Memórias da Vila Canaã
Depoimento de Raimundo Ivaldo Silva
Entrevistado por Lucas Figueirêdo Torigoe
Paço do Lumiar, 21/10/2020
Reaização: Museu da Pessoa
Entrevista PCSH_HV953
Transcrito e revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Seu Raimundo, qual é o nome completo do senhor, onde o senhor nasceu e em que dia?
R – Meu nome é Raimundo Ivaldo Silva. Nasci numa cidadezinha aqui de São Bento, baixada, e sou do dia dez de junho de 1964.
P/1 – O senhor nasceu em parto de parteira ou foi em hospital?
R – Parteira.
P/1 – E os pais do senhor? Alguém contou para o senhor como é que foi esse parto, se foi difícil, se foi fácil...
R – A minha mãe sempre contou para mim que eu não tive muita dificuldade, porque na família já tinha... Já tinha pessoa da minha família que era parteira, então ela agilizou, aí não teve muita complicação. Mas quando era muito pequeno, ela conta para mim que eu comecei dar os primeiros passinhos, engatinhar, andando ali pelos cantos, e na época não tinha energia elétrica, a gente usava o lampião, ou seja, lá no meu interior a gente chama de lamparina. Aí teria que comprar aquele combustivelzinho, que é o querosene, para colocar na lamparina, e aconteceu que quando eu estava dando os primeiros passos, engatinhando, encontrei a garrafa de querosene e sem noção bebi ela todinha. Tinha meia garrafa, segundo minha mãe fala. E aí fiquei com problema, que eu espumava muito, fiquei bochechudo, e às vezes até as pessoas riam e minha mãe me protegia, ficava zangada com isso. Eu não encarava muito as pessoas e ficava sempre cabisbaixo. Ela sempre conta essa história para mim - contava, né, porque hoje ela já dorme no pó da terra, faleceu também a minha mãe.
P/1 – E você ficou nessa condição por quanto tempo, por conta dessa garrafa?
R – Ela fala que assim que eu comecei a andar, com uns três, quatro anos, eu fui normalizando e tirando o inchaço. Aquele problema que eu soltava...
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Depoimento de Raimundo Ivaldo Silva
Entrevistado por Lucas Figueirêdo Torigoe
Paço do Lumiar, 21/10/2020
Reaização: Museu da Pessoa
Entrevista PCSH_HV953
Transcrito e revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Seu Raimundo, qual é o nome completo do senhor, onde o senhor nasceu e em que dia?
R – Meu nome é Raimundo Ivaldo Silva. Nasci numa cidadezinha aqui de São Bento, baixada, e sou do dia dez de junho de 1964.
P/1 – O senhor nasceu em parto de parteira ou foi em hospital?
R – Parteira.
P/1 – E os pais do senhor? Alguém contou para o senhor como é que foi esse parto, se foi difícil, se foi fácil...
R – A minha mãe sempre contou para mim que eu não tive muita dificuldade, porque na família já tinha... Já tinha pessoa da minha família que era parteira, então ela agilizou, aí não teve muita complicação. Mas quando era muito pequeno, ela conta para mim que eu comecei dar os primeiros passinhos, engatinhar, andando ali pelos cantos, e na época não tinha energia elétrica, a gente usava o lampião, ou seja, lá no meu interior a gente chama de lamparina. Aí teria que comprar aquele combustivelzinho, que é o querosene, para colocar na lamparina, e aconteceu que quando eu estava dando os primeiros passos, engatinhando, encontrei a garrafa de querosene e sem noção bebi ela todinha. Tinha meia garrafa, segundo minha mãe fala. E aí fiquei com problema, que eu espumava muito, fiquei bochechudo, e às vezes até as pessoas riam e minha mãe me protegia, ficava zangada com isso. Eu não encarava muito as pessoas e ficava sempre cabisbaixo. Ela sempre conta essa história para mim - contava, né, porque hoje ela já dorme no pó da terra, faleceu também a minha mãe.
P/1 – E você ficou nessa condição por quanto tempo, por conta dessa garrafa?
R – Ela fala que assim que eu comecei a andar, com uns três, quatro anos, eu fui normalizando e tirando o inchaço. Aquele problema que eu soltava muita baba, aquela coisa toda que ela falava, passou. E aí eu fui caminhando.
P/1 – Qual o nome completo da sua mãe?
R – Da minha mãe é Edite Cornélia Coelho Silva.
P/1 – E os pais dela?
R – Os pais dela eram... A minha avó era Sevana e o marido da minha avó eu não conheci.
P/1 – A sua avó você conheceu?
R – Conheci.
P/1 – Como ela era?
R – Ela era uma pessoa alegre. Ela era bem branca. Na realidade, houve uma família da parte negra, que no caso era meu pai, que quando conheceu minha mãe... Mas da parte da minha mãe a maioria era bem branca, pessoas brancas. Eu lembro que a minha avó era também branca, bem forte, bem gorda, uma pessoa que também me protegia muito.
Eu lembro que eu aprontei… Minha avó… Era grande o quintal dela e ela plantava muita melancia. A gente era chamado de meninos traquinas, quando os meninos são teimosos, mexem naquilo que não deveriam mexer sem permissão, e eu fiz isso uma época. Ela plantava melancia e eu convidei um irmão meu. Disse: “Rapaz, vamos, bora comer uma melancia dessas?” “Ah, rapaz, se nós comermos uma melancia dessas a gente vai apanhar.” Eu disse “Não, eu tenho [uma] ideia. A gente pega uma faca, corta em volta dela, faz um local onde a gente pode tirar com a colher e depois volta a tampinha na melancia.” E assim a gente fez, abriu a melancia em cima, onde dava para entrar uma colher, e lá a gente começou a comer a melancia. Comia, se deu só uma tudo bem, se desse duas, a gente partia para duas. Depois emborcava ela, botava a tampinha lá.
Aí deu ruim, com o passar dos dias as melancias começavam a amarelar e aí descobriram. Meu irmão não resistiu muito à pressão, meu pai começou a pressionar ele, e ele falou que a ideia foi minha. Sei que isso aí gerou uma disciplina muito grande, nós pegamos surra. Naquele tempo a gente chamava… Lá no interior, a expressão era mochila, aí meu pai partiu para cima de nós e a disciplina comeu, né?
P/1 – E a avó do senhor, como era o jeito dela? Era brava, era mansa?
R – Era zangada, mas ao mesmo tempo carinhosa, uma pessoa que protegia.
Lembro que teve outra vez que eu aprontei, meu pai me prometeu: “Olha, na hora que tu chegar, tu vai apanhar.” A noite chegou e eu fiquei com medo de estar ali num matinho escondido e fui parar na casa da minha avó. Ela perguntou para mim por que eu estava lá, e eu disse que eu estava com medo de ir em casa, porque meu pai disse que ia me bater, e de repente ela foi e me protegeu. “Olha, eu vou te deixar [lá] e vou falar para ele não te bater.”
Ela chamava ele de compadre. Chegou lá e eu todo o tempo atrás dela, pequeno, com medo. Meu pai estava lá no terreiro - lá no interior a gente chama de terreiro - abrindo umas palhas para fazer um cofo. Na época a gente fazia muito cofo, porque a gente trabalhava também, a nossa cultura lá também era pescaria; pescava peixe na água doce, onde pegava traíra, pegava piranha, aí jeju, acará, vários peixes da água doce. Ele tinha essa cultura de pescar para sobreviver também.
Quando ela chegou lá comigo, ele falou para ela: “Olha, comadre, não vou lhe atender agora. Ele vai ter que pegar uma pisa, porque eu prometi e assim, assim.” E a minha avó: “Olha, que eu estou lhe pedindo, compadre. Dessa vez você vai perdoar meu neto, você não vai bater nele. Estou lhe pedindo com carinho.” Ele disse “Não vou lhe atender.”
Eu sei que eles chegaram a uma discussão e aí ela até chegou a dizer para ele: “Só se você passar por cima de mim para bater nele.” Eu sei que eles chegaram a um senso de ele entender: “Comadre, olha, tudo bem. Dessa vez eu vou perdoar, dessa vez eu vou lhe atender, mas de outra ele não escapa.” E mais uma vez... Dessa vez eu escapei mesmo, porque ele não me bateu.
Lá em casa, a gente era uma família muito humilde mesmo. Até as portas lá de casa a gente lembra que usava... Lá no interior a gente chamava mensaba, porque eram feitas de palha, aquelas janelas. As portas mesmo eram feitas de palha, de palmeira. Lembro que eu dormia na sala, na rede, e sempre eu estava ali atento, porque [com] minha avó conversando eu estava alegre, ela estava lá. Eu dizia: “Mas de repente ela vai embora, aí meu pai vai entender que ele vai me disciplinar mesmo e aí não tem jeito.” Eu já ficava na expectativa. “Se ele vier para cá, eu saio.” Desatei ali o punho da porta, que era de mensaba, já deixei no jeito que era para eu correr. Eu sei que, na realidade, ele realmente atendeu ela, porque não foi lá me bater. Depois ele conversou comigo, e eu agradeci, naquele tempo.
P/1 – E a sua avó contava história para vocês?
R – Às vezes ela contava história da época dela, contava dos tios, a cultura que eles faziam - trabalhavam com roça também. Às vezes eles contavam histórias de coelho, né...
P/1 – Como assim?
R – Ah, de tia onça. Tinha aquela história de coelho e tia onça. Diz que a tia onça estava na expectativa de agarrar o coelho. Ela ficava sempre na expectativa, para quando o coelho chegar na beira do rio para beber água, ela atacar, mas o coelho sempre se safava do bote da onça. E a história, como é longa e também já passou muito tempo, eu não sei assimilar muito mais não. Mas até aí eu lembro dessa história, que ela nunca conseguiu pegar o coelho. O coelho sempre tentava driblar a astúcia da onça.
P/1 – E contava coisas de ‘visagem’ também?
R – Eles sempre contavam que às vezes tinha pessoas que apareciam, pessoas que realmente eram da família, que morreram e apareceram para alguns. E a gente tinha medo, eu quando era criança tinha muito medo quando eles falavam essa história, né?
Lembro que um dia eu saí da minha casa, a gente... Como a nossa área era grande, geralmente para ir da casa da minha mãe para a casa da minha avó eu teria que passar sempre pelo quintal, da mesma família... Eu lembro que um dia a gente saiu, eu saí da minha casa levando um pouco de comida e o meu primo estava vindo de lá também, trazendo outra comida para minha outra tia. Eu eu levei um tiçãozinho de fogo, a gente chamava de tição, um pedaço de pau, com a ponta do fogo acesa ali; a gente sacudia para ir iluminando o caminho. Eu lembro por causa da ‘visagem’ que as pessoas falavam que aparecia, curacanga… Meu primo, quando olhou o tição faiscando ali no escuro… E o caminho fazia uma volta. Bem na curva, quando ele deparou comigo, ele se espantou e saiu correndo de volta, aí a comida que ele vinha também trazendo, que era uma carne cozida, ele jogou tudo ali. Eu ainda fiquei ali, lamentando: “Ô, rapaz, tanta carne ali.” E meu primo saiu batendo os calcanhares nas costas de medo.
Depois que eu cheguei lá, eu disse: “Rapaz, mas você é medroso demais.” Aí ele: “Rapaz, eu fiquei com medo. Eu não estava nem esperando, eu pensei que era uma curacanga”, porque lá, naquele tempo, o pessoal contava que tinha gente lá que virava curacanga. Como é que isso acontecia? Diz que a pessoa estava lá deitada, somente a parte da cabeça se deslocava da pessoa e saia tipo uma tocha ali saindo. Dizem que eram várias curacangas; elas se cruzavam, batiam cabeça com cabeça e a gente tinha um medo tremendo dessa história. E as pessoas diziam que apareciam ali.
Eu lembro que quando era criança, na minha rua passava um negócio arrastando. Geralmente as pessoas botavam na mente que eram algumas pessoas que morreram, que era um pescador que saiu levando algumas coisas, levando até lá no porto onde ficava as canoas. Isso aí para nós, que éramos crianças… A gente ficava assustado com essa história.
P/1 – Por que uma pessoa vira uma curacanga? Tem algum motivo ou não?
R – Eu não sei bem a tradição de onde vem essa história todinha, mas as pessoas diziam que geralmente a pessoa, quando virava curacanga, era porque tinha um contrato com uma entidade, aquela coisa todinha. Assim eles falavam para gente, dessa forma.
P/1 – E a sua avó roçava, era isso?
R – Roçava, trabalhou com roça. Plantava melancia, plantava macaxeira, mandioca, banana, além das pescarias que eles faziam também lá.
P/1 – Ela pescava também?
R – Também pescava.
P/1 – Era uma mulher muito forte, então.
R – Muito valente. A minha avó contava que a mãe dela disse que tinha uma entidade com ela. Eu sei que na época, quando eu era criança, ela dizia que botava tipo uma semente que colocava na pele da gente e aquilo ali ficava correndo. Eu sei que até certo tempo eu encontrava a minha, encontrava aquela bolinha; ela corria de um lado para outro. Diz que ela tinha uma entidade com ela, diz que ela falava que ela era… Como é que se diz? A pessoa que ela disse que ela era cruzada para receber a entidade, entendeu? Ela sempre contava essa história.
P/1 – Ela tinha alguma religião nisso?
R – Acho que ela tratava isso como religião, porque geralmente as pessoas daquela época tinham só cultura, tinham só religião. Eles acreditavam nessa entidade, e geralmente essa entidade fazia parte da vida diária dessas pessoas também. Eles recebiam um dom e esse dom daria direito a pessoa trabalhar com alguns remédios naturais, aí faziam aquelas garrafadas, benziam a pessoa com pião roxo, aquela coisa toda, para fechar o corpo. E aí tinha todo esse ritualzinho que eles faziam na época, com a gente.
P/1 – Muita gente fazia isso lá?
R – Muita gente fazia isso lá.
P/1 – Qual é o nome do seu pai?
R – Alvino Marco Silva.
P/1 – E os seus avós por parte de pai, quais os nomes deles?
R – Joana.
P/1 – Mais a sua avó que você conheceu?
R – Conheci também. Acho que [quando] eu tinha mais ou menos oito anos de idade, lembro que ela me levou no local onde ela morava. Eu morava ali na cidadezinha chamada São Bento e ela já morava lá dentro dos interiores. Eu lembro que ela me levou uma vez e me carregou, me botou no pescoço, porque atravessava o rio para poder passar para a outra margem, para poder chegar até o local da casa dela. Quando estava bem próximo da casa dela tinha um rio, [com] mais ou menos a água, para ela que era adulta, acima do umbigo. Mas para mim, naquela idade já era muita água, para mim já bateria quase aqui no pescoço, pelo meu tamanho, aí eu sei que ela me carregou, me levou.
A gente chamava lá de Beira de Campo. Um lugar bem agradável, bem retirado, bem silencioso. Lá ela também sobrevivia da pesca, da roça. Eram pessoas humildes, também, a minha família.
P/1 – E ela parecida com a sua outra avó?
R – Não. A minha avó por parte da minha mãe era bem branca; já ela era bem negra, era da parte do meu pai. Meu pai também era bem negro, a maioria da família do meu pai [era] bem negra. Da minha mãe, bem branca.
P/1 – E seu avô por parte de pai o senhor conheceu?
R – Não, não conheci. .
P/1 – Entendi. E a sua avó morava sozinha nessa época?
R – Não, na época essa minha avó da parte do meu pai tinha as filhas que moravam [com ela], o esposo dela já era falecido, não cheguei a conhecer. Tinha filhos também da parte da minha tia, que era irmã do meu pai, que morava com ela. Nós éramos primos, morava lá com ela uma família. Depois ela chegou a entrar em óbito, morreu também, e eles ficaram tomando conta do local, da casa - a minha outra tia com os filhos dela lá tomaram conta do local.
Até hoje eles vivem lá nessa área, um povoadozinho chamado Canarana, na beira do campo, [no] interior. Eles plantavam ali muito arroz, melancia, para pegar um transporte até onde tinha acesso a carro; de lá, a pé, era praticamente uma hora e meia de viagem, até chegar no local onde eles podiam ter acesso a um transporte. Geralmente, naquele tempo, para chegar mesmo em São Bento alguns iam de cavalo, levavam até algumas cargas: ia arroz, farinha, iam bater em São Bento para vender a farinha, o arroz. Às vezes selavam três, quatro animais, porque eles dividiam a carga, aqueles dois cofos grandes; dividiam certinho, botavam a cangalha no cavalo e um paneiro de farinha daqui, o outro dali, para fazer o contrapeso, para ir tudo certinho. No outro às vezes eles levavam arroz e assim vários... Eles faziam até aquele rebanho para vários cavalos, para chegar até a cidade naquele tempo.
Até meu tio, que era também primo dele, tinha criação de gado; lá ele tirava os leites das vacas e ia vender na cidade. Ele criou dois carotes grandes. Os carotes ele colocava num pau de carga, um de um lado, outro do outro, botava no ombro [e] chegava até a cidade para distribuir esse leite. A luta era grande. E de onde ele morava, ele pegava uma canoa para poder atravessar até o lugar aonde chegasse... Lá onde ele morava era tipo uma ilha, aí tinha que ter o transporte da canoa. Ele deixava a canoa e de lá ele ia a pé até São Bento, porque não tinha outro meio de transporte.
P/1 – Suas primeiras memórias são nos arredores de São Bento ou na cidade mesmo?
R – Nos arredores de São Bento, num lugar chamado Malhadinha. Eu nasci lá.
P/1 – E as pessoas pescam o que lá, a sua família? Iam onde pescar?
R – Como a gente morava bem mesmo na beira do campo, lá a gente caçava, pescava. A gente matava muito aquele jaçanã, não sei se você conhece, em alguns lugares eles chamam galinha d´água; a gente vê muito eles na beira do rio. Tem uns azuis, com a cristazinha vermelha. Naquele tempo lá eles caçavam muito, né... Carão, ele é bem grande, maior que uma avestruz; o carão eles matavam bastante também. Paturi, que parece com pato, só que é menor, eles matavam muito... Tatu, cotia, além das pescas que eles faziam ali, além das roças. O meio de sobrevivência ali daquele povo, da minha família, era isso.
Sempre quando eu morei na Malhadinha e quando o meu pai conheceu a minha mãe - a gente teve duas famílias porque, na realidade, o meu pai, com a primeira esposa, dele teve nove filhos, aí separou, conheceu minha mãe, mais doze filhos com a minha mãe. Ainda pulou a cerca e fez mais uma, praticamente vinte filhos. Da parte da segunda mulher dele, meus irmãos só da parte dele, ainda tem praticamente uns cinco; da parte da minha mãe estão todos intactos, até hoje não morreu nenhum.
Meu pai já faleceu, minha mãe já faleceu e aí nós continuamos multiplicando essa família, porque eu já tenho dois, tenho outros irmãos que têm três [filhos], tenho outros irmãos que têm quatro, outros irmãos que têm cinco, outros irmãos que têm seis e assim vai. A família cresceu.
P/1 – E você... Qual é a ordem dos irmãos, você está onde nessa escadinha de irmãos?
R – Eu sou, dos homens, da parte da minha mãe com o meu [pai], o mais velho. Das mulheres, é Maria José Silva, que é minha irmã, a mais velha das mulheres - mais velha do que eu também. Eu sou depois dela, aí depois vem os outros. Depois vem Florenço, depois Edilson, depois Edinaldo, aí vem Marcos, Maria… É uma turma aí. Hoje praticamente todos já constituíram família, todos têm família.
P/1 – E o senhor teve que trabalhar desde cedo?
R – Tive, tive que trabalhar desde cedo. Como eu te falei, eu lembro que teve uma época que meu pai teve um problema intestinal e ele chama nó na tripa, e aí ele teve que vir urgente aqui para São Luís para poder fazer uma cirurgia, barriga aberta. Ele veio, fez essa cirurgia. Ele tinha uma cicatriz grande. Eu lembro que nessa época eu tinha o quê? Eu tinha praticamente uns nove anos, mais ou menos por aí.
Eu lembro que fiquei lá respondendo, eu ia pescar. Quando eu vinha com a minha pesca e vinha pro mercado, preocupado com os meus outros irmãos menores… A minha mãe era de casa mesmo, ela cuidava mais era da casa, das roupas, da comida. Lembro que tinha uns amigos do meu pai que me levavam para pescar; eles tinham tanto cuidado, sabiam a situação que estava meu pai, e aí eles me levavam.
Eu pescava, vendia uma parte do peixe, aí em casa a gente comia muito peixe, mas chega um momento que a gente dizia assim: “Não, eu quero comer uma carne hoje.” Eu vendia uma parte do peixe, aí comprava carne, comprava arroz. Às vezes ainda sobrava um tanto do peixe e eu levava.
Essa era a minha rotina. Praticamente eu fazia isso pela manhã, aí a tarde eu ia para a escola. Eu estudava no colégio Kiola Costa - Kiola Costa vem do nome da mãe de Sarney. Sarney, na época, fez um colégio e lá era um colégio que eu lembro. São Benedito era o bairro e o colégio era Kiola Costa. A gente estudava [lá], uma turma; minha geração foi lá, se educou mais lá.
Eu estudava lá, pescava durante a manhã. A gente saía praticamente para a pescaria [ás] duas horas da manhã, era sofrido. Quando a gente chegava da pescaria era praticamente dez e meia, onze e meia; chegava dentro do horário que dava tempo de ir para a escola.
E eu lembro que lá eu estudei, lembro que meu pai me dizia muito: “Meu filho, olha, eu não quero que vocês passem o que estão passando. Vejam minha luta, minha luta é muito grande. Eu levanto de manhã cedo, vou para a pescaria para não deixar faltar o pão para vocês. Mas eu quero que vocês aprendam.” Lembro que ele me incentivava muito [pra] ir para a escola.
Na época eu entrei em uma oficina, a gente chamava de Oficina de Padre Lourenço porque era do padre, uma oficina grande. Eu tinha um padrinho na época, me batizou quando eu era criança. Ele tinha um cartório, era chamado Carro Belo - senhor Carlos, mas ele se chamava Carro Belo e era meu padrinho. Através da influência dele, ele me conseguiu uma vaga na oficina dos padres; era muito difícil, não entrava todo mundo lá. Eu estudei lá também uma temporada, nessa oficina dos padres, e aí eu fiquei já... Assimilava um pouquinho as coisas, já sabia ali apertar uma porca, já sabia tirar uma peça dali, já sabia colocar um pneu por ali. Não mexia na parte elétrica e também na parte de motor, mas eu auxiliava ali, tirando, ajudando.
E aí eu lembro que já estavam chegando meus quatorze, quinze anos, e eu tinha dois irmãos que sempre viajaram para o Pará - a gente chama de Jari. O trabalho lá era extrair madeira, lá eles extraiam gamelina, que é justamente uma madeira usada muito para fazer o dinheiro e o pinho, e a gente trabalhava lá. E eu sei que, na época, eu ficava animado para ir, mas o meu pai não deixava. “Não, não tem idade. Tem que estudar, não tem que ir para a oficina.” Nessa época eu ainda estava na oficina dos padres.
Teve uma viagem que eles fizeram e me convidaram, me deram incentivo: “Vamo bora. Quando tu vir, meu irmão, tu já ganhou teu dinheiro, aí tu já compra as tuas roupas” e isso e aquilo. Eu fiquei animado. A gente, até mesmo para ganhar uma peça de roupa, uma calça, uma camisa, era coisa difícil, porque meu pai ganhava praticamente só o suficiente para a gente se alimentar, entendeu? Até a nossa casa era uma casa de taipa. E eu lembro que lá os meus sofreram muito, porque eu olhava a situação dos meus pais e eu dizia que queria dar uma vida melhor para os meus pais, pelo menos construir uma casa para eles. Eu via o esforço dele, a luta dele.
Hoje eu até digo assim… De vez em quando eu falo, eu tenho os meus filhos, eu falo para eles assim: “Eu não sou uma pessoa melhor de condição, mas eu não culpo meu pai porque ele, apesar das dificuldades, me incentivou para me educar, para ir para a escola, aprender.” Com aquele incentivo dos meus irmãos eu disse: “Rapaz, eu vou. Se meu pai deixar, se vocês forem convidar ele, eu vou”, mas a minha intenção era vir para ajudar meu pai a construir a casa. E eu sei que eles foram lá, fizeram o apelo, os meus irmãos mais velhos: “Pai, deixa ele ir, deixa a gente levar ele. A gente se responsabiliza, a gente não vai deixar acontecer nada de errado com ele” - apesar que naquele período iam muitas pessoas menores [de idade]. Poderia até ser considerado naquele tempo um contrabando porque eu, como era menor de idade, praticamente não tinha condição de fazer uma viagem dessas. Mas quando chegava em Belém tinha um atravessador dessas pessoas, geralmente eram as pessoas que chamavam de empreiteiros, pessoas que levavam essas pessoas para trabalhar ali.
A gente poderia até considerar um serviço bem escravo, porque, na realidade, era muito isolado, quando chegava na região do Pará, a pessoa ia, armava as tendas, ia ficar lá dentro dos matos, e lá você iria trabalhar por uma temporada. Eu, animado, fui. Convenceram meu pai, meu pai acabou me deixando ir.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Eu tinha... Eu acho que eu ia fazer dezesseis anos, mais ou menos por aí, e meu pai acabou deixando eu ir. Quando chegamos em Belém, eu sei que voltou uma porção de pessoas, porque quando batia fiscalização lá eles pegavam essas pessoas menores de idade e mandavam voltar e iam deixar no local. Eu, na época, não sei se foi sorte, mas eu consegui atravessar.
Passei praticamente quase ano ano lá trabalhando. Conheci a área do Jari, [de] garimpo, e ganhei um pouco de dinheiro, comecei a aprender. Geralmente a pessoa, quando entra e não tem experiência, entra como ajudante de motosserra; o serrador vai serrando as madeiras e ele vai marcando o tamanho da metragem, picotando os galhos menores, e o cara vai lá serrando.
A gente não trabalhava com desmatamento ilegal, porque na época eram madeiras que eram plantadas, como jamelina e pinho, e depois eram tiradas essas madeiras para venda, então naquele tempo eu não considerava que a gente estava dentro das matas cortando madeira dessa forma. Não, era uma coisa legal.
Sei que eu passei uma temporada como ajudante de motosserra e depois tive oportunidade de aprender a serrar madeira - porque tudo tem que ter uma técnica, parece simples, mas não é. Eu lembro que o rapaz que me ensinava, que era filho do empreiteiro, ele era muito bacana comigo. Ele disse assim: “Eu vou te ensinar e daqui a um tempo você vai sair daqui e vai ganhar como motosserra.” A pessoa ganhava um salário melhor.
Eu lembro que ele me ensinou, Henrique, e ele disse: “Olha, toda vez que tu for serrar, se tiver vários eucaliptos, espinhos mais finos para frente, tu vai só fazendo a boca deles. Faz a boca de tudinho. Onde tu olhar que tem um mais grosso e mais alto, é daqui que tu vai fazer o comando. Faz as bocas dos demais lá e aí que tu vem no grandão aqui, corta ele e joga por cima dos outros, porque aí tu vai desmatar logo uma parte bem grande. Dá para tu trabalhar uma manhã toda, aí tu vai só cortando os toros.” Assim eu fui ganhando experiência.
Quando eu já estava bem animado para receber um... Oficializar que eu já era serrador, ia ganhar como serrador, meu irmão tinha uma namorada que deixou em São Bento, e quando a saudade bateu, esse homem não quis mais ficar. Eu, animado para ficar, dizia: “Rapaz, não quero ir.” “Não, não vamos te deixar. Nós prometemos isso para o meu pai, que a gente ia cuidar de ti. Se a gente for, tu vai ter que ir com a gente.”
Eu sei que vim de lá chorando porque, na realidade, eu ganhei um pouco de dinheiro, mas a minha intenção era ganhar mais. Vim embora de lá junto com eles, depois não formalizei mais viagens para lá.
Quando cheguei lá em São Bento, eu estava praticamente já com dezessete anos, passei quase um ano para lá. Foi o período que eu tinha deixado a oficina. Quando eu saí de lá não quis mais saber de oficina, aí já comecei a pegar em dinheiro. Pintou uma oportunidade de eu vir tirar a minha documentação aqui em São Luís, através de uma família que foi vizinha da gente [por] muito tempo e veio primeiro para cá para São Luís.
P/1 – O senhor não tinha RG, nem nada?
R – Não tinha RG, não tinha nada; não tinha me alistado, nada. Ela sempre estava em contato com a minha mãe, essa Dona Inocência, aí ela ligou e disse assim: “Olha, comadre” - era comadre da minha mãe - “a senhora não quer mandar o Ivaldo para cá para ele tirar”... Porque eu sempre fui conhecido lá como Ivaldo, meu nome é Raimundo Ivaldo Silva, estava até falando aqui para a menina, mas se a pessoa disser “Ei, Seu Raimundo”, eu não olho; se a pessoa disser “Raimundo Ivaldo Silva”, aí já me identifico, porque eu fui criado assim.
Eu sei que eles me trouxeram para cá para São Luís para eu tirar a documentação. Eu lembro que quando cheguei aqui em São Luís comecei a trabalhar com Zé Paulino na área da Vale do Rio Doce. Ele era empreiteiro aqui na Vale do Rio Doce e trabalhava com uma turma de pessoas; trabalhava em canaleta, ou seja, só desentupindo canaleta, e eu trabalhei uma temporada com ele aqui...
P/1 – Em São Luís?
R – Em São Luís, e morava na casa dessa senhora que era comadre da minha mãe. Comecei a tirar a minha documentação, tirei o meu RG, me alistei, tudo direitinho. Cheguei à idade dos dezoito anos tranquilo. Fui para o mercado de trabalho, já fichei numa empresa na área da Vale do Rio Doce, uma empreiteira, assinaram minha carteira.
Nesse tempo ainda morava com ela, aí conheci uma jovem chamada Vitória. Naquele tempo, jovem, eu gostava de festa; nós nos encontramos por lá, e na época eu era considerado regueiro, gostava de reggae. Minha cultura na época era reggae, onde tinha um reggae eu estava lá, tranquilo; todo final de semana eu ia. A gente se encontrou por lá e ela gostou aqui do moreno, do carequinha - naquele tempo eu tinha cabelo, viu? Naquele tempo eu tinha bastante cabelo.
Paixão para lá, paixão para cá… Ela morava com a mãe dela, a irmã dela que ela considerava mãe porque criou ela desde pequena. Ganhei um trocado, comprei um terreno; esse terreno eu comprei lá na Mauro Fecury I, [no] Anjo da Guarda. Fiquei animado demais: “Poxa, consegui um terreno para mim!” Eu já pensava em constituir família porque eu morava em casa alheia, aí eu fui ganhando dinheiro e construindo de taipa mesmo. Fiz de taipa ali e aí eu comecei...
Ela trabalhava no Palheta, que era um restaurante aqui também na área da Vale do Rio Doce, e lembro que eu comecei a dormir lá na casinha, onde eu já tinha tapado, botei as portas. Sempre ela dizia assim: “Ai, vou passar aí, aí eu levo a tua janta.” Ela trabalhava no restaurante, eu comia só comida legal.
A gente se encontrava por lá, ficava, aí depois a gente chegou a um senso de dizer assim: “Rapaz, quer saber? A gente já está nesse negócio aí, bora juntar as panelas.” Ela concordou: “Tudo bem, se tu quiser.” Ela já tinha umas coisinhas dela na casa da irmã dela que criou ela - panelas, coisinhas de casa mesmo - aí ela levou tudinho para lá e aí nós começamos a unir força.
Depois eu saí dessa outra empresa que eu estava e entrei na Kibon, trabalhava com sorvete e comecei a ganhar dinheiro lá. Ela [estava] no Palheta e nós começamos a construir a casa de alvenaria. Graças a Deus, nós construímos a casa.
P/1 – No Anjo da Guarda?
R – Uhum. Trabalhei um bom tempo na… Hoje parece que é só Vani, mas primeiro era Kibon. Vendia aqueles sorvetes grandes, chocolate, vendia picolé de frutas, e eu lembro que eu vinha aqui para o Araçagi, Olho D’água. Tinha um carro da Kibon que levava a gente, uma carrocinha branca com as identificações da Kibon e um sombreiro azul. A gente tinha a farda branca com uma calça azul.
Lá eu ganhei bastante dinheiro. Trabalhei lá uma temporada, terminei de constituir minha casa junto com ela. Fiquei muito animado nesse tempo, aí passei... Nessa vinda de São Bento, que eu vim praticamente com dezessete anos e pouco e passei uma temporada de quinze sem voltar para lá, eu lembro que meu pai estava já constituindo a casa. A gente deu uma força e ele também conseguiu fazer a casa dele de alvenaria, uma casa grande. Até hoje tem a casa lá, meus irmãos moram lá.
P/1 – Quando você voltou estava diferente, então?
R – Já estava muito diferente, fiquei muito animado. A casa diferente, não era mais aquela casa de taipa. Muito legal.
P/1 – Quando você foi para São Luís, como era a cidade nessa época? É diferente do que é hoje?
R – Olha, mudou muita coisa. Eu lembro quando cheguei no Anjo da Guarda. A gente vinha do Anjo da Guarda, [pra] até chegar aqui no centro era muito isolado. Eu lembro que naquele tempo morei uma temporada na Vila Embratel e ali tinha poucas casas; ali, [pra] quem vem da entrada da Vale do Rio Doce, são duas entradas: da Vale é a primeira, logo chegando no Anjo da Guarda. Tudo era mato de um lado, do outro tinha uma fábrica de ferro e o resto tinha poucas moradias.
Eu lembro que a gente vinha dali da Vila Embratel para o São Francisco e era isolado demais, mas a vantagem era que naquele tempo não tinha tanta violência que hoje tem. Só para você ver, a gente saia de lá a pé, atravessava a ponte São Francisco, voltava [às] três horas da manhã da festa, três e meia, a pé, sem nenhuma violência, tranquilo. Hoje geralmente é complicado a pessoa se destacar a pé, geralmente a pessoa é assaltada e pode acontecer coisa ruim, mas naquele tempo era tranquilo, muito bom.
P/1 – Você falou que você gostava de festa e de reggae, era regueiro. Como era onde você ia, o que você ouvia? Onde tinha festa?
R – Eu ia às vezes no São Francisco, tinha um clube no São Francisco. Tinha outro aqui na Vila Embratel, outro lá no Bacanga e esses três clubes eram mais ou menos as frequências de onde a gente sempre estava. Tinha também no Anjo da Guarda, mas no Anjo da Guarda eu quase não frequentava. Eu frequentava mais era o da Vila Embratel, também o do Bacanga, e às vezes a gente ia lá no São Francisco também. Essa era a nossa rotina de se divertir ali. .
P/1 – E o que te chamava atenção no reggae? Do que você gostava, gosta?
R – É porque aquela música da cultura ali… A gente não sabia direito, mas era uma coisa que chamava muito a atenção da gente naquele período.
Eu lembro que um dia… Eu nunca fui pessoa de estar bebendo demais. Eu bebia naquela época, mas era muito pouco; eu vim do interior, de uma cultura que as pessoas sempre respeitavam, uma disciplina diferente, entendeu? Eu nunca me afoguei demais na bebida, praticamente nunca fumei cigarro, até hoje.
Eu lembro que [quando] eu experimentei a maconha eu trabalhava onde meu pai trabalhava, ainda naquela mesma firma que eu te falei, do Paulino, que era empreiteiro lá na Vale do Rio Doce. Tinha um jovem lá eu lembro, eles também gostavam de festa, meus colegas lá onde eu trabalhava. Ele uma vez me falou: “Rapaz, se tu fumar, quando tu chegar na festa é assim, assim, assim.” Aí ficava aquilo ali, eu escutando as conversas dele, e um dia veio na minha mente: “Rapaz, vou experimentar isso [pra] ver o que que acontece, se isso que eles falam é verdade.”
Eu lembro que eu comprei da mão dele. Ele levou lá, eu comprei. A bichinha tinha até a semente e eles diziam que a que tinha semente era a mais forte. Sei que ele me deu as dicas de como é tinha que fazer, como tragar e tudo, aí eu disse: “Vou experimentar.” Morava ainda na casa, naquele tempo, da minha tia, ainda não tinha família, e aí eu lembro que eu escondi na minhas coisas.
Quando chegou no sábado eu fui para a festa, aí fiz. Eu lembro que entrei numa casa meio abandonada lá na Vila Embratel. Isso aí foi praticamente [em] dezembro, era dezembro isso; esqueci o ano, mas foi em dezembro. Eu fumei, traguei como o rapaz mandou eu tragar e não senti nada. Até então já estava perto da festa, o clube estava mais ou menos como o daqui na Igreja Adventista e eu caminhando, indo, depois que eu tinha fumado.
Depois eu senti que eu estava leve, para mim eu não estava mais pisando no chão, aí comecei a sentir vontade de sorrir. Eu disse: “Rapaz, o negócio está mexendo comigo.” Parece que o som estava tão limpo no meu ouvido, parece que estava tão atraente. Lembro que fui chegando e entrei na festa, e depois que eu entrei na festa parece que eu era o rei. Eu sempre falo isso para uns colegas meus: “Rapaz, isso não é coisa de Deus não”, porque eu olhava para a menina e parece que saía uma faísca dos olhos dela para o meu - podia ir lá puxar ela, dançava com ela. E parece que eu não tocava em ninguém, o salão cheio ali, mas parece que eu não tocava, o espaço era meu. Isso aconteceu de fato comigo.
Mas depois surgiu uma confusão dentro desse clube, muita gente correndo para um lado, para outro, e ali eu me assustei. Eu estava tão concentrado, mas eu me assustei, e aí eu escutei um tiro dentro do clube. Pá, deu aquele tiro; eu sei que no meio da multidão saindo naquela porta, quando me dei conta já estava do lado de fora.
Lembro que eu estava com uma calça branca; não lembro a cor da camisa, mas eu lembro a cor da calça, era uma calça branca, e eu lembro que aquilo ali me restou um medo… Não sei se por causa também do efeito da droga, eu fiquei com medo, e na minha impressão aquele tiro tinha pego em mim. Saí correndo numa rua, subindo, e na minha impressão, na minha mente, alguém vinha me perseguindo - acho que não era verdade - e vinha correndo. Eu todo o tempo olhando para um lado, olhava para trás e para mim alguém vinha correndo atrás de mim.
Eu lembro que eu cheguei numa porta, porque era Natal, tinha uma porção de gente, umas pessoas lá bebendo e eu pego no braço de uma jovem - lembro muito bem, peguei no braço de uma jovem. Eu, uma pessoa desconhecida, uma família reunida e eu peguei no braço da jovem. Lembro que uma pessoa tentou fazer uma ameaça, tipo puxando uma arma, mas uma outra pessoa disse “para aí”, porque eu comecei a dizer assim para a jovem, agarrado no braço dela: “Eu quero ser crente, eu quero ser crente. Eu quero ser crente, quero ser evangélico.” Aí uma pessoa disse assim: “Para aí, deixa ele falar.”
Quando eu olhei para o lado, uma outra pessoa tentou se levantar; não sei se ele estava tentando me ameaçar naquela época, e eu fiquei com medo. Soltei o braço da menina e entrei na mesma casa onde ele estava. Nessa casa era um corredor, uma casa que tinha uma varanda; eu lembro que eu entrei nessa casa, na varanda, e no fundo tinha uma porta fechada. Do jeito que eu fui eu levei essa porta, eu sei que eu derrubei a porta - não sei como, mas derrubei. Passei para o quintal e pulei a cerca, saí para o outro lado da rua e quando me dei conta já estava na casa da menina que é chamada Vitória, que foi minha esposa. A gente não estava muito bem naquela época, tanto é que eu vim sozinho para a festa.
Bati lá na casa dela e lá eu peguei minha mão, coloquei aqui assim, tipo uma concentração; escutava algumas coisas me dizendo o que fazer, o que não fazer, entendeu? Eu lembro que eu estava com um cordão aqui, umas pulseiras, uma pulseira de couro, alguma coisa assim, e alguma voz disse: “Não, tu tem que tirar, tira” e a outra dizia que não. Eu estava naquela resistência, ela disse que não conseguiu desgrudar o meu dedo um do outro de tão concentrado que eu estava ali.
Depois de tudo o que aconteceu ali eu passei uns três dias angustiado, triste, preocupado, lembrando a cena que eu fiz, mas essa aí a primeira e a última vez que eu usei. Foi uma coisa, uma experiência real que eu tive. E eu sempre falo para os meus filhos também, hoje eu digo: “Olha, não experimenta.” Porque chega um ponto que a pessoa, se ela experimentar... Por isso que muitas pessoas têm dificuldade de renunciar a droga, ficam dependentes. É uma coisa que às vezes a pessoa acaba chegando no fundo do poço, a gente vê muitas pessoas que são dependentes aí.
P/1 – O senhor tinha quantos anos quando isso aconteceu?
R – Nessa época eu acho que eu estava dentro já dos meus... Eu ia completar dezoito anos [ou] estava dentro dos dezoito anos já completos. Já estava trabalhando, já tinha carteira assinada, já tinha meu RG.
P/1 – Como era esse trabalho nas canaletas?
R – A canaleta é praticamente uma drenagem, geralmente ali na Vale do Rio Doce. A gente via muito isso, porque como tinha muitas áreas acidentadas, para evitar enxurrada eles faziam muita drenagem ali. Geralmente aquelas canaletas entupiam muito rápido quando chegava o período do inverno, então a equipe que eu trabalhava era justamente só com a pá, enxada, e um carro de mão; a gente ia só tirando aquela terra que estava naquela canaleta ali, botando dentro do carrão de mão, botando para o outro lado para deixar ela livre. Esse era o nosso trabalho do dia a dia, e eram muitas canaletas para fazer. Isso a gente já fazia para quando chegasse o inverno já estar tranquilo, para evitar as enxurradas ali.
P/1 – E você foi para o Anjo da Guarda exatamente por quê? Você tinha gente conhecida lá ou o trabalho era perto?
R – É porque quando eu morava na Vila Embratel, eu vim para ficar na casa de uma pessoa que era conhecida que era comadre da minha mãe. Depois, quando eu mudei para o Anjo da Guarda, foi justamente aquele terreno que eu comprei, construí minha casa. Depois me uni com a Vitória, justamente essa pessoa que quando usei a droga que eu fui bater na casa dela. Depois daí, graças a Deus isso não aconteceu mais, mas a gente acabou se juntando, fomos morar juntos, constituímos a nossa família, até o período que ela chegou a falecer. Eu tinha saído da casa da pessoa que era comadre da minha mãe, eu já estava na minha casa, morei oito anos com ela.
Ela teve um problema, uma complicação renal, porque geralmente a pessoa que é diabética atinge mais os órgãos. O caso dela era mais grave porque ela usava insulina, aplicava nas pernas, no braço, mas ela era bem jovem, morreu com 36 anos.
Eu sei que não foi fácil para mim naquela época, fiquei bem triste, porque praticamente na época éramos só eu e ela. Nesse período que ela morreu, eu já tinha uma menina, que a gente tinha pegado para criar na época, Daniele. gente adotou ela, que também hoje já tem família, mora aqui em Periz de Baixo. Quando ela faleceu, com um ano eu conheci a Kátia. É a minha esposa atual, mãe dos meus filhos, do Kevin e do Ivo também.
P/1 – E você ficou oito anos então ali no Anjo da Guarda, é isso?
R – É, mais ou menos oito anos foi o período que eu estava lá. Nesse período eu também tive contato com a palavra de Deus. Eu lembro muito bem que antes da Vitória falecer ela já tinha aceitado Jesus na vida dela, e eu sempre resistindo, mas acabei sendo treinado, estudado; estudei a palavra de Deus, tomei minha decisão e hoje eu sou da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Essa é a razão também de nós termos uma igreja aqui na Vila Residencial Nova Canaã, porque na época, quando eu participei das reuniões na Madureira, eu lembro que eu era o tesoureiro, junto com o seu Zacarias, e o seu Zacarias sempre estava reunindo aos domingos; Lembro que eu falei para o seu Zacarias: “Seu Zacarias, a negociação está toda certa?” “É, irmão Ivaldo, já fui lá olhar as áreas, nós fomos lá no Bacanga, lá no Baca...” Perdão, perdi o nome aqui, era um lugar chamado aqui... Perto do Anjo da Guarda... Lá também foi um lugar que foi olhado para ver se dava para a gente ir para lá. Eu sei que não deu certo lá, foi aí que seu Zacarias veio olhar aqui - ele, Zé Domingos, junto com o pessoal da empresa, e acabaram negociando aqui.
Quando já estava na construção das casas, eles trouxeram várias pessoas para cá para vir olhar o local, vários moradores que tinham que vir para cá, porque construíram 103 casas. Traziam as pessoas que queriam olhar, ver como é que era. Para nós aqui era longe demais, é como se fosse do outro lado do mundo para nós. O carro da empresa trouxe.
Eu lembro que eu tinha uma motinha, uma fan que eu comprei na época, e eu vim com a minha esposa. Chegamos aqui, olhamos; ela gostou do local, minha esposa. “Rapaz, aqui é bom, bonito, alto, ventilado.” Quando chegamos já tinha um monte de casas construídas, aí eu lembro que ela me disse assim: “Ei, onde será que vai ser nossa casa?” Eu disse “Está difícil de saber aqui.” Sei que nós olhamos para um lado… “Ah, se fosse bem ali, naquela rua ali, eu ia gostar”, mas na realidade eu fiquei lá na primeira rua da frente, na Avenida Raimundo Belo.
Para nós foi uma experiência muito boa ali, porque quando a gente veio para cá, eu lembro que foi o irmão Batista, antes de toda a negociação… Ele era um proprietário que tinha lá na Madureira, tinha uma terra lá; eu já era da igreja na época, ele também era da minha igreja. Ele me ofereceu: “Irmão, você não quer construir uma casinha lá na Madureira?” Eu disse: “Vou olhar lá.” Eu fui, gostei, construí uma casa lá e todo final de semana eu estava para lá. Plantei, colhi manga, uma porção de coisinhas que a gente plantou, e aí chegou o período da indenização.
Quando passou o período do cadastramento, eu estava em São Bento. Eu trabalhava autônomo com venda de remédios naturais. Quando eu estava lá, minha esposa me ligou: “Olha, Ivaldo, vão cadastrar.” Aí eu disse: “Tu vai lá no dia da reunião.” Eu sei que ela foi, cadastraram lá tudinho e até hoje a casa está no nome dela, oficialmente [foi] ela que fez o cadastro lá. E até hoje nós estamos aqui na luta.
Nessa época, como eu te falei, eu não trabalhava diretamente na cultura, porque eu vinha num caminho andado que eu já tinha trabalhado em empresas, trabalhei fichado em empresa. Quando eu era menor minha cultura era pescaria, mas depois que eu saí da Franere - trabalhei um período na Franere também - fui trabalhar com vendas de remédios naturais, autônomo. Eu disse: “Não vou mais trabalhar com carteira assinada.” Até antes de eu vir para cá, eu ainda trabalhava com vendas de remédios.
Quando já estava bem perto eu perguntei: “Seu Zacarias, vão dar um terreno para nós para construir a igreja?” Aí seu Zacarias disse: “Ih, rapaz, eu vou ver isso aí.” Seu Zacarias conversou com eles numa reunião que teve e lançou a ideia de eles deixarem pelo menos um terreno para as igrejas. Eles perguntaram quem era católico, se tinha outras culturas, aí tem essa igreja bem aqui do lado que na realidade veio da cultura de Dona Isabel, Edileuza, que eles tinham a cultura deles. Eu falei para eles, aí seu Zacarias falou: “Olha, irmão Ivaldo, foi aprovado. Eles não vão dar o terreno, eles vão construir as igrejas lá. Vão ser três igrejas: uma igreja Católica, uma igreja [da] Assembleia, uma igreja Adventista.” Beleza, fiquei feliz.
Quando nós chegamos aqui, quando recebemos a igreja, sei que houve uma doação da parte da empresa. Eles doaram para nós cadeira, compraram também, ajudaram a comprar também uma caixa de som para nós. O resto nós fomos programando lá, né, fomos adquirindo. E hoje nós estamos com a Igreja Adventista.
Fizemos até um trabalho - não sei se vocês já estavam aí - todas as noites a gente estava fazendo ali uma evangelização na porta da igreja e até hoje nós estamos lá. Eu estou como a pessoa que... Na realidade, algumas igrejas chamam de dirigente; eu sou ancião da igreja Adventista, sou responsável aqui também pela igreja. Meus filhos também são da igreja, minha esposa também é da igreja e nós cultuamos sempre domingo à noite, quarta-feira, sábado; também pela manhã, [das] oito às onze, e domingo das sete até às oito e meia. Durante a semana, às vezes os membros estão em pequenos grupos reunidos nos lares, famílias, amigos. Estamos aí.
P/1 – Como foi a sua conversão, como isso aconteceu? Em que dia você decidiu que ia ser da Igreja Adventista?
R - Eu lembro que nessa época eu ainda morava com a minha primeira esposa que faleceu, a Vitória. Naquele tempo o nosso relacionamento não estava muito bacana, eu com ela não estava muito legal. A gente estava em crise em questão do casamento naquele período, e eu sei que ela começou a procurar algumas igrejas. Eu nunca impedi.
Lembro que a nossa casa na época ainda estava em construção. Teve um domingo que os irmãos foram lá dar o estudo para ela, e eu sempre distante, sempre desligado. Um dia, ela trouxe Nonato - não, irmão Marques e a esposa dele - para me oferecer um estudo bíblico doutrinário. E aí eu, com educação, disse “Não, tranquilo.” “Quais dias ficam melhores para você?” “Para mim fica melhor no dia de segunda e quinta à noite.” Fechei com eles, segunda e quinta à noite, e recebia estudo com eles lá, nesses dois dias combinados.
Teve uma semana que eu estava em crise com a minha esposa, sei que cheguei até a empurrar ela, eu lembro. Ela me arranhou bem aqui no rosto, na hora da defesa ela acabou me arranhando e ficou uma cicatriz aqui. Nesse período, eles [estavam] me dando estudos e eu o todo tempo com a mão aqui disfarçando, com vergonha, porque meu rosto estava arranhado. Sei que praticamente quase foi o último estudo que eu estava recebendo, praticamente um estudo desses onde a gente doutrina as pessoas; dura praticamente quase uns 28 dias, o meu foi mais rápido porque era duas vezes na semana, aí foram menos dias.
Eu lembro que a irmã cantou, que era a esposa do Marques, e no hino dizia que para Jesus não importa o que passou. Naquele tempo me tocou muito, porque eu estava em crise com a minha esposa. Eu pensando até em [me] separar dela, naquela época a crise estava forte. E aí com estudo, com o diálogo que a gente teve ali, ela cantou um hino no final que para Deus não importa o que passou. “O que passou para Jesus não importa mais...” (canta) Eu fiquei pensando assim: “É, realmente, Deus não leva em conta o tempo das nossas ignorâncias. Até a Bíblia diz que quando nós não conhecemos, jamais Deus nos condena por aquilo”. É igual você ter um filho recém nascido; ainda que ele quebre alguma coisa pela inocência dele, você olha [e diz:] “Ô, filho.” Ainda que ele rasgue uma cédula de cem reais brincando com ela, naquela inocência, você não bate nele. Você vai dizer assim: “É inocente, ele não sabe o que está fazendo. Não conhece que isso aqui tem valor.” Então Deus também não leva em conta a ignorância né.
Era o último estudo, ele fez o apelo, por isso que ela cantou aquele hino. Para a alegria da minha esposa eu aceitei, porque ela já estava na igreja. Eu lembro que, até para decepção dela, quando ela foi se batizar na igreja, ela me fez o convite. Eu não fui. Eu lembro que ela foi chorando porque a intenção dela era que eu estivesse lá no período do batismo dela e eu não fui, entendeu? Para a alegria dela, quando eu me decidi ela ficou feliz.
Eu me batizei. Na época a gente não era casado, a gente só vivia junto, então quando eu fiz a minha decisão… Porque outrora, assim, a igreja entende o seguinte: a gente entende que a salvação é individual e uma pessoa não pode impedir outra. Na questão do casamento, ela não era casada comigo, mas ela aceitou. Tinha um impedimento que era eu, que não queria casar com ela, e mesmo assim eles batizaram ela. Quando chegou a minha hora, que eu decidi, aí sim disseram: “Olha, para tu se batizar tu tem que casar com ela. ” Eu me casei com ela e depois me batizei.
Até hoje eu estou na igreja, vai fazer trinta anos. Hoje eu estou na igreja ainda, nunca desisti da caminhada espiritual. E para mim foi muito bom porque mudou muito as coisas, alguns hábitos. Tudo eu deixei, assim como eu te falei, a bebida. Eu já bebia bem pouco, mas tá com trinta anos que eu deixei de beber. Eu me sinto saudável hoje, graças a Deus, não tenho problema de saúde. Graças a Deus, até hoje eu estou intacto; como diz o outro, ainda estou um coroa firme. (risos)
P/1 – Mas o que aconteceu que você não queria ser batizado lá? O que aconteceu para você mudar de ideia com a Vitória?
R – Bom, é aquela história que eu te falei. Acho que tudo contribuiu porque eu estava em crise mesmo. Às vezes uma pessoa, quando está em crise, quer um abraço de alguém, quer um apoio, quer uma luz que está no fundo do túnel, porque está lá no fundo do poço e quer uma luz ali. Às vezes, se você tem um... Eu sei que você é solteiro ainda, mas se você estiver em crise familiar, ou se você ama alguém pode ser que isso não seja correspondido à altura, tudo isso gera um desequilíbrio psicológico, a pessoa às vezes fica praticamente... Tem gente que acaba até se isolando e esse talvez é o grande perigo, porque numa crise dessas, se você se isolar, chega até o momento da pessoa se suicidar, tirar sua própria vida, como já aconteceu muito.
Às vezes, até o conselho das pessoas que são psicólogas, eles ensinam e aconselham que se você está em crise converse com alguém. Talvez seja uma das melhores formas para se safar daquele sufoco que você está vivendo. Então para mim naquele período foi muito bom eu ter tido contato com eles, porque eu, mesmo em crise… Como eu te falei, no início eu estava com vergonha com aquele arranhado ali, mas depois que ela cantou o hino que para Jesus não importa o que passou, aquilo ali me tocou e eu caí na real. Eu disse: “Rapaz, quer saber? Eu vou largar essa vida.” Porque, na realidade, naquele tempo, eu lembro que a nossa confusão maior era porque às vezes, quando eu vinha do serviço, principalmente nos finais de semana, eu dava uma parada com uns colegas para beber. Na concepção [dela], ela achava que, quando eu chegava tarde, não era por causa da bebida, era porque eu estava com outra garota na rua, e não era.
Tudo isso gerava uma confusão. A crise na nossa relação era justamente porque ela achava assim, que quando eu chegava [às] dez, onze horas, ela não entendia que eu estava só com os colegas. Eu dizia assim: “Não, tira isso da sua cabeça. Eu estava só com uns colegas, a gente deu uma parada ali” e tal, mas na concepção dela ela achava que eu estava com outra garota na rua. Aí gerava aquela briga, ela ficava me xingando. Eu acabava não aceitando aquelas palavras fortes dela, aí ficava uma coisa assim, de discussão feia.
Isso contribuiu muito para eu também fazer minha decisão, uma mudança de vida. “Rapaz, quer saber? Se isso aí está me chocando com minha família, essa questão da bebida, de eu estar aí com os colegas e isso pode contribuir para eu perder a minha esposa...” Voltar para o zero de novo, porque geralmente uma separação é como se a pessoa tivesse desmanchando tudo para começar de novo e é complicado, mas depois daí tudo bem. A gente se entendeu, os nossos dias de relacionamento melhoraram muito depois que nós fomos para a igreja.
Até os últimos dias de vida dela… Sei que ela adoeceu e eu sempre do lado dela, mantive minha fidelidade com ela até os últimos dias. Eu lembro que quando ela se internou no Dutra, ela perdeu a função dos rins, porque geralmente a pessoa, quando é diabética, perde a função diurética dos rins; todo líquido que é tomado geralmente acumula no corpo, porque já não tem mais a parte diurética da bexiga. No caso dela, ela ficou toda inchada - o rosto inchado, barriga inchada, perna inchada.
Eu lembro que o médico esteve visitando ela pela manhã bem cedo. Chegou uma equipe de médicos estudantes, e ele contando... Acho que ele nem percebeu que eu era acompanhante dela, que eu era esposo dela. Ele contando, passando para os alunos lá, estagiários… Dizia assim: “Olha, essa paciente aqui, o estado dela é assim, assim, assim. Ela está passando uma crise porque os rins dela não funcionam mais.”
Ele me olhou e disse: “Você é o que para ela?” Eu disse “Sou esposo dela.” Aí ele disse “Olha, deixa eu te falar uma coisa aqui, não vai te assustar não: a vida da dona Vitória...” Eu até perguntei para ele: “Qual a possibilidade de fazer um transplante?” Ele disse: “Para fazer um transplante de rins é muito complicado. Além disso, ela estaria na fila de espera e seria também uma doação compatível a ela, talvez nem você possa fazer a doação. Deixa eu lhe contar aqui rapidinho, é como se uma pessoa vai atravessar uma avenida e não consegue chegar do outro lado. O carro bate, mata, então a vida dela está curta, entende? Você tem que estar preparado.” Foi o que ele me falou.
Eu lembro que chegou um sábado, amanhecendo para domingo; ela amanheceu com vida, muito fraca e eu lembro que eu dei um líquido, foi leite, para ela. Ela quase não estava mais podendo ingerir, aquilo estava voltando. Depois comecei a cantar um hino da igreja, ela era evangélica também, e perguntei para ela se ela queria que cantasse mais uma. Ela só sacudiu com a cabeça que sim, cantei, aí eu vi que ela fez um esforço bem grande, respirou e falou - ela não estava mais falando - disse para mim assim: “Prega o evangelho. ” Tinha uma senhora que estava acompanhando outro leito, disse assim: “Ele está fazendo assim.” Depois disso ela faleceu, morreu, nos meus braços aqui.
Eu fiquei ali, naquele período eu fiquei sem noção, sem chão. Depois entrei em contato com a irmã dela, a irmã dela veio para me auxiliar e depois ver alguém mais da família dela. Praticamente o pessoal da minha família já não morava aqui, a maioria morava no interior mesmo, e aí depois vieram alguns também, de lá do interior, me dar apoio. Assim foi, assim ela chegou a falecer.
P/1 – Ela faleceu quando o senhor tinha quantos anos?
R – Na época ela estava com 35 anos. Eu era mais novo do que ela, na época eu creio que eu estava com uns 26, mais ou menos por aí, 25, 24. Eu era mais novo do que ela.
P/1 – E qual hino o senhor cantou para ela? Pode cantar para mim?
R – O hino que eu cantei não tenho bem na memória, mas se eu não me engano eu cantei aquele hino:
Fé, a vitória, sim,
fé sempre tem poder
fé, a vitória
Esse foi mais ou menos o hino que eu cantei para ela, sobre a fé. Na realidade, ela sempre acreditou na ressurreição.
A igreja ensina que Lázaro morreu. Dentro de quatro dias que Lázaro estava ali no túmulo, a bíblia diz que Jesus andou com os discípulos. Estando na Galileia, disse: “Nós vamos ter que voltar para Judeia, porque o nosso amigo Lázaro dorme.” E o discípulo, não entendendo, disse: “Mestre, mas se ele dorme ele está bem.” Jesus teve que falar nossa linguagem, disse “Olha, Lázaro morreu.” Os discípulos ficaram preocupados, disseram: “Senhor, então vamos.”
Lembro que a passagem disse que quando Jesus chegou até Marta e Maria, aí Marta clamando, chorando, dizendo: “Jesus, mestre, se tu estivesses aqui, nosso amigo Lázaro não teria morrido.” Eu lembro que Jesus falou uma palavra para ela, Jesus disse assim: “Marta, eu sou...”, ou seja, Marta falou uma palavra que agradou Jesus. Ela disse assim: “Senhor, eu creio que eu verei Lázaro na ressurreição dos justos” e eu lembro que Jesus disse para ela: “Marta, eu sou ressurreição. Todo aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá.”
Jesus falou para Marta: “Onde é que está o corpo?” Foram até o túmulo e lá Jesus chegou a dizer, porque a palavra de Deus disse naquele dia: se Jesus tivesse pronunciado a palavra para os mortos ressuscitarem, não só Lázaro sairia do túmulo, mas muitas outras pessoas saiam, aí Jesus chamou o nome de Lázaro. “Lázaro, sai para fora.”
Naquele tempo ela também acreditava muito na ressurreição. A maioria da pregação dela falava muito sobre a ressurreição. “Quem crê, ainda que morra, viverá.” Eu sempre ouvi ela pregando para outras pessoas dessa forma.
P/1 – Conte um pouco, para quem não conhece, né, como a doutrina da igreja Adventista... O que a diferencia de outras igrejas que tem aqui no Brasil?
R – Eu sempre falo com alguns amigos, até mesmo de outras doutrinações, que na realidade as doutrinas não salvam, seja ela católica, seja ela apostólica, seja ela da igreja Universal, da igreja Adventista. A doutrina, a palavra de Deus diz assim: “Examinais as escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna e ela mesmo que fala de mim.” A doutrina vem por uma interpretação de alguém que vai assimilar e achar que é dessa forma que tem que doutrinar outros, mas o ponto chave é a palavra de Deus. A Bíblia diz assim: “Toda a escritura é inspirada por Deus e é útil para o ensino, para repreensão, para correção da justiça, para que os homens de Deus sejam habilitados e habilitadamente para todas as boas obras.”
A palavra de Deus é ampla para o conhecimento, é como um tesouro escondido. Quanto mais tu busca, mais tu pode encontrar, entende? O que pode diferenciar? Ela está em um ensinamento doutrinário, porque ainda que outras igrejas tenham doutrina, a comparação é: o que eles estão ensinando? Toda a Bíblia.
Algumas questionam que hoje a gente deve estar atualizado mais no Novo Testame
nto, não no Velho Testamento, e lá no livro de Segundo São João, capítulo 2, versículo 7, diz: “Não vos escrevi só mandamento novo, mas sim mandamento antigo dos que vêm desde a antiguidade, e esse mandamento que escrevestes é a palavra de Deus”, então, de qualquer forma, Jesus mostra que tanto o Novo Testamento e o Velho Testamento estão atualizados para os dias de hoje, para os dias de amanhã.
A diferença que mais diferencia a Igreja Adventista das outras igrejas é estar na parte doutrinária, mas está naquela questão de guardar o sábado. Uma vez uma pessoa perguntou: “Irmão, por que vocês guardam o sábado?” Eu digo: “Porque está lá escrito.” Eu até perguntei para essa pessoa: “Tu acha que roubar é pecado?” “É, está lá nos mandamentos, não roubarás.” “Tu acha que matar o seu próximo é pecado?” “É, está lá nos dez mandamentos, não matarás.” “Tu acha que honrar pai e mãe, quem não honra, é pecado?” “É, está lá no quinto mandamento, honra o teu pai e tua mãe, para que os teus dias de vida sejam mais prolongados aqui na terra.” “Tu acha que adulterar é pecado?” “É, para o cristão, porque a Bíblia diz que o leito de um homem para com uma mulher tem que ser cenáculo e sem defeito, e agora já eu tenho que viver para a minha esposa. A Bíblia diz que nós nos tornamos uma só carne e temos que manter fidelidade.”
Quem gosta de traição? Ninguém. Ainda que tu tenha um amigo bacana contigo, mas depois ele me traiu, não foi verdadeiro comigo, por que não falou, ao invés de estar falando para outras pessoas? Então geralmente, um adultério é traição, é você tirar a sua intimidade com a sua esposa e dividir com outra pessoa. Sem falar que às vezes o risco é tão tremendo que a pessoa não olha que um adultério é grave, porque geralmente quem está na intimidade começa talvez a falar para outra pessoa. Se for mulher, ela fala para o cara: “Olha, meu marido é isso, isso, isso, ele não me atende”; se for o marido que estiver traindo a esposa ele vai falar da mesma forma para a outra mulher: “Estou contigo porque a minha mulher é assim, assim, assim, até fria ela é”, entende? Por isso que se torna uma traição tremenda, então Deus não aprova isso. Deus quer que verdadeiramente o amor seja entre duas pessoas, solene. O amor tem que ser verdadeiro, não falso.
Lá no quarto mandamento ele diz assim: “Lembra-te do dia de sábado para santificar. Seis dias trabalharás e farás todo o teu trabalho, mas o sétimo dia, o sábado, o senhor te deu e nele não fará nenhum trabalho. Nem tu, nem teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, que seja uma empregada, nem o forasteiro que esteja dentro da tua casa como amigo. Nesse dia não trabalharás, porque em seis dias fez o senhor o céu, a terra, o mar e tudo que nele há, mas o sétimo dia descansou, santificou e abençoou.” Tem pessoas que uma vez me perguntaram: “Por que vocês botaram a igreja adventista do sétimo dia?” Eu digo: “Tem um significado.” Nós botamos Igreja Adventista porque nós acreditamos no advento que Cristo há de vir, do sétimo dia, porque em seis dias fez o senhor o céu, a terra, o mar e tudo que nele há, mas o sétimo dia descansou, santificou e abençoou. Esse é o significado da Igreja Adventista do Sétimo Dia, entendeu?
Bem aí também diferencia a Igreja Adventista das outras igrejas, porque praticamente teve uma pessoa que disse assim: “Não, mas é o domingo, nós temos que guardar o domingo e festas.” Eu digo: “Mas na Bíblia a gente não encontra isso, eu já li a bíblia várias vezes e eu não tenho nenhuma referência disso.”
Se for para a gente atender algumas ideias humanas, eu me sentiria perdido, me sentia no vácuo que poderia ser meu mesmo. A palavra de Deus não tem que ser a ideia humana, não tem que ser a ideia do ser humano, não tem ser o que eu acho, “o melhor é isso” E Deus? Qual o melhor que Deus acha que tu faça? Então eu digo que é nisso que a gente tem que refletir.
Eu digo: “Olha, a palavra de Deus é bem solene para cada um de nós, porque a Bíblia diz assim: por que que muitos vão se perder? ‘Errais não conhecendo as escrituras, nem o poder de Deus’”, então eu disse para ele: “Olha, nunca encontrei domingo na Bíblia, lá no livro de Mateus.” Eu mandei a pessoa ler a Bíblia. “Abre aí em Mateus 28, verso primeiro.” Ele leu lá em Mateus que diz assim: “Ao finalizar o sábado, ao entrar o primeiro da semana, Maria Madalena e as outras Marias foram ao túmulo.” Eu mandei ele ler, disse: “Lê bem aí, de novo.” Aí ele leu: “Ao findar o sábado, entra o primeiro dia da semana.” Perguntei para ele: “Quando está findando o sábado, qual o dia que está vindo?” Ele falou “O domingo.” Eu disse “Lê de novo na bíblia”, aí ele leu “Ao findar o sábado, entra o primeiro dia da semana.”
Eu perguntei de novo. “Então, se tem segunda-feira, já está falando segundo dia. Se tem o segundo tem o primeiro, então onde é colocado domingo é o primeiro dia da semana. Segunda-feira, segundo dia; terça-feira, terceiro dia; quarta-feira, que é hoje, é o quarto dia; quinta-feira, que é amanhã, é o quinto dia; sexta é o sexto, sétimo encerra. A gente da igreja adventista para no sétimo dia, entende?”
A gente entende da igreja adventista de acordo com a parte doutrinária e também biblicamente a gente sabe que a noite é treva, é a continuidade do próximo dia que vem, então para nós, o dia não encerra à meia-noite, como alguns até falam. A gente entende que noite é treva e continuidade do próximo dia. Quando dá seis horas, a Bíblia diz que o dia começa do nascente do sol a um outro pôr do sol. Isso é o calendário eclesiástico, do nascente do sol ao pôr do sol. Daqui a pouco nós vamos ter, aí encerra o dia. Daí para frente é noite, continuidade do próximo dia que vem, então faz muita diferença em outras igrejas, entendeu? Porque alguns adotam outros dias diferentes.
E a gente entende que a gente, da Igreja Adventista, em questão doutrinária, trabalha muito com a questão da saúde. A gente ensina muito isso na parte da saúde. Os adventistas são pessoas… A maioria são vegetarianas, não comem carne vermelha. Alguns comem, mas a maioria prega à risca mesmo as comidas vegetarianas: verdura, legumes, semente, feijão, então [é] comida mais saudável. Além de a gente entender também que o banho de sol é benéfico, a gente entende também que o ar puro é benéfico também, onde você pode talvez estar respirando oxigênio entre as plantas, um ambiente saudável. A gente entende que tem que aproveitar ainda o pouco do que a gente tem, apesar de que a gente sabe que hoje o mundo que nós vivemos é um mundo muito comprometido, é um mundo muito poluído, principalmente nas grandes cidades. A gente vê que hoje já estão inventando carro elétrico, porque já entendem que a poluição já está além do extremo. O homem já tenta olhar para um outro planeta como uma opção, porque esse aqui está comprometido demais, e a Bíblia até diz assim: “O que adianta tu ganhar o mundo inteiro e perder o mais importante, que é a vida eterna?”
Na nossa concepção de cristão, a gente entende que a vida não é só aquilo. A Igreja Adventista tem contribuído muito para os jovens, por isso a gente trabalha na comunidade, em questão doutrinária, e a gente entende que a nossa geração é uma geração que está muito comprometida. Estou já vendo uma geração talvez mais bem equilibrada, essa geração agora que está nascendo. Tu tem o que, uns 38?
P/1 – 28.
R – 28 anos, está jovem, fase boa demais. Passei por essa fase, muito boa, né? Mas às vezes... Hoje eu tenho um filho que está, o Kevin, com 25 anos, vai fazer 26. O Ivo vai fazer 24, trabalha no posto da saúde da Pindoba. O Kevin teve um privilégio muito grande; esse aí é o meu filho de criação, porque quando eu conheci a minha esposa, ela já tinha ele. Na realidade, eu não tive trabalho para esse menino não, porque eu já recebi feito, só registrei ele no meu nome. É um menino excelente, me respeita até hoje.
Ele participou da prova do ENEM e teve uma pontuação quase de novecentos, aí concorreu a uma bolsa, uma vaga. Ele conquistou. Estudou no colégio da Canaã, nunca ficou reprovado; as notas dele sempre foram de dez para cima, sempre teve elogios no colégio da Canaã. Começou a fazer a faculdade dele, concorreu a essa bolsa e fez uma faculdade para Engenheiro Civil. Agora está com quatro semanas que eu fui na formatura dele, ele já recebeu certificado e agora falta… Está na teoria, mas falta agora prática, está esperando uma porta abrir para ele.
Estou feliz por isso, ele já está pronto para o mercado. Eu sempre oro que Deus possa abençoar a trajetória dele. Sei que às vezes não é fácil, mas ainda, diante desse mundo, alguns jovens escapam da tragédia que esse mundo está. A gente sabe que é muito complicado, praticamente tu se formou, está já fazendo o seu trabalho, exercitando aí. Talvez deixou seu lar em casa, seu conforto, sua zona de conforto, está aqui na luta do seu trabalho.
Às vezes eu digo para ele: “Um dia vocês vão ter que sair também.” Até hoje eles estão em casa comigo, mas talvez vai chegar um tempo deles saírem, quem sabe? Eu até falei com a Elizabeth, eu já tinha falado com ela antes. Ela disse: “Irmão Ivaldo, tem um estágio aí, mas é para o interior.” Naquele tempo ele ainda estava fazendo a faculdade, não dava para ele sair, aí eu falei para ela agora que ele se formou e ela disse que ia ver aí, porque se ele quisesse viajar, talvez teria oportunidade para ele. Eu digo: “Tranquilo, ele está aberto agora para fazer viagem, nada impede mais não.”
P/1 – O senhor conheceu a sua segunda esposa na igreja?
R – Sim, eu conheci ela na igreja. Quando a minha esposa faleceu, a gente fica um pouco ali, desequilibrado. Eu fiquei pensando, passei uma temporada sozinho. Naquele tempo, quando a minha esposa morreu, foi um irmão meu morar lá em casa, aí foi morar mais outro primo meu, foi morar mais um irmão da igreja, mais dois irmãos da igreja. Zé Maria, que é esposo da Dona Mocinha, era meu vizinho lá na Mauro Fecury, parede com parede, ficava me abusando, dizendo assim: “Irmão Ivaldo, o que é isso? Depois que a sua esposa morreu, o senhor encheu sua casa de macho.” Eu disse: “É assim mesmo, as coisas mudam, né?”
Mas foi um temporada também boa. De qualquer forma, eu não me sentia sozinho, eles estavam ali como amigos.
Um dia eu lembro que eu fui para uma programação da igreja. Nesse tempo eu estava trabalhando na Franere, bem perto do Calhau, do Hotel 4 Rodas. Ali tem um conjunto de condomínio fechado e eu trabalhei lá. Eu lembro que tinha um amigo que dizia assim: “Ei, irmão, você ainda não arranjou uma mulher?” Eu disse: “Rapaz, ainda não, ainda estou sozinho.”
A menina que eu criava, que era a Daniele, que ficou comigo, às, vezes quando saía do serviço eu pedia ajuda para um, para outro, para deixar ela; quando eu chegava do serviço ia buscar ela, aquela luta todinha. Um dia ele disse assim: “Irmão, rapaz, não tem irmã na sua igreja não?” Eu disse “Tem, mas tu sabe como é na igreja da gente. A gente está ali, convivendo todo tempo, a gente sente uma irmandade que você fica até sem chão para tentar beliscar alguém, né?”
Ele disse: “Olha, tu já pescou alguma vez de linha, de anzol?” Eu disse: “Já, já pesquei bastante.” Ele disse: “Então, rapaz, é como num pesqueiro. Quando tu tá pescando que não tá dando mais peixe a gente não muda de pesqueiro? Pois é. Às vezes a tua esposa não está na tua igreja que tu congrega, pode ser da mesma instituição, da mesma igreja adventista, mas pode ser que não seja lá onde você está congregando. Pode ser que ela esteja em outra igreja, então tu tem que visitar outras igrejas”, aí abriu a minha mente. Eu disse: “Rapaz, sabe que é verdade mesmo?” Aí eu comecei a visitar.
Tem uma programação que a gente chama lá na nossa [igreja de] dia de sábado de JA, programação jovem. Eu fui e aí nas programações eles dão o cantinho da amizade, dão um papelzinho e você coloca a mensagem; se você quiser botar um versículo bíblico, desejar alguma coisa para alguém, você bota e depois se identifica e entrega para essa pessoa. Aí tranquilo, é uma grande oportunidade. Eu botei, disse: “Olha, gostei muito de você. Gostaria de conversar com você, se fosse possível.” Ela mandou outro, correspondendo, dizendo onde. Eu disse assim, comuniquei para ela: “Pode ser lá na sua igreja? Eu vou visitá-la.”
Sei que eu fui e passou o quê? Uma semana... Duas semanas para essa programação acontecer, mas eu fui. Cheguei lá, ela estava lá. Minha esposa sempre teve o cabelão grande. Fiquei na mente, disse assim: “Ah, tudo bem, vou ficar na minha. Na hora que terminar a programação, se ela me perguntar...” Porque eu escrevi que eu gostaria de conversar um assunto com ela. Eu disse: “Na hora que terminar essa programação, se ela perguntar o que era, então ela se interessou. Se ela não perguntar é porque não houve interesse e eu não vou tocar no assunto.”
Quando terminou a programação, todo mundo por ali, um falando, conversando, aí ela bateu em mim e disse: “Oi, tudo bem?” Eu disse: “Tudo bem.” “Sim, você naquele dia disse que queria falar comigo.” A mulher se interessou. Eu disse: “Ah, sim, já estava até esquecido.” Não estava não. “Tudo bem, quando?” Aí eu disse: “Mas dá para você passar lá em casa?” Ela disse: “Ah, mas não fica bem, porque você sabe que hoje você está sozinho.” Eu disse “Não, mas tem pessoas que moram lá em casa. Tem uns irmãos, tem uns amigos”, aí :“Tá certo.”
Ela marcou o dia, a gente conversou lá em casa e eu toquei no assunto, que estava interessado mesmo nela. Peguei logo pesado, fui logo direto: “Estou interessado em você.” Ela disse: “Eu vou pensar. Tenho que fazer uma viagem essa semana para a casa dos meus pais. Quando eu chegar eu te dou essa resposta.” Beleza, tranquilo. Fiquei feliz, disse: “Vou esperar.”
Eu sei que o tempo passou, ela passou duas semanas lá. Eu todo o tempo pensando nessa menina, todo o tempo pensando nela. “Será que ela vem mesmo me dar essa resposta?”
Quando eu menos espero, ela chegou um final de semana e foi lá em casa, me disse que veio conversar comigo. Eu disse: “Já estou esperando o não aqui.” Ela: “Como é que tu sabe que é um não?” Eu disse: “Na minha expectativa, eu acho que sim.” Ela disse: “E se não for?” Aí eu disse: “Aí eu estaria feliz demais.”
Nós conversamos mais, ela disse: “Olha, eu pensei bem. Acho que vai dar para a gente se conhecer um pouco.” Aí pronto, nós ficamos, namoramos.
Passei quase uns três a quatro meses namorando com ela. Não tinha nada de adultério até então, porque a gente sabe que na igreja, até mesmo os jovens que são doutrinados são ensinados a esperar, a não precipitar as coisas. Quando casar tudo bem, mas antes do casamento é adultério; não pode, é pecado. Às vezes as pessoas se seguram por ali.
Eu sei que deu certo, a gente esperou, se programou e aí se casou. Até hoje estamos aí, ela deu a oportunidade de conhecer ela ainda.
P/1 – E quando vocês tiveram seus filhos ela já tinha um, né?
R – É, no caso ela já tinha um. Era bem pequeno, ia fazer dois aninhos.
Eu lembro que na época eu disse para ela: “E o pai?” Porque quem cuidava do filho dela, que é o Kevin, esse que eu falei que está formado, era a mãe dela, que morava em Cantanhede. O menino morava lá, ela veio embora para São Luís para trabalhar e estudar, a gente se conheceu aqui... Aí eu disse para ela, quando a gente teve a ideia de casa e vir morar junto: “E o menino?” Ela disse “O menino está com a minha mãe, mas eu vou buscar, Tu aceita?” Eu disse “Aceito, tranquilo.”
Ela perguntou para mim: “Olha, tem um problema aqui. O Raimundinho, que é o pai da criança, eu já pedi umas duas vezes para ele registrar e sinto que ele não tem interesse de registrar.” Eu disse: “Mas tu tem que tentar, a paternidade é dele.” Mandei ela ir lá, ela foi de novo e veio muito zangada, porque percebeu que ele não tinha interesse, ficou enrolando.
Eu sei que eu mandei ela pela segunda vez: “Olha, vai mais uma vez, faz mais uma tentativa. Conversa direito com ele, a paternidade é dele.” Ele não mostrou interesse. Quando ela veio, veio mais zangada e eu disse: “Olha, posso fazer o seguinte: tu aceita eu registrar o teu filho?” Ela: “Eu aceito.”
Fui, registrei o menino no meu nome e eu fiz um pedido para ela: “Olha, eu vou te fazer um pedido. Essa questão de mesada… Eu vou fazer o seguinte: tu não vai procurar esse rapaz para ajudar teu filho [com] negócio de mesada, essas coisas. Se um dia ele reconhecer e quiser ajudar o filho dele, jamais eu vou negar, impedir que ele ajude, porque é um direito dele de fazer isso com o filho dele. Não vou impedir não, mas tu ficar procurando ele para essa mesada, não.”
Eu sei que isso aconteceu, aí ela nunca procurou ele. Depois dessa temporada toda, ele deu um celular para esse jovem, que hoje já está rapaz; parece que ajudou ele em outra coisa que eu não lembro direito, mas foi só isso mesmo. Até hoje, graças a Deus, nunca faltou nada para ele. Já terminou os estudos dele, nós estamos juntos na jornada.
P/1 – E como foi o dia que nasceu o seu outro filho?
R – Para mim foi uma alegria muito grande, porque eu sempre tive desejo de ter uma criança. Quando eu morei com a minha outra esposa que faleceu, eu não tive essa oportunidade com ela. Ela já era ligada devido a saúde dela mesmo, então não podia me dar um filho.
Quando eu olhava uma criança com outra pessoa, eu ficava com inveja, querendo: “Oh, rapaz, se eu pudesse ter um filho.” Por isso que veio a ideia de eu adotar uma criança, que foi a Daniele, junto com a que faleceu, mas eu não tive a oportunidade. Com a Kátia, ela estava livre para ter um filho. Eu até enganei, disse assim: “Rapaz, acho que sou estéril, porque eu morei tanto tempo com a outra e nunca tive um filho”, aí ela relaxou, entrou Ivo. E engravidou de novo, ela disse: “Ah, tu me enganou, porque tu disse que era estéril e aí ó, olha a minha barriga.”
[Foi] só esse mesmo. Eu sei que também ela ligou [as trompas] e aí ficou só o Ivo, mas ficou uma semente minha e também da minha geração, que vai multiplicar, com certeza.
P/1 – E o Ivo, quando nasceu, como foi o dia de nascimento dele?
R – Foi bacana, tranquilo, parto saudável. [Ela] teve ele com rapidez, não teve complicação nenhuma. Era um menino grande, isso foi minha alegria; eu olhava e dizia assim: “Rapaz, parece comigo.” Ela olhava e dizia assim: “Não, parece comigo.” Era aquela disputa, mas hoje ele parece mais comigo. Ela é mais branca do que eu, ele puxou a mim, mais moreno. O nariz dele é bem achatado, um pouco igual ao meu também. Tem cabelo, mas eu não tenho; uma época eu já tive bastante, aí eu fui perdendo cabelo, porque na época, quando eu trabalhei em firma eu usava muito capacete, [isso] contribuiu. Eu sempre era muito apegado com boné, também contribuiu, aí enfraqueceu mais. Eu tenho cabelo aqui, se eu deixasse crescer tinha, mas aqui não nasce no meio, né, eu prefiro zerar. (risos)
P/1 – O senhor quando tinha cabelo era o quê? Era cabelão?
R – Era cabelão, grosso, eles chamavam de cabelo seco. Eu usava ouriçador de raio de bicicleta, colocava vários num pedacinho de tábua e aí ajeitava para ficar tudo bonitinho. Esse era o meu pente. Eu ouriçava meu cabelo todinho, ficava aquele...
P/1 – Um black...
R – É, tem umas fotos aí, muito grande.
P/1 – E quando você teve o seu terceiro filho, o Ivo, você já morava na vila Madureira, já tinha conexão ali?
R – Já. Morava no Anjo da Guarda, já tinha conexão na Vila Madureira, andava sempre por lá.
P/1 – O que o senhor fazia ali, como é que o senhor foi parar na Vila Madureira?
R – Eu parei lá através de um amigo, irmão da igreja, falei ainda agora. Essa pessoa tinha uma área lá. Ele não daria conta de cuidar de tudo, a área dele era um pouco grande, aí ele disse que na área dele ele queria botar os irmãos da igreja para arranjar um pedacinho para cada um. Eu fui a pessoa agraciada também de ter um pedacinho lá, ele me ofereceu. Eu disse: “Ah, eu vou falar...” “Pode escolher, irmão, você pode tirar onde você quiser.”
Tinha um mangueiral assim que até hoje existe ali na Eneva, eles conservaram naquela parte de cima. A gente olha aquelas mangueiras tudinho ali embaixo, eles conservaram ali. O meu era mais ou menos por ali, e foi daí que surgiu a ideia de eu estar lá, porque eu fiquei, aí construí uma casinha lá. Final de semana eu ia para lá, plantava as minhas coisas lá também.
Eu lembro que quando houve a parte de indenização, eles conferiram até os pezinhos de mangueira que tinha embaixo e que nasceram. Eu lembro que na minha área deu seiscentos e poucos pés de mangueira. Um pezinho de manga que nasce, tudo isso aí foi incluído na indenização; as mangueiras foram conferidas e foram incluídas na indenização. A casinha que eu tinha lá também foi incluída na indenização, um poço que tinha lá embaixo também foi incluído na indenização. Eu lembro que até as pessoas que criavam porcos lá também eram indenizados; se tivesse uma fossa, era indenizado. Tudo foi indenizado.
Quando nós saímos do Anjo da Guarda, chegou o dia, eles avisaram: “Olha, agora vai sair...” Saiu uma lista de pessoas que já tinham que vir para cá. Eu lembro que nós viemos aqui num período de chuva ainda, ainda estava... Não lembro muito bem se estava no final do inverno ou no começo. Eu sei que eu trouxe dois cachorros fila que tinha e uma cachorra também fila, uma toda preta. Meu cachorro era bem grande, aí eu sei que ele fugiu, eu nunca encontrei esse cachorro. A cachorra eu peguei porque na realidade eu sempre comprei ossada para ela. Eu comprava aquele vitamilho e botava para ela com a ossada cozida no vitamilho. Ela ficava bem forte, ela gostava muito.
E eu lembro que eu fiz uma vez… Isso foi a causa da morte dela, porque eu fiz e botei muito próximo. Eu deixava um pouco distante, que era para esfriar, depois eu chegava para perto para ela comer. Acho que ela andou comendo o vitamilho quente ali, fermentou, acho que no organismo dela. A barriga dela inchou muito e ela acabou morrendo. Não deu para eu levar no veterinário e ela acabou morrendo a cachorra. E o cachorro fugiu, eu nunca encontrei; um cachorro grande, bonito.
P/1 – Logo que você chegou?
R – Logo que eu cheguei aqui. A gente veio em um caminhão, trouxe eles.
Quando chegamos aqui teve a ideia de que nós íamos receber a terra aqui no polo. Estava em processo de limpeza, tinha que destocar tudo, aí eles formalizaram as famílias. Na época desceu muita gente lá para o polo, as famílias daqui praticamente quase todo mundo interagiu, até porque [era] a condição de receber a área lá.
Na época nós entramos para trabalhar lá em grupo: o grupo um, grupo dois, o grupo três... Tinha o grupo quatro, o grupo cinco, seis, sete, oito e o dez. O grupo seis é o grupo que Seu Zacarias faz parte, que é o grupo maior, que tem um hectare e meio, dois hectares, dois hectares e meio. São os grupos maiores. Os grupos menores são os grupos sete, oito, dez. Já o um, o dois, que era o nosso na época, era [de] dois hectares e meio, dividido para mais ou menos oito pessoas.
Eu sei que a minha área calculada dentro desse grupo daria 2600 metros quadrados, então daria praticamente uns quinze de frente e 150 de fundo.
Hoje, dentro da minha área, por esse período de tempo todinho que a gente já tem lá, eu não tinha muito bem conhecimento, mas a gente entrou com a parte técnica. A gente recebeu atenção de como trabalhar. A gente não trabalhava com negócio de canteiro, cheiro verde, alface, essas coisas; a gente não tinha conhecimento muito bem [de] como é que plantava, mas tudo isso a gente aprendeu - a plantar alface, cheiro verde, fazer rotação de terra, fazer cobertura de solo, fazer quebra-vento. Hoje, dentro da minha área eu faço os corredores. Daqui para cá a gente entende que é tipo um corredor aqui, entre cerâmica e outra, então mais ou menos eu fiz a ideia assim, meu terreno é todo assim. Nessa passarela aqui do meio, eu fui botando cana, banana, cupu, cacau, e aí eu fiz as passarelas, deixando no meio para eu plantar macaxeira, mandioca, quiabo, feijão. Fiz os canteiros para alface, então hoje eu tenho...
Já tem um bom tempo que não compro banana, porque a minha banana eu como saudável, banana orgânica, lá da minha área que eu tiro. Na semana passada eu trouxe um cacho de banana e aí a gente deixa ela lá, amadurece e a gente fica comendo aquelas bananas. Tem o cupu também, que já está botando, tem cacau que já bota, tem bastante cacau, alguns pés botando. Manga rosa, manga espada, jaca, tem bastante cana.
Hoje mesmo eu tirei uma cana, porque eu forneço para uns pessoais, e eu comprei uma máquina de raspar cana, que é mais prático. Boto aqui, raspo rapidinho. Eu fui lá, o rapaz contratou cem canas, levei cinquenta raspadinhas e as outras com casca e nó, praticamente raspada. Entrego para ele a um real e cinquenta uma cana, e quando a pessoa vai comprar lá com casca a gente vende a um real, mas nada nada deu para eu defender ali 140 contos rapidinho.
Isso tudo vai agregando, né, os valores. A gente já tira um cheiro verde, já tira um alface. Eu entendi como minha área é muito grande, aí de lá eu já quero tirar um pouquinho da jaca, já quero tirar um pouquinho da banana, do cupu, até agora do cacau. Nem tinha ideia de que poderia surgir um projeto para cacau e agora surgiu um projeto lá.
Como a gente tem uma área [que] o total todinho é de 56 hectares de terra, nessa área ficaram vinte para reserva, os demais são divididos entre os grupos. Nessa reserva a gente vai fazer tipo um florestamento equilibrado com plantação de cacau, fazer as trilhas e plantar cacau. Até como eu falei com a menina, que é a empresária que tem uma fábrica de chocolate aqui em São Luís, ela é a pessoa interessada através da Eneva. A gente já tem parceria com ela para implantar esses pés de cacau lá. Inclusive eu dei a ideia para ela, disse: “Olha, é melhor se a gente começasse a plantar nas áreas já cultivadas, tipo nas áreas dos agricultores, fazer as áreas de experimentos nas áreas de cada um. Por que? Porque eu plantando os meus, como eu já tenho, eu tenho a possibilidade de cuidar melhor. É muito mais rápido, porque todo mundo plantando o seu, todo mundo vai cuidar do seu, aí depois que já tiver a ideia amadurecida dentro da área de todo mundo, a gente já leva para a reserva, porque é uma coisa que já deu certo. Alguém já está tirando dentro dessa área, já animou todo mundo, todo mundo está ganhando dinheiro com o pouquinho que está tirando dentro das suas áreas, e aí a gente amplia no coletivo, para dentro da reserva.” Esse é o projeto que está em andamento lá.
Cheguei lá, fiz parte também da diretoria algum tempo lá na associação, e hoje eu estou como gestor administrativo. Tirei um mandato de quatro anos, estou tirando outro de novo, de quatro anos, e estou interagindo com os demais, porque a gente sabe que ali a maioria vive da sobrevivência ali. Eu também vivo dali.
Parei minhas atividades que outrora eu fazia e me dediquei mais lá, o pouco que eu tiro dá para ir me livrando. Inclusive agora a gente entrou em dois programas que a gente participa, que é o programa do PNAE, que é um programa do governo, mais alimentação para as escolas, da agricultura familiar; estamos em execução desse projeto. Amanhã é quinta-feira, é o dia da gente botar para as escolas, aí criamos as cestas básicas dessa cultura. Deu problema na gestão política, aí a gente mudou a ideia, se reuniu para gente mudar a ideia de como fornecer e entregar essa alimentação para as crianças da escola. O Tiago até deu a ideia para a gente criar as feirinhas nas escolas, feirinhas comunitárias da agricultura familiar, então quando já está nas escolas, aí sinalizam todo mundo, todo mundo vem pegar o que precisa e assim a gente está executando. Nós executamos o programa assim, no caso vai encerrar agora em dezembro.
A gente tem também o outro, que é do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos]. Esse aí a gente estava esperando sair, mas houve uma complicação na gestão, aí não saiu. Esse programa do PAA tem um escoamento de coisas também, tipo frutas, banana, jaca, manga. Eles levam também alface, cheiro verde, coco, coco d’água, coco seco, coco com água, entendeu? Isso tudo agrega valor para a agricultura familiar, soma um pouquinho, porque às vezes é um programa também que [dá] um escoamento mais rápido, que não dura muito tempo.
Tem gente que às vezes vê um valor de três mil reais para cada uma, um exemplo; então esse valor de três mil tem gente que dá para escoar só em um mês, tem gente que escoa em dois meses, depende do tanto de mercadoria que ele tem. Tem gente que escoa até em três meses, mas quem tem uma demanda maior às vezes fecha antes, né?
Nós estamos aí na luta. Agora tem um projeto também pela Eneva, a Beth tem nos dado atenção, bastante, como assistente social. Inclusive algumas necessidades que às vezes a gente ainda a gente precisa, de desenvolvimento ali no polo, ela é a pessoa que tem nos olhado de maneira positiva. Ela tem nos dado incentivo, nunca se negou a nos dar atenção. Sempre que eu ligo, na gestão que eu estou, ela sempre me dá atenção, em busca de ajuda - mas ajuda financeira, porque a Eneva ainda está em processo de documentação com a gente, mas ela sempre nos atendeu na nossa necessidade, tipo a gente... Um período a Eneva bancou a despesa de água, da energia que a gente gastava lá, aí depois ela foi repassando para nós a responsabilidade. Mas teve um período que a gente se atrapalhou também, ficou pouco dinheiro no caixa da associação e acabamos ficando endividados. Eles realmente atenderam nossa dívida, era uma dívida quase de dez mil reais. Eles acabaram ajudando a gente, inclusive esse projeto do cacau é uma ideia que eles estão trazendo para nós através da Beth, que está dando essa força aí para gente. E outras melhorias que já aconteceram lá, eles também estão dando força.
A gente teve uma oportunidade, já como associação, como agricultores familiares, de concorrer ao projeto Fundo Perdido pela fundação do Banco do Brasil. Era um projeto de duzentos e poucos mil [reais] e nós fomos aprovados nesse projeto. Esse projeto nos deu direito de comprar um trator com arador, com a grade de arrasto, e também com o encanteirador que já faz os canteiros; deu o direito também de nós comprarmos as barracas para feiras. Estamos com elas lá, vamos ver se a gente bota em prática. Pudemos também comprar uma picape estrada, ela está com a gente; simples mesmo, só dupla, para ajudar no escoamento das nossas coisas, que a gente precisa. E a gente tem a intenção de conseguir um transporte melhor, um caminhão três por quatro, [que] já dá para a gente levar mais coisas, barracas, mais caixa.
A gente está orando para pintar um outro projeto.
Através da associação também, a gente já executou também Rua Digna. Houve um edital, concorri também nesse edital, e a gente conseguiu um valor de 192 mil reais. Nós executamos um projeto de Rua Digna de quatrocentos e poucos metros, ali mesmo na região da Pindoba, onde fica perto o Polo.
Agora eu ia participar de um outro edital, mas houve um contratempo e aí não deu para eu juntar toda a documentação, porque ficava lá no centro e eu acabei perdendo o horário. Não dei entrada no projeto de outra Rua Digna, mas talvez não vá faltar oportunidade de a gente concorrer a outros.
P/1 – E me conte como é que essa convivência entre tantos espaços de cultura, de religião aqui na vila. Como você falou, tem igreja adventista, universal, tem o tambor de crioula, tem a igreja católica. Como é isso?
R – A gente tem que entender que cada um tem seu direito de liberdade religiosa. A liberdade religiosa é uma coisa muito importante e eu acho que precisa atenção nisso. Quem tem sua religião, de qualquer forma tem que respeitar a do amigo, seja a católica, seja a apostólica, que seja. Como eu falei no início, são um pouco diferentes na questão doutrinária, mas a palavra de Deus é uma só, era bem interessante se todos cultuassem da mesma forma. Mas infelizmente a gente sabe que existem as culturas que são antigas, como tambor de crioula. Meu pai era batedor de tambor, ele batia os tambores e as pessoas ficavam lá rodando, meu pai gostava muito. Eu não me adaptei a essa cultura na época do meu pai, mas ele gostava demais.
Hoje na comunidade tem cada qual no seu espaço. Já tem a igreja católica aqui com a cultura, [no] tambor de crioula tem o espaço deles. Alguém que entende que deve participar pode participar, é livre. A gente já tem o culto da igreja da Assembleia, alguém que entende que tem que participar, que pode ir lá, que pode ouvir, vá. A gente já tem aqui a igreja adventista, a gente faz um programa aberto como a gente fez aqui na porta da igreja; a gente lança os convites no carro de som, entrega pessoalmente nos lares, então fica aberto para todos.
Até então eu entendo que nunca houve conflito em questão a isso, porque a palavra de Deus diz que a religião não se discute. Eu acho que tem que ser respeitada. Se a pessoa tem a religião dela, é bem interessante que o da igreja adventista não critique, que o outro não critique, independente da doutrina, porque a questão da doutrina ela é uma melhoria de aprendizado, e nunca é demais a gente aprender. Tem um verso na Bíblia que diz que nós devemos ouvir de tudo e reter somente o que é bom, e isso com respeito, sem acepção de pessoa. Graças a Deus, a nossa igreja tem interagido dessa forma com outras igrejas que estão aqui na mesma comunidade, e é isso aí.
P/1 – O senhor sabe por que o nome da vila foi escolhido como Vila Nova Canaã?
R – Eu lembro que teve um dia que a gente estava em uma reunião lá na Madureira, onde a gente tinha uma associação. Eu estava lá nesse dia e lembro que eles discutiram muito. Como tinha umas pessoas da… Na época era MPX, estavam lá presentes e houve filmagens. Estavam filmando as pessoas no dia dessa reunião e houve perguntas deles para nós que estávamos na Madureira.
Eles perguntavam: “Vocês tem uma ideia de como querem colocar o nome dessa comunidade?” Alguns optaram por alguns nomes, outros falaram uns nomes diferentes, e eu lembro que teve uma pessoa… Eu não lembro muito bem, mas se não me engano foi o seu Zacarias, que disse: “Olha, o nome que eu queria que colocasse lá era Nova Canaã.” Foi um nome que foi adotado muito bem, todo mundo aceitou. Lembro que o pessoal ficou analisando e disseram: “Rapaz, é bacana, o nome é bacana.” Todo mundo gostou, disseram: “Está aprovado”, então ficou aprovado assim.
Aí veio a ideia deles colocarem o nome das ruas. Como era Nova Canaã, eles achavam que o clima ficava melhor se colocasse o nome das ruas com pássaros, por isso que existe Totoriá, Rua Pipira, Rua Curió, Rua Rouxinol, Rua Jaçanã, entendeu? A única que muda é lá onde eu moro, que é Avenida Raimundo Belo, mas o resto aqui tudo é nome de pássaro, para dar harmonia porque a gente entende que a Nova Canaã é uma terra prometida, onde emana leite e mel, por Calebe e Josué.
A Bíblia fala que Deus diz que tem uma terra prometida, e Moisés também recebeu essa promessa de Deus. Moisés não entrou na terra prometida; era uma terra de gigantes, e [para] essa terra eles mandaram dois espias, Calebe e Josué. Nessa terra prometida era onde tinha a terra dos gigantes. Quando eles chegaram nessa terra só [tinha] homens muito grandes, mas eles trouxeram a prova [de] que conseguiram chegar até essa terra: trouxeram um cacho de uva, e esse cacho de uva veio num pau de carga, um na frente, outro atrás, carregando o cacho de uva. A gente podia até considerar que fosse do tamanho de um cacho de coco babaçu, de grande que era, e pesado, então era uma terra fértil.
O pH dessa terra eu acho que era, hoje a gente... Digamos assim, o pH da terra do polo é um pH de 3.3, de 4. É uma terra mais ou menos equilibrada, de 5 também, mas nosso pH aqui deu 3, alguma coisa. Vamos dizer que o pH dessa terra lá de onde Josué trouxe esse cacho de uva era 50, não precisa de nenhum tipo de adubo para auxiliar; só matéria orgânica é o suficiente lá.
A terra prometida é uma terra que… É por isso que lá emanava leite. Dizem que quando Josué veio eles ficaram assustados, porque eram homens gigantes, e ficaram com medo de entrar e serem derrotados por esses gigantes, mas a história continuando na bíblia diz que eles venceram, herdaram essa terra. Então sim, essa foi uma das razões da comunidade adotar também essa Nova Canaã e as ruas com nomes de pássaros.
P/1 – Canaã é o nome dessa terra prometida? É isso?
R – Uhum.
P/1 – Entendi.
R – Terra prometida. A Eneva, na época a MPX, prometeu e cumpriu. (risos) Cumpriu com seus deveres. Algumas pessoas duvidavam, eu lembro na época: “Ah, rapaz, isso aí não vai sair nada.” Lembro que foi muito bom na época.
Eu gostava da minha casinha que eu tinha lá no Anjo da Guarda. Na minha casa eu tinha no meu quintal… Era muito grande, a minha casa era 10x25. 10x25, meu pai... Deixa eu ver, não... Era 10x20 a minha casa lá no Anjo da Guarda. Lá na minha casa eu tinha um pé de coqueiro, um pé de cacau que já botava, um pé de manga, um pé de pitomba, um pé de laranja e um pé de graviola. Até hoje alguns pés ainda permanecem lá, pé de cacau, pé de graviola, o pé de manga. O coqueiro foi eliminado, alguns outros também. O de laranja parece que foi eliminado, porque eu tenho um irmão que mora bem apegado, até hoje ainda mora lá perto.
Quando eu vim para cá eu também gostei do ambiente, me senti mais livre aqui. Eu sempre gostei da natureza, então não me senti muito ruim aqui, mas tem pessoas que não se adaptaram. Tem pessoas que vieram, só pegaram as coisas que tinha dentro. A Eneva, a MPX na época, quando entregou as casas, entregaram uma televisão, uma geladeira, um fogão, uma impressora com computador, um ventilador e o liquidificador, dentro da casa. Tem pessoas que vieram, pegaram só essas coisas, foram embora e deixaram a casa aí, depois venderam.
Eu lembro que essas casas aqui no documento estavam no valor de 48 mil reais, mas tem pessoas que venderam sabe por quanto? Dez mil.
Teve pessoas que já [se] desfizeram também da terra lá do polo, teve outros que abandonaram porque tem gente que está com dez anos que pisou lá, entendeu, e tem os pioneiros, que somos nós que estamos lá, que mantemos aquilo ali e continuamos trabalhando, nunca abandonamos. Desde quando começou a destocar eu nunca abandonei, estou lá até hoje, graças a Deus.
Às vezes a minha esposa até questiona comigo: “Rapaz, Ivaldo, por que não larga isso? Vai fazer outra coisa.” Eu digo: “Não, não vou não”, porque eu me apeguei as coisas que eu já tenho lá plantadas. Eu gosto das minhas plantas, isso aí me prendeu, mais as coisas que hoje eu já tiro, hoje eu como. De vez em quando eu chego e digo: “Olha, o que estamos comendo aqui de lá, olha isso aqui que já adquiri de lá.” Hoje eu sou apaixonado pelas coisas que eu tenho lá, gosto demais, entendeu?
A gente sabe que entre as culturas, entre os agricultores, nunca deixa de ter um conflito, um desentendimento, uma troca de opinião diferente uma da outra. Às vezes nós temos reuniões e há debate, há discussão porque, infelizmente, nós seres humanos somos cheios de questionamentos e a gente pensa um diferente do outro, cada qual tem uma visão diferente. A concepção da pessoa diz “isso aqui vai dar certo”, mas a concepção do outro diz “isso aqui não vai dar certo” e aí sempre gera um conflito, uma discussão, uma coisa assim.
P/1 – E como foi essa mudança de uma agricultura que era convencional, pelo que eu já entendi, para essa agricultura orgânica? Como foi essa transição, como é que vocês fizeram isso?
R – Uma experiência maravilhosa. Para nós, na época foi uma coisa nova, porque mesmo diante de uma plantação fundo de quintal, geralmente uma pessoa... Hoje, mesmo aqui na nossa região, em São Luís, a gente sabe que a maioria dos municípios, dos interiores, trabalhavam mais com fundo de quintal, mas eles trabalham da maneira deles. Tem até uma expressão que as pessoas dizem, que a roça deles é roça de toco, porque geralmente o que acontece? O agricultor do interior nunca teve uma parte técnica, mas ele trabalha dentro da experiência que ele tem. Primeiramente ele roça, queima e eles entendem que as cinzas - na realidade, é verdade - são potássio, que vai ajudar no milho, na mandioca, no arroz. Mas depois que eu vim trabalhar aqui no polo, seu Altamiro, que é técnico, ele sempre deu um acompanhamento para gente. Ele dizia: “Não toca fogo, porque geralmente, quando tu toca fogo, tu perde muito. Para o primeiro ano talvez você vá ter aquele potássio da cinza, que vai ajudar na plantação do milho, mas depois a terra fica pobre.”
A terra praticamente fica nua, desprotegida. Uma terra que você trabalha com acúmulo de matéria orgânica… Eu trabalho na minha área e aprendi isso, [a] trabalhar muito com matéria orgânica. Toda a cana que eu corto, que eu tiro as palhas da cana, eu acumulo para decompor ali, para criar uma matéria orgânica. Na minha área quase eu não uso insumo de bosta de galinha, esterco de galinha; quase não uso, eu uso mais matéria orgânica.
Eu lembro que um cacho de banana bonito… Talvez eu tenha oportunidade de te mostrar uma foto que eu tenho. Teve um dia de campo que sempre acontecia no mês de outubro. Eu plantei uma abóbora e eu estou com ela na foto aqui. Ela deu abóbora de dezenove, vinte, dezoito quilos - as abóboras que eu colhi só na matéria orgânica, entendeu? Hoje, as minhas plantações que estão lá estão praticamente sobrevivendo da matéria orgânica, porque eu tenho muito acúmulo de matéria orgânica. Estou deixando na minha área de propósito, justamente para isso.
Cada inverno que dá tem como você aproveitar muita matéria orgânica. Toda a palha, toda folha que você tem ali você pode ir acumulando, fazendo os camaleões, como a gente chama. Direto acumulando. Deixa um corredor, faz outro camaleão, vai acumulando e depois de alguns anos aquela matéria orgânica você pode abrir no meio, botar ali uma banana, botar a cana, botar um mamão, um pé de mangueira, botar um pé de cupu, cacau, aí a terra está preparada. Sem falar que quando entra uma crise de seca aquela cobertura que está ali protege as plantas. Tem pé de cupu, cacau pequeno, e esse período todinho não está molhando, mas ele está intacto, está verdinho ainda, por causa disso. Se estivesse na terra limpa, aí segura, morre rapidinho.
P/1 – Vocês aprenderam ou você está executando essa agricultura junto com criações de animais também?
R – Quase não. A ideia na época era ter a capineira para criação de pequenos animais, mas a gente não adotou muito a criação de animais. A gente ainda teve no coletivo, recebeu um projeto da Fapema e esse projeto era um projeto pequeno, de quarenta mil reais. Construímos os galpões de frango, pro caipirão. A gente andou colocando... Pelo projeto, botamos a primeira etapa de mil frangos, depois mais outra etapa de mil frangos, depois mais outra etapa de mil frangos.
Eu sei que a gente andou botando mais quatro vezes ou cinco de mil frangos, aí tivemos dificuldade no escoamento desse frango, porque quando chegava no período de abater esses frangos a gente não tinha um mercado aberto para a gente entregar. A gente vendia duzentos para ali, trezentos para ali, oitenta para ali, pingando. Isso aí dificultou, porque quando chegava na época ficava muito frango ainda - quinhentos, seiscentos frangos no ponto de abate. E a ração lá em cima, aí começou a entrar no lucro da gente e a gente teve perda.
Depois tentamos mais outra, aí o dinheiro do projeto acabou, porque enquanto tinha o dinheiro do projeto para a gente comprar ração ainda estava mais aliviado. Quando acabou o dinheiro do projeto foi sair do nosso bolso, aí a gente ficou no prejuízo. Por que? Porque além do lucro não ser tão grande, nós estávamos [em] quinze pessoas nesse coletivo, para um lote de mil frangos, com toda a despesa. A gente ficou foi devendo, aí a gente deu uma parada.
A gente está na expectativa que se entrar um programa aqui pela prefeitura, pelo projeto de alimentação escolar - eles têm um projeto de escoamento de frango, de fazer o filé do peixe, aí a gente pode entrar porque é uma coisa certa. A gente sabe que criando mil, dois mil frangos, já sabe para onde é que ele vai e o preço que está. A gente está na expectativa de reativar a qualquer hora.
P/1 – E você se sente feliz de poder alimentar essas escolas? Porque é uma comida mais saudável, né?
R – A gente entende que está contribuindo para uma alimentação mais saudável. A gente sabe que hoje, quando a escola oferece outro tipo de merenda, acho que não é nem muito benéfico para saúde das crianças. Sem falar que o hoje o incentivo das crianças comerem legumes, através desse programa, foi maior; muitas crianças que diziam assim: “Ah, não gosto de legume”, através desse programa nas escolas já tomam aquela sopa de verdura, gostam, já comem uma salada. Ali tem uma macaxeira frita, cozida, tem um mingau da macaxeira, então as crianças começaram a criar o hábito de começar a se alimentar [de forma] mais saudável. Geralmente, na escola, as crianças se alimentam somente de suco, que às vezes não poderia ser... Uma polpa de fruta, natural. [É] mais artificial, essas coisas, isso a gente sabe que é prejudicial à saúde das crianças. Chocolate também, acho que não é muito saudável quando não é orgânico, tem outras misturas maiores, então não contribui muito para as crianças. Através da agricultura somou muito para ajudar a mudar um pouquinho o hábito das crianças.
P/1 – E o senhor percebe no que o senhor planta e come diferença de outros alimentos?
R – Com certeza, sem dúvidas. Eu sempre digo assim, é uma coisa bacana, legal. Hoje as pessoas estão criando um hábito. Até mesmo nos apartamentos elas fazem umas caixinhas, plantam um pouco de cheiro verde, um pouquinho de rúcula, alguns alface. Isso é muito bacana porque você está cultivando, você sabe de que maneira você cultivou. Geralmente, as pessoas que plantam dessa forma usam mais o orgânico.
A gente sabe que nas escalas grandes, tipo esse pessoal que trabalha com soja, dentro do aproveitamento a gente sabe que tem muita matéria orgânica, mas para agilizar todas aquelas plantações, também para controle de praga, o que eles usam? Veneno. A vantagem da agricultura familiar é que é uma coisa menor, então fica muito fácil das pessoas oferecerem uma coisa saudável, uma coisa bem orgânica, bem saudável, sem veneno.
Na minha área eu usei veneno no começo, sem noção, mas depois que eu tive todo o treinamento ali, a orientação que o veneno não é benéfico e o veneno aplicado enfraquece a terra… Eles usam aquele mata-tudo para limpar a terra, para fazer limpeza. A pessoa quer agilizar uma limpeza na terra, ele aplica mata-tudo na vegetação todinha. Com uma semana está torradinho, mas o veneno que foi para a terra… Sem falar que vai matar todos aqueles insetos que são benéficos, que ajudam a fazer a matéria orgânica, matam tudo. Aquela terra vai custar a se regenerar para formar uma matéria orgânica de novo, porque ela fica uma terra pobre. A pessoa, para combater os insetos, além do… A gente sabe que existe a paquinha, existe o gafanhoto, existem outros que são destruidores da agricultura, tipo um cheiro verde, um couve. Geralmente as pessoas, para combater esses gafanhotos que dá, as paquinhas, [usam] veneno, mas além de matar as paquinhas, matam os outros que são favoráveis à agricultura, que protegem.
O outro desastre maior é quem vai ingerir, vai comer veneno. Quem aplica veneno... Só para ter uma experiência, quem planta o cheiro verde orgânico, tu pode colocar na geladeira que ele passa três semanas intactos; a pessoa que usa veneno no cheiro verde, em qualquer folhagem, em três dias está tudo amarelo dentro da geladeira. Então essa é a diferença, muito grande, sem falar na contribuição pro câncer. A pessoa está ingerindo ali, o veneno disso vai para a via sanguínea e quando pensar a pessoa está com problema de tontura, uma trombose, né, aí que eles chamam o AVC, ataca os nervos.
Eu assisti uma reportagem no Globo Repórter [de] uma família que trabalhava com muito veneno. Se não tiver toda uma proteção, luva, máscara, uma bota que seja adequada para aquela aplicação… Se você aplicar descalço, sem uma proteção, até qualquer ferimento que tiver aqui, o veneno vai para a via sanguínea. Quando passa um tempo a pessoa está com aquela tremedeira ali, problema de nervos. Tem gente que fica todo tempo assim, a família lá tinha uns três assim, desequilíbrio total. Depois que olhei isso aí, disse: “Misericórdia senhor. Não quero saber de veneno.” Não aplico de jeito nenhum, quero ter um trabalho orgânico na minha área. E a minha área também eu não toco fogo, não faço queima, porque a gente sabe que a pessoa que queima a matéria orgânica… A pessoa tem muita vegetação seca e aquela vegetação ela deve conservar ali para no futuro, [pra] quando chegar o inverno se decompor ali. Vai enriquecer a terra dela. Aí ela larga fogo, quando chega o inverno ela varre tudo ali, não tem proteção...
Já viu tu no frio sem camisa? Rapidinho a pessoa está ali tremendo, desconfortável, mas se está com uma manga comprida, uma camisa de frio, está bacana. Ainda que sinta assim, você está mais protegido. A mesma coisa é a terra, na terra protegida pode cair pancada d’água, a água se acumula ali; se passar um mês sem chover a terra está todo o tempo úmida, então isso é bacana. Eu me dedico a fazer dessa forma, acho muito mais vantagem.
P/1 – Vocês têm peixes lá também?
R – Eu tenho um pouco porque a ideia lá na agricultura do HortiCanaã, no polo... Como a gente tentou amenizar nossa despesa quando passou a responsabilidade de água, a gente criou a ideia de cada um cavar uma cisterna dentro da sua área. Por que? Porque se todo mundo cavar uma cisterna dentro da sua área, além da água que nós vamos ter dentro do combinado, digamos três vezes por semana… Mas aí tendo a cisterna cheia - vou dar um exemplo aqui de 3 x 6, com 1,5 [metros] fundura - ainda que dê pane na bomba, ou acontecer alguma [coisa], tem água suficiente para ir mantendo, aquecendo tuas plantas ali - aquecendo não, resfriando suas plantas. Pode usar uma bomba própria e molhar com tua bomba, essa foi a ideia.
Hoje eu tenho uma dentro da minha cisterna, ela dá mais ou menos uns 3 x 4,5, aí eu botei tilápia. Hoje já tem umas bem grandes. Estou cultivando elas lá por enquanto com a intenção só de comer mesmo, não é para vender ainda, mas se tudo der certo, se elas engordarem e eu comer e achar bom, eu vou oferecer para os outros, tentar oferecer e depois, quem sabe, no futuro ampliar, abrir mais outros. Tem uma porção de projetos que a gente faz até naquelas caixas mesmo, quem sabe pode entrar um projeto maior para a gente criar peixes? Geralmente, da tilápia eles fazem muito o filé, porque tem menos espinha. Já da tambaqui não é muito aceitável o filé porque ela contém muita espinha, mas nós estamos lá numa luta.
P/1 – E como é que foi para você o teu filho Kevin ter feito todos esses anos aqui na escola e ter passado numa faculdade?
R – Para mim foi uma honra, foi uma felicidade muito grande. De onde a gente veio para uma comunidade que, na realidade, a gente foi agraciado. [É] pequena a comunidade, mas a gente entende que a empresa nos agraciou com colégio, uma casa de cultura, associação, uma pracinha que hoje nós temos, um posto policial, três igrejas na comunidade, um posto de saúde… Um mercado que está um pouco desativado, mas eu creio que daqui um tempo ele estará ativado, daqui a pouco muitas pessoas vêm morar para aí. Está crescendo bastante aqui, daqui a pouco a gente vai ter a ideia de ampliar esse mercado e aí melhor fica ainda.
Saber que meu filho teve uma contribuição nessa escola, porque ele começou a estudar aqui e daqui ele tirou várias notas boas. Eu lembro que de vez em quando eu participava da reunião, eu era chamado no colégio, aí eles sempre me davam uma posição positiva de Kevin: “Rapaz, olha, você está de parabéns, irmão Ivaldo. Seu menino aqui nunca deu trabalho, um menino comportado, um menino que não conversa muito, um menino inteligente. É a coisa mais difícil ele tirar um nove, tudo era dez.” Ele foi considerado um dos melhores alunos dessa escola, então para mim foi uma honra.
O outro deu mais um pouquinho de trabalho, mas terminou os estudos dele também. Está na luta por uma faculdade ainda, mas está tudo bem. Estou feliz por isso.
P/1 – Todos formados aqui?
R – Uhum. Estou até querendo ver se ele encaixa aí numa faculdade. Eles vão tentar dar uma oportunidade aí nos finais de semana, abre uma faculdadezinha aí. Se isso acontecer, até eu mesmo vou tentar me qualificar em alguma coisa..
P/1 – Qual é o seu sonho hoje, o seu objetivo maior?
R – Meu sonho é ver os meus filhos estabilizados. Como eu te falei, eu vim de uma família bem humilde. Eu lembro que lá em casa a gente não tinha janta. Aí tu pergunta: “Por que?” É porque meu pai pescava. O dia a dia dele era esse, era pescar e vender o peixe dele para tirar o sustento. Eu lembro que quando meu pai vinha da pescaria, ele chegava lá em casa duas horas da tarde com um peixe e em casa nós éramos doze filhos. Meu pai, ele não, a gente não tinha… Dois quilos de arroz não eram o suficiente, tinha muita gente lá em casa. Às vezes, além do arroz que mãe cozinhava, ela tinha que fazer o pirãozinho de farinha seca e completar com arroz. E quando a gente ia almoçar, o nosso almoço era quatro e meia, cinco horas da tarde, então nosso almoço era a nossa janta, entendeu?
A vida no interior, às vezes a gente tem essa visão um pouco sofrida mas, apesar de tudo, temos muito auxílio de fruta. A gente come uma frutinha para ali, come uma manga para ali, o dia vai passando. Mas lá em casa era assim, nosso almoço era só um, a gente não tinha a janta.
O que eu desejo para os meus filhos é uma vida mais estabilizada, que eles possam ter uma vida. A gente sabe que está vivendo num mundo muito complicado, a cada dia o custo de vida é maior, e hoje eu agradeço muito porque os meus filhos estudaram o suficiente [pra] alcançar o mercado de trabalho, de ter como oferecer para a família, para a esposa, seus filhos, seus netos no futuro. Não sei se até lá eu ainda estou aqui para ver isso, mas se Deus permitir que eu possa dormir no pó da terra, eu já dormiria satisfeito porque já entendi que eu contribuí muito; eu fiz a minha parte também, Deus sabe até onde eu lutei.
Quando eu morava no Anjo da Guarda, eu lembro que teve um período que eu estava bem apertado, bem apertado mesmo. Eu trabalhava com vendas, fiz as minhas vendas de remédios naturais, eu com minha bicicletinha, aí um dia lá em casa não amanheceu nada. Amanheci no zero mesmo, não tinha nada para comer, eu estava... A minha esperança era receber um dinheiro na rua porque eu vendi minhas coisas.
Eu lembro que eu saí, meu gás tinha acabado. Fiz minha primeira cobrança e a pessoa disse assim: “Olha, eu não recebi meu dinheiro.” E eu: “Não, tranquilo.” Acho que a minha compreensão [era] tão grande porque eu estava sabendo o que estava passando também. Deus sabe que não pressionei ninguém mediante aqueles que disseram que não tinham. Eu cheguei numa casa, uma senhora me disse: “Ô, irmão, me perdoe. Eu estava com seu dinheiro, mas houve uma necessidade assim, assim e assim.” “Tranquilo, tudo bem.” “Passa tal dia.” “Tá bom.”
Eu sei, amigo, que eu saí, fiquei com duas cobranças. Eu disse: “Minha esperança são essas duas cobranças.” Saí, cheguei, bati na porta, não colhi nada, nada. Só me restava voltar para casa com fome, com sede, cansado. E aí eu lembro que eu vinha subindo aqui pela Vila São Luís - do Anjo da Guarda tem um bairro, Vila São Luís, para sair lá dentro da Mauro Fecury, onde eu morava. Tinha uma ladeira, eu vinha subindo cansado, minha mão geladinha, com fome, em jejum, e eu só pensando: “Senhor, você sabe.” Quando terminei de subir a ladeira, escutei um grito de uma pessoa chamando meu nome. “Irmão Ivaldo.” Olhei, era Oziel, um irmão da igreja. Ele disse assim: “Bora almoçar lá em casa.”
Eu fiquei até assim: “Rapaz, é verdade mesmo?” Aí eu fui. Você acredita que quando eu cheguei lá ele tinha... Ele morava quase sozinho. Eu lembro que ele comprou uma galinha, parece que era galinha assada, uma panela de arroz; ele disse assim: “Irmão pode tirar, pode ficar a vontade aí.” Quando eu botei minha quantia no prato, eu fiquei assim… Lembrei de casa. Ele disse: “Não, irmão, pode comer, não fique com vergonha.” Eu disse: ”Não, vou te falar um negócio aqui.”
Contei a história para ele, disse: “Olha, está assim, assim. Sí para umas cobranças, não recebi nada, lá em casa deixei no zero.”“É mesmo, irmão? Faz o seguinte: esse arroz aqui você vai levar. Não se preocupe não, deixe que eu vou providenciar outra coisa aqui que eu tenho. Essa galinha aqui o senhor pode levar.” Botou lá, ajeitou tudinho e eu levei.
Cheguei em casa, estava todo mundo me esperando, aí [é] que nós fomos almoçar. Eu lembro dessa cena, chega fico emocionado, e vejo a bondade de Deus ao mesmo tempo. Eu já passei muito momento apertado, mas depois que eu cheguei aqui eu sei que Deus me abençoou muito. Muitas lutas eu já passei também aqui, mas eu superei, muita coisa eu superei.
Lá eu andava, as minhas cobranças mais eram a pé. Na época eu comprei uma bicicleta, com muita luta. Eu tinha um terreno, vendi, abri um consórcio para uma moto, porque a minha trajetória era vender e cobrar. Toda vez eu pagava adiantado para ver se eu participava do sorteio, para não ficar fora do sorteio; nunca fui contemplado. Foi na ocasião que a gente veio embora para cá, até hoje tenho essa moto, uma fan. Hoje ela está servindo meu filho, ele vai daqui para Pindoba, volta nela.
Quando eu estava aqui, eu tive uma necessidade depois que eu estava no polo. Eu fiquei assim, olhei uma visão e disse assim: “Senhor, quero que o senhor me ajude com transporte, porque no futuro eu preciso de um carro aberto”, aí o que eu fiz?
Eu vim embora de lá, deixei minha casa lá; por uns dois anos a minha casa ficou alugada. Eu cheguei um dia lá, a casa vivia mais era fechada, moravam dois jovens lá e eles trabalhavam fora e só chegavam de noite. Entrei, muito cupim deu na casa, estava danificando, aí tive que fazer uma reforma.
Vendi a casa, na época vendi por dezoito mil a casa. Tinha uma pessoa querendo vender uma casa aqui na Canaã, na Rua Rouxinol. Ela me ofereceu por dezesseis mil. Eu disse: “Não tenho esse dinheiro”, aí ela disse: “Eu lhe vendo até por quinze mil.”
Eu disse: “Como é que estão as contas? Está tudo certinho?” Fomos puxar. Tinha débito de água, tinha débito também de luz. Nós fizemos uma negociação, a casa acabou ficando por quatorze mil e eu assumindo.
Essa casa para mim foi boa porque eu tinha uma casa alugada lá que estava distante, não podia acompanhar direto. Essa daqui ficou bem pertinho, aluguei por um período de ano. Depois eu orei a Deus: “Senhor, eu queria vender essa casa e comprar um carrinho aberto para mim.”
Ofereci a casa, apareceu uma senhora que era corretora e o cunhado dela estava interessado em comprar a casa. Ela, como corretora, facilitou tudo; me ofereceram na casa 46 mil, eu tinha comprado ela por quatorze mil e pouco. Vendi por 46 mil, aí peguei esse dinheiro, comprei uma Saveiro na época. Estou com ela ainda, estou até com probleminha nela, fazendo a parte de força dela na oficina.
O cidadão teve um assalto aí com ele, ela estava com um ano de uso. Chegaram ainda a dar um tiro nele, deram um tiro nele aqui. A bala saiu no canto do olho, ele chegou a entrar em óbito. Eu conheci a família e depois que vendi a casa saí dando umas voltas nas lojas, pesquisando preços. O Rafael, colega meu, disse: “Irmão, a Célia quer vender o carro que era do Ribamar.” Eu disse: “Como é que está esse carro?” “Rapaz, está na oficina, porque os ladrões, quando roubaram bateram o carro, mas o carro está intacto.”
Fui olhar o carro. O carro estava terminando de ser reformado, a parte que danificou. Ela estava pedindo na época quinze mil, tinha um ano de prestação - dois anos de prestação, como tinha seguro de prestação o banco cobriu um ano, ficou faltando um ano. Dei os quinze mil para ela, na época que eu estava encontrando na loja Saveiro - uma completa mesmo, não era Cross. A minha é um G5 - estava encontrando à vista por sessenta mil, 58 mil. Essa daí eu dei quinze mil e assumi um ano de prestação; quitei e até hoje ainda estou com ela.
Estou dando um grau agora no motor dela, deu um problema no cabeçote. Talvez essa semana eu pego ela na oficina. Estou rodando aqui com a da associação, como sou o presidente lá na administração, [isso] me dá direito de eu atender minha necessidade.
Pra mim foi bacana estar aqui, muita coisa melhorou para mim.
P/1 – Como é que foi contar um pouco da sua história hoje pra gente?
R – Eu me sinto feliz de compartilhar um momento difícil da minha vida, da minha família. Minha família sempre me mostrou a luta com honestidade e até hoje eu estou na luta com honestidade. Não é fácil, mas a gente está buscando isso e repassando também.
Para mim foi uma experiência compartilhar isso aí com vocês. Quem sabe esse depoimento outras pessoas vão ter oportunidade de ouvir, né? O mais importante é que outrora a gente não tinha a tecnologia que hoje a gente tem. Primeiro você tirava uma foto, essa foto você guardava, e às vezes as pessoas ficavam olhando anos e anos. A pessoa morria, estava aqui a foto, mas hoje é uma coisa ao vivo, você morre [e] ficam aí as gravações. Alguém vai passando para gerações e gerações, quando ela é bem guardada, bem conservada ali, então vai servir para outras gerações a experiência de outros.
Estou deixando um pouquinho da minha experiência e eu acho que talvez vá ajudar alguém, quem sabe, a olhar coisa positiva, porque nem tudo é só positivo, existe o negativo. Se não existisse isso talvez não teria a maneira da gente expressar a força de lutar. Você talvez poderia estar se olhando todo o tempo como um fracassado, mas a vida sempre te dá oportunidade. Tem até um verso na palavra de Deus que diz que “o homem pode até fazer planos, mas as respostas vêm dos lábios do Senhor”. E a Bíblia diz que “durante o dia pode vir até o choro e a noite, mas na manhã você pode ter alegria”, porque é um novo começo de dia. A Bíblia diz que todos os dias Deus dá uma oportunidade de recomeçar a sua vida. Hoje o dia não foi bacana, tem dias que a gente se sente assim, que parece que tudo deu errado, mas se a gente for parar só nisso, a gente não continua. Não, eu vou superar isso aqui, eu vou tentar de novo, porque eu tentei e não deu certo, mas eu vou tentar de novo. Tenho muitas experiências comigo de tentar uma coisa e não dar certo, mas eu torno a tentar.
Eu acho que a nossa vida, enquanto nós estamos aqui, é de luta, é tentativa, e acreditar que vai dar certo. É a gente pensar negativo, mas a gente tem que pensar no positivo, apesar de que a gente vê que hoje, tratando e tocando no meio político administrativo do mundo todo, a gente não tem esse incentivo de honestidade. Quando você vê alguma reportagem de pessoas talvez que são experientes, pessoas de idade, como passou agora recente, aquele deputado com uma porção de dinheiro na cueca… Acho que isso é um exemplo muito péssimo para a geração que está aqui.
Acho que a vida simples no campo, na luta… A Bíblia diz no livro de Gênesis que nós devemos viver do suor do nosso rosto. É digno um homem que trabalha, não importa se ele trabalhava no coliseu, não importa se ele trabalhava na reciclagem, não importa se ele trabalha na roça suado, queimado do sol, mas ele está vivendo do suor do rosto dele. Um dinheiro honesto, um dinheiro do bem, que a gente pode considerar.
A gente vê a grande luta do seu Zacarias, um homem também que é um lutador, um guerreiro; está aí no dia a dia no sol, numa campanha política. Quem sabe, ganhando, ele seja uma pessoa para sinalizar outros do erro: “Rapaz, isso aí que vocês estão fazendo está errado. Isso aqui nós devemos levar para ali.” Tem que ter alguém para sinalizar alguém. Tem pessoas que são muito imprudentes somente quando estão no poder, então que seu Zacarias não seja mais um e se alie com os demais para se corromper.
Hoje é muito difícil a política, é muito corrompida. Eu falava para um amigo meu, irmão da igreja, que está concorrendo: “Sabe qual o meu medo?” Deus não tem nada contra o dinheiro, a riqueza, mas Deus tem uma advertência enquanto isso. Deus diz assim: “O dinheiro é a raiz de toda a espécie de males e muito nessa cobiça desvia-se dando ouvido a si mesmo.” Esse é um medo, porque se a pessoa não tiver domínio próprio em questão de dinheiro, ela pode perder a humildade, pode perder o amigo, pode desconsiderar a família - pode desconsiderar qualquer pessoa, porque o dinheiro é uma influência muito grande. O perigo não é o dinheiro, é quem está querendo manejar o dinheiro, porque ele atrai toda a espécie de males. De repente tem um cara que foi bem agraciado num valor alto, aí vai parecer um empresário, lançando proposta à sociedade: “Se tu quiser comprar tanto por cento da minha empresa, entrar comigo, nós estamos aqui”, mas por trás dessa vitrine não sabe o que está acontecendo. De repente aquela empresa é só uma fachada, por trás tem lavagem de dinheiro; muitas empresas são criadas só para isso, só para lavar dinheiro. Criam um CNPJ, criam uma empresa fantasma.
Passa muito aí, eu gosto de assistir a reportagem, Fantástico, Globo Repórter. Às vezes as pessoas vão lá naquele endereço, chegam lá e é só um endereço fantasma, não existe. Ainda compromete o nome de pessoas [que] não têm nada a ver na história, é muito... Estamos em um mundo muito corrompido, muito cruel. E é onde a minoria que tem talvez um caráter mais honesto sofre, porque não quer se corromper, não quer entrar nesse lance.
Eu falei para ele, disse: “Esse é meu medo político”, entendeu? A gente vê muita coisa acontecendo assim.
Uma vez um colega falou para mim: “Olha, numa gestão...” Não posso falar aqui o nome da gestão, as pessoas que estavam, mas numa gestão política aconteceu o quê? Eles barravam os projetos, querendo propina para dar canetada, porque a gente sabe que a maioria dos candidatos são fiscais do prefeito. Quando tem um lance grande, um projeto grande, todo mundo quer a fatia do bolo. “Ah, eu assino se eu tiver o meu.” Ele disse que teve uma pessoa lá que não se corrompeu, mas o cara começou a botar uma porcentagem mais alta e ele acabou se corrompendo. Então é um risco que [se] corre.
Então eu nunca senti desejo para concorrer para a política. Não é por causa da gente. A gente sabe que você pode estar contribuindo para o país, pode ser também uma semente que pode estar ali para germinar, para dar uma esperança melhor, mas a gente sabe que é muito complicado, a maioria não sobrevive. A maioria pode ser até ameaçada de morte, porque geralmente para quem está na corrupção, para eles você é uma ameaça muito grande. Uma honestidade no meio de uma desonestidade é uma ameaça muito grande, entendeu? Então é complicado.
P/1 – Muito obrigado pelo seu tempo, obrigado pela fala. Espero que você tenha gostado.
R – Tá, foi muito bom estar com vocês aqui, tranquilo. Estamos aqui à disposição, viu?
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