa doença?
R – Eu nasci com API, né, então eu andava pouco. Até entrei na escola, na primeira série, com nove anos, né, já entrei tarde porque eles esperaram até que eu tivesse maior firmeza nos ossos pra eu poder caminhar. Então nesse período o meu pai comprava bordado pra mim, eu fui fazendo, fazendo, até pegar gosto das coisas. Na escola também tinha uma aula de trabalhos manuais e foi indo. Como eu gostei, eu ia fazendo coisa diferente, ia pegando uma coisa aqui, ia aprendendo a fazer outras.
P/1 – E o bordado, você gostava do bordado?
R – Eu gosto.
P/1 – Mas você gostava quando você era criança?
R – Gostava, eu gostava e gosto até hoje de fazer o bordado. Eu tenho coisinhas que eu fiz em casa quando eu era bem pequena ainda. Tão umas porcarias, mas (riso) fui eu que fiz. Eu acho bonitinho isso, que desde pequena eu já interessada em fazer umas coisas, né?
P/1 – Você continuou sempre a fazer o artesanato ou parou e depois continuou?
R – Não. Mesmo na escola, quando eu tava trabalhando, já quando trabalhava, eu tinha sempre uma coisa na bolsa: uma vaga na aula, eu tava fazendo; intervalo entre o período da tarde com a noite, eu fazendo, entendeu? Eu nunca desisti.
P/1 – Além de bordado, você fazia outros?
R – Faço crochê, boneca de pano, aqueles bichinhos de miçanga, faço bastante coisa, pintura. E na escola mesmo o pessoal descobriu as minhas habilidades manuais, e eu fazia coisa pra desfile, pra feira na escola, então eu sempre fui muito requisitada pra fazer as coisas.
P/1 – Dentre todas essas possibilidades qual que você mais gosta de fazer?
R – Ai, acho que não existe uma específica a qual eu mais gosto. Eu gosto de todas, sendo diferente ou aquela mesma que já faz algum tempo que eu não faço, eu retorno, sabe? Então eu gosto muito de fazer alguma coisa, seja ela qual for.
P/1 – Mesmo quando você trabalhava como professora, você comercializava o seu trabalho?
R – Não. Aí eu não tinha tempo de comercializar, porque eu dei aula a maior parte do tempo fora daqui da cidade, então eu fazia enfeite pra aniversário, sabe, para as crianças. Eu morei oito anos em Analândia e lá era novidade pro pessoal fazer enfeite pra aniversário, então eu ficava mais nessa parte, né? Eu fazia enfeite pros aniversários, fazia pra escola, enfeitava a igreja pra ter a procissão, a Nossa Senhora, então a minha parte ficava mais nessa aí. Mas tinha uma vaguinha, eu tava no meu crochê lá, eu sempre tinha.
P/1 – Essa parte de fazer enfeites pras festas, você não cobrava?
R – Não. Pra mim era uma distração fazer, então eu não cobrava. Mesmo pra escola, né, sempre fazia, eu era coordenadora, então eu tinha que fazer. Eu era mais fotógrafa do que professora, eu andava sempre com a minha câmera pra fotografar os meus trabalhos, pra mandar pra Diretoria de Ensino depois.
P/1 – Mas era todo mundo que tinha que fazer isso?
R – Não, não era todo mundo, mas como as outras professoras às vezes não tinham habilidade, não queriam ou não tavam nem aí com a coisa, então era sempre eu que fazia. Eu e uma outra professora, que a gente gostava, então já ficava sempre pra nós mesmo.
P/1 – Desenhava também? Você disse que desenhava.
R – Desenhava. Eu desenhava um projeto, por exemplo: vamos fazer isso, como que nós vamos fazer, então vamos esboçar primeiro. E até hoje eu faço isso, eu vou fazer um trabalho de artesanato, eu começo primeiro por uma ideia, depois eu coloco aquela ideia no papel, eu desenvolvo essa ideia, aí que eu parto pra confecção daquilo mesmo que eu quero.
P/1 – Atualmente você tá fazendo que tipo de artesanato?
R – Ai, o crochê e o patchwork, que eu ensino até as pessoas a fazerem.
P/1 – Você começou depois a comercializar ou nunca?
R – Não, depois eu comecei. Depois que eu fiquei de licença, né, que eu me machuquei lá em Analândia, eu tive um acidente meio sério, que hoje eu preciso das muletas pra eu poder andar.
P/1 – Você não andava com as muletas?
R – Não, não, nunca andei com elas. Eu fiquei de licença, e foi prorrogando por uma porção de tempo, e eu sem fazer nada em casa, né, e aí eu comecei a participar do grupo de artesanato pra venda. Já faz um bom tempo isso.
P/1 – Você teve o acidente lá, não aqui em Rio Claro?
R – Não, foi lá mesmo.
P/1 – Aí você voltou pra Rio Claro?
R – Eu morava aqui, né, eu ficava lá; eu morava lá de segunda a sexta à noite, sábado de manhã, eu morava aqui sábado e domingo só, porque daí segunda-feira eu tava indo embora.
P/1 – Aí você entrou de licença.
R – Então aí eu fiquei de licença e eu queria fazer coisas, porque eu fiquei com gesso na perna e tala, e demorou muito tempo, aquela coisa toda, então eu queria me ocupar de alguma forma. Ficar o dia inteiro sentada, com a perna esticada, de braço cruzado, não ia dar! Então eu comecei a fazer. Eu comecei na feira lá em frente, que ainda hoje tem os quiosques, é em frente ao shopping. Comecei lá, depois nós viemos pra estação, da estação pro jardim, hoje nós estamos no Enxuta e vamos que vamos, pra qualquer lugar.
P/1 – Você começou individualmente?
R – Sim, comecei individualmente, depois nós fomos engajando em grupos, que daí ficaria mais fácil o grupo do que um sozinho.
P/1 – Quando você ficou em casa, que você não podia se locomover, você fazia o artesanato, mas comercializava?
R – Não, não. Eu fazia, assim, uma blusa de crochê pra mim, às vezes uma pessoa ia fazer um aniversário, eu fazia uma toalha de crochê e dava pra pessoa, era só pra eu ter uma ocupação.
P/1 – Como é que você começou a comercializar, fazer isso que você acabou de dizer?
R – Então, eu me interessei pela coisa, eu falei: “Bom, já que eu estou fazendo um trabalho que tem muitas pessoas gostando”, eu falei “Que tal eu fazer pra comercializar?”, aí eu comecei fazendo. Como já fui entrando logo de cara, assim: eu precisava de uma toalha, a gente não faz do dia pra noite, então eu comecei fazer com a parte de costura, eu criava desenho, costurava em cima; uma toalha de banho pra bebê eu fazia com carinha, com orelhinha, bordava toalha de banho, então era uma coisa mais rápida. Eu ficava muito tempo lá, aí eu fazia o crochê.
P/1 – Eu gostaria de saber como é que você consegue entrar nesse grupo, revender com outras pessoas.
R – Sim. Eu fiquei sabendo que tinha uma feira de artesanato em frente ao shopping e que um senhor era responsável por ela. Eu me dirigi até ele, conversei, perguntei se eu podia entrar, levei trabalhos meus pra ele ver, pra poder analisar, ver se estava à altura pra eu poder participar de uma feira, aí ele consentiu e eu fui que fui.
P/1 – Você já não dava mais aula?
R – Então, aí eu estava de licença. Antes de sair a minha aposentadoria, eu tive que voltar pra escola, fiquei mais três anos lá. Eu tou retornando agora pra feira de novo, que eu fiquei fora muito tempo, então eu tou me enganchando num grupo aí agora, né, pra ver se eu vou em frente.
P/1 – Você se aposentou agora?
R – Faz dois anos que eu me aposentei só.
P/1 – E você começou a vender os trabalhos. Como tem sido até hoje?
R – Eu fiquei tão feliz quando alguém comprou a primeira peça, parece que eu tinha ganho na loteria! Fora de brincadeira, porque alguém gostou do meu trabalho e quis levar pra casa, entendeu? Nossa, eu fiquei muito feliz com isso, foi bom mesmo. Aí eu me incentivei pra começar fazer coisas diferentes do que as outras pessoas faziam e vamos reformular coisas, fazer cada vez melhor pra poder vender, né? E é o que eu faço hoje. Eu faço patchwork, mas não tiro de revista, eu crio, procuro criar meus desenhos, né, pra eu poder fazer, então fica diferente de todo mundo.
P/1 – Você disse que percebeu que era melhor com mais pessoas.
R – É.
P/1 – Você chegou a formar um grupo?
R – Então, eu entrei no grupo desse senhor, que ele já tinha formado lá em frente ao shopping. Eu fui lá, conversei com ele, ele fez a análise do meu trabalho pra ver se eu podia me unir ao grupo, aí ele aprovou e eu fiquei no grupo com eles.
P/1 – Tem nome esse grupo?
R – Não. Era Grupo dos Artesãos, mas não tinha um nome específico. Era chamado Grupo dos Artesãos porque todo mundo se reunia ali, mas não era, assim, especificamente como é hoje. Hoje tem um nome formado, tem muitas coisas que passam, registro, é bastante coisa que tem pra poder formar um grupo. Mas na época era mais fácil, vai quem quer, mas tinha que ter autorização pra ir, né?
P/1 – Eunice, você disse que ficou dois anos sem trabalhar com artesanato, por quê? O que aconteceu?
R – Então, foi no período que eu fui pra escola. Eu tive que voltar pra escola pra poder esperar a minha aposentadoria. Nesse período elas faziam aos sábados a feira, e aos sábados eu fazia um curso, então não dava pra eu ir, então eu tive que me afastar, né? Mas com uma dor no coração, passava lá, via as barraquinhas, falava: “Ai, eu podia estar aí”, né, mas não estava.
P/1 – Pelo jeito você se apegou bastante.
R – É, eu gosto do artesanato, então pra mim tanto faz se eu tou em grupos, se eu não tou, eu gosto é do trabalho! Então eu prefiro ficar ali, com aquilo que eu gosto de fazer, né?
P/1 – Eunice, você conheceu o Consulado das Mulheres nesse meio tempo?
R – Eu conheci. Uma vez eu até me ofereci pra ir, se elas precisavam de uma ajuda, mas aí eu não pude ir. Foi justo na época que eu me machuquei, eu não pude dar assistência pra eles, infelizmente não.
P/1 – Você havia comentado que você costuma ensinar outras pessoas, fala um pouco sobre isso.
R – É. Às vezes, eu acho que como eu nasci pra ensinar, eu acho que isso deve estar no sangue, na veia, sei lá aonde, que pulsa! Se uma pessoa se interessa em querer aprender, eu me predisponho e ensino a fazer. Uma pessoa que às vezes demonstra interesse em aprender, eu tenho maior interesse ainda em ensinar. Aí a pessoa aprende e vai seguindo por si mesma depois, pode vender pra gerar um lucrinho praquela pessoa.
P/1 – Mas existe algum momento, algum espaço específico pra isso ou não?
R – Não, não. Eu ensino pessoas que são conhecidas e que às vezes tão passando por alguma dificuldade e que me procuram pra ver se elas conseguem aprender fazer alguma coisa pra gerar uma rendazinha. Então eu ensino, a pessoa vende, fica feliz, sabe, vem contando pra mim que vendeu e ainda pegou mais encomenda, então pra mim é uma satisfação muito grande.
P/1 – Agora, depois que você se acidentou, nessa época você já tinha procurado o Consulado da Mulher.
R – Foi um pouco antes que eu procurei, e aí logo eu me machuquei e eu não pude dar... Fui lá no Consulado e fiz um cadastro pra que eu pudesse ensinar a alguém que tivesse precisando.
P/1 – Esse cadastro vocês fazem no Consulado da Mulher ou em outro espaço, em outra organização?
R – Não, agora eu não sei como que é feito.
P/1 – Mas na época?
R – Na época que eu fiz o Consulado era na Avenida Três, aqui na Rua Um, quase na Rua Um, Rua Um e Dois. Eu fui lá e me ofereci como voluntária e eles aceitaram, me receberam de braços abertos, daí quem furou fui eu, né, que eu não pude comparecer.
P/1 – Eles promoviam que tipo de ação nessa época que você se ofereceu?
R – Eu não fiquei sabendo como era o desenrolar dos trabalhos lá, porque eu não cheguei a participar. Eu só fui lá, conversei com uma pessoa, que acredito que ela seja encarregada da manutenção dos cursos lá. E ela me perguntou o que eu sabia fazer, o que eu estava predisposta a ensinar, o meu horário. Foi só uma comunicação verbal, mas eu não cheguei, assim, a participar nem um dia, porque eu não pude.
P/1 – Agora você tava contando que pensa em retomar o artesanato.
R – Sim. Nossa, eu nunca deixei de fazer artesanato, mesmo em casa eu continuo, tou armazenando material pra voltar pra feira.
P/1 – Mas comercializar?
R – Então, em casa eu já consigo, eu vendo alguma coisa. As amigas sabem, me ligam, encontram comigo na rua e tem sempre um bate-papozinho lá e elas falam: “Ai, faz isso pra mim, faz aquilo”. Então mesmo eu não participando da feira, eu faço alguma coisa em casa e tou indo, eu já tou repassando pras pessoas.
P/1 – Você agora tá se reaproximando?
R – Sim.
P/1 – Tem alguma coisa já engatilhada?
R – Não. Então, eu só tou esperando, porque como eu me afastei do grupo, então eu tive que assinar um termo de desistência. Agora o grupo vai ver se me reintegra de novo. A ovelha perdida tá querendo voltar (riso), vamos ver se eles vão aceitar.
P/1 – Esse termo de desistência, você assinou pra quem?
R – Pra presidente do grupo, né, é a Marlene no caso. Ela que é a organizadora do grupo, ela é a responsável pelo grupo. Então eu fiz um termo de desistência, assinei e entreguei pra ela. Quer dizer, a partir daquele momento eu tinha saído. Só que agora eu quero voltar de novo, sabe, porque eu moro sozinha e pra mim vai ser uma boa, porque eu vou ver pessoas. Pra mim não interessa se eu vou vender ou se eu não vou; eu quero ficar com pessoas diferentes, conversando, vendo pessoas, trocando ideias, porque pra mim o mais importante é a convivência social.
P/1 – Você disse que tem uma pessoa que é responsável por esse grupo de artesãos?
R – É a Marlene, é essa pessoa que foi entrevistada antes. Ela é a responsável pelo grupo, a Colmeia Azul.
P/1 – Desse grupo específico, existem outros grupos?
R – É, existem. Existem outros grupos, mas aí eu não sei como que funciona. Também acredito que seja da mesma forma, uma pessoa é encarregada, tem livro, tem tudo, é um negócio bem feitinho.
P/1 – É uma associação, uma cooperativa?
R – Seria mais uma associação, não é cooperativa, não. Tem muitos grupos aqui na cidade, não sei se foram diluídos, mas eles funcionavam como sistema de cooperativa sim.
P/1 – Queria saber, Eunice, se existe diferença da época em que você começou aqui na cidade a fazer artesanato e hoje. Por exemplo, é possível reunir um grupo para fazer alguma ação sem ser registrado? Explica um pouco sobre essa diferença de quando você começou para agora.
R – Então, na época em que eu comecei, eu não sei se o senhor que comandava aquele grupo de artesãos era... Não era um grupo de artesãos, era um grupo de pessoas que vendiam artesanato. Eu não sei se ele tinha alguma coisa, um livro de registro, sabe? Eu não sei se ele tinha como hoje tem, né? Então eu, sinceramente, eu não sei o que dizer daquela época. Eu sei que tinha mensalidade, tinha algumas coisas, como tem hoje, agora, como era aplicado, isso eu não sei.
P/1 – Nós estamos falando sobre a diferença de antes e agora pra se organizar pra comercializar.
R – É, então, eu não sei se naquela época existia esses registros, sendo como um grupo organizado. Eu não sei se ele tinha alguma documentação, porque pelo menos ele nunca conversou com a gente a esse respeito. Mas hoje tem, é considerado, é como se fosse uma profissão hoje o artesão, porque tem o direito, através do SEBRAE, a pessoa pode pagar, até se aposentar como artesão. Eu acredito que tenha melhorado muito da época que eu comecei pra época atual.
P/1 – Esses grupos, como você já participou do Colmeia Azul...
R – Já, já participei. Então, eu precisei sair do Colmeia pra ficar na escola, aí eu assinei esse termo de desistência porque eu falei: “Às vezes eu tou empatando alguém que queira entrar e eu estou ocupando a vaga”. Agora eu quero voltar de novo, né, e eu tenho que conseguir, porque...
P/1 – Você chegou a participar, Eunice, de alguma reunião, enquanto você era do Colmeia Azul, com o Consulado da Mulher?
R – Cheguei, eu fui sim uma vez, ali o que que é? Avenida Visconde ali, eu não sei bem o endereço, que eu fui com uma pessoa de carro, então eu não gravei muito bem, mas eu cheguei a participar, sim.
P/1 – Você lembra do que foi tratado nessa reunião?
R – É, então, a pessoa que fez a reunião com a gente disse que ele poderia, se a gente tivesse uma feira longe daqui da cidade, que fosse em outra cidade, teria meios deles levarem; se alguém não tivesse barraca, eles teriam como emprestar, entendeu? Eu achei, assim, uma coisa muito bacana da parte deles, mas aí eu não sei, porque foi justamente nesse período que eu estava saindo, e eu não sei se funcionou.
P/1 – Eunice, você pode participar de outros grupos sem ser o Colmeia Azul?
R – É, se eu quiser eu posso sim, só que eu prefiro ficar integrada a um grupo, porque aí a gente tem as obrigações e os direitos, ficando com aquele, né? A gente tem a mensalidade de elementos do grupo e tem a possibilidade de... Se vai ter uma feira lá não sei onde, você quer ir, tem o convite. Se quer ir vai, se não quer, né, então eu acho bem vantajoso ter um grupo, do que ser individual.
P/1 – Você tem a mensalidade, vocês pagam pro próprio grupo?
R – É, a gente paga pro grupo, porque às vezes precisa pagar um papel pra fazer num cartório, eu acho justo isso porque não acho direito o presidente do grupo tirar do bolso dele e pagar. Se é um grupo, cada elemento faz parte do grupo, então cada elemento tem que dar, não é uma... É até vergonhoso falar mensalidade, cinco realzinhos por mês, entendeu? Mas que fica lá numa caixinha e que cinco de cada um forma o quê, 40, 50, e que numa hora de necessidade tem aquele dinheirinho pra poder suprir alguma necessidade.
P/1 – O grupo hoje está em quantas pessoas?
R – São dez pessoas do Colmeia Azul.
P/1 – Voltando pro Colmeia Azul, quais são seus sonhos? Ou não voltando também.
R – Não, eu quero voltar pra Colmeia e poder participar de qualquer evento que seja, que eu tenha condições de ir. Eu pretendo, porque eu gosto muito, sabe, da Colmeia, da feira, eu gosto é da farra da feira (riso), então é muito gostoso.
P/1 – Você chegou a participar das decisões de trabalho do Colmeia ou não deu tempo?
R – Então, não deu tempo, porque na época eu fui afastando, afastando, afastando, “hoje eu não posso”, “amanhã também não dá” e não sei o que, então no fim eu falei: “Olha, gente, deixa quieto, quando eu terminar tudo, aí eu volto, sossegado, que eu possa estar participando das coisas”. Vai ter um negócio amanhã, eu posso ir, eu vou: “Ai, não vou poder”. Então é desagradável pra pessoa que convida e pra quem... Parece desculpa que a gente tá dando, né? Mas é gostoso, eu gosto muito da feira! Eu gosto de uma barraca, se existir uma outra vida, eu morei em barraca, porque eu adoro barraca, eu vejo uma, eu entro dentro (riso), gosto muito da barraca, gostoso mesmo.
P/1 – Parabéns pelo trabalho. O que você achou de fazer essa entrevista?
R – Eu achei muito bom, porque às vezes a gente não tem chance de falar o que a gente sente pelo que faz, né, e desenvolver alguma coisa melhor, sempre a gente aprende alguma coisa, né? Às vezes fala: “Ah, eu devia ter falado isso” ou “Ah, eu não devia ter falado aquilo”. Mas é muito bacana, eu gostei de participar, porque é uma chance a mais que a gente tem de divulgar aquilo que a gente faz, porque muita gente pensa que artesanato é coisa de quem não tem o que fazer e fica lá no jardim, sabe? Mas não é isso, não; eu respeito muito o trabalho. Se cada um tivesse a consciência, pelo menos no meu caso, que eu faço um projeto, um plano, até à execução eu demoro várias etapas. Então seria considerado até um trabalho de arte e não artesanato somente, porque tem muitas horas gastas naquele projeto pra sair uma coisa, pra uma pessoa ver e gostar, certo, ou até criticar, tudo bem, vale qualquer coisa. Mas é uma satisfação quando a pessoa chega e fala: “Tá lindo o trabalho”. Poxa, paga mais do que o valor que a gente ganha no trabalho que faz, né, eu gosto muito do artesanato.
P/1 – Você falou de como é o seu trabalho de artesã. Tem artesãos que trabalham diferente, que não têm todo esse preparo, todo esse projeto.
R – Então, aí eu acredito que seja uma coisa mais individualista. Como eu sou uma pessoa, minhas amigas até falam, que eu sou chata, que eu sou muito minuciosa com as coisas, eu parto pelas minúcias. Podem existir pessoas que veem as coisas prontas, copiam e fazem. Eu não gosto disso, sabe, eu gosto de criar uma coisa minha, né, modificar, mesmo que eu pegue uma coisa pronta, mas eu modifico, eu coloco alguma coisa minha naquilo. Então tá sempre um negocinho diferente, porque eu gosto de trabalhar assim. Eu não sei pegar uma coisa pronta e transformar pra mim, tem que ter alguma coisa minha naquele desenho, né? E vou superando aí o que o pessoal fala, que eu sou... Tem uma amiga que fala pra mim: “Se puser um trabalho seu no meio do de outras pessoas, eu vou diretinho aonde tá o seu, porque ele se destaca no meio dos outros, por causa da sua individualidade”. Eu: “Ah, que bom que você percebeu isso”.
P/1 – Eunice, se você pudesse, dentro de um grupo de artesãos, contribuir pra que esse trabalho de artesãos fosse mais valorizado.
R – Então, eu gostaria que as pessoas que participam de uma feira ou que vão visitar um trabalho de artesanato, que eles valorizassem mais aquilo, entendeu? Porque a gente não tá ali apenas por não ter nada pra fazer em casa, a gente está ali pra mostrar uma arte, pra que as pessoas valorizem aquilo que a gente faz. Porque tem muita gente que acha que não vale aquilo que você tá pedindo pelo seu trabalho: “Por quanto você faz pra mim?”, entendeu? Eu já recebi muita pergunta já, muita pergunta assim: “Quanta custa essa toalha?”, eu falo o valor: “Mas e pra mim, quanto você faz?” “Pelo mesmo valor, senhora”, entendeu? Então eu acho que existe até uma falta de consideração de muitas pessoas com o artesão, porque tem gente que chega a falar mesmo: “Não tem o que fazer em casa, vem no jardim” e não é isso aí.
P/1 – E pro próprio artesão, tem alguma proposta pra que ele próprio valorize mais seu trabalho?
R – É. Eu gostaria que cada artesão pensasse – é meio difícil, né? – mas que cada um procurasse pensar e valorizar mais aquilo que ele faz pra ele se dar valor! Porque acho que quanto mais ele, a não ser que ele não gosta do que faça e seja apenas pelo dinheiro que ele vai receber sobre aquilo, né? Eu acho que ele tem que se dar valor: “Vou fazer o melhor de mim nesse trabalho pra que ele seja valorizado como trabalho e que esse trabalho seja meu e que eu seja valorizado em cima dele”. Eu acho que seria por aí, mas é meio difícil a gente chegar e agradar gregos, troianos e baianos, né? Mas eu acho que uma hora lá alguém vai se conscientizar. Eu penso dessa forma. Agora, gostaria que todos pelos menos margeassem, que eles tão profissionais e que têm que... porque a gente tem carteirinha de artesão. Se tem carteirinha, tem validade, não é? Então eu acho que tem que respeitar a carteirinha e partir pra frente.
P/1 – Tá ótimo, muito obrigada.
R – Imagina.
P/1 – Quer falar mais alguma coisa?
R – Não, chega, eu já falei bastante (riso).
P/1 – Foi muito ouvir sua história, viu, obrigada.
R – Obrigada eu, tive a chance de contar alguma coisa minha, pra que, sei lá, lá no futuro alguém ouça, fale: “Nossa”, né (riso), então, mas tudo bem. Eu que agradeço.
FINAL DA ENTREVISTA
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