Histórias de Consumo Consciente
Depoimento de Maluh Barciotte
Entrevistado por Lila Schneider
São Paulo, 21/12/2016
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV551_Maluh Barciotte
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Maluh, então vamos começar falando o local de nascimento, a tua data de nascimento…
R – Então, eu nasci no Alto da Mooca, Água Rasa, em São Paulo, capital. Primeiro de junho. Eu tive uma infância muito gostosa, fui criada muito com a minha vó, que era a melhor pessoa que eu já conheci na minha vida, que acho que tudo que eu faço tem a ver com a figura dela. Casou aos 16 anos, casou com o meu avô que morava numa colônia italiana na fazenda, então, costumes e culturas muito misturadas, né? A cultura brasileira, era uma pessoa que a família era de Minas com a cultura italiana muito forte, muito afetiva e então, foi muito feliz, mas aos oito anos de idade, uma vez, eu vi uma peça da Clarice Lispector, onde tinha uma frase que eu me identifiquei muito. Aos oito anos de idade, eu já olhava para o mundo, eu achava… assim como a Clarice, eu queria consertar o mundo. Eu já via que os adultos assim, em geral, eles precisavam de alguma coisa… eles tinham uma certa incoerência naquilo que se falava, naquilo que se fazia, como sociedade. E aí, eu queria consertar o mundo. Então, desde pequena, eu achava que eu queria ser educadora ou professora, alguma coisa assim, adorava escola, adorava. Achava que a escola era um ambiente de troca, assim como hoje, eu sempre gostei desde criança muito de gente, então eu lembro quando a gente viajava, eu passava assim, eu viajava de carro, via as casinhas ao longe assim, com as luzinhas acessas, eu sempre ficava pensando, né: ‘que criança será que mora lá? ’, como eu queria conhecer aquela criança, então era uma coisa que me deixava feliz só de imaginar. Adorava inventar história, adorava inventar histórias e aí, quando eu estava então na escola que eu gostava muito, eu achava que eu precisava devolver para a escola aquilo que ela tinha me dado. E aí, na quarta série quando eu me formei, na primeira, né, era ensino primário, depois tinha quinto ano, admissão… quando eu me formei, eu fiz um poema e declamei. Posso declamar agora?
P/1 – Pode!
R – Que era assim: “Adeus grupo escolar, adeus escola amiga. Adeus bondosas colegas, adeus professoras queridas. Com muita saudade deixamos o nosso tão bom amigo, que ele seja sempre muito, muito querido. Espero que algum dia viemos a nos encontrar, mas só que nesse dia, eu é que quero ensinar”. Então, a escola deixou saudades, foi a melhor época da minha vida escolar foi o primário e depois, o cursinho. O resto não foi tão bom. E essa percepção, então, de unidade, acho que sempre me acompanhou. Eu digo que tenho um pensamento sistêmico desde esses meus oito anos de idade e assim, eu conseguia ver o todo e as coisas encaminhadas e as relações. Ai, eu… inclusive, fiz curso normal, nunca dei aula para pequenos, mas eu fiz a Escola Normal e a questão de ir fazer uma faculdade de Biologia foi muito intuitiva, mas tinha a ver com esse meu pensamento sistêmico, eu já percebia mas nem existia a palavra na época, nem se falava, mas eu fui fazer Biologia, aliás, a Biologia para mim é uma coisa maravilhosa e ai, eu tive um professor de Citologia Genética, Citologia principalmente, um cara maravilhoso, chamado Renato Basile que era uma coisa, assim, a aula dele era uma aula de teatro, quase, era uma… era super empolgante, né, apaixonante. E veio a coisa do pensamento sistêmico, de fato, com o livro que ele nos apresentou chamado “Fantasma da Máquina”, que falava já dessa visão holística e da visão sistêmica. E foi isso que na Biologia, sempre me apaixonou. Ai por conta disso, eu fui fazer um mestrado em Biologia, aliás, eu acho que a questão da Biologia, a questão da célula… para mim, célula é poesia, porque célula é a unidade que configura a vida e a vida é poesia. Depois, eu vim trabalhar nessa visão, até hoje eu trabalho com essa visão. Então, célula e poesia e as relações perfeitas que a vida nos traz tanto no organismo, quanto nos ecossistemas e nos biossistemas são poesia. Acho que a gente falha muito como sociedade em não perceber e não investir nisso, e obvio que as crianças vão à escola e não gostam da forma analítica com que a coisa é tratada, porque essa forma analítica, ela pode ser muito eficiente para resolver alguns problemas e para construir outros, mas ela é mentira. A vida não é analítica, você não separa, mesmo na Biologia era muito frustrante. Você ia estudar uma flor, você cortava, tirava o galho, tirava a folha, tirava o fruto, você não estudava o indivíduo, né? Fora a Ecologia depois e tal, mas era muito… então, isso era um pouco frustrante, mas a Biologia em si, quer dizer, a forma que ela era ensinada muitas vezes era um pouco frustrante, mas a Biologia em si é maravilhosa, né? Então… muita gente ainda fala: ”Mas Maluh, você não trabalha com aquilo com o que você se formou”, acha assim que um biólogo deve trabalhar no laboratório, não, o biólogo trabalha com a vida e eu me sinto o tempo todo trabalhando com a vida e as escolhas que a fortalecem, né? Então, eu fiz…
P/1 – Deixa eu só… vamos voltar um pouquinho. Você podia falar o nome dos seus pais?
R – Ah tá! Meu pai, Eulálio Paulo Barciotte, minha mãe, Alzira Alberine Barciotte. Meu pai, primeiro filho que nasceu no Brasil de uma família croata, que na realidade, na época era iugoslava, se diziam iugoslavos, minha mãe, então filha de Guilherme Alberine e Mariana Alberine, que eram… o Guilherme descendentes de italianos, também tinha nascido, um dos primeiros acho que nasceu no Brasil, minha avó, Mariana mais de Minas, alguma coisa mais Brasil, mas também muito simples, uma família super simples. Ah, tem uma coisa interessante que acho que também me aguçou a curiosidade, quando eu era criança, tinha uma família espanhola simples que morava… depois eles voltaram para a Espanha, mas que morava no porão ao lado da minha casa. Eles eram muito simples, mas eles tinham uma biblioteca, eles tinham Dom Quixote. Eles tinham livros maravilhosos, eles tinham Dom Quixote, tinham livros maravilhosos e tinha um menino que pintava, era uma coisa que fugia da nossa… a vizinhança que era de brasileiros mais simples, né, mas eu achava aquilo maravilhoso e a menina, chamava Manuela, ela contava histórias. Ela ficava lavando a louca e eu era pequena, cinco, seis anos, ela me contando histórias. Acho que isso também foi muito importante pra minha formação como pessoa, né, porque acho que histórias, acredito muito. Ah, tinha uma coisa interessante também. Eu adorava gente. Eu queria ser escoteira, alguma coisa assim, só que perto da minha casa não tinha nada parecido e ai, eu me mudei para um outro bairro chamado Vila Santa Isabel, que é perto da Vila Formosa, também na zona leste de São Paulo e tinha uma igreja que é a Santa Isabel, uma igreja imponente até hoje, uma igreja bonita, imponente. E ai eu entrei na cruzada porque tinham crianças, tinham grupos de crianças e ai, com nove anos de idade, eu dava aula de catecismo para crianças de seis, sete anos, que naquela época, se fazia a Primeira Comunhão mais cedo, com oito anos, como eu fiz. Eu adorava. E ai, a gente usava teatrinho e tinham as historinhas de Cristo, toda a passagem de Cristo pelas historinhas, teatrinho de papel, a gente montava, era lindo, lindo! E eu acredito que já desde essa época que eu dava essas aulas, eu descobri a questão do consumo. Do consumo responsável e do consumo com o que eu trabalho, depois eu vou contar e das escolhas de consumo e da destruição do sagrado pelo consumo, porque Cristo, a passagem que mais me mexia na época, quando eu tinha então esses nove, dez anos de idade, porque Cristo pra mim, o mais forte é quando ele entra no Templo de Jerusalém com um chicote e expulsa os vendilhões do Templo. Aqueles que estavam destruindo o sagrado e para mim, tem passagens lindas na história do Cristo, mas essa sempre me marcou. Talvez, até hoje, eu sinto que se destrói a vida, o consumo vem destruindo a vida, né, os anseios e os desejos e as coisas vão sendo colocadas, mas naquela época, eu já olhava como… não fazia parte de uma reflexão profunda, talvez da intuição, uma coisa mais intuitiva de que eu acho que o Cristo também ele traz muitas histórias que têm muito a ver, tudo a ver com aquilo que a gente trabalha, né, uma questão ligada ao sagrado, não ao religioso, uma religião, uma ou outra, né, mas já me chamava a atenção, eu falava: “Gente, quando…”, ainda naquela época se falava, né, dos judeus, né, e falava: “Gente…”, até falando que os judeus crucificaram Cristo, mas eu já pensava: ‘gente, mas Cristo era judeu, ele era circuncidado, como é que as pessoas não percebem isso, que Cristo não era cristão, Cristo era judeu, né? Então, desde aquela época, eu via esse descompasso das coisas que os adultos falavam sem perceberem, né, a unidade da vida e estava se falando da mesma coisa e o importante era, no caso, a religiosidade, eu gostava muito. Não gostava do controle, né, mas gostava muito da reflexão, até da poesia que essas histórias eu contava para as crianças, inclusive, né? Mas eu não gostava da escola de freira que eu fazia, muito limitante, não gostava. Mas eu gostava da reflexão que aquilo que eu via trazia, acho que tinha professores fantásticos também, né? Que eu pensei às vezes que eu podia ter feito Psicologia que eu também gostava muito de gente.
P/1 – E lá nessa escola de freiras, você lembra de algum professor especial?
R – Eu me lembro de uma professora, eu não me lembro o nome. Fantástica, acho que era a Maria e ela olhava, aquele curso era fraco, sabe, e ela olhava para aquele curso normal, a escola normal e para o mundo real e falava: “Puxa, vocês estão perdendo tempo”, e ela tentava, inclusive, trabalhar isso, né? Essa percepção ampla, falar: “Não, vocês tinham que fazer…”, na época, tinha o clássico científico, ela chegou a falar: “Não, você têm que fazer um curso que amplie a visão de vocês”, e tal, e ai, ela foi demitida (risos). Mas assim, a gente fazia coisas extras, né, eu lembro que eu conheci aos 15 anos a Academia Paulista de Letras, gente, e ai tinha um jogral lindo, a gente tinha encontros, por isso que eu acho muito importante a questão cultural para os jovens. Para mim, acho que educação é cultura, não vejo educação separada, aliás, eu só vejo cultura e comunicação, muito mais do que educação. Educação eu não sei bem o que é, eu acho que cultura e comunicação é você aprender o mundo, ampliar a visão de mundo, para mim, é isso que a gente tem que passar para os jovens, né, assim como na Grécia antiga, a função da educação era desenvolver o aretê das crianças e de quem estava lá, dos jovens. Aretê é a essência do melhor, então para mim, você ir para a escola é para desenvolver a essência do seu melhor e conhecer o mundo. E eu lembro lá na Academia Paulista de Letras que eu conheci a poesia do Vinicius de Moraes, que era “Porque hoje é sábado”, é uma coisa que me chamou a atenção, a beleza da poesia, eu tive muita sorte porque também a primeira peça que eu vi não era pra criança, era já para adolescente, foi uma peça com a Marilia Pera quando eu era adolescente. Então teatro, eu também acho… teatro tudo de bom, aliás, acho que o teatro… teatro, literatura, cinema tinha que fazer parte da vida de todas as crianças, de todos os jovens, acho que pra mim, mesmo não tendo tanto acesso, né, que a gente tinha uma vida simples, eu acho que foi uma coisa… os livros sempre me acompanharam, né? E foram as coisas mais profundas que eu encontrei.
P/1 – E a família? Vamos falar um pouquinho da tua família, dos teus pais, como é que eles eram?
R – Eles eram… olha, trabalhavam muito, eram comerciantes, trabalhavam bastante, né? Mas a gente passeava bastante, também. Bastante não, mas isso era legal, porque eles trabalhavam muito, mas pelo menos duas vezes por…
P/1 – Trabalhavam com o quê?
R – Com frutas. Com frutas e duas vezes por ano… então, tinha muita fruta em casa, muita frurta.
P/1 – Os dois?
R – Os dois, é. Minha mãe não sempre, minha mãe também era dona de casa, depende da fase da infância, ficava em casa, né? mas também trabalhava depois com o meu pai. Mas eu lembro que a gente ia muito assim… os passeios e as viagens que a gente fazia não era turismo, né, era viagem na casa dos parentes, né? A gente ia muito para o Paraná, ia muito para Cornélio Procópio, pra Londrina. Então, a questão dos sítios, acho que lá que eu comecei a gostar também da coisa do orgânico, que o orgânico, né, o alimento orgânico nada mais é daquele gostoso, puro, né, feito de uma forma, da forma mais natural possível. Então, a gente tinha muito contato com isso, então a gente ia todo ano, praticamente, visitar essa família, esses parentes e também todo ano, a gente ia pra praia uma vez por ano e ficava numa pensão no Zé Menino, depois Itararé, mas Zé Menino onde eu era mais criança, em Santos e parecia algo longe, algo distante, né, parecia uma horinha de viagem, tão perto de São Paulo, parecia tão distante. E assim, era uma família muito interessante. Eu fui a Cuba, estou voltando de Cuba agora, anteontem voltei. E eu senti a mesma energia quando eu senti quando eu era criança. Eu acho que nesses anos se perdeu essa relação, não e que se perdeu em todas as casas, não é na família, na sociedade. E eu senti muito, porque indo lá, ficando com uma família, eu senti a energia que eu tive quando eu era criança, que era de solidariedade, de afetividade e de generosidade. não que não tenha agora com a minha família, tem, mas isso era na sociedade, era “sentivel”, era visível isso, não existe a palavra “sentivel”, mas era sentida, era visível essa relação, a gente pegou bem essa mudança por individualismo, para você juntar, para essa organização com classe média que quer acumular, então, não fazia parte da minha família o acumular, era o viver, né? Mas eu nunca, não lembro, nunca me senti pobre, nunca na minha vida. Era pleno, era… é uma afetividade, então os primos, a avó, a casa da avó, as festas, era… não tinha grandes presentes, o Natal era uma coisa maravilhosa, que você esperava o Papai Noel e dormia e ai, não tinha essa coisa de madrugada. Você dormia e acordava, o presente estava lá e era um presente simples, mas era muito curtido, era um presente muito… eu lembro que um ano, a gente era grande, já, acho que eu tinha uns nove anos, eu ganhei um ursinho de pelúcia branco maravilhoso que eu sonhava com ele, presente simples e era um. E assim, você acordava, ele tava lá, a gente sempre queria pegar o Papai Noel de surpresa, achando que… com nove anos, eu não acreditava mais, mas um pouco antes, eu acreditava que o Papai Noel vinha, punha lá e a gente nunca conseguia vê-lo, né: “Poxa, mas nem barulho ele faz”, né? E era muito interessante. Tudo isso acho que fez parte da minha formação como pessoa, né, e ver hoje que isso é muito visível no mundo que a gente vive, que as coisas simples, elas funcionam como completando, né, integrando um ser humano e quando a gente fica nessa sociedade de consumo, a gente fica com os desejos exacerbados e não se completa.
P/1 – E você tinha irmãos? Tem irmão?
R – Eu tenho um irmão que é mais novo do que eu. Era menino, então, a gente brincava, mas talvez, as brincadeiras eram já diferentes, né, porque ele era mais novinho e tinha as brincadeiras mais de menino, mas a gente tinha uma relação super legal, super boa, de cuidado, eu sempre tive um lance assim, de querer cuidar. Eu lembro que eu fiquei muito frustrada pelo primeiro ano. Ele é um menino super sensível, mas tinha aquela bobagem de… ele é canhoto, né, e naquela época, ainda se obrigava a criança canhota escrever com a mão direita e ai, ele foi para o primeiro ano e repetiu o primeiro ano. Mas ele era novinho, tinha seis anos, tinha que escrever com a mão errada, para ele, né, e não foi fácil. E ai, eu me sentia muito culpada, gozado, né? Mulher é… começa ai, já, de falar: “Como que eu deixei o meu irmão…?” (risos), eu deixei, né? “Como que eu deixei o meu irmão não aproveitar a escola? Não passar de ano?”, porque ele tinha até entrado um pouco antes, porque era uma forma… eu já sabia… era uma forma inadequada de cuidar de uma criança, né, que ainda hoje em muitos lugares imagino que até existe ainda, mas depois, ele se formou engenheiro…
P/1 – Quais eram os costumes da família na infância?
R – Na infância? Além de viajar todo ano, que eu acho que isso era uma coisa legal, umas duas vezes por ano. Trabalhava-se muito, viu? Não tinha esse… era muito. Trabalhava-se muito. As crianças meio que se cuidavam, tinha muito primo…
P/1 – E vocês brincavam na rua? Como que era o bairro?
R – Brincava na rua. Eu ganhei uma bicicleta acho que aos 12 anos de idade, não ganhei antes. Andava com bicicleta na rua pra lá e pra cá, mas uma coisa que eu adorava, mesmo quando eu brincava sozinha, era brincar de amarelinha. Brincava sozinha até, ou com outras crianças, mas eu lembro assim, muito claramente: “Quero brincar de Amarelinha”, ai vou lá, como uma banana pra poder ter a casca… quer dizer, isso que eu acho fantástico, assim, a questão de inventar o brinquedo, né, você quer brincar, você risca o chão, né, você tem a criação, você risca o chão e fala: “Agora eu vou comer uma banana” e você brinca. Numa viagem… acho que a gente acaba tirando hoje da criança a oportunidade dela inventar as suas próprias brincadeiras. Eu lembro com muito prazer, gozado e sempre que eu vejo hoje uma Amarelinha, eu pulo. Na cidade, na rua, se tiver lá, eu vou até o céu e volto.
P/1 – Não conheço essa história da banana.
R – É assim, porque quando… na Amarelinha, você não joga alguma coisa na casa?
P/1 – Ai, joga a banana?
R – Você joga a casaca da banana, né? Então, muito legal essa…
P/1 – E nessa época, já se pensava em resíduos, você já brincava com brinquedos, reciclava embalagem?
R – Olha, não me lembro, mas eu acho que na época, tinha muito pouco resíduo, né, se a gente for pensar, não tinha tanto e não lembro de… mas talvez, usasse menos… até o próprio Natal, né, eram coisas mais simples, embaladas sem grande necessidade de embalagem. Eu acho que tem a ver com o mundo, né, porque os descartáveis, eles chegaram, por incrível que pareça, muito recentemente. Se a gente for ver, olha, a lata de alumínio assim como a PET entraram no Brasil, se eu não me engano, em 89. Quer dizer, ontem. Então, a gente tinha muito pouco resíduo… aaah, o que a gente via muito, é verdade, as casas todas tinham flores e muitas em latas de aço, porque eram as que tinham, né? Então, as casas tinham flores e o que a minha vó, por exemplo, tinha muito e tem tudo a ver com o que eu trabalho hoje, é incrível. Tinha um quintalzinho, tinha o jardim, mas era um jardim que era uma horta junto, sem separação. Tinham flores, algumas flores e tinham os chás, tinham os temperos. Você chegava na casa da vó… ah, isso era um costume legal, chegava na casa da vó, primeira coisa que ela fazia era um chá ou de capim-limão, capim-santo ou de poejo, ou de hortelã que pegava na horta. Aliás, na minha família não se usava remédios, muito, incrível, a gente não ficava doente também e a gente brinca até, brincava quem tinham três coisas que se faziam em casa, quando se ficava com qualquer doença era assim, era chá de poejo, Melhoral infantil se a coisa fosse mais séria e para a pele, Minâncora. Não se usava tanto antibiótico, tanta coisa, era uma vida tão saudável, acho que a gente comia bem, fazia lá… ah, uma coisa cultural legal eram os pratos que a minha mãe e minha vó faziam juntas e a gente ajudava, tudo a ver com tudo que eu faço hoje. A gente fazia, assim, nhoque, fazia-se sopas maravilhosas com muitos legumes gostosos, mas era um cheiro gostoso, não sei… obvio que não se usava nenhum caldo artificial, nem tempero artificial.
P/1 – A tua avó era da onde?
R – A minha vó era mineira.
P/1 – E a família dela veio?
R – Então, a gente não tinha muita informação, ela casou muito cedo, não sei se tinha tanta informação, ela não contava muito. E acho que bem Brasil, bem brasileira, mas muitos hábitos dela tinha a ver, porque ela casou com 16 anos e foi morar numa colônia italiana, então, ela fazia muitas coisas que ela tinha aprendido lá, né, então nhoque, polenta, eram italianos do norte, então tinha… fazia aquela polenta que ia jogando, fazia, mexia, mexia, horas fazendo aquilo, o nhoque, a massa, fazia a massa na hora que é uma das coisas que hoje se coloca: “Quem não cozinha, não tem saúde”, a gente sabia, minha vó sabia. Meu avô também fazia muitas carnes, era o meu avô que fazia o tempero, meu avô fazia vinho em casa, morava no Alto da Mooca, Água Rasa e tinha uma casa, tudo, tinha quintal grande, tal, mas era simples. Ele fazia vinho. Então, essa coisa do fazer, né, e tudo muito natural, acho que não tinha muita coisa processada, não se comia bobagens, se fazia bolo, se fazia… acho que era muito saudável, mesmo e as relações também, né? Não me lembro de ficar doente, tive caxumba uma vez, não me lembro de outras doenças.
P/1 – E você queria ser o quê quando crescesse?
R – Então, eu queria ser professora. Eu queria, realmente, acho que eu queria ser o que eu sou hoje, que assim, não era só professora, eu queria passar aquilo que eu aprendia, que era assim, tudo. Eu sempre li muito, sempre adorei ler. Eu acho que desde criança, ler para mim foi uma viagem, era uma forma de conhecer o mundo, conhecer outras pessoas, né, acho que o livro vira um amigo, ele tem personagens, ele tem pessoas, ele traz… ele te aproxima, né, assim como o cinema, mas o livro é mais acessível, pelo menos, individualmente. Então, eu adorava ler, mas ao mesmo tempo, sentia uma necessidade de passar para o outro aquilo que eu conhecia, que eu estava conhecendo. Então, a questão da criança, né, de querer ser alguém passasse para o outro essas possibilidades, as vivências até literárias, adorava Monteiro Lobato, adorava os livros, as histórias, não gostava muito da Emília, eu achava ela meio pentelha, mas as histórias eu adorava, assim, as histórias… principalmente, aquelas que traziam até conteúdos mais amplos, né, Minotauro, Doze Trabalhos de Hércules, eu acho, essa eu acho uma forma muito legal de aprender, é você romanceando e viajando, eu adorava a história dele, de poder viajar no tempo, tapete mágico, coisas que tiram… te trazem esse universo de imaginação, eu acho que eu adorava isso e achava que queria ser professora mesmo. A Biologia não tava desde criança.
P/1 – E como foi quando você decidiu que faculdade você decidiu fazer?
R – Essa tomada de decisão muito doida, porque eu fazia essa escola normal que era, como eu falei, meio fraca até, né, e ai deu uma sorte muito grande que eu e uma amiga, nós fomos aos 16 anos, né, procurar coisas para fazer, assim, cursinhos para fazer e principalmente, bolsas para fazer o cursinho. E assim, a gente não conhecia nada disso, não conhecia muito e ai, a gente foi no Objetivo, fizemos a inscrição para a bolsa, acho que era… não sei se era na Paulista, acho que até era na Paulista, já, não sei. E ai, tinha um menino lá que falou: “Vocês já fizeram inscrição no Equipe para fazer exame de bolsa?”, a gente nunca tinha ouvido falar do Equipe, não fazia parte da realidade do bairro que a gente morava. E ai, fomos a pé, não lembro onde era o Objetivo que eu fui, mas só sei que o Equipe era na Martins Fontes, perto lá da rua das Palmeiras e a gente andou a pé na cidade, eu lembro, fomos atrás do menino. E foi. Ai, o melhor ano da minha vida foi o ano do cursinho, porque o Equipe era a abertura de possibilidades, a abertura de um outro mundo, né, um mundo muito mais politico, um mundo de reflexão, de olhar para… o sistêmico que já começava a chegar com professores maravilhosos…
P/1 – Teve algum que te marcou?
R – Tinha o Platão que era um professor de Português maravilhoso, tinha o Maurício que era um super gracinha, professor de Biologia, lindo assim, lindo…
P/1 – Por quê que eles…
R – Porque quando você vem de uma escola comum, como até hoje é, infelizmente, muitas das escolas, não que não tenhamos professores ótimos, a gente tem, mas a escola ainda deixa muito a desejar, né? A gente se encanta com gente que ama. Eu sempre amei o saber, eu sempre tive uma instigação, sei lá, não sei se intelectual, pode chamar assim. Eu sempre amei aprender, eu sou… não sei se é por isso, eu sou geminiana, eu gosto de movimento, eu gosto de… sou ar, eu gosto de conhecer mais e ai, eu… a escola não te dá essa oportunidade, não me dava na época. Ai, o Equipe dava, né, porque eram professores bons, capacitados que amam o que fazem, acho que todo professor só deveria trabalhar com crianças e com jovens se ele ama o que faz e se ele inspira, ele tem que ser inspirador, então eram professores inspiradores, tinha o Tulio que era também de… não lembro agora. Gente, era muito legal, eram todos muito bons, todos…
P/1 – E teve algum momento…
R – Ah! O Heródoto Barbeiro era professor de História, por isso que eu falei… não sei como que eu não fiz História, eu amava História. Sempre amei História. Eu fiquei na dúvida entre História, Psicologia por conta da questão de gente, mas a Biologia, eu não sei, foi muito intuitiva. Interessante. E também eu queria trabalhar, eu queria estudar, fazer faculdade e dar aula junto, porque eu queria me manter, eu queria ser independente, eu queria ter o meu próprio dinheiro, então eu acho que também isso… e achava que ser professora era minha primeira opção como… e acho que fiquei muito pouco na dúvida entre História e a Biologia, mas… a própria Literatura que eu achava uma delicia, mas acabei optando pela Biologia, mas nunca abandonei. Eu fiz teatro depois, eu fiz: aliás, eu não consigo ver uma separação entre as coisas, né, então para mim, talvez na época, tenha sido um pouco difícil, mesmo eu fazer opção pela Biologia.
P/1 – E teve algum momento marcante desse período do Equipe, alguma história assim, que te chamou a atenção?
R – Acho que uns shows que era uma MPB efervescente, pessoas lindas, pessoas assim, que traziam todo um universo politico cultural, a nova… uma visão mais profunda da vida, né, era um momento que a sociedade brasileira estava passando, né, uma Ditadura, tava… então todos nós… só que assim, isso não fazia muito parte da minha realidade anterior, né? Não se tinha essa informação, pelo menos, não tinha onde eu morava, não era tão… não se falava quando você vai para um cursinho que se… que tem um momento tão sério, devia-se dizer que na época, que o ____00:38:39____ na época, tinha sido preso, que tinham pessoas perseguidas, politicas e tal, mas o que chamava muita atenção, mesmo, era a vibração cultural, acho que pra mim, vida é cultura. não sei, vida é arte, é cultura. Hoje faz falta, aliás como sempre fez falta para a população como um todo, né, tem gente que tem, né, em guetos e lugares mesmo na periferia tem muita cultura, mas na população em si, ela não tá imersa, ela tá imersa no consumo, não tá imersa na cultura e a cultura é muito mais barato, muito mais forte, a cultura é muito mais divertida e até na própria sustentabilidade, a gente até brinca: se não for divertido, não é sustentável. Então, acho que… eu não vejo separação depois…
P/1 – E qual foi o teu primeiro trabalho com Biologia? Você fez a faculdade… me fala um pouco da época da faculdade também.
R – Fiz faculdade e o primeiro trabalho foi muito legal. Eu…
P/1 – Só um pouquinho. Ai se você puder falar um pouco da faculdade, desse período de estudo.
R – Então, a faculdade também era difícil, assim, porque você sai de um cursinho que é vivo, ai você vai para uma faculdade de Biologia, deveria ser mais viva ainda, na USP, né, eu fiz USP que era integral, então eu saía lá de casa, na época eu morava lá na Vila Santa Isabel, saía às seis horas da manhã pra chegar oito, oito e meia na USP, né, na Cidade Universitária. Na volta era a mesma coisa, saía às seis e meia, chegava oito, nove horas em casa e era integral, mas tinha coisa muito chata, uns cursos muito chatos que não deviam existir, porque Biologia é vida, mas era muito, como a própria universidade ainda o é hoje em muitas coisas, ela está atrás da sociedade e ela é cartesiana, ela é analista. Então, tinham cursos assim que eu muito novinha, com 17 anos, assim, eu nunca fui de estudar muito, mas eu gostava da coisa, podia chamar de CDF, as pessoas achavam, né, você entrar na USP com 17 anos, tal. No meu caso eu achava assim, eu gostava de aprender, mas a universidade decepcionou um pouco. Alguns professores eram maravilhosos, como eu falei, o Renato Basile que dava aula de Biologia que era um showman, as aulas eram um show. Quando ele defendeu a Livre-docência, o auditório lotado. Quer dizer, então era uma pessoa excepcional, por isso que talvez eu tenha ido fazer o mestrado em Biologia, me encantei com aquele universo dentro daquela estrutura que era mais sistêmica, mas tinham aulas, assim, botânica, a parte de fitoterapia, não, era deliciosa, mas a parte assim, analítica era muito… tinham coisas muito chatas, assim, outras… e em outras matérias, outras disciplinas também. E uma faculdade que desde aquele momento, eu não me sentia integrada em grupos, porque assim, eu nunca consegui achar… nunca consegui me encaixar em caixinhas e o mundo adora colocar as pessoas… rotular as pessoas, colocar nas suas caixinhas para ficar fácil, todo o mundo analítico e eu já via o mundo das relações. Então, eu percebia… desde criança, eu percebia, imagina, na universidade, as incoerências, né, então tinha o pessoal da dita esquerda, muitas vezes, festiva, né, que fazia assim, todo um movimento, mas eram pessoas que ao se formarem, todas voltaram ao seu mundinho certinho, bonitinho, do seu trabalhinho, de consumo, de sua vidinha individualizada e tinha o pessoal careta, certinho que também era chato. Então, eu conseguia conviver com os dois grupos, mas achava que nenhum dos dois me forneciam como grupo o que eu buscava. Eu buscava uma coisa mais integrada, não achava que… não me via nem na…
P/1 – E ai, você começou a trabalhar com o quê?
R – Ai, eu comecei a trabalhar muito cedo, com 19 anos. Depois eu comprei um carro, mas antes, eu ia de ônibus, eu morava lá na Vila Santa Isabel, estudava na USP e comecei a dar aula em Santo Amaro, no Largo 13, num curso muito legal, olha, que nem imaginaria que tivesse muito a ver com o que eu fiz depois, porque eu fui dar uma aula num curso de Contabilidade, de técnicas… como é que era? Saúde… era Técnicas de Saúde, não sei que disciplina era essa, mas era alguma coisa assim que já se falava sobre alcoolismo, a questão da… saúde como cuidado com o corpo, interessante e era um curso técnico de ensino médio. Mas ai, era interessante, porque eu tinha acho que 19 anos, mas parecia que eu tinha 15, meu rosto era de 15 assim, meu jeito era de 15, então vocês imaginem eu encarar um curso técnico que tinham pessoas que para minha cabeça eram muito seios, que deviam ter uns 25, mas de terno, profissionais que já estavam fazendo esse ensino médio, que na época, era um pouco mais difícil que hoje, não se fazia, a moçada, às vezes, não estudava, iam estudar depois, iam ter emprego e depois estudar. Então, eu lembro de um fato muito legal que me marcou muito como professora e que assim, foi quando eu senti a forca que é você ter intuição, né, e ser um profissional ágil e que toma decisões, né, que eu acho que é o que um profissional sempre tem que fazer. E foi bem logo, bem no começo, com aquela minha cara de criança… acho que a primeira prova que eu dei, a classe estava lá fazendo a prova e o rapaz de terno, todo assim, me parecia muito mais adulto do que eu, pegou um livro, colocou ao lado da cadeira e começou a copiar na cara dura e eu, como professora iniciante, falei: “Que faço eu?”, primeira prova. Falei: “Gente, se eu tirar a prova desse rapaz e se eu for dar zero como seria o esperado, eu vou ter primeira prova, eu vou ter um problema para resto da minha vida com essa classe, com esse cara. Agora, se eu não fizer nada, eu vou ser tachada de boba, não vou ter mais respeito, não vão ter mais respeito por mim. falei: “Puxa, e agora?”, mas foi muito rápido e ele foi um dos últimos a entregar a prova, quando ele entregou, eu peguei a prova e falei pra ele: “Você vai fazer a sua prova agora na sala em frente…”, que eu ia dar prova numa outra sala, igual, em frente, “… ou você quer deixar para outro dia?”, ele falou: “Mas a prova tá aqui, eu tô entregando”, falei: “Puxa, eu achei que você tava estudando” (risos). Ele teve um pequeno susto e ai, ele falou: “Ah, faço agora”, e dali pra frente, eu ganhei um amigo e um aluno que carregava as minhas coisas quando eu chegava, né, e acho que essa é a relação que eu busco, até mesmo quando… dando aula, ou hoje, né, fazendo palestras, oficinas, cursos, tal, essa relação do humano e sair da normose. Hoje eu trabalho muito com um conceito que é a normose, é a patologia da normalidade, é tudo aquilo que a gente faz o tempo todo e parece normal, mas é uma doença social, ambiental, social como muita coisa, né, como muita coisa que a gente vê: ostentação, o lixo, aliás, dentro da normose tem uma coisa muito legal que eu gostaria que os ambientalistas acabassem, eu acho que é uma grande normose ter ambientalistas, porque assim, ninguém conhece hoje uma sufragista que é uma mulher que luta pelo voto, porque as mulheres votam, né, ninguém conhece hoje um abolicionista, porque estavam lutando contra aquele tipo de escravidão e acabou. Existem outras formas, mas aquele tipo, existiu a abolição no mundo, aquela coisa trágica, aquele jeito. E ambientalista, quem que é? É aquele que acredita que o ambiente é importante, só meia-dúzia, os outros não acreditam, meia-dúzia tem que lutar para mostrar que o ambiente em que a gente vive que a gente come, que a gente respira, que a gente tira tudo dele é importante, então, ambientalista tem que acabar. Essa ideia da normose, é a ideia de que são coisas que a gente faz e que a população não acha que é importante. Se tem veneno na comida não é importante. Então para mim, eu trabalho muito esse conceito. No caso, o menino estava no mundo da normose, esse da prova, porque colar é normal, é normose, você vai num lugar é pra valer. Você vai para a escola e para valer, não é para decorar e fazer a prova e ter… essa e uma grande bobagem, aliás, talvez isso seja uma coisa minha, outras pessoas pensam, obvio, diferente. Eu sempre fui aluna de ficar na frente, mas hoje eu vou ao teatro e fico na frente, porque pra mim, quem fica perto ou do professor, ou do grupo de teatro, ou de uma apresentação, ele participa. Quem fica longe, assiste. Eu acho que também vir para o mundo é participar, é ser protagonista da história e da história do mundo, não é assistir. Então, acho que o meu caminho sempre foi para participar. Aliás, eu digo que eu sou meio Forest Gump, sabe aquela coisa do filme? Que tudo que acontece, eu estou no meio, assim, tudo não, estou brincando, mas muito do que acontece, das mudanças que vão acontecer no mundo, eu enxergo não sei como e eu estou no meio. E é interessante. Aliás, uma coisa que eu não contei é muito louca, isso eu não sei de onde eu tirei, gente, isso é Maluhco de tudo. Quando eu tinha 12 anos de idade, você perguntou por quê que eu queria ser professora, uma das coisas que eu pensei, refleti era assim: vou ser professora porque eu vou trabalhar a vida inteira, sei que vou trabalhar a vida inteira porque quando eu for mais velha, o INSS não vai ter dinheiro para pagar todo mundo, então, vamos trabalhar, então eu quero trabalhar em algo que eu possa trabalhar a vida inteira. Então, ser professora, estudar, ensinar, é algo que todo mundo que faz para valer, faz a vida inteira. Ninguém se aposenta de ser um professor, um mestre. Um mestre não se aposenta, isso faz parte de uma cultura econômica que não é real. Inclusive, tinha horror quando as pessoas se apresentam dizendo que elas são aposentadas, eram médicas e são aposentadas? Não existe. Você é professor, você e médico a vida inteira aquilo, ninguém se aposenta, esta no aposento. É uma normose. Eu trabalho muito nessa linha de detectar e colocar luz nas normoses, isso é o que me encanta e é muito fácil. E assim, encanta… quando as pessoas têm um insifght de coisas muito simples e que não foram percebidas me encanta. Talvez nessa linha, voltando lá para o meu trabalho como bióloga, que na realidade, assim, eu trabalhei muito mais como professora do que o mercado coloca como biólogo, né…
P/1 – Espera ai, o teu primeiro trabalho foi como professora?
R – Foi essa como professora.
P/1 – E como que você entrou na Biologia, profissionalmente?
R – Então, eu sempre fui professora, nunca dei aula para pequenos, eu dei aula nesse ensino médio, depois eu fui dar aula em Guarulhos… por incrível que pareça, eu entrei numa estrada muito cedo, também, me formei com 21 anos e ai, eu entrei no mestrado direto, que eu tinha 21, 22 anos. Eu era uma criança, assim, a minha experiência de vida era muito pequena, mas o trabalho, então eu comecei a fazer estágio já durante a faculdade na Biologia, no departamento de Biologia com pessoas fantásticas, o meu orientador não era o Renato, mas era o Amilton Taga que era uma pessoa que fazia pesquisa na Biologia também, tinha o Clodowaldo Pavan, que é um dos mestres da genética, aquela genética de drosófila, todo mundo conhece, tinha o Frota Pessoa que era o papa da genética humana, pessoas fantásticas. Tinha o José Mariano Amabis que era um super professor também, mais novo, de uma geração bem mais nova, mas muito interessante, a Dulce, a mulher dele, outras que também era professora, depois saiu, foi fazer… trabalhar com Fisioterapia, então saiu da USP, era uma coisa interessante, né, a pessoas assim que foram buscar, realizar seus sonhos mesmo fazendo um trabalho que todo mundo admirava. Então, eram pessoas fantásticas, eram natais juntos, começo de ano, era um grupo… e eu era… primeira vez, eu era metida em algumas coisas, né? Eu fiz um pequeno projeto… trabalhei com mosca domestica, olha que interessante! Trabalhava com mosca domestica… aliás, uma das coisas encantadoras nesse meu trabalho… até pensei em fazer uma exposição, até algum dia faça para que as pessoas entendam que a vida é mais complexa e a gente não entende, não a conhece é que eu trabalhei com ovário de mosca doméstica com irradiação, efeito de irradiação e uma das coisas fantásticas é que se a gente olha uma célula de uma mosca que é considerada pelas pessoas, nada, algo a ser matado, a ser destruído e você olha um ovário nosso ou de qualquer outro ser vivo, você não sabe pelas características se é uma mosca ou se é um ser humano, porque a célula tem morfologicamente… a morfologia está ligada a fisiologia e o ovário de mosca fisiologicamente, ele funciona de forma muito parecida com o ovário humano. É obvio que um especialista reconhece porque tem características dependendo da produção, do que vai acontecer, mas o funcionamento é a mesma coisa, então, as mitocôndrias lá, o complexo de Golgi e o núcleo é tudo igual. Então, é lindo de você… ou o DNA, a forma que o DNA age… apesar que a mosca é mais forte que a gente em relação ao DNA, ela tem menos quebra, ela é mais resistente. Então, isso é fantástico, enxerga a vida como um elo de união entre todos os seres vivos. Isso também me apaixonou e uma coisa interessante que aos 22 anos de idade, 23 eu escrevi um artigo e fui apresentar esse artigo, foi minha primeira viagem internacional que foi em Montevidéu.
P/1 – E era sobre o quê?
R – Era sobre a questão da morte, porque assim, a gente irradiava e as… irradiava os ovos, as moscas e uma parte dos ovos morria para saber qual que é a relação entre a irradiação e as células, então fui apresentar esse trabalho que é bem interessante, né, que já era uma forma que não tinha a ver com o Projeto Genoma, né, que veio muito depois, né, mas era uma relação do DNA… a reação do DNA à irradiação. E era interessante porque eu era mais novinha, as pessoas eram professores já e me chamavam de infanta. Então, até hoje eu me sinto assim, tão… e era o Renato Basile, principalmente, que era uma figura impar que: “Infanta pra lá, infanta pra cá”, e eu era a infanta. E eu me sentia muito feliz dentro desse repertorio. Ai, acabei o mestrado, fui fazer um doutorado em genética humana também, só que ai, eu tinha me casado, fiquei grávida. Aliás, segundo filho eu já tinha então… era muito louca essa vida porque eu tinha… eu não sei, hoje eu não sei onde que se encaixava, porque eu dava aula, eu fazia mestrado, né, dava aula… tinha dois filhos pequenos, tinha o Pedro que nasceu em 81 e a Bruna que nasceu em 84. Então, eu fazia mestrado, dava aula já na época, acho que em duas faculdades, porque nessa época, eu tinha ido para Guarulhos, o primeiro lugar que eu dei aula em universidade, foi logo que eu entrei no mestrado, aos 22, 23 anos e inclusive ai, eu vou colocar porque é uma coisa que sempre me incomodou, me enganaram, porque assim, por incrível que pareça, eu tenho isso na minha carteira profissional, eu virei professora titular aos 23 anos pelo MEC, porque na época, precisava seguir alguém na universidade que tivesse mestrado e ninguém tinha. Ai, quando descobriram que eu tinha mestrado, me contrataram, só que entraram com a documentação e quando saiu, não me avisaram. Usavam o meu nome, mas não queriam pagar o valor e ai, teve um problema ético já, porque a pessoa da secretaria veio me parabenizar, mas a diretora não falou nada para mim e eu não sei se eu fiz bem ou mal até hoje. Acho que depois de um ano é que apareceu essa história e durante esse primeiro ano, eu não tive coragem de contar que eu sabia. Primeiro, eu era muito novinha e depois, eu ia entregar o funcionário e eu fiquei preocupada com o que ia acontecer com ele, né, então… mas era… foi um dilema ético, né, que aconteceu ai. E depois, ai eu fui dar aula numa… ai, gente, o ____01:00:41___ é muito lindo, porque eu fui dar aula numa universidade em Santo Amaro que era do outro lado, lembrando, né, que era do outro lado da cidade, que era em Santo Amaro, que é a UNISA, que é a Universidade de Santo Amaro e ai, eu dava aula de genética. Eu acho que eu comecei em 78, em 76 eu dava aula já em Guarulhos, 78 eu fui dar aula em Santo Amaro e eu dava aula com o melhor professor da faculdade, que era o Reinaldo Toledo, uma pessoa maravilhosa, ele era um pouco mais velho e ele era… era bem interessante, porque ele era o professor que mais amedrontava todo mundo e eu era a professora que mais acolhia todo mundo (risos), não era aquela combinação, né, de m bate e o outro alisa, mas funcionava bem e assim, ele era maravilhoso, maravilhoso. Ele era um professor excelente, muito difícil na questão das provas, que até hoje eu acho um pouco bobagem, mas com detalhes ele pegava as pessoas, todo mundo reclamava muito das provas do Reinaldo, mas ele era todo ano homenageado. Era aquele professor pra valer e eu tive a felicidade de trabalhar com ele dez anos, foi um grande aprendizado de trabalho, de relação e um grande aprendizado de relacionamento humano, que depois, eu me decepcionei quando eu sai, né, porque ser professor naquela época era maravilhoso. Existia um respeito, um carinho e um cuidado, é obvio que tinha aluno que tentava colar, que eu acho que se você vai para a escola, é para aprender alguma coisa, tem que ter alguma forma, não é controle, mas uma forma de você aferir se o individuo está aprendendo. Hoje em dia, parece que isso ai caiu de moda, mas poxa, se o cara não aprende nada e ele sai como profissional sem nada saber, você não vai querer encontrá-lo se ele for um médico numa mesa de cirurgia do seu filho, ou da sua mãe, ou da sua própria. Você quer um profissional que tenha desenvolvido as habilidades para aquilo que ele se comprometeu. Então, acho que aprender vale a pena, então e ai, até tinha falado, teve um ano, acho que foi logo no começo também que eu tive o prazer de ser homenageada pela turma de Biologia, eu dava aula para Biologia, para Medicina, para Odonto, mas a relação maior era com a Biologia, porque eram mais aulas, né, eu dava aula de genética e de citologia. E numa das turmas de Biologia, o paraninfo era Paulo Freire, era senhorzinho, ficou sentado na sala de espera, quietinho, tal. Então, a gente estava na mesma mesa, acho que teve essa super oportunidade, infelizmente, de não conviver na universidade, porque eu poderia ter tido aula com ele, se fosse o caso, não tive, mas de conviver, de estar junto, né, eu acho que amo gênios. Eu acho que gênios… aliás a humanidade tem muitos gênios que não são reconhecidos. Eu acho que talvez, todos sejamos… cada um tem sua genialidade e a normose nos impede de vivenciá-la, de viver essa genialidade, cada um… mas eu adoro, eu gosto muito de conviver com gênios, com pessoas que saiam da caixinha, com pessoas que se coloquem como protagonistas, principalmente, se for pelo bem coletivo, pelo bem da sociedade, pelo bem comum. Eu acho que essas pessoas nem morrem, elas estão, elas permanecem, vários exemplos desses a gente tem aqui no Brasil e no mundo, né, eu acho que isso ai a gente precisa pôr luz nisso.
P/1 – E como É que você entrou na sustentabilidade?
R – Então, eu tava no doutorado na genética humana. Ai, eu fiquei grávida da minha filha, né, e o meu casamento não tava muito legal, tal e eu fiz a opção… a genética humana naquela época era uma coisa muito complicada, era muito interessante, mas o que a gente fazia era basicamente aconselhamento genético e aconselhamento genético é algo difícil porque assim, chega o casal, você faz o heredograma, genealogia do casal, principalmente se o casal já tem algum filho com alguma má formação e ai, você pode fazer é aconselhar, e falar: “Olha, você tem x chances de ter um outro filho mau formado”, e às vezes, daqui a pouco, a pessoa aparecia de novo com filho com problema, normalmente, pessoa simples. Então era alguma coisa que você… é difícil de você… e são assim, má formações terríveis que aparecem, né? É incrível, né? Eu nunca na vida eu acreditei em jogos, em loteria, porque quem faz genética, pra mim, não dá para acreditar na loteria, porque a chance de você ter qualquer filho, qualquer pessoa da população ter um filho com alguma má formação, pequena, média ou grande é de 3%, é alta e a gente nem vê tanto, felizmente, mas é. E a chance de ganhar na loteria, varia, mas existem jogos que é de um em 15 milhões, então poxa, é muito mais fácil você ter algum problema. Então não dá para achar que você vai ganhar na loteria, talvez seja mais fácil ser atropelado também, né, porque a chance de ser atropelado talvez em São Paulo seja maior do que um em 15 milhões da loteria. Mas voltando lá para a genética, então, eu já vi crianças, assim, intersexo, aliás, uma coisa que me chamou a atenção é por quê que essa sociedade que fala tanto de gênero não cuida dessas crianças? É uma coisa que eu ainda vou… é que eu me interesso por tanta coisa e isso, ainda não consegui interessar e ir mais a fundo, porque existem crianças que nascem intersexo e não é uma questão de gênero, é uma questão anatômica, né? Eu já vi bebezinhos que a mãe falava assim: “Ai que bonitinha, é tão legal, dorme tão bem, mas é intersexo”, você olha, você não sabe se é homem ou mulher, então, existem várias síndromes assim e outras, distrofia muscular progressiva, coisas muito difíceis. E eu estava grávida e ai, eu achei melhor dar um tempo, né, que era muita coisa que eu fazia, dava aula, tinha os dois filhos e tal, e ai, eu dei um tempo na genética, mas fiquei no doutorado, mas só dei uma trancada e fiquei. E ai, depois quando a minha filha estava já com uns dois anos, um pouco menos, eu falei: “Vou fazer o meu doutorado”, mas acabou que eu por acaso, passei na faculdade de saúde publica e encontrei um ex-aluno de Biologia que estava fazendo… ia fazer, já, o doutorado lá e ele e o professor me convidaram: “Por que você não vem fazer um doutorado aqui?”, o Aristides da Rocha, uma pessoa muito interessante também, na faculdade de saúde pública da USP. E eu resolvi fazer um doutorado, falei: “Puxa vida…”, era uma coisa interessante. Até porque… ai, tinha uma outra coisa, nessa época, eu estava entrando na CETESB, onde eu trabalhei. Trabalhei na Secretaria, na CETESB e na Secretaria da Agricultura. E quando eu estava trabalhando antes de entrar na Secretaria da Agricultura, porque aula é legal, mas aula cansa muito, comecei muito cedo. Eu tinha, às vezes, 120 alunos, que eu dava muita aula para primeiro ano, na Odontologia eram 120, às vezes, eram 60 alunos no laboratório sozinha, todo mundo… é uma delicia, mas a minha aula sempre foi muito agitada, então eu falei: “Gente, eu quero um trabalho que eu possa fazer coisas também”, mais na área ambiental ou na área de… e ai, eu trabalhei primeiro na Secretaria da Agricultura e ai, a gente já tá ai em torno de 89, 90. E ai, eu pensei primeiro, mesmo na saúde publica, em fazer um doutorado em agricultura orgânica, só que não tinha banca. Quem que trabalhava com agricultura orgânica nessa época?
P/1 – E o quê que te despertou esse interesse?
R – Ai, olha, sempre pessoas fantásticas. Conheci… tinha um amigo que eu conheci dentro da Secretaria da Agricultura, o secretario era o Valter Lazzarini, uma pessoa super ativista na área da Agronomia, por uma agricultura mais natural e tinha o Zé Pedro Santiago e tinha o Moacir que trabalhavam com ele, que também eram ativistas na agricultura que era chamada de natural na época, que dava um suporte para todo aquele movimento alternativo de agricultura, que tava surgindo no Brasil em contraposição a chamada revolução verde, que na realidade, nada mais foi do que a entrada na época da Ditadura do Brasil da indústria trazendo agricultura como algo industrial, trazendo insumos, deixando de lado a questão dos processos, que é o que sempre se… o individuo que plantava, ele conhecia, conhecia muito daquilo que ele fazia, tinha um aprendizado, tinha uma maestria no plantar. E isso, quando a agricultura, a tal revolução chamada de verde chegou, acho que 74, por ai, foi começo da década de 70, ela veio para trazer insumos, para vender coisas, a sociedade de consumo chegando bravamente na agricultura. Então, esse pessoal era um movimento de resistência a essa revolução verde, que inclusive, foi super bem colocada no livro “Primaveras Silenciosas”, era a época do DDT, foi ai que se construiu não de uma forma simples, mas de uma forma com muito dinheiro e publicidade, toda a coisa… a relação com a população com a indústria química, que ela é maravilhosa, né, que todos os químicos resolvem todos os problemas. Quer dizer, não começou só ai, ai começou na agricultura, porque se eu lembrar bem, quando eu era criança, voltando um pouco, eu lembro da minha vó e muitos nem devem lembrar, colocando ___01:13:49___, né, você punha DDT numas bombas meio caseiras e que faziam… dentro de uma sala de um quarto e na sequência, pondo a criança para dormir. Ai criou-se a ideia de que qualquer inseto é um problema, né, a relação muito… a quebra, né, a quebra da relação do ser humano com a natureza começou apenas a ter medo, a deixar de conhecer e a ter medo e ai, isso com muita publicidade, quer dizer, na década de 70 isso se acentuou muito, então, foi uma coisa que entrou com a ditadura e infelizmente, continua até hoje piorando dia a dia, mês a mês, ano a ano, transgênicos e… o Brasil o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Então, esse grupo, voltando um pouco, tava trabalhando com a… e ai, eu me encantei. A minha relação com a vida de começar já descobrir os… era conflitante com a vida, esse trabalho que a indústria já estava conflitando com a vida e eu fui convidada felizmente como um grande presente para participar da fundação da Associação de Agricultura Orgânica em 89. Então, eu estava na agricultura e a gente participou da… participei da fundação da Associação de Agricultura Orgânica, que juntou muita gente de vários tipos, tinham os antroposóficos com a filosofia do Rudolph Steiner que já trabalhava com agricultura antroposófica, ainda hoje é maravilhosa, tinham outros grupos. Eu lembro que tinha hare krishna, tinham muitos grupos, tinha o pessoal da Mokiti Okada, quer dizer, muitos grupos, esses agrônomos que estavam trazendo isso e eu acabei sendo convidada para ser diretora de comunicação da AAO, da Associação de Agricultura Orgânica. Então, eu tenho orgulho de ser… e eu sou número sete. E Ana Maria Primavesi que é a mentora, a matrona da agricultura orgânica no Brasil, do movimento orgânico, que hoje tem 90 e tantos anos era a número um. E eu estava lá na fundação. E ela trouxe para o Brasil e a AAO e a associação e o movimento orgânico trouxeram essa grande forca que é mostrar que o alimento orgânico não é aquele que não tem veneno, ou não é aquele que é mais caro, é tudo bobagem. O alimento orgânico é aquele que é produzido valorizando-se e cuidando-se do solo. Ana Maria Primavesi tem o livro “Manejo Ecológico do Solo”, que é uma bíblia de cuidado e é uma coisa tão simples e tão óbvia que o alimento tem… ele traz para a gente, para a sociedade o solo onde ele foi plantado, um solo doente produz um alimento doente que vai deixar as pessoas doentes. Se o solo tá contaminado, se o solo tá desnutrido, se o solo… o quê que o alimento vai ter dentro dele? O que ele captou do solo. O solo saudável, rico de microrganismos, rico de vida, ele vai trazer para o alimento o que ele tem. Então, quando a gente olha uma cenoura e olha a outra cenoura, são incomparáveis. Essa pra mim é uma das grandes normoses do mundo atual: como é que você quer comparar uma cenoura convencional, infelizmente, aquela que existe em maior quantidade com uma outra orgânica? Não tem como comparar, são coisas diferentes, elas só parecem igual. Agora, a gente vive numa sociedade da aparência, então parece igual, é igual. Não é igual. A essência fisiológica e física são diferentes, são incomparáveis. Então, a gente… essa é uma grande normose. Então, quando eu entrei para a Associação, a gente teve um trabalho… ah, a gente montou nessa época,. eu tava na Agricultura, uma ideia fantástica foi montar num galpão que estava lá sem uso, no Parque da Água Branca a feira orgânica da Associação de Agricultura Orgânica que está até hoje no Parque da Água Branca, desde 91. Então, eu fazia a ponte, fui a primeira coordenadora da implantação dessa feira. Ai depois, eu sai da Agricultura, fui para a CETESB e outras pessoas continuaram coordenando e organizando essa feira que tem até hoje, que foi a grande vitrine… a ideia era… duas não, várias ideias, primeiro, fazer com que as pessoas soubessem o que era um alimento orgânico, facilitar a vida dos produtores, uma das grandes coisas que até hoje é difícil, depois de 20 e tantos anos, quase 30 anos até hoje é difícil, o agricultor que produz levar esse alimento para a população, a população aprender o que é e a grande vitrine desse movimento que é muito mais do que uma feira, mas que a feira é a vitrine. Só voltando, eu não consegui fazer o mestrado nessa área, porque… nem na Agronomia, porque tinha muito pouca gente, pelo contrário, a universidade que formava os agrônomos, formava como os forma hoje ainda muitos, infelizmente, acho que a maioria, para vender agrotóxicos, eram vendedores, não eram pessoas que iam cuidar da terra. Pessoas que iam vender algo para… eram comerciais, né, área comercial e não uma área técnica de cuidar. Ai, eu voltei e acabei, dentro já aprovada no doutorado, tal, fiquei nos dois, eu tava naquele doutorado lá, que estava trancado, depois eu fui lá desistir, fiquei no da saúde pública e como eu gosto de coisa difícil, né, eu tinha trabalhado com a mosca doméstica, ai eu fui fazer um doutorado (corte no áudio) completei em 94, defendi em 94 sobre minimização de resíduos, uma visão integral, já na época trabalhando com consumo, com educação para o consumo, porque já nesse tempo que eu desenvolvi o doutorado, como eu falei, eu estava na CETESB, Secretaria do Meio Ambiente e já na época da ECO92, o secretario era o Fabio Feldman, tínhamos vários programas na secretaria, programas especiais. Um dos programas era resíduos, mas eu não estava nesse, pelo menos, depois até participei desse, mas o programa que eu estava incluída, fazendo parte do grupo de coordenação era um programa chamado Consumidor e Meio Ambiente, já em 92. Era coordenado pelo Marcelo Sodré, que tinha vindo do PROCON, e a gente tinha um grupo de coordenação que trabalhava já com esses temas em 91, 92, foi para a ECO92 já nessa visão sistêmica. Eu desenvolvi todo esse meu doutorado sobre resíduo, mas não olhando para o resíduo, não olhando para o lixo, olhando para o não lixo, então já na visão de consumo que eu, inclusive, nem chamo de consumo sustentável. A gente trabalhava com a questão do consumo sustentável, eu chamo de responsável e sustentável, né, inclusive, eu coloco… tá tudo junto, mas por exemplo, para mim, o consumo consciente, se ele for aquele consumo que eu estou consciente que faz mal e ai, eu posso fazer… escolher fazer ou não, pra mim, é pouco. Eu trabalho até hoje com a questão do consumo responsável e sustentável. O quê que é responsável? É habilidade, responsabilidade vem de habilidade de responder, então, eu tenho que perceber o cenário e responder de forma afirmativa para melhorar aquele cenário, assim como empresa tem responsabilidade social, as pessoas também, acho que tá tudo junto. Então, eu trabalho muito nessa linha de que: “Eu sou livre para…”, não, quer dizer você é livre, mas… “Ah, mas da minha vida cuido eu”, se você não tiver responsabilidade. Porque assim: “Eu fico doente, eu posso fumar, eu fico doente a vontade, eu posso jogar o lixo na rua, porque…”, não, quer dizer, não é autoritarismo você instigar as pessoas a serem responsáveis, porque se você fuma e você ficar com câncer, quem vai pagar são os impostos de todo mundo. Isso você tem que saber, no mínimo, né? “Porque eu sou livre…”, a liberdade, ela tem uma relação com a sociedade. Que raio de liberdade é essa? Onde que você invade o espaço do outro e você faz o outro pagar por aquilo que você tá destruindo? Eu acho que ai… para o individuo ser autônomo, para existir uma democracia, a gente tem que ter responsabilidade. Então, além dos direitos, que eu vejo falar demais em direito, acho que direito a gente precisa e deve exigir, é óbvio, mas a gente tem que até exigir a responsabilidade, porque todo individuo tem que ser protagonista da sua história, da história do mundo. Eu acho que é uma balança, aliás, eu tava na CETESB, um dia eu fiquei preocupada e como eu falei que eu sou Forest Gump e as coisas eu vejo, vêm… eu falei: “Ah…”, era assim, um grupo de professores e assim, era um tipo de uma técnica onde você dá o tema e a pessoa escreve uma palavra que se relacione com aquele tema, para começar uma conversa. E o tema era cidadania e assim, 80% das pessoas escreveram “direitos”. Olhei para aquilo e falei: “Não vai dar certo”. Cidadania não é direito, cidadania é respeito e respeito é responsabilidade e direito de forma equilibrada e a gente tá vendo que falta responsabilidade. Então, fui trabalhar então com a questão… defendi a tese do doutorado, mas já foi difícil, mesmo na USP, na saúde pública, porque em 94, a banca era de engenheiros, tinham pessoas assim, até mais velhas e tal, muitos que trabalhavam com aterro sanitário, não consegui entender o quê que era a história de minimizar resíduos e não é nem reduzir, porque minimizar é reduzir, reutilizar, reciclar, tal, isso era definição de minimização, mas minimizar é assim, você tem 100, você quer o mínimo, não é reduzir: “Eu tenho 100% de lixo, se eu chegar no 90, eu reduzi”, não, mas não é isso que a gente quer. É minimizar, é do 100 ao mínimo, porque resíduo, qualquer lixo é ineficiência do processo, a natureza não tem lixo, porque ela é extremamente eficiente. E na época, mesmo as empresas, a CETESB é uma empresa de controle de poluição, então, o quer que é um controle de poluição? Na época, punha-se filtros, então você está controlando a poluição, você não está impedindo que a poluição aconteça, porque você põe o filtro, continua acontecendo, você segura. Aquilo também vai ser deposto em algum lugar. Então, foi o momento onde se começou a falar em prevenção à poluição, mas já estava trabalhando com a história do consumo, que é a base… porque tem uma coisa, o consumo, a gente chama de sustentável, responsável, consciente, só que o consumo nunca vai ser sustentável, responsável, consciente, por quê? Indo ao dicionário, o quê que significa a palavra consumo? Consumir é usar até acabar, destruir, extinguir. Os exemplos do dicionário: os vermes consomem os cadáveres. O fogo consumiu a floresta. Então, consumir não é usar para o bem viver, consumir é usar até acabar. Então, nesse sentido, estamos sendo completamente eficientes na nossa sociedade de consumo, porque estamos usando até acabar. Enquanto nós não sairmos, não nos livrarmos da sociedade de consumo que nos consome, a gente não vai resolver a questão da sustentabilidade. Então, a gente usa a palavra consumo consciente, consumo responsável, consumo sustentável sem problema porque infelizmente, a gente não tem ainda palavras melhores, mesmo a palavra sustentabilidade, ela fica desgastada, confusa para a população, muitas vezes. Se fala assim: “Triple bottom line”, tem que ser… a sustentabilidade tem que ser econômica, social, ambiental. Perfeito, só que muitas vezes, quando se fala em economia, economus, você não está falando… o quê que é economia? Seria gerir os recursos da forma mais eficiente possível. Então, a economia tem uma ligação profunda com o que a gente poderia chamar de ecologia, elas são irmãs siamesas, porque a natureza é econômica , ela sabe gerir os seus recursos. Agora, quando a gente fala desse triple botton line a gente tá falando o social, o ambiental e essa economia que é muitas vezes… e a gente fala da economia que está ai, que é uma economia de destruir, uma economia de excessos, uma economia de conseguir o tirar o maior lucro possível da… isso ano é economia, isso é o que a gente considera economia hoje, mas é economia da ganancia, do lucro distorcido, isso não é economia, então fica confuso até para a população entender o quê que a gente tá falando quando fala de sustentabilidade.
P/1 – E como fazer a população entender isso e se apropriar?
R – Esse é o grande trabalho, né, esse é o grande desafio e esse desafio que nos anima, que eu brinco, né, que tanto na questão do resíduo, tanto na questão do consumo, na sustentabilidade tem um vírus que é muito pouco estudado ainda que é o vírus do entusiasmo. Então, quem trabalha com isso se entusiasma, só que ao mesmo tempo, a gente tem que aprender assim, eu ano acho difícil, mas você tem que entrar em contato com a pessoa, porque todo mundo… a sensação que eu tenho, pelo menos as pessoas que a gente conhece, dentro das culturas mais próximas, mas eu acho que vale para o mundo inteiro que o ser humano é muito mais igual do que diferente, eu acho que o que é diferente é a casca e o humano é a essência, ele sabe. Ele sabe quando a coisa tá em desequilíbrio, ele sabe. Só que assim…
P/1 – Mas é que às vezes, falta um pouco de noção…
R – Falta informação, faltam dados, assim, mas não são dados técnicos, faltam aqueles dados simples que fazem com que a pessoa passe, sabe, mude. Que assim, por isso que quando eu trabalho, normalmente, eu não trabalho com dados técnicos, tanto que eu consigo dar a mesma aula ou palestra, oficina muitas vezes para uma criança de dez anos e para alguém de todas as faixas etárias até os 90, 100 juntos porque são coisas que fazem sentido. Então, eu acho que a gente tem que trabalhar com coisas que fazem sentido, trabalhar muito, acredito muito na arte e na cultura, trabalhar… filme eu acredito que é uma coisa fantástica porque aproxima a realidade que nem todos podem conhecer, então, ela abre… esse tipo de informação. Informação que mais do que uma informação só cognitiva, é uma informação afetiva que faz sentido, é aquele… um insight, aquele momento de insight que… e ai, você mudando esse interior, mudando essa estrutura interna da pessoa, ela começa a perceber, quando ela percebe a normose, que aquilo… ela faz daquele jeito ou a sociedade faz daquele jeito, mas não tá legal, não é… não tem… inclusive, por isso que eu acho que uma criança… tenho muito cuidado com a criança, aos seis, sete, oito anos, ela acredita, ela confia na escola, tal. Interessante, por quê que aos 11 anos, 12, ela é cínica? Por quê? Faz parte da pré-adolescência, adolescência. Não, ela é cínica porque ela percebe a hipocrisia da sociedade, a gente fala uma coisa e faz outra, né, mesmo essa coisa da alimentação, quantas escolas… não é sempre assim, óbvio, mas muitas escolas, o professor vai lá, põe a pirâmide, que inclusive, nem se usa mais, tal, mas tudo bem, então tem que comer isso, né, alimentos que são construtores, alimentos que dão energia, tal. Ai, na hora do lanche, come o refrigerante, come um salgadinho de pacote, quem tem filho sabe que o que a gente ensina não é falando, quer dizer, falar também faz parte, mas é no exemplo. Então, tem que ter. O exemplo, né, a gente até fala da síndrome do sapo fervido, que o Al Gore usou no filme dele, mas eu uso também há muito tempo nas minhas palestras antes até, não sei, uma coisa que vem. Essa história do consciente coletivo, ai, que a síndrome do sapo fervido é a história, se você pegar um sapo, colocar dentro de uma panela, tentar jogá-lo dentro de uma panela de água quente, ele sente a quentura e pula, se pegar o mesmo sapo, colocar num panela com água friazinha, ligar a panela, pôr no fogo, né, ligar o fogo, a água vai estar geladinha, gostoso, sapinho tá lá, depois vai amornando, amornando e a hora que ferve, o sapo pula, ele morre feliz, porque ele não percebeu. Então, a sociedade, ela está nesse momento, porque as coisas mudaram muito rapidamente, ela tá meio adormecida, entorpecida dentro dessa água que eu espero que já não esteja no ponto de fervura. Às vezes, eu fico um pouco preocupada. Aliás, falando em consciente coletivo, tem uma frase, vou tentar lembrar inteira, que eu uso também desde lá que eu comecei a trabalhar com, resíduo, lá no fim da década de 80 e que apareceu no filmezinho que é muito visto também, chama “História das Coisas”, então quando eu começava a falar de resíduo, durante muitas e muitas palestras que eu dei e muitas e muitas pessoas que eu formei e que acredito que eu coloquei o vírus lá do entusiasmo, começava falando de economia e não de sustentabilidade e não de saúde. E é uma frase de um vendedor americano, consultor de vendas americano que foi colocada num livro chamado… de um autor chamado Vance Packard que chamava “Estratégias do Desperdício”, lembrando que o livro é em inglês e em inglês, desperdício e lixo é a mesma palavra, né, que falava assim, então, ele colocou para chamar a atenção, isso, ele escreveu o livro no começo da década de 60 e essa frase falava: “A nossa economia enormemente produtiva requer que nós façamos do consumo o nosso modo de vida, que nós convertamos o uso das mercadorias em rituais, que nós busquemos a nossa satisfação espiritual e do nossos ego no consumo, nós precisamos de coisas consumidas, gastas, substituídas e descartadas numa taxa exponencialmente crescente. A cultura americana acreditou nisso e nós copiamos esse modelo. Quem acha… até hoje se acha isso, que quanto mais eu jogar fora alguma coisa, mais progresso a gente tem, quanto mais eu produzir coisas que não interessam pra ninguém, mais riqueza. Absurdo, bom, que empresa vai achar que quanto mais eu jogo fora, quanto mais ineficiente eu for, eu vou ser mais rico? Isso, as empresas já perceberam que não, que elas trabalham com a minimização de seus resíduos industriais desde lá da década de 90, cada vez mais, só que a sociedade nossa, que nós convivemos ainda não percebeu isso. Acha-se ainda que quanto mais se produz, quanto mais se descarta, os economistas colocam muito isso, o PIB vive disso, né?
P/1 – Você acha que as pessoas, hoje, ao escolherem um produto, elas pensam no impacto ambiental?
R – A maioria não, ainda não. A maioria não e pelo contrário, né, se a gente for ver… foi colocado para elas… a questão da ostentação, gente, eu trabalho com a questão de que desde década lá de 90, ostentar não tem como. Ostentar é um absurdo, o que é ostentar? Ostentar para rico já era um absurdo essa diferença de classe, agora vem ostentação para jovem, para jovem com pouco recurso, para jovem pobre, quer dizer, essa falta de percepção, eu tenho direito… não é a história do direito? Eu tenho dinheiro, eu tenho direito de usar e ainda, não se responsabilizar, até isso, né, a questão do lixo é muito por ai. Eu compro, ai as empresas também fazem muito isso, né, elas produzem pela politica nacional de resíduos sólidos, que nós ajudamos a construir, ela ainda teria que ser mais forte nesse sentido. Eu acredito…
P/1 – Explica melhor isso.
R – Eu acredito que só se… no começo, era um pouco mais assim, mas ela foi sendo alterada. Você só poderia produzir coisas já pensando no seu destino final, porque por exemplo, quando se produziu isso aqui, é lindo, tem um destino final interessante, madeira. não tem tanto problema, mas vamos imaginar um produto como este aqui, um sofá, o design fantástico, só que assim, ninguém pensou no destino final. Porque isso é uma externalidade e as empresas vivem muito de externalidades, tanto com relação aos resíduos, quanto com relação ao impacto, por exemplo, de um agrotóxico ou de um transgênico na natureza. Então, as externalidades, aquilo que eu não coloco no meu processo. E quem vai pagar a externalidade? A população, o poder público. Então, a ideia seria que para você colocar uma coisa no mercado, você teria que já prever… quando a gente fala da politica nacional, a logística reversa de alguns produtos, ela já pressupõe um pouco isso. Se eu coloco, tipo, uma lâmpada fluorescente, em tese, eu tenho que recolher porque ela tem… ela não pode ser uma externalidade, entende, você teria que já pensar e colocar dentro dos custos do seu produto e outros produtos assim, como eletroeletrônicos…
P/1 – Então, só concluir, assim, para você colocar uma coisa no mercado…
R – Então, para colocar uma coisa no mercado, você teria que dentro do seu processo, incluir a disposição final, além de incluir a minimização, quer dizer, quais são todas as etapas que você teria que fazer para que aquilo não se transformasse num resíduo que tivesse que ser descartado em algum lugar.
P/1 – Ao teu ver, como atingir mais pessoas a terem essa consciência?
R – Eu acredito que primeiro, a indústria deveria se responsabilizar de fato, mais assim, até pela própria informação. Eu acho que é um caminho sem volta, eu acho que isso ai vai acontecer. As pessoas… que é gradativo, é gradativo, mas é exponencial, a hora que pega, vai, acontece. Então, a gente está percebendo, as mudanças estão acontecendo, mas eu acredito que tanto as empresas e principalmente, o poder público que ainda não acordou. Então, acho que… esse pensamento sistêmico, ele tem que entrar no poder público de uma forma mais ampla. Então se você tem as várias secretarias ou os vários ministérios, eles ainda trabalham muito de forma separada.
P/1 – Que politicas públicas?
R – Por exemplo, para você ter ideia, uma secretaria da saúde, muitas vezes, ela não se comporta como secretaria da saúde. Ela se comporta como secretaria da doença. Ela fala em remédios e fala em hospital, isso não é saúde, isso é doença. Então, uma secretaria da saúde, ela é intrinsicamente ligada a uma secretaria de Meio Ambiente, porque minimizar resíduo é saúde, não é só… eu encontrei esse problema na hora em que eu fui defender o meu doutorado, porque a banca perguntou pra mim, para vocês terem ideia, eu tava falando de minimização, colocando inclusive, exemplos de coleta seletiva, já que existiam, já no começo da década de 90, e colocando a questão de como integrar isso, inclusive com arte, mas de verdade, como integrar, como mobilizar as pessoas, tal. A banca olhou pra mim e perguntou: “Por que a senhora não trabalhou com a saúde da população ao redor do lixão?” e a minha vontade era perguntar: “Por que o senhor não trabalha com física quântica?”, porque ele estava falando de coisas que… agora, por quê? Porque estávamos dentro de um departamento de saúde pública. Ao pensar em saúde, ele pensava no quê? Na doença, como ainda infelizmente, se pensa muito. E ai, ele queria que eu trabalhasse com as doenças das pessoas que trabalham ou que moram ao redor do lixão. Ele não via o trabalho que eu estava fazendo com saúde. E ainda não se vê, muitas vezes.
P/1 – Que é o quê? Qual era o trabalho?
R – Que é… então, levantamento das experiências de coleta seletiva e outras experiências de minimização de resíduos, que a coleta seletiva faz parte da minimização de resíduos. Só que também, tem uma coisa, a coleta seletiva… ai eu já vi coisas tão absurdas, até em escolas, que recolhia-se o lixo da comunidade nas escolas e ai, um dia eu vi a escola abraçar o lixo, como se abraça uma praça, como se abraça uma lagoa que se quer preservar. Ai, gente, a coleta seletiva… eu sempre brinco, pergunto para as pessoas: “Você gostaria de fazer uma cirurgia cardíaca, pôr ponte de safena?” “Não, não quero” “Mas se precisar, você faz?” “Lógico, melhor do que morrer é fazer uma cirurgia cardíaca”, então, coleta seletiva é isso, é ponte de safena. não é: ai, que maravilha, a coleta… não, porque você tem que reduzir antes. Reutilizar antes, entende, não é a quinta maravilha do mundo, é algo que você faz só se for necessário e tem uma outra coisa que eu acho fundamental, que é assim, perguntar para as pessoas: “Você separa o lixo em casa?” “Separo”, então, eu costumo dizer: “Não precisa separar, bobagem”, a pessoa se assusta: “Como não precisa separar? Todo mundo fala que tem que separar o lixo”, é muito mais simples. Quando você compra tomates, onde é que você guarda? Na geladeira. Quando você compra meia, onde é que você guarda? Na gavetinha das meias. Se você pegar um quilo de tomates e deixar um mês na gavetinha das meias, vai dar problema? Imagina-se que sim. Só que o problema é a meia? Problema é o tomate? Não, o problema é o seu processo que é ineficiente. O seu processo seria colocar cada coisa no seu lugar. Então, por quê que eu tenho que separar o lixo? Os resíduos? Para encaminhar? Quando eu compro uma caixa de sabão em pó, não tá no lugar? Não tá lá na lavanderia? Quando eu compro um caderno, não tá no meu escritório? Quando eu compro comida, tomate, faço uma preparação, faço um arroz, um feijão, faço uma comida gostosa, não tá lá na cozinha? Não está na geladeira uma parte desses ingredientes? Tá. Tá tudo separado? Tá. Por quê que eu tenho que separar? Já está tudo separado. É só não misturar. O doido, a normose básica é eu achar que eu pego restos de comida, jogo em cima de uma caixa de sabão em pó ou de um caderno que eu não vou usar mais, um jornal que eu não vou usar mais e acho que aquilo é normal. Então, essa é a normose básica, porque já está tudo separado. Um tá na geladeira, outro está no armário, outro está na lavanderia, outro está na biblioteca, na hora que eu for descartar para uma coleta seletiva, ou para uma reutilização, é só não misturar e também não precisa separar… o pessoal ainda por cima separa com aquelas coisas coloridas, felizmente, a politica nacional de resíduos, ela trouxe o quê? Você separa aquilo que tem um destino, não mistura, você coloca nos recipientes aquilo que tem um destino, então os recicláveis vão para uma cooperativa. A matéria orgânica vai para fazer compostagem, sabe? Ai, o resíduo de banheiro vai para… o lixo de banheiro vai de fato, ai, para um aterro, uma coisa assim. Então, é muito mais simples. Agora, como é que faz para mudar? Só fazer esse estalo acontecer e acontece.
P/1 – Mas o que é fazer esse estalo acontecer?
R – Tem que investir na mobilização, tem que investir na sensibilização. Você vê algum investimento? Vamos pensar na pirâmide que seria da minimização de resíduos. Então, começa reduzir, reduzir não é só você na sua casa, reduzir é a indústria pensar, inclusive isso, quando ela vai fazer, se ela tá usando em excesso alguma matéria-prima ou se aquilo foi retirado da natureza, mas não tem como voltar de jeito nenhum, mudar a matéria-prima se ela é muito impactante. Reduzir. Depois, reutilizar, ampliar a vida útil daquela matéria-prima, isso é reutilizar e não é fazendo porcaria, não é fazendo arvore de natal, sem senso estético nenhum, não é fazendo qualquer coisa, ou brinquedinho para dar na escola. Isso é transformar o lixo num outro lixo que ai, vai ser jogado fora. E depois… reduzir, reutilizar, reciclar, tá? Ai reciclar é não misturar, só que tem uma coisa, não é lavando com bucha e detergente também. Quando as pessoas pensam em reciclagem, elas pensam naquela coisinha que ela manda para a escola, aquela embalagem de iogurte limpinha, lavadinha para fazer brinquedo. Isso não, você não pode lavar o lixo, o resíduo, você não pode usar a palavra lavar, você pode usar a palavra limpar, tirar o excesso. Se você… alguma água que seja necessária em alguns casos é a água da pia já tá sendo usada para lavar alguma coisa. população lavar todo o lixo para encaminhar para a coleta seletiva não dá, né? Então assim, reduzir, reutilizar, reciclar. Ai vem disposição final, me diga uma coisa, onde é que é usado todo o dinheiro de uma cidade? É em reduzir, reutilizar e reciclar? Ou é na disposição final? Quanto dinheiro não se usa? É muito mais do que o dinheiro do orçamento da secretaria do Meio Ambiente, é o dinheiro que se usa apenas para recolher e levar para um aterro, então, é simples. É só você investir no lugar que tem que investir, agora, não tem investimento nenhum, alguém já viu algum investimento sério, grande de uma grande cidade ou mesmo São Paulo, na sensibilização da população? Nessa percepção de ampliar o repertorio? Porque o importante é ampliar o repertorio pra mim, sensibilizar, mobilizar, capacitar e ampliar repertório. Capacitar os gestores públicos, sensibilizar, imobilizar a população e tem um equivoco no que é chamado, uma vez, eu fiz um trabalho grande para o IPEA na politica nacional de resíduos sólidos, um trabalho sobre a educação ambiental, eu fiz um levantamento do que se chama de educação ambiental no Brasil com relação à questão dos resíduos e o que eu encontrei, primeiro, eu não uso a palavra educação ambiental, não gosto, não uso, não é um… eu acho que não é educação ambiental. Educação não tem adjetivo, eu acho que é sensibilizar para um novo momento cultural, assim como a gente aprendeu… não tinha luz, ai quando veio a eletricidade, as pessoas aprenderam a usar a luz. O banheiro também não tinha, palácios não têm banheiro. O banheirinho era lá fora, ai quando o banheiro entrou pra dentro de casa, as pessoas aprenderam a usar o banheiro. Então a questão dos resíduos é a mesma coisa. É um novo momento cultural, as pessoas podem e devem aprender a tratá-lo do jeito correto, só que como é algo que ainda parece distante, foi muito rápida essa mudança. Interessante, uma vez no nordeste, acho que foi em Natal ou Recife, me contaram uma coisa, olha que interessante. Quando alguém pede para uma criança… eu dou uma embalagem para uma criança e falo pra ela jogar na lixeira, tranquilo. Sabe a palavra que se usa, a frase que se usa? “Oh menino, pega isso aqui, rebola no lixo”, não, desculpe! “Oh menino, pega isso aqui e rebola no mato”, a criança pega aquilo e joga na lixeira, olha a frase usada: “Pega isso aqui e rebola, joga, no mato”, só que ela não vai jogar no mato, ela joga na lixeira, ainda se usa o mato, por quê? Porque ontem as pessoas ainda usavam jogar uma casca de fruta no mato, porque na natureza não tem lixo. Aquilo vai ser degradado, vai voltar, vai enriquecer, vai alimentar o solo. A gente ainda faz a mesma coisa, a gente rebola no mato, mas só que rebola nos matos, em geral, sendo a lixeira ou não. Então, é muito recente, só que por ser algo que em tese, que a luz, eletricidade, banheiro em tese nos trouxe benefícios. Parece que esse tipo de coisa não nos traz benefícios, é o beneficio coletivo, não é verdade porque tudo vai voltar pra gente, inclusive em termos de impostos que eu vou ter que pagar. Quanto mais sujo for, quanto mais distante for o aterro, entende, sempre que a gente cuida do ambiente, a gente cuida da gente, a gente cuida da saúde, a gente cuida… sempre. É óbvio que a gente tem que pensar no todo, na sociedade, no coletivo, mas a gente sempre tá cuidando mais é ad gente, só que ano é tão claro essa relação, então a gente tem que trazer. Ai quando eu falei da questão da educação ambiental, eu não gosto também quando se fala em educação, se remete à escola e quando se fala em escola, se remete à criança e: “As crianças sabem tudo hoje”, não é assim, tudo bem, elas podem até aprender na escola, que tem lixo diferente, a corzinha, essas bobagens, né, a corzinha da lixeira que também isso totalmente é desnecessário e nem é por ai, mas elas aprendem pelo exemplo, então, elas aprendem pelo exemplo que o professor dá, que os pais dão, é óbvio que ela pode pegar aquela informação que ela aprendeu na escola e levar para os pais, mas não é suficiente, a gente tem que sensibilizar, e mobilizar toda a sociedade e como é que se faz isso? De forma muito mais simples e mais barata do que todo o recurso que é usado para dispor, coletar e dispor o lixo, só que a gente não tem. O investimento não vai na sensibilização, na mobilização, então, a gente é uma grande normose, você não investe e uma das coisas que eu já percebi, inclusive em pesquisas que eu fiz, inclusive essa do IPEA, usando-se o termo educação ambiental, coisas assim, absurdas, normoses assim, absurdas, por exemplo, eu implanto uma coleta seletiva num bairro, implanto, ai na hora de mobilizar a população, eu vou na escola, às vezes, fora do bairro. Isso é muito comum. Então, na realidade, eu tenho que sensibilizar cada pessoa, cada casa, ai eu posso ir nas igrejas, eu posso buscar lugares onde já tem pessoas, óbvio, mas não na escola, só e às vezes, as escolas fora. Então, a palavra, ela induz você a sair, às vezes, do campo. Isso é muito comum, mesmo em cidades onde tem coleta seletiva, não existe sensibilização da população e também, sensibilizar não é dizer onde tem o coletor, sensibilizar é aprofundar, falar da pegada ecológica, o quê que é a pegada ecológica? É quanto de recurso do ambiente eu uso quando eu vivo… pela vida que eu levo, quanto, estilo de vida. Quanto de recurso do ambiente eu uso, se você não aprender isso, você não tá aprendendo sobre o que é a sustentabilidade e tem relação intima e direta com o lixo, com os resíduos e vou além, principal conceito que eu tenho que entender para aprender o que é sustentabilidade é resiliência. Se eu não aprender o que é resiliência, posso separar lixo, eu posso fechar a torneira, eu não estou falando de sustentabilidade. O quê que é resiliência? Todo sistema tem resiliência. Resiliência é a capacidade de um sistema voltar para a situação original, então se eu vejo um bambu, ele tem alta resiliência, se eu puxo, puxo, puxo, ele volta, não se quebrou. Se… isso vale… eu brinco que vale até para casamento, né, você tem um marido, um namorado, namorada, você briga, volta, briga, volta, você está respeitando a capacidade de suporte daquele sistema. Se você extrapolar, pode acontecer isso nas relações entre as pessoas, alguma coisa quebra, não tem volta, quantas relações, um casamento ou namoro, tal, até amizade quebrou, alguma coisa não tem volta, você não respeitou a capacidade de suporte daquele sistema, então você não respeitou a resiliência, ele não vai voltar para a situação original. Então essa é a base da sustentabilidade, é entender que a gente tem que manter o sistema e investir para que os sistemas consigam naturalmente voltar a situação original. É óbvio que não o original de 1500, da Mata Atlântica sem nenhuma entrada humana, não é isso, mantê-la viva, aliás, vamos além, fazer com que ela se regenere, é o que faz uma agricultura orgânica de qualidade, como no caso, a agricultura sintrópica e muitas formas outras de agriculturas orgânicas, em que você melhora o ambiente quando você faz uma agrofloresta, no caso, sintrópica, por exemplo, porque o ambiente se regenera, você tem um solo pobre, você tem um lugar que pode perder as suas fontes de água, as suas nascentes e você faz com que aquele ambiente volte a ter um solo rico, volte a ter as suas nascentes fortes, você regenera o ambiente, então você tem que entender o que é a resiliência e tem que entender a capacidade que o ser humano tem de ampliar, regenerar os ambientes. Isso é entender a sustentabilidade. A partir daí, você não vai jogar o lixo num lugar desse tipo, aliás, eu posso ir além, também. Quando o sagrado… o sagrado da vida sem ter relação com religião nenhuma, mas a vida é sagrada, é poesia e é sagrada. O sagrado da vida, se eu respeitar o sagrado da vida, se eu respeitar o sagrado que é o ambiente que nos acolhe, você não joga lixo no lugar sagrado, só que a gente perdeu a noção do sagrado, nosso corpo, a gente joga muito lixo, a gente come coisas que a gente nem sabe o que elas são, completamente artificiais, a gente dá para os nossos filhos um alimento produzido com uma quantidade de agrotóxico que a gente não tem ideia, pesquisas mostraram, recentes um tomate com 17 tipos de agrotóxicos diferentes, nossas cenouras completamente contaminadas. Qual é o primeiro suquinho que você dá para um bebê? Depois papinha? Põe cenoura todo dia, isso ai não é que vai dar uma alergia, pode dar câncer, o INCA – Instituto Nacional do Câncer colocou claramente: “Estamos numa epidemia de câncer e a grande, grande maioria é por causa ambiental. Nós temos nossos alimentos contaminados, nós temos a nossa água contaminada”, e a gente tem muito pouco trabalho, pelo contrário, a gestão pública não se coloca como deveria se colocar, olhando para a saúde da população como de fato, deveria. Quando a gente fala em saúde – já coloquei – a gente fala em remédio e fala em doença. Na realidade, alimentação e água são a base da saúde, então a gente tem uma sociedade normótica dentro dessa normose e doente e isso… e o interessante, cada vez mais, você me perguntou como mobilizar, eu acho que só a arte mudando a cultura vai ser capaz de mobilizar, assim, só não, mas usar a arte, tanto cinema quanto a… porque viver é arte, eu acredito muito, então projeto chama Orgânica Arte porque cuidar da vida é arte. Então, viver… as pessoas perceberem que você cuidar da vida, você tá fazendo arte, você não precisa ser pintor, você não precisa ser músico, cuidar da vida é arte e uma vez, eu fiz um trabalho com as crianças na Escola da Vila, bem interessante, tinha pulado essa parte e a gente perguntava… as crianças perguntavam para os pais numa apresentação que eles fizeram: “Quanto de poesia você faz por dia? E quanto de lixo você faz por dia?”, uma sociedade que podia, faz mais lixo do que poesia, ela está doente, porque viver não é lixo, viver é poesia. Então, esse aprofundamento na percepção mais ampla, né, e a experiência da gente mostra que as pessoas respondem muito bem, só que elas têm que conhecer, elas têm que entrar em contato com esse olhar, que oportunidade que elas têm de ampliar o seu repertorio? De entrar em contato com esse olhar? Na Alma Paz, a gente desenvolveu muito um projeto chamado “Viva Bem no Mundo que Você Tem”, quando o Eduardo Jorge era secretario do Verde e do Meio Ambiente, que era assim, dez pontos: invista na sustentabilidade ambiental; valorize a paisagem e o lugar em que você vive; cuide da água; crie um mundo com menos lixo; coma com qualidade; construa a sua saúde; use o seu dinheiro com sabedoria; consuma com responsabilidade; seja protagonista da sua história e da história do mundo; invista na cultura de paz e na harmonia. Pra mim, isso é sustentabilidade, essa visão ampla e sistêmica de que nós somos parte do todo e se a gente não perceber o todo, então não adianta trabalhar só com lixo sem eu perceber esse todo. Mas a minha experiência mostra que é simples, só que assim, precisaria de mais encontros. É no humano que as coisas acontecem, são nos encontros humanos as grandes transformações, né, esse ponto de que… e muita gente, conheço muita gente que se transformou, que entendeu e viu, é um momento que a gente enxerga, é um momento que a gente vê, por isso que eu trabalho muito com cinema, tem um filme chamado “A Janela da Alma”, que é lindo e que Saramago fala uma coisa fantástica, quando ele era criança, tinha pouco dinheiro, ele ia ao teatro e ele tinha o teatro real e ao ver o teatro, tinha uma coroa linda e ele admirava aquela coroa, achava aquela coroa o máximo, só que como ele comprava os ingressos mais baratos, ele subia, subia, quando passava atrás da coroa, ele via que ela estava com mofo, ela estava suja, ninguém a tinha limpado. Então, ele diz que desde criança, ele aprendeu que para conhecer algo, é preciso dar-lhes a volta, essa é a visão sistêmica, esse é enxergar além, só que… de criar essa habilidade nas pessoas em geral, nos jovens, nas crianças, nos adultos, porque a gente não tem, isso na vida, é difícil, não encontra,.
P/1 – E qual o papel da Maluh nessa história toda? Como que você se vê nessa história toda da transformação, da mudança?
R – Eu me vejo o tempo todo fora da caixa, o tempo todo convivendo com essas transformações, para mim, é muito enriquecedor, assim, para mim é delicioso…
P/1 – Mas fala do teu papel, assim.
R – Então, eu trabalho o tempo todo ampliando repertorio, o meu trabalho é ampliar o repertorio das pessoas e encantá-las para esse universo que é complexo, que é sistêmico e que é apaixonante. É empoderador fazer isso e é empoderador perceber a troca, perceber as pessoas. Eu faço muita palestra e eu adoro, tem gente que fala: “Ai, palestra”, eu faço oficinas também, encontros, mas é muito gostoso quando você tem um teatro inteiro e a gente consegue, porque o humano, ele transforma, sabe, você levando a informação, não é… e não é só informação, né, levando esse encantamento, acho que o meu papel é encantar as pessoas por esse universo, é o que eu faço o tempo todo, aliás, o tempo todo mesmo, até na fila, em qualquer lugar, é buscar esse… porque a gente tem muita oportunidade na vida, a gente é abençoado por poder conviver com tantas pessoas diferentes, com tantas ações diferentes, com tantos processos diferentes. Então, om meu papel, também, é levar isso que eu vi, senti para os outros e esse processo é transformador, eu acho que isso me encanta. Uma coisa… eu falei do cinema, uma das coisas que eu acho que mais filmes deveriam acontecer, inclusive, eu participei do “Muito Além do Peso”, que é um filme lindo, fantástico da Estela Renner, do Marcos Nisti, né, do Instituto Alana, Maria Farinha que são fantásticos. Eu acho isso fundamental, assim, eu gosto muito de trabalhar com filmes, levar o filme elevar a reflexão depois, porque às vezes, o filme é bom, mas falta algo, falta sabe? bater uma boa com as pessoas e é muito rápido. Então, o meu papel é sabe, é brincar, é jogar, é transformar, é levar, é pegar algo que já tá ai… numa coisa eu acredito, eu quebro um pouco essa teoria da comunicação que diz que você precisa de… da comunicação ou do marketing, não sei tanto, que você precisa de um produto para cada grupo, então, eu preciso de um material para dona de casa, um material para criança, um material para jovem. Eu acho que a gente precisa de arte. A arte mobiliza todas as pessoas. Aquilo que fala, que te emociona, que te traz algo afetivo, que te… é arte, então eu acho que a gente teria que trabalhar mais com arte, eu trabalho muito, busco cada vez mais trabalhar com a arte, porque a arte transforma, só que também, ela precisa ser cuidada para que ela tenha esse papel, porque senão também, passa batido. Mas eu acredito muito que isso… e é pouco investimento, eu não vejo como muito, mas às vezes, a gente tem muita dificuldade de chegar nas pessoas, eu acredito que a gente tem que chegar nas pessoas, precisa mais, precisa colocar mais foco, luz nessa… e na crença de que é possível mudar. Eu acredito totalmente, eu sou muito otimista, eu acredito que as pessoas mudem e não precisa chegar aqui não, na água, não, elas mudam… a gente tá vendo isso, muita gente mudando, muita mocada plantando, cuidando dos ambientes.
P/1 – É, já tem, eu percebo nas crianças que já tem uma outra conscientização, nem, minhas filhas falam: “Não, desliga a água ai enquanto escova o dente”, elas já… não é só isso, mas…
R – Não é só isso, mas isso já… e é uma tendência, até porque ninguém quer viver num lugar totalmente descuidado.
P/1 – E Maluh, tem alguma história assim, nesse sentido que você falou agora, que você se lembre, que você tenha visto…
R – Muito rápido, assim, eu tinha um grupo e nem era um grupo… não era um curso, nada que eu estava dando, era um… é um grupo e estávamos inclusive, trabalhando coma Teoria U, do Otto Scharmer que é um trabalho bem interessante do MIT, que trabalha muito com transformação social. E a gente estava num grupo conversando, assim, principalmente com relação a alimentação, mas um bate-papo, eu participei da elaboração do novo Guia Alimentar da população brasileira, no meu pós-doutorado, agora em 2014 e ai, a gente tava falando, né, o guia é muito simples, ele fala coisas óbvias, simples, tipo: “Evite ultraprocessados, cozinhe…”e dá a importância de você ler os ingredientes, que a coisa mais importante do rotulo é o ingrediente e é do maior para o menor, aquilo que tá na frente é o que tem mais e às vezes, você compra alguma coisa escrito lá: “Cereais”, você vai olhar lá, farinha de trigo, açúcar… então, você comprou achando que é cereais, mas tá escrito farinha de trigo e açúcar, você não foi olhar porque não quis, eles estão dizendo que tá lá, aliás, é obrigado por lei. Ai, nessa conversa e tal, ai no dia seguinte, dali uma semana, chegou uma das meninas, gracinha e falou assim: “Maluh, olha foto da minha geladeira, está vazia, eu tirei tudo que não prestava” (risos). Então, eu tenho muita gente, muita gente mesmo, tanto em relação ao lixo, resíduos quanto em relação à alimentação ou com relação à sustentabilidade, que as pessoas dão um retorno fantástico de que muita gente não sabe nem o que é isso, né, mas que caiu a ficha, deu o insight. Então, a gente tem muito retorno.
P/1 – Pegou o vírus?
R – É. Acordar, acho que é isso, é acordar. Um dia, um aluno, foi num curso, chegou para mim e falou assim: “Eu acho que eu entendi essa coisa, é assim, afligir os consolados e consolar os aflitos”, então trabalhar com a questão ambiental ou trabalhar com sustentabilidade, ou trabalhar com ética, trabalhar com o humano envolvendo tudo isso, pode ser por ai, é afligir os consolados, então quem tá consolado, tem que: “Olha o sapo fervido, ai, vamo lá” e ao mesmo tempo, consolar os aflitos, aqueles que veem demais sofrem muito. Uma amiga, uma vez, colocou isso, que é assim, ela falou assim: “Ai, Maluh, a gente tem que cuidar”, porque assim, a gente parece muitas vezes que tá lá, foi, nadou um pouco antes e chegou no iceberg e a gente tá lá no iceberg e fica gritando: “Olha o iceberg!”, gritando, pulando e o pessoal lá do Titanic entrando, orquestra entrando, todo mundo entrando, as malas entrando, o luxo entrando e você gritando lá em cima do iceberg e o pessoal lá do porto falando: “Quê que aquela meia-dúzia de loucos tá lá gritando feito doido? Idiotas, nem, o que estão fazendo?”, e sai o Titanic e encontra o iceberg. Então, a nossa função é mesmo vendo o iceberg, saber modular as relações, saber levá-las de uma forma que você empodere a pessoa e pra mim é muito empoderador você saber, você é um ser humano, você é o protagonista da sua história e da história do mundo, você não é um Zé ninguém, você é gênio, como diz a música. Gente é para brilhar, então acho que quando a gente faz esse trabalho, a gente tá apenas colocando a luz no mundo que a gente vive e no brilho que cada pessoa tem. Tem muita gente, tem muitos problemas, mas também tem muitas possibilidades, oportunidades de solução. Eu acho que pra mim, isso é arte, viver é arte, trabalhar pela vida é a forma mais profunda de arte que a gente pode ter.
P/1 – Legal. Teve uma coisa que você não falou, da ONG, do Kairós.
R – Pulou, né? É que é tanta coisa…
P/1 – É, vamos falar um pouquinho disso?
R – Então, eu sai da CETESB em 97, 98, pedi demissão porque é uma empresa de controle de poluição, né, e eu não trabalho com controle de poluição, eu já fazia o que eu faço, mas assim, eu precisava espalhar mais, né? Ter mais autonomia e ai, eu fui fazer um trabalho, eu fui… foi assim, uma coisa bem interessante. Eu fui fazer um trabalho… nessa época já, a gente trabalhava com os vários materiais e teve uma época, que por incrível que pareça, antes desses projetos de supermercados de separação de resíduos, primeiro curso de resíduo que eu dei de minimização de resíduos, acho que foi o primeiro curso, foi na Bienal do Livro em 1992. Você é Schneider? Você conhece a Cida Schneider, por acaso?
P/1 – Não.
R – É da sua família distante, ai. Maria Aparecida Schneider, ela me chamou e a gente fez esse curso de minimização de resíduos em 92 na Bienal do Livro, que é no prédio da Bienal ainda. Então, nesse momento, a gente trabalhava tentando fazer, buscando fazer parcerias com as empresas para ter coleta seletiva, então, eu conhecia… ainda eu estava na CETESB nessa época, eu conheci o pessoal do plástico, o pessoal do vidro, então tinha a Abividro, tinha a Plastivida, tinha a Latasa, a Prolata, a Latasa, lata de alumínio, Prolata, lata de aço e ai quando eu sai do… e a gente tentava, por incrível que pareça, era impossível juntar os materiais para fazer uma coleta seletiva como hoje tem em supermercado, porque os materiais brigavam, e sempre, obvio, por acesso ao mercado, então eram concorrentes e na época, nem para trabalhar as embalagens, se conseguia juntá-los, interessante, né? Outro momento histórico. E ai, a gente conhecia todo mundo, quando eu sai da CETESB, a Prolata tinha um material… Prolata é o pessoal da indústria de estamparia de latas de aço, era pequena, né, industrias familiares na época, a CSN dava a maior parte do recurso, mas quem era uma pequena associação na FIESP, pequena. E ai, pena, eu não trouxe o material, depois eu posso até te mandar, eu separei para trazer e esqueci. E ai, foi bem interessante porque eles tinham o material, que eu cheguei para o pessoal e disse: “Olha gente, isso aqui não tá condizente”, porque assim, era lindo o folheto, mas era uma cachoeira e tava escrito, linda a água, “Lata de aço preserva o ambiente”. Eu falei: “A foto é linda, mas ela não tem a ver com o que vocês fazem”, eu tava saindo da CETESB, né, trabalhar com a minha empresa, tal: “Faz um material pra gente”, ai com essa ideia, eu sugeri um material fantástico, um que eu gosto dele até hoje chamado Consumo Responsável e Qualidade de Vida, que é uma lata… a parte de cima de uma lata de aço, uma coisa importante, que eu acredito completamente até hoje, a gente trabalhou com esse material, esse material abre e tem um jogo, tem uma roleta e tem um material para o professor e o material para a criança. Então, a gente fez durante dois, três anos e chamei algumas meninas recém-formadas para trabalharem comigo durante dois, três anos, fizemos em escolas, em São Paulo e em alguns lugares fora de São Paulo, que assim, cada professor ganhava e a gente trabalhava com qualidade de vida, minimização de resíduos e alimentação. Essas três coisas fazem parte do material. E ai, nessa brincadeira, eu conheci algumas meninas brilhantes que é a Cecilia Lotufo, a Fabiola e a Renata Pistelli, Cecilia Lotufo, Fabiola Zerbini e Renata Pistelli. E elas vieram trabalhar comigo no primeiro grupo, depois até um outro grupo, né, porque cada uma depois foi arranjando outros trabalhos e teve um segundo grupo que durou menos tempo. Esse grupo durou mais tempo, acho que em torno de uns dois anos. E a gente fazia esse trabalho nas escolas. E a partir desse trabalho com as escolas que já era um ensinar sobre as escolhas, né, a gente trabalhava muito a diferença entre escolas e opções, a gente acha que o mundo é cheio de escolha, o mundo é cheio de opção, não escolha. Escolher é outra coisa e a gente resolveu montar o Kairós, depois de dois anos desse trabalho como consumo responsável, então foi primeira ONG, na realidade, que acolheu a questão do consumo responsável, n´´, da questão do… inclusive hoje trabalha muito com os grupos de compras, então, na prática, o consumo responsável na prática, não foi tanto para o lado do resíduo, mas foi pelo lado das escolhas de consumo, de alimentação e levando informação também, essa informação mais ampla, bem nessa linha, né, de ampliar repertório, tal. E o Kairós é lindo, porque kairós significa… foi da frase do Rubem Alves que a gente tirou, que é o tempo, então tem o kronos e o kairós, a gente vive muito no kronos, kronos é o tempo do relógio, que parece… que nem existe de fato, né, porque ele vai, ele anda. Tempo é eterno. E o kairós é isso, é o momento de presente, é o momento certo da coisa acontecer, é aquilo que a gente tava falando, esse é o kairós, essa percepção do kairós, de que esse é o tempo, né, esse é o tempo que a gente tem de verdade, passado e o futuro, então… é o presente e é um presente, né, o kairós, então, ele veio daí, desse trabalho inicial com as escolas que foi feito em 98, 99…
P/1 – E você podia falar um pouquinho da alimentação orgânica e consumo responsável? Como que… que diálogo é esse?
R – Quando a gente… essa história é muito interessante… o que para mim é o consumo responsável? É você ampliar o repertorio e ter condições de escolher, até entender o que é escolher. Então, por exemplo, se eu for… fui votar, a gente votou lá em outubro, imagine que eu tenha ido de venda, então não tô enxergando a maquininha, mas eu aperto dois botõezinhos e coloco confirmo, eu pergunto: eu votei? Votei, presidente da mesa me deu um papelzinho, eu comprovo que eu votei. Eu escolhi? Não. Escolher é diferente de querer, escolher é diferente de pegar. Então, o quê que é escolher? Pra escolher, assim, da forma mais simples, eu preciso de uma informação de lá para cá, só que não basta. Se a pessoa que estiver dando essa informação estiver falando em grego, eu não entendo. Então, eu preciso decodificar essa informação, tenho uma informação e eu decodifico. Ai, eu estou apto a começar a pensar em escolher, né, porque tem tanta coisa envolvida, tantas emoções, né, dizem, né, que o nosso cérebro, talvez a maior parte das nossas decisões são inconscientes, né, tem a ver com a nossa estrutura cerebral até, mas eu acredito muito que na vida, a gente vai caminhando da escola… desculpe, da opção para a escolha. Isso vale até para a politica, as pessoas não percebem, ficam repetindo esses mantras: nós temos os políticos que nós merecemos. Não é verdade, nós não escolhemos, nós temos algumas opções, eu não escolho quem eu coloco lá, existe toda uma peneira, existe todo um financiamento de campanha e ai, o que chega tá ali, mas é uma opção, uma escolha. Então, eu acho que o caminhar na vida… talvez o grande lance da vida seja caminhar para chegar a um dia quase escolher, né? Então, a ideia é essa e a principal… porque a gente escolhe, votar você escolhe de quatro em quatro anos, de dois em dois anos, outras coisa também, a gemente escolhe ou faz opção de vez em quando. Alimentação todo dia, várias vezes ao dia, são as nossas maiores escolhas, a nossa maior oportunidade de escolher ou de ser levado, então a questão do… só que eu não trabalho com alimentação, ponto. Trabalho fazendo com que a alimentação me die possibilidade de ampliar o meu olhar e a partir daí, influenciar em todas as outras escolhas, a questão dos resíduos, a questão da saúde, o quê que eu faço quando eu estou doente? Eu vou no médico que vai me dar um montão de remédios, eu vou escolher aquilo que eu como ou uma fitoterapia? Como é? Ou uma massagem? Então, é fantástico e também tem uma coisa que você até perguntou antes, é muito mais fácil você trabalhar com as pessoas, ampliar repertorio, fazer relações em torno de uma mesa, como o ser humano sempre fez, as conversas fluem mais. Então, quando a gente trabalha com a questão das escolhas alimentares e da alimentação, é uma oportunidade para que a coisa aconteça de forma gostosa, o principal valor da alimentação é o prazer, isso colocado como valor dentro da politica de educação alimentar e nutricional, é o prazer, não é aprender que isso serve para… sabe, é vitamina, isso é… foi, não é mais. É olhar para o prazer, olhar para o paladar, inclusive, trabalhar o paladar das crianças, tal. E uma das coisas que a gente percebe é que falta muito, por quê que a pessoa come algo super envenenado e com gosto de nada? Porque não desenvolveu o seu paladar, a gente come. Se você comparar, compra uma banana numa feira orgânica e compra uma banana num supermercado normal, convencional, coma as duas juntas, aquela banana da feira orgânica e aquela que você colhia lá quando ia no sitio da avó, da tia, doce. Muitas vezes, você come uma banana, um caqui, uma maçã, uma pera e não tem gosto de nada, o que não tem gosto de nada, nada é. Então, a gente tá comendo isopor, ai enche de leite condensado, enche de chocolate, que nem chocolate é, porque tá lá, você vai ler, tá lá: açúcar, gordura hidrogenada e o cacau nem tem e eu chamo de chocolate, por quê? Porque o meu paladar não foi desenvolvido. Então, trazer a questão da alimentação, acho fundamental, porque você torna a pessoa mais sensível e também porque você atrai mais, se você fizer um evento para mudança climática, quantas pessoas vão se interessar? Agora, faz um evento sobre alimentação e fala de mudança climática.
P/1 – Mas faz um… tenta fazer um resumo, assim, do que significa alimentação orgânica e consumo responsável. Em três frases.
R – Pra mim, a melhor forma de exercer protagonismo na vida é aprender a escolher o que a gente come. E se eu vou escolher, de fato, o que eu como, eu tenho que olhar como aquele alimento foi produzido, em que solo ele foi produzido? Ele levou veneno? Ele é transgênico? Se eu puder fazer isso, o alimento orgânico é o que tem, ele foi produzido num solo rico, ele foi cuidado, ele não levou veneno, ele preservou a água, ele regenerou o solo, regenerou aquele ambiente, então é fundamental. Pra eu exercer o consumo responsável, é fundamental que eu parta das minhas escolhas mais básicas. E a principal escolha do dia a dia é a escolha da alimentação, do que eu vou comer, do que eu vou dar para os meus filhos. E sabendo que nós somos o país que mais consome agrotóxico no mundo, que nós temos uma quantidade absurda de transgênicos sendo licenciados no Brasil e a população não sabe disso. Tem uma coisa, eu acho muito sério porque pra mim, é tipo, você trocar os quatro pneus com o carro andando. Outro dia escutei um sindicalista falar: “Politico é que nem feijão, só funciona na pressão”, então a gente precisa da população sabendo disso, junto para poder pressionar, só que a gente chega na população e vai com cuidado contar isso, só que assim, tem que contar para ela que ela está comendo veneno, só que daqui um ano, ela vai continuar comer veneno, cinco anos, não sei, porque não tem condições, porque é um processo e a agricultura orgânica, ela é extremamente eficiente, mas ela é um processo, eu tenho que cada vez mais fomentar que mais agricultores orgânicos se envolvam, aprendam e não são aqueles, assim como o convencional que vão comprar um pacote que já vem a semente transgênica, vem o veneno, vem o outro veneno… não, eu vou ter… o agricultor orgânico vai ter… ele vai ter que aprender mais, o que é muito bom, porque aprender é fantástico, coisa que os agricultores mais tradicionais sabiam, então, muitos deles perderam esse saber, ele precisa aprender mais, então a gente precisa fomentar. Politicas públicas são fundamentais, a informação da população, a articulação, tudo isso vem, o movimento orgânico faz. Então, é fundamental a gente… é a primeira escolha. Se eu não escolher o que eu vou comer, se eu não escolher, aquilo que a gente falou, solo doente, comida doente, gente doente, e mente doente.
P/1 – E a questão do custo do alimento orgânico?
R – Então, na realidade, ai tem alguns mitos. Por exemplo, você vai comprar muitas coisas na feira orgânica, é o mesmo preço. Algumas coisas são um pouco mais caras porque também a produção é em menor escala, mas não é essa grande diferença que normalmente a população coloca. Existe, às vezes, uma pequena diferença. Qual é o grande equivoco? Quando você vai comprar no supermercado, muitas vezes, o supermercado, ainda… nós não olhamos assim, o supermercado olha como nicho de mercado. O quê que é um nicho de mercado? Algumas pessoas, por alguma situação, por ter mais dinheiro ou maios conhecimento, ou querer investir na saúde se colocam à disposição de pagar mais para ter um alimento orgânico. O que é que o supermercado, normalmente, faz? Ele compra pelo mesmo preço e põe… ele tem um índice de lucro maior e põe bem mais caro, muitas vezes, o dobro do que aquele convencional e ai, é uma deseducação, porque ai a pessoa olha e ela sempre associa, mas isso, porque na pesquisa se fala: eu pago mais caro. Então, o que a gente tem que fazer? Boicotar supermercados que vendem orgânicos mais caro. A gente tem que buscar, é obvio que não tem à disposição da população de todas as cidades, ou mesmo numa cidade grande, como São Paulo, ou de outras cidades grandes, em todos os lugares, mas isso está ampliando muito. Orgânico é o que mais cresce, então, mesmo com crise, cresce 40% ao ano a venda dos orgânicos, as pessoas já estão mais antenadas. Só que a gente também… e muito pouco apoio aos agricultores e ainda todo apoio vai para a agroindústria convencional, fora que os agrotóxicos todos, eles são subsidiados, eles não pagam impostos, quem paga somos nós, já que alguém deixa de pagar, pagamos nós, então isso pelo contrário, o agricultor orgânico… por incrível que pareça, ele tem que investir mais, aprender mais, pagar uma rotulagem, pagar um certificado, pagar uma empresa para certificar, ou mesmo quando é uma certificação participativa, ele tem que perder… perder não, mas ter o tempo para fazer aquilo e normalmente, ele é pequeno, ele pode ser grande, a gente tem grandes agricultores orgânicos, mas nem é o caso, o interessante, a gente tá apoiando muito a agricultura familiar orgânica, fazer com que as pessoas que produzem de forma familiar, aprendam mais, se encantem com a coisa e sejam capazes de produzir orgânico para a sua própria saúde, a gente vê muitos agricultores que viraram orgânicos porque estavam doentes, muitos, e outros pela consciência de que eles não vão vender algo que eles não comam e muita gente faz isso, muitos… morango, por exemplo ou tomate, muita gente planta e não come. Acho que né uma questão ética, quando você percebe que você não come aquilo que você está vendendo, é hora de mudar, muita gente muda, mas tem que trabalhar com a questão ética, também. Eu não posso vender alguma coisa que eu não coma, eu vou dar para o filho do outro o que eu não dou para o meu filho, acho que é uma evolução ética da sociedade. Pra mim, é obvio, não sei como é que os outros conseguem fazer isso.
P/1 – E quais são as coisas mais importantes para você, hoje?
R – Ah, eu acho que são as relações humanas, principalmente, as relações, né, começando pelas familiares, né, eu tenho dois filhos maravilhosos que têm essa percepção da importância de viver, de se relacionar com o mundo com mais profundidade, acho que tenho essa benção, tenho o Pedro e a Bruna, que me dão muita felicidade. Eu gosto muito de conhecer pessoas, então, eu vivo pra isso, né, todo trabalho meu não é trabalho, é e não é, porque é um trabalho que me possibilita… outra benção, que me possibilita conhecer pessoas fantásticas, eu fiz um trabalho agora, Educação Além do Prato, por exemplo, onde eu trabalhei em muitas escolas, CEUs e diretorias de ensino, então são, sabe, conhecendo muita gente, muitos professores, muitos gestores públicos, é fantástico. Conhecer gente é o que me encanta, adoro . Não troco. Viajar é maravilhoso, adoro viajar… adoro viajar trabalhando, também. Espero que cada vez mais apareçam oportunidades dessas trocas serem maiores, são boas mas eu quero cada vez mais e eu gosto de coisas inusitadas, por exemplo, eu tinha um projeto em Natal com professores, só que eu ia sempre antes para Pipa, né, porque eu acho fundamental também até para valorizar a pegada ecológica, eu gasto de combustível do meu deslocamento, então, eu evito ao máximo, não faço isso, cada vez menos e acho que talvez nunca mais, ir para um lugar, fazer uma reunião e voltar, nunca, não. Eu vou conhecer gente, se puder, trabalho, se puder fazer trabalho voluntário também, a gente faz, a gente… isso ai é fundamental, tanto que eu já dei palestra na boate de Pipa, palestra no quadrado de Trancoso, né, encontros no quadrado, então pra mim, isso é muito estimulante, sair da caixinha, então, isso é possibilidades de trabalhar com, enfim, com cinema, ampliar… trabalhar com organizações que fazem a diferença, como o Instituto Alana, que trabalha com criança e que é lindo, um trabalho maravilhoso, assim e isso me encanta e cada vez mais, trabalhar com gente assim, que faça a diferença no mundo, mas de verdade, que não seja burocrata, que não seja tecnocrata, respeito o trabalho, mas eu não acho… não carece conviver e trabalhar junto, eu quero trabalhar com alma, acho que trabalhar com a alma é o que… sabe, a gente faz isso e é gostoso, acho que é… é uma benção, é gratificante, é tudo, é estimulante, não esquecer da poesia, não esquecer que a vida é sagrada e outro dia eu descobri, falei que, né, eu fui para Cuba, tô voltando, e interessante que lá fora, não falando em economia, em politica, nada, a energia, eu revi a minha infância, né, a casa da minha vó, o cuidado, as pessoas, a generosidade, a afetividade, mas mais do que isso, eu senti na cidade, em Havana, uma energia diferente, uma energia leve, com tudo aquilo, uma população que realmente recurso, dinheiro é pouco, né, mas é leve e principalmente… não na área turística, na área… eu convivi com a população mesmo, né, em casa de pessoas e andando muito com a população, é uma energia leve, todos os lugares que eu fui era leve e ai, eu descobri, e no avião eu descobri uma coisa interessante, que às vezes, a gente com tudo isso que a gente trabalha, às vezes, perde energia, perde, a gente precisa reforçar, perde e às vezes, essa falta de energia que acho que muita gente tem, não só eu, muitas vezes, a gente confunde com depressão, você fala: “Eu tenho depressão”, ai me caiu a ficha, as pessoas não estão com depressão, é obvio que tem toda a questão física, biológica, entendo profundamente o funcionamento cerebral, inclusive adoro isso, ponho isso nas minhas palestras também, adoro isso, neurociência para mim é muito interessante, mas ela vem de outra fonte, inclusive o funcionamento cerebral vem do seu modo de vida . Então, entendi uma coisa, as pessoas não estão com depressão, elas estão com falta de completude, com a falta de inteireza, que eu vi a inteireza, mesmo com toda dificuldade e o ser humano passa, passou e passa por muitas situações em guerras, conflitos, mas de manter a inteireza. Eu acho que a nossa sociedade… então, pra mim, essa nossa sociedade de consumo, ela tira a completude, ela busca a não completude, porque a não completude te dá os desejos para desfocar de você próprio e focar no consumo. Então, eu acho que a busca da completude, para mim, o que me move hoje é a busca da completude, é a busca da inteireza, e independe de…
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Então, os meus sonhos? É poder continuar fazendo muito o que eu faço, mas cada vez mais, gostaria muito de muitas oportunidades, de muitas possibilidades no Brasil, fora do Brasil, sabe, pra mim… esses são os meus sonhos, viajar pra mim é um grande sonho, assim, gostaria de viajar mais, mas principalmente, a trabalho, assim, juntando… não a trabalho, né, juntando essa festa desse compartilhar, desse celebrar. Então, é celebrar isso, meus grandes sonhos são esses, ter gente legal do meu lado e viajar bastante e poder trabalhar sempre, até o fim da vida, trabalhar e fazer coisas, até porque eu acredito muito na questão da longevidade como essência. Eu não acredito que o ser humano envelhece, eu não vejo o ser humano envelhecer, até porque tenho uma teoria: que fisicamente, existem mudanças, mas não são como dizem. O envelhecimento é uma questão cultural. É uma camisa de forca cultural que você coloca nas pessoas. Obvio que tem algumas mudanças físicas, mas elas não são como dizem, tem gente com 70 anos que corre uma maratona e a maior parte das pessoas com 20 não corre maratona, então, o corpo você pode cuidar bem dele e ele te retorna. O corpo. Agora, o ser, a alma, o espirito não dá para ele em 70, 80, 90 anos, 100 anos que seja envelhecer, ele pode se aprimorar ou não. Então, acredito muito que… é uma das coisas que me fascina também. Trabalhar saúde da população, trabalhar longevidade dentro dessa visão das escolhas, eu acho que tem muita coisa para fazer e achar cada vez mais pessoas que compartilhem e que a gente possa trocar, caminhar junto, que já foi um caminho muito solitário, cada vez eu acredito que menos solitário. Já foi muito solitário, mas agora, acho que cada vez é mais… e muita música, né, muita vida…
P/1 – E Maluh, como foi contar a sua história aqui hoje?
R – Adorei contar história, é bom, né? É bom contar história, é bom a gente relembrar coisas, né, acho que a gente tinha que fazer mais isso, aliás, eu acho esse Museu da Pessoa uma coisa tão maravilhosa, tão interessante, eu tava lendo os quadros lá fora, as frases, o ser humano é lapidário, só de ler as rases, dá vontade de conhecer as pessoas, né, tem tanto brilho, tem tanta riqueza, eu acho que é fundamental, eu acho que vocês estão de parabéns por esse tipo de trabalho é um trabalho que eu acho que faz muita diferença, eu acho que funciona até para trabalhar essa percepção do ambiente, porque isso é ambiente, né, conhecer a memória, conhecer a história, guardar a memória é um ambiente que guarda, é um cuidado que se tem com a vida de cada um. Eu acho que esse cuidado, ele é fundamental e esse respeito à história, independente do que você faz, você tem uma história, você tem uma memória, eu acho que foi bom e eu gostei. Gostei bastante de estar aqui, compartilhar e de fazer parte dessa história. Fiquei feliz.
P/1 – Obrigada. Queria te agradecer muito.
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas:
[…] que tem um momento tão sério, devia-se dizer que na época, que o ____00:38:39____ na época, tinha sido preso, que tinham pessoas perseguidas, politicas e tal, mas o que chamava muita atenção, mesmo, era a vibração cultural, acho que pra mim, vida é cultura. não sei, vida é arte, é cultura. – Página 07.
[…] foi um dilema ético, né, que aconteceu ai. E depois, ai eu fui dar aula numa… ai, gente, o ____01:00:41___ é muito lindo, porque eu fui dar aula numa universidade em Santo Amaro que era do outro lado […] – Página 11.
Quer dizer, não começou só ai, ai começou na agricultura, porque se eu lembrar bem, quando eu era criança, voltando um pouco, eu lembro da minha vó e muitos nem devem lembrar, colocando ___01:13:49___, né, você punha DDT numas bombas meio caseiras e que faziam… dentro de uma sala de um quarto e na sequência, pondo a criança para dormir. – Página 13.
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