Tinha que ir afogar a juta, o dia todinho dentro da água trabalhando, trabalhando, trabalhando. Aí eu fui crescendo e ouvia falar de garimpo em Rondônia, Porto Velho. Aí, na época, apareceram por uns tempos aquelas calças de lycra, umas calças que ficavam com o vinco permanente. Eu cheguei a ...Continuar leitura
resumo
Seu Pará nos conta brevemente a história de sua família, onde cresceu na produção de juta, uma das principais atividades da região entre o Pará e o Amazonas. Nos fala também de sua juventude no comércio de navegação, junto de seus irmãos, e de como lá se convenceu a ir pra Porto Velho após querer uma calça e não poder comprá-la, em 1970. Depois, sabemos de quando entrou para o garimpo de cassiterita e ouro ao longo do Rio Madeira, atividade que lhe rendeu muito para si e para seu casamento. Pouco depois, se separa e junto com a queda da extração de ouro, quase vai a falência, mas ressurge abrindo tendas nas praias de Jaci-Paraná. Por fim, Francisco nos fala de seu projeto de administrar uma granja de galinhas, aproveitando uma indenização de Furnas pelo alagamento da região.
história
Francisco Batista Vanziler
legenda: Francisco Batista Vanziler
Francisco Batista Vanziler
legenda: Francisco Batista Vanziler. Retrato do Depoente. Homem de boné em pé em uma área residencial. Há casas e uma área coberta onde o homem se encontra.
Francisco Batista Vanziler
legenda: Francisco Batista Vanziler Retrato do Depoente. Homem de boné sentado em uma mesa em frente a uma casa. Há uma cobertura decorada com bandeiras verdes e amarelas junto com uma bandeira do Brasil. Há um freezer ao fundo.
Francisco Batista Vanziler
legenda: Francisco Batista Vanziler. Retrato do Depoente. Homem de boné sentado em uma mesa em frente a uma casa. Há um freezer ao fundo.
Francisco Batista Vanziler
Homem de boné sentado em uma mesa em frente a uma casa. Há uma cobertura decorada com bandeiras verdes e amarelas.
Francisco Batista Vanziler
Retrato do Depoente. Homem de boné sentado em uma mesa em frente a uma casa. Há uma cobertura decorada com bandeiras verdes e amarelas.
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Projeto Memória dos Brasileiros Entrevistado por Karen Worcman
Entrevista de Francisco Batista Vanselier
Jaci-Paraná, 24 de junho de 2010
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Andiara Pinheiro
Revisado por Heci Regina Candiani
P/1 – Vamos começar por seu nome e o lugar onde o senhor...Continuar leitura
Projeto Memória dos Brasileiros Entrevistado por Karen Worcman
Entrevista de Francisco Batista Vanselier
Jaci-Paraná, 24 de junho de 2010
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Andiara Pinheiro
Revisado por Heci Regina Candiani
P/1 – Vamos começar por seu nome e o lugar onde o senhor nasceu.
R – Onde eu nasci?
P/1 – É.
R – Eu nasci no rio chamado Rio Arapinhões, no Pará, entendeu? No rio.
P/1 – No rio?
R – No rio. Era o local, entendeu? Longe da cidade de Santarém, uns 30 quilômetros. Longe da cidade. Um rio chamado Rio Arapinhões.
P/1 – E quando foi isso?
R – Foi em 1947.
P/1 – Como era o nome inteiro do seu pai e o da sua mãe, o senhor sabe?
R – O nome da minha mãe era Lucila Batista Vanselier.
P/1 – E seu pai?
R – Manduquinha Batista.
P/1 – O nome do seu pai era Manduquinha?
R – Manduquinha Batista.
P/1 – E o que ele fazia, o senhor se lembra?
R – Na época ele trabalhava na Petrobras.
P/1 – Ele trabalhava na Petrobras lá em Santarém?
R – Em Santarém, era.
P/1 – E o senhor sabe se ele nasceu lá em Santarém mesmo?
R – Não, ele era peruano.
P/1 – O que o senhor sabe da história dele pra contar pra gente.
R – O que eu sei da história dele é que ele trabalhava na Petrobras, andava muito no mato. Aí uma cobra o picou e ele morreu.
P/1 – Só sabe isso?
R – Só isso.
P/1 – O senhor não sabe por que ele veio pro Brasil?
R – Peruano ele era mesmo. Agora, ele veio pro Brasil... Ele trabalhava muitos anos na Petrobras, aí veio pro Brasil e ficou por aí trabalhando.
P/1 – E sua mãe?
R – A minha mãe era natural de Santarém mesmo.
P/1 – Quando ele morreu, o senhor tinha quantos anos?
R – Eu tinha mais ou menos uns sete anos.
P/1 – Então, o senhor não se lembra dele.
R – Não me lembro não, tinha sete anos.
P/1 – Então quem é que criou o senhor?
R – Foi a minha mãe.
P/1 – O senhor tinha muitos irmãos?
R – Nós somos quatro irmãos homens. Com esse que morreu, só eu de filho. Agora, minha mãe se casou com outro, produziu três, todos são homens, nenhuma mulher.
P/1 – E aí vocês cresceram na beira desse rio, como é que foi?
R – Não, fomos todos pra cidade. Como a minha mãe era muito trabalhadora, fomos para outro lugar, uma cidade chamada Monte Alegre, região de Santarém, fomos trabalhar com agricultura. Começamos lá, começamos a crescer, trabalhando e trabalhando com ela.
P/1 – Pequenininhos?
R – Todos pequenininhos.
P/1 – Fazendo o que na agricultura?
R – Naquele tempo, lá no Pará, mexia muito era com juta. Nós trabalhávamos com juta, negócio com roça e tal, e foi crescendo, foi crescendo...
P/1 – Mas como é que era que funcionava? Conta pra mim isso aí. Era ela e quatro filhos?
R – Quatro filhos.
P/1 – Quantos anos você tinha quando começou a trabalhar com ela?
R – Quando eu comecei a trabalhar com ela estava com 15 anos.
P/1 – Antes disso, não trabalhava.
R – Não trabalhava, não. Só ela, que diz que mantém o povo. Ela arranjou outra pessoa para morar com nós, e que acabou de criar a gente.
P/1 – E como era? Vocês iam pra juta? Como é que tira a juta?
R – A juta você pega ela... Na área, quando é baixo alagado, ela vai pra água, aí você corta ela dentro d’água. Você pega uma foice, fica puxando ela e faz os feixes de quatro palmos de grossura, afoga ela. Com oito, dez dias, quando não pega muito sol, você vai lavá-la, tirar a fibra dela. Em Santarém, ela tinha tecejuta. A fibra era para fazer aquele saco que nós chamamos saco de sarrapilha. Era também para fazer aquele estopo para vedar a embarcação. O objetivo da juta era isso.
P/1 – Então vocês iam pro rio...
R – Lavar. Com água... Lá era ruim, me lembro como se fosse hoje. A senhora conhece sanguessuga? Um bicho que tem água?
P/1 – Sei.
R – Lá a bicha agarrava na gente, sanguessuga. Tem até outro bichinho potó no meio da juta, que mijava na gente, aquilo empolava tudo. Lá vem o puraquê bater na gente quando tava trabalhando dentro d’água. Aquilo junta só dentro da água.
P/1 – Ela cresce dentro d’água?
R – Ela cresce. Vamos supor que você plante no seco, aí quando vem a cheia, ela já tá grande e não pode cortar, porque ela tem que amolecer a caixa pra tirar. Eu trabalhei com aquilo, eu sei trabalhar com juta.
P/1 – E era o dia inteiro que vocês ficavam lá?
R – O dia todo. O dia todinho dentro da água trabalhando, trabalhando, trabalhando. Aí já fui crescendo e você sabe uma coisa, eu ouvia falar de garimpo de cassiterita em Rondônia, Porto Velho, em Rondônia, e eu disse: “Eu vou pra lá”.
P/1 – Com quantos anos isso?
R – Eu tava com uns 17, 18 anos.
P/1 – E até os 18 na juta.
R – Tudo na juta. Eu digo: “Mamãe, eu vou embora”. “Pra onde você vai?” Eu digo: “Eu vou pra Rondônia”. Eu olhava na revista Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e eu digo: “Eu vou conhecer”. “Minha mãe, como é que a gente faz pra eu ir?”. Eu me lembro benzinho, eu saí de casa no dia 15 de junho de 70, eu saí de lá meia-noite no navio.
P/1 – Como é que foi quando o senhor falou pra sua mãe “Eu vou embora”? O que é que ela disse?
R – Quando eu falei pra ela, ela disse: “Meu filho, não vá não; não vá, não”. “Mamãe, é o seguinte: cada um de nós tem nossas coisas...” Tinha terreno, tinha gado, e eu disse “Mamãe, venda meu terreno e venda umas dez reses que eu vou viajar”. Ela começou a chorar e vendeu. Eu comprei a passagem, cheguei a Rondônia, eu me lembro benzinho. Quando eu cheguei até em Óbidos, uma tristeza. Eu olhava pra trás assim: “Meu Deus, pra onde é que eu vou”. Ainda não tinha arranjado colega nenhum. Depois, no outro dia, já comecei a conversar com os outros, aquilo foi animando, aí eu esqueci. No dia do jogo da Copa de 70 eu tava no porto de Manaus.
P/1 – Subiu o rio todo naquele barco.
R – Naquele barco. Eu tava no porto de Manaus, aquela alegria, aí cheguei.
P/1 – Primeira vez que você saía...
R – Primeira vez. Eu cheguei em Porto Velho era mais ou menos umas duas horas da manhã.
P/1 – Mas me conta primeiro: de Manaus você fez como? Porque Manaus é longe de Porto Velho.
R – Longe. De lá eu peguei outro barco. Foram oito dias pra chegar aqui em Porto Velho. Eu me lembro benzinho que os caras no caminho paravam para pegar mantimentos... Até pássaro salgado eles compravam pra gente comer. Aquela comida... Quando foi numa época, eu mexia com comando de barco, comandante, não era amador, mas sabia pilotar. Aí adoeceu um prático... Não, primeiramente adoeceu um cozinheiro, o ajudante. E me ofereci. Fui lá pra cozinha ajudar e me dei bem. Aí adoeceu o prático, que ajudava o comandante, e um amigo meu falou assim: “Não, o Francisco aí conhece bem de pilotar barco”. Mandaram me chamar e fizeram um teste comigo. Fiz o teste, me mandaram fazer uma atracação no porto, eu fiz e pronto. Peguei o barco até Porto Velho.
P/1 – Mas como é que você sabia mexer com barco se mexia era com juta?
R – Não, antes disso, depois da juta eu fui trabalhar em barco.
P/1 – Ah, então vamos só um pouquinho porque foi rápido demais.
R – É.
P/1 – Vocês ficaram lá e sua infância toda foi na beira daquele rio?
R – Do rio. Eu viajava no Rio Arapinhões. Viajava Curuatinga, Curuá Una que tem hoje... Curuá Una tem uma barragem lá em Santarém... Viajava pra lá trabalhando de regatão. A gente subia o rio deixando a mercadoria na época, deixando mercadoria, aí passava quatro dias parado lá no final do rio, até onde tinha casa, a gente ia descendo. Naquela época, como não tinha previsão, vinha pegando couro de caça: couro de jacaré, couro de cutia, couro de camaleão, jacuraru de onça, gato maracajá, de tudo. Castanha, breu jutaicica, castanha do pará, tudo a gente vinha pegando. Juta, juta feito os fardos, a fibra dela são feito os fardos.
P/1 – Vocês vinham pegando e entregando outras coisas?
R – Não, a gente entregava a mercadoria subindo; na baixada vinha pegando os produtos já pro cara pagar aquela mercadoria.
P/1 – E qual era a mercadoria que o pessoal queria?
R – Olha, era tudo. Naquela época a gente vendia muita roupa por metro. Era fazenda que chamava. Era muita roupa, perfume, aquilo que eu me lembro benzinho que eu nunca mais vi, um tal de mutano pra passar no cabelo, era gostosa aquela vida. Eu viajei esses tempos pra lá e gostei muito.
P/1 – Era mutano, era perfume, era roupa, café, essas coisas também?
R – Tudo: café, açúcar, bolacha, tudo, toda mercadoria em geral, bolacha, tudo era gostoso.
P/1 – Aí demorava quanto tempo pra subir o rio?
R – A gente passava um mês de viagem, com um mês a gente tava de volta a Santarém. Chegava a Santarém, tinha os barcos de Belém que compravam tudo, encostava o nosso barco no lado deles e vendia toda aquela mercadoria só para um barco, era assim.
P/1 – E esse barco comprava para fazer o quê?
R – Pra levar pra Belém.
P/1 – Levar aqueles couros todos...
R – Tudo Naquele tempo não era proibido couro de caça, carne de capivara, couro de capivara, carne de jacaré, tudo salgado. Olha, era desse jeito. Eu me lembro demais disso, eu tô até com saudade ainda.
P/1 – E isso dava dinheiro?
R – Dava dinheiro, dava dinheiro. E era divertido, viu?
P/1 – Por que é que era divertido?
R – Porque hoje você tava numa cidade à meia noite, quando tinha que viajar, vamos supor, nós viajávamos de Santarém, também, às vezes pra Altamira. Aquelas cidadezinhas a gente parava tudo por ali, eu conheço tudo aquilo ali. De Belém a Manaus, eu conheço tudo quanto é cidade.
P/1 – Mas aí vocês paravam. Vocês dormiam na cidade?
R – Não, a gente parava e dormia no barco; no barco tinha todo conforto.
P/1 – Quem ia no barco contigo?
R – Nós éramos cinco pessoas.
P/1 – Ah, o barco era grande.
R – Grande. A gente pegava 60 toneladas, 60 mil quilos.
P/1 – Mas o senhor não era o dono do barco...
R – Não, o dono era o meu irmão de criação, eu era o piloto, só. Dois pilotos: um trabalhava um tanto de horas, o outro trabalhava outro tanto; quando era pra subir vinha subindo, a gente viajava dia e noite.
P/1 – E vocês ganhavam como? Por dia, por...
R – Assim, eu ganhava por mês. Vamos supor, não tinha nem acerto quase, o que eu precisava, ele me dava. Eu vou lhe contar como foi pra me conhecer, lá em Rondônia ainda, vou lhe explicar, sabe por que foi? Não apareceu, por uns tempos, aquelas calças de lycra, umas calças que ficavam com o vinco permanente? Eu cheguei a ver alguém vestindo uma calça daquelas e achei até bonita, que hoje só junquereiro quer. Digo: “Mano, compra uma calça dessas que eu achei muito bonita”, “Ah, mano, é muito cara”, eu disse “Rapaz, um dia eu vou ser dono da minha vida”. Na verdade eu vim pra Porto Velho por causa disso, por causa de uma calça.
P/1 – Por quê? Deu em você irritação de não ter dinheiro...
R – É, eu fiquei irritado porque eu trabalhava tanto e ele não comprou pra mim, disse que era muito cara. E hoje em dia ela só serve pra trabalhar na roça. Foi...
P/1 – E foi ali que deu na cabeça?
R – Ali que me deu aquela coisa e eu cheguei em casa e falei pra minha mãe: “Eu vou embora”, foi. E hoje esse meu irmão de criação mora numa cidadezinha perto de Itaituba, que se chama Meritituba, lá perto de Itaituba, ele mora lá, ele liga direto pra mim aqui e eu nunca fui lá. Eu fui a Santana semana retrasada e não fui lá com ele não.
P/1 – Ficou bravo com ele.
R – Não, não foi não. Eu tô em Rondônia por causa disso, por causa de uma calça que ele não comprou pra mim, eu vim embora. Aí toquei minha vida, graças a Deus, Rondônia eu acho muito bom. Eu hoje não tô rico porque eu não tenho que ser rico, mas dinheiro eu já ganhei aqui. Eu já fui dono de maquinária em garimpo, eu já tive cantina, eu já tive compra de ouro, as melhores chácaras de Jaci-Paraná eram minhas, chácaras boas. E hoje em dia acabei por separação, né? Hoje em dia, o que eu tenho na vida, eu sou solteiro, é isso aqui, mais uns terrenos por ali, umas duas casinhas aí no Jaci e só. Minha vida é só, eu moro sozinho. Meus filhos estão todos criados, muito bem empregados e moro só.
P/1 – Agora vamos voltar um pouquinho pro Pará?
R – Vamos.
P/1 – Antes da gente chegar no tempo atual. Então o senhor começou na juta e foi trabalhar no barco de regatão...
R – No barco, foi.
P/1 – E aí deu o problema da calça...
R – É, aí foi a origem de eu encaminhar pra Porto Velho.
P/1 – Mas de onde veio a imagem Porto Velho?
R – Eu tinha um amigo que já tava nos garimpos, garimpo do Garapa-Preto, já no Mato Grosso. Aí ele mandou uma carta pra minha mãe, que lá ele não me chama de Pará, ele me chama de Francisco: “Manda o Francisco vir pra cá”. Aí eu aproveitei aquela oportunidade, vim de barco.
P/1 – E aí foram oito dias no barco, já trabalhando
R – Já trabalhando no barco. Cheguei a Porto Velho eram duas horas da madrugada. Olhei, Porto Velho era feio, não tinha, naquela época não tinha, nem asfalto, eram umas pedras amontoadas na rua ali na Sete de Setembro. Amanheceu o dia, eu fiquei olhando, eu tinha dinheiro, aí eu fui lá no aeroporto, eu disse: “Eu queria ir pro Garapa-Preto”. Então foi cinco horas da manhã, o cara saiu, pegou a gente no hotel e levou a gente pra lá e disse: “Olha, eu vou te contar um negócio. E cheguei no Garapa-Preto, onde era o garimpo, eu passei três dias trancado dentro de uma casa com medo.
P/1 – Por quê?
R – Era muito tiro, muita gente. Eu dizia “Meu Deus, o que e vim fazer pra cá”. Tiro, tiro, e aí eu botei a...
P/1 – Como é que era isso do tiro? Explica pra mim.
R – Ah, a noite toda. Era muita gente, mais ou menos umas dez mil pessoas dentro do garimpo, e dizia “Fulano matou outro. Fulano já esfaqueou outro...” e eu dizia “Meu Deus, eu vou embora daqui”.
P/1 – Por que é que o pessoal se matava tanto?
R – Ah, garimpo é horrível. A senhora já foi em área de garimpo?
P/1 – Não...
R – Nem queira ir. Eu já passei por tanta coisa. Aí foi até que eu achei meu amigo. Aí meu amigo: “Rapaz, eu tô indo pra trabalhar”, e foi. E eu não sabia mexer com garimpo, falei assim: “Olha, vou te dar uma terra pra gente trabalhar”. Cheguei lá os maranhenses se deram comigo e tal, aí olha só: “Deixa eu sacar cata”. Cata que se dá o nome é um barranco que a gente tira o minério, quebrando tudo a pá, na mão. “Você ajuda a gente trabalhando dez dias lavando nossa terra que eu te dou esse barranco pra ti, ainda deixo o barraco com tudo dentro”. Aproveitei e medi lá, mandei brasa e lavaram. Eram dez mil quilos, era tonelada, cassiterita era negócio de quilo.
P/1 – Ah, o garimpo não era de ouro não.
R – Não era de ouro, não. Cassiterita.
P/1 – Que é aquele brilhinho que fica na terra...
R – É, cassiterita. O bronze. Aí eu fiquei lá. Quando os caras foram embora, aí eu digo: “E agora?”.
P/1 – E o que é que fica assim, um barranco de terra?
R – É, a gente cavou um buraco assim, com quatro metros, cinco metros, seis metros.
P/1 – Dentro do rio?
R – Não. Sequeiro que se dá o nome. Aí um cara disse assim: “Troca um dinheiro comigo que eu te ajudo, que tu é bravo”. Ele falou pra mim que me ajudava. Aí eu fui bater água num balde, num cospe pra eles lavarem a terra. Batendo, batendo, foi quando eu trabalhei 11 dias, foi trabalhar comigo. No primeiro barranco que eu ganhei, eu me lembro que deu nove mil quilos.
P/1 – De cassiterita?
R – De cassiterita. Vou lhe contar um negócio: eu vi tanto do dinheiro que trouxe da separadora, vou lhe explicar separadora o que é. Separadora, coloco o minério ali, a areia vai pra um lado, ferro vai pra outro e a cassiterita pra outro. Nove mil quilos. Aí eu peguei esse dinheiro, coloquei dentro de um saco. Peguei o avião, vim pra Porto Velho. Eu me lembro que eu botei até o saco debaixo da minha cabeça, porque o avião de garimpo só tem a cadeira do piloto, você vai sentado ali de qualquer jeito. Aí vim pra Porto Velho, depois, com o dinheiro, passei uns dez dias de folga, aí descobriram o garimpo do Campo Novo, garimpo de novo.
P/1 – Aonde era esse garimpo?
R – Lá em Ariquemes.
P/1 – Aqui perto, então.
R – Aqui perto.
P/1 – E era garimpo de quê?
R – Cassiterita de novo, cassiterita. Aí eu fui pra lá, trabalhei, trabalhei, aí eu passei a ser gerente do Piauí, passei a ser gerente dele.
P/1 – Mas me explica. Gerente de quê? Quem é que compra a cassiterita?
R – Não, você chega, trabalha. Você tem uma frente de serviço; tem um moncado de trabalhador trabalhando meia praça, meia praça se você fizer mil quilos, 500 quilos é do cara e 500 quilos é seu.
P/1 – E ele que é o dono da terra?
R – O dono da terra. O dono da terra se for meia praça. Aí eu fui ser gerente da terra do cara, e ele dava meia praça pra dez, 12 homens ali e eu tinha que receber aquela cassiterita todinha, entregar pra ele; dava a parte do pessoal. Mas olhe, eu vou lhe contar um negócio: era uma coisa rica demais, porque a fartura era demais. Você chegava naqueles barracos dos garimpeiros, era tipo um mercado de mercadorias...
P/1 – Um mercado de quê? De coisas?
R – De compra. Tudo jogado ali. Era fartura demais, era muito dinheiro, era muito dinheiro.
P/1 – E muito tiro também?
R – Também. Muito, em todo o canto...
P/1 – Mesmo aqui nesse de Ariquemes?
R – De Ariquemes também. Aí foi, foi, foi, e veio aquela onda de fechar o garimpo, vai acabar com o garimpo, fechar o garimpo. O dono da terra, que eu trabalhava com ele, tinha uma casa ali onde é a Nova Mutum. É bonito lá, logo ali perto. Aí disse “Olha, eu tenho uma fazenda na estrada, na BR e tal, nós vamos de avião, descer na estrada”, aí: “Vamos embora”. O garimpo fechou, não podia mais trabalhar lá e chegamos ali e o avião não pousou, porque a estrada estava ruim, estrada de chão. Aí voltamos pra Porto Velho. Chegamos lá, pegamos um ônibus chamado Corujão da Noite e viemos embora. Eu olhava e não via casa, não de vida nada, de noite, né? E meu Deus, pra onde eu vou? Quando chegamos ali na casa dele era mais ou menos meia noite e chegamos em Jaci-Paraná, a rodoviária era uma barraquinha de palha, só tinha dois ovos na vitrine pra vender; rodoviariazinha de palha, tudo feia, velha: “Meu Deus, pra onde eu vim?”. Chegamos na casa do homem, era uma casa de barro, quando foi de manhã, não visualizava nada, só um passarinho por onde tiziu, tiziu e digo “E meu Deus, onde eu tô agora”. Aí o cara, me agradando pra ficar lá com ele, foi, foi, quando foi com uns dez dias, “Vamos conhecer a beira do Rio Madeira”, era lá onde tá a Camargo [Correa] agora, aí fomos conhecer lá. Primeiro dinheiro eu fui comprar melancia. Chegamos lá, foi uma época que eu me engracei por uma menina e vai daqui, vai dali, me casei e fiquei por aqui.
P/1 – E a beira do Rio Madeira é aqui perto...
R – É aí. Daqui de barco a gente gasta uns 15 minutos pra chegar lá.
P/1 – Aonde a Camargo está fazendo a obra agora.
R – A Camargo está fazendo lá e na realidade chama Cachoeira do Girão. Girão era lá onde era o primeiro projeto, o Girão é mais em cima, eles estão no caldeirão do inferno, numa cachoeira que eu morava bem encostado. É bonito lá, viu? É bonito demais ali. Lá está uma cidade, coisa mais linda. Aí comprei um terreno lá na beira do rio, comecei a ir pra lá e quando foi um dia disseram: “Olha, tá surgindo um garimpo lá no Mutum”. Peguei uma caminhonete velha com um amigo meu e fui pra lá. Cheguei lá e encontrei com uma comadre minha que ela era madrinha de um filho meu: “Compadre, tome conta da minha rodoviária que eu vou pro Paraná passar uns 20 dias”. Tudo bem, eu fiquei lá. Quando foi à noite, pararam umas caminhonetes lá e não sei o que, e garimpo pra cá, garimpo no machado, final do Assis. Quando amanheceu o dia eles me falaram: “Ah, tu não sabendo que tem um garimpo ali na praia do Machadinho?”, “Não, não”, “Rapaz, na flor da terra”. Vou olhe contar um negócio: era muito ouro. No Rio Madeira já. Muito ouro.
P/1 – Ouro?
R – Ouro. Foi a riqueza maior de Rondônia, que se hoje Rondônia está lá em cima foi por causa desse ouro do Rio Madeira. Ainda estão tirando, mas tirando assim, de balsinha agora. De balsinha que estão trabalhando agora. Naquela época era manual, na mão.
P/1 – A pessoa vinha...
R – Vinha, cavava, amontoava e fazia uma caixinha de madeira assim com três metros de comprimento. Aí lavava, botava uma topa assim, umas sarrapilhas, o ouro ia aguentar tudo ali. Você ia bater aquilo dentro do balde, botava o mercúrio, colhia, fazia aquelas bolonas de ouro de um quilo, meio quilo, cem gramas, duzentos gramas como eu tô lhe falando. Era uma riqueza danada.
P/1 – E vendia esse ouro pra quem?
R – Tinha as firmas lá em Porto Velho que compravam ouro, eram muitas firmas. Ouro Minas, essas coisas. Começou esse garimpo e depois vieram as balsas, balsinha, balsinha. E veio aquela proibição do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) pra balsa não trabalhar no rio porque ia poluir, o mercúrio também não podia e o óleo ia derramar no rio, vai dando e quando eu ia falar um negócio... Depois, botaram draga de lança. Uma draga de lança tem 40 metros de comprimento, de dois andares: ar-condicionado, boxe, cozinha, maquinário grande. Aí cada parada de dez horas de mandada, sabe quantos quilos de ouro eles tiravam na época? Era cinco, seis quilos de ouro, tô lhe falando. Esse Madeira é rico demais, rico, rico.
P/1 – Mas aí quem é que era o dono dessa draga?
R – Aí chega o pessoal de fora. Se eu montar uma draga dessa, isso era chinês, japonês. E depois infiltrou o pessoal de Rondônia e tal. Hoje ainda tem, algumas foram proibidas já, né? Mandaram parar. Mas ainda tem algumas. É a coisa mais linda, viu? Aí vai daqui vai dali, vai daqui vai dali e eu comecei. Cantina, larguei negócio de trabalhar manual, cantina; compra de ouro; meia praça, colocava o pessoal pra trabalhar, dava o lanche e eles traziam o ouro pra mim, eu rachava, dava a parte deles e ficava com a minha.
P/1 – Mas a terra era sua?
R – Não O Madeira era de todo mundo.
P/1 – Mas então por que é que eles davam meia pra você?
R – Por causa da despesa. Às vezes eles tinham a terra, mas não tinham condição de comprar os materiais: pá, rancho, caixa, condução. Eu tinha, né? Comparava tudo isso e passava pra eles. Aí se eles fizessem duzentos gramas, cem gramas eram para mim.
P/1 – Entendi.
R – E cem eram deles. Era assim. Aí foi, foi, foi fracassando, e caía dinheiro. “Vou parar um pouco de garimpo”. Um dia eu fui pra Juruena, no Mato Grosso, já ouviu falar? Aí eu digo “Vou conhecer Juruena”.
P/1 – Por quê? Por que Juruena?
R – Cheguei em Juruena, comprei um garimpo... Comprei uma área lá por dois quilos de ouro. Trabalhei dois anos, aí voltei cheio do dinheiro, né?
P/1 – Nessa área?
R – Nessa área, Juruena, no Mato Grosso.
P/1 – E era uma área de garimpo também?
R – Garimpo também. Lá eu comprei uma área de garimpo por dois quilos de ouro sequeiro. Sequeiro é assim, no seco.
P/1 – Aí é cassiterita.
R – Não. Ouro também.
P/1 – Ouro no seco?
R – No seco, é, sequeiro. Você põe o motor lá na beira da água, vem um motor de lá com um jato. Aí já tem a caixa ali com o motor puxando, e você abre um buraco no chão, aí manda o material com a água lá e o motor tá puxando pra levar pra caixa pro ouro ficar lá concentrado nas estopas. Aí vai daqui, vai dali e eu fui pra Juruena e ganhei dinheiro. Quando cheguei aqui em Rondônia, beleza.
P/1 – Muito dinheiro já?
R – Muito dinheiro. Eu já tinha um moncado de coisas. Eu cheguei aqui no Rio Madeira e fui passear, um amigo meu: “Vamos embora lá pro garimpo ver nossas dragas e tal”. Aí, ele sabendo que eu estava com dinheiro. Ele me agarrou e me falou: “Pará, eu queria comprar um rebocador pra mim e não tenho dinheiro. Tenho draga, mas ainda não tô fazendo ouro”. E eu digo: “Quanto precisa?”, “Meio quilo de ouro”, “Tá aqui”. Aí ele não tinha piloto pra pilotar essas dragas em cachoeira, que é perigoso. Eu comecei a ensinar, eu ganhei e dei um dinheiro pra ele e comecei a ensinar, e digo: “Aí vai” e era um movimento e pronto Ninguém usava mais voadeira, porque a voadeira era fraquinha pra rebocar, a rebocadeira era um cume de 420HP, rebocadora de ferro que ele comprou, aí eu meti o pau. Aí eu disse: “Joel, pode mandar fazer outro rebocador pra ti”. Eu meti a ripa e comecei a ganhar uma comissão grande, 40% eu ganhava. Olha, eu vou lhe explicar: para subir uma draga na cachoeira, uma draga de lança, era 150HP. Sabe quantas horas ela passava? 30 minutos.
P/1 – Sério?
R – Eu tô lhe falando. Só eu. Os outros rebocadores eram fracos, não tinham força. E os rebocadorzinhos iam encostando tudo na água mansa, encostando tudo na cachoeira e ele ficava só passando na cachoeira. Tem uma cachoeira ali em cima, que se chama Cachoeira do Paredão, lá eu ganhei dinheiro. P/1 – Por quê? Tinha muito ouro lá? R – Muito ouro. Quando surgia que tinha uma fofoca lá do lado do Paredão, olha que é minha draga e que às vezes eu estava lá na compra de ouro, gente de São Paulo, do Paraná: “Olha, a minha draga pra passar na cachoeira, só se for parar pra puxar”. Aí, às vezes, o cara dizia: “Não, Pará tá aqui no escritório, então paga ele aí”. Era tempo bom. Eu não ligava pra dinheiro, não. Até hoje, não é exibimento. Dinheiro pouco eu ponho pra gastar logo. É certo.
P/1 – Mas ganhava assim quanto?
R – Mas era muito fácil Tô lhe falando. Às vezes eu tinha amigo meu... Porque garimpo é o seguinte: tem mil fazendo ouro e tem 300, 400 sem fazer, que não acerta no ouro, não. Eu cansei de andar no rio, achava uma fofoca que era onde estava dando ouro.
P/1 – A fofoca é...
R – A fofoca era onde estava dando ouro. “Olha, tem uma fofoca no lugar Fulano de tal”, “Ô, eu quero ir pra lá”. Aí eu conhecia todinho e “Ó Fulano, no lugar Fulano de tal tem uma fofoca muito boa”, “Me leva pra lá que eu consigo fazer”. Eu chegava lá e estava o cara. Às vezes o cara não tinha dinheiro pra comprar e eu comprava, às vezes eu ia bem tranquilo viajando, quando a voadeira batia do meu lado blá, e metia a mão... “Tá aqui, olha...”. Já tinha pago o frete, mas depois ainda me dava uma gratificação de 20 gramas. Eu botava nos bolsos da bermuda, molhava quando chegava na minha casa, minha mulher que fazia o reco, eu chamava de reco. Metia a mão no meu bolso e estava lá a farelera de ouro, porque ouro é o seguinte: no Madeira o ouro é fino, é a jogada, aí você queima o maçarico.
P/1 – O Ouro.
R – O azougue sai todinho, você tem que estar com uma mágica, o ouro sai... É uma fumaça, o mercúrio sai todinho e fica só o ouro, belezinha, amarelinho. Que tem que queimar bem.
P/1 – Queima com o quê?
R – O maçarico com gás.
P/1 – Pega o maçarico...
R – ...você acende e bá...
P/1 – Em cima daquele farelo?
R – Não. Quando é muito ouro você pega a cuia, eu até tenho cuia aí. Você pega a cuia, aquele ouro tipo goma, você pega ele com mercúrio, amassa bem amassadinho naquela bateia grande, depois risca ele todo assim.
P/1 – O mercúrio você arruma aonde?
R – Compra em Porto Velho mesmo.
P/1 – Aí você compra o mercúrio e joga em cima...
R – Aquilo você joga a terra, fica só areia misturada com o ouro. Aí você põe o azougue ali dentro, mas hoje em dia não, naquele tempo era manual, com a mão. Agora não, tem o azougador, elétrico. Você coloca dentro de um balde no depósito, coloca o mercúrio lá dentro, que é o azougue, aí aquilo você liga na energia e aquele azougue que vai pegando todo o ouro e forma aquela bola. Aí depois você pega aquela bolona de ouro, pega um pano, põe dentro do pano, espreme bem, bate bem, aí vai pra bateia pra queimar. Se tiver alumínio por ali assim, com aquela fumaça, ela entra que sai do outro lado, fura, acaba todinho o alumínio. Eu não sabia quando eu tinha cantina, comprei um moncado de panela pros garimpeiros e quando via tava tudo só a alça da bicha, rói todinho, aquilo é muito perigoso. Inclusive é proibido no Rio Madeira, porque os peixes morrem, o cara vai jogando, um pouco escapole, o peixe vem, come e morre. O mercúrio é proibido ali no rio. Mas não tem jeito, a única coisa que pega o ouro é o mercúrio mesmo, o mercúrio, tô lhe falando.
P/1 – Ele gruda o ouro assim.
R – É, ele segura. Ouro é incrível, você pega todinho, pega a cuia, ele assim... Agora tem ouro grosso igual a caroço de milho, eu já vi. Eu trabalhei em área assim no Mato Grosso. Agora esse do Madeira é fininho igual essa areiazinha.
P/1 – Mas me conta: você vai ao rio? Na sequeira ou no rio?
R – Sequeira é na terra assim e no rio a gente trabalha com balsa.
P/1 – Mas na sequeira é como aqui. Você cava, cava, cava...
R – Não, eu vou explicar.
P/1 – Explica melhor pra mim.
R – Você sabe o que é cascalho, né?
P/1 – Cascavel é uma cobra.
R – (risos). Cascalho são umas pedras.
P/1 – Ah, cascalho.
R – Cascalho são umas pedras. Olha, você tá vendo essa terra aqui, às vezes você vai pesquisar o cascalho tá com dois palmos, o cascalho tá com três metros, aquela camada de cascalho ali embaixo daquela terra. Você tira essa terra, joga pra fora e quebra o cascalho. O ouro tá no meio daquele cascalho.
P/1 – Ah, é assim que pega.
R – Quando você não tem maquinário suficiente, você faz uma caixa de madeira com três metros de comprimento, pega um pedaço de zinco e fura um moncado de buraco. Faz um ralo, que é o nome. Vem a água pra cair em cima daquele ralo, aí um cara pega com a pá e vai jogando dentro do ralo e você fica mexendo, desonerando aquilo, tipo um cimento quando você tá fazendo. Ai vai descendo o ouro pra ali com aquele meril, vai descendo, vai descendo, vai segurando todinho no carpete.
P/1 – Quando você abre a caixa, dentro tem uma...
R – Aí quando você para, você dá uma limpadinha, olha assim e já tá amarelo, você coloca moncado de tarisca, as tarisquinhas. Aí quando tem muito ouro, que a terra é rica, o ouro fica ali encostado nas taricas, todinho assim. Você pega aquele pano com cuidado, bate no depósito todinho, aí depois você vai tirando a sujeira de cima, a impureza mais grossa, fica só a fina. A vida no Madeira foi essa e eu conheço tudo, tudo.
P/1 – A sua esposa tirava do bolso assim aquele farelo...
R – Aí você ia queimar. Você ia queimar, chegava a queimar e tem cara malandro, eu vou explicar. O mercúrio é pesado. Quando o comprador a gente chama de barriga velha, não entende, o cara só tira o azougue por cima, que fica amarelinho e dentro do ouro, quando ele tá grosso, fica tudo azul. Qualquer pedrinha é 50 gramas, 100 gramas. Aí você tem que amassar bem. O ouro só tá bem queimado quando tá derretendo as beiras dele. Olha, eu vou lhe contar um negócio: eu não ligava nem pra ouro, era muito. Ligava não. A minha mulher, quando eu morava com ela aqui no Jaci, trazia aquelas pastas de ouro e largava no guarda-roupa pra ver se ela pegava e vendia pra fazer um negócio pra ela, mas nada. Ela pegava com alicate e dava um pedaço para cada um dos irmãos dela... Esse foi o motivo da minha separação. Ela pegava um pedaço com alicate, assim, quebrava, “Toma mano, vai farrear. Toma, toma” e fazia isso. Era muito fácil, era muito ouro que eu ganhava. Eu, aqui dentro do Jaci-Paraná, era pra ser dono do Jaci, eu sei o que é dinheiro. Eu sei, já ganhei muito dinheiro aqui no Rio Madeira, né? No Rio Madeira eu tirei muito ouro, muito.
P/1 – E aí você fazia o que com o dinheiro?
R – Não, sabe o que acontece? Eu comecei a comprar chácara, chácara, chácara, essa minha mulher sustentava 22 pessoas da família dela, né?
P/1 – Ah é?
R – Sustentava.
P/1 – Ela era de onde, a sua mulher?
R – Daqui da beira do rio.
P/1 – E a família também?
R – Também. Eles tiveram aqui essa semana, ex-cunhado e tudo. Aí eu comecei a sustentar, comprar casa pra sogra perto da minha, e vai daqui colocando gente pra estudar, aí foi. Comprei uma chácara muito boa lá e vai a separação.
P/1 – Mas por quê?
R – Não tava certo. Eu chegava na minha casa e não tinha sossego, era igual supermercado de tanta gente. Eu já vinha pra descansar... P/1 – Vocês tinham filhos? R – Eu tenho. Meus filhos...
P/1 – Com ela.
R – Com ela eu tinha, eu tenho... Porque eu tenho duas filhas que eu penso que não são minhas, pois elas são muito bonitas. Tenho uma bem casada, agora a outra eu não sei, ontem ela tava aí comigo. Que não é muito bonita e não quer nada, já arranjei tanta coisa pra ela e não tem jeito. Agora, a que tá casada em Porto Velho, tá numa boa, muito bem empregada, vive bem, e eu tô aqui sozinho.
P/1 – O que ela faz?
R – Essa agora?
P/1 – Essa de Porto Velho.
R – Essa de Porto Velho é empregada no supermercado, trabalha no caixa.
P/1 – E a outra?
R – A outra não quer nada com a história do Brasil, não.
P/1 – Ela tem quantos anos?
R – 18.
P/1 – E a que trabalha no supermercado?
R – Não, essa é que tem 18 anos. Agora a outra tem 21.
P/1 – Elas, o senhor teve com a sua mulher.
R – É, com ela. Sabe o que eu fiz?
P/1 – Como é que a sua mulher se chama?
R – O nome dela é... da ex-mulher?
P/1 – É.
R – Lenilce. O nome das minhas filhas são Venilce, Vanessa. O nome dos filhos, Genilson e Lucivaldo e Lucinaldo.
P/1 – Mas eles não são da mesma mulher?
R – Não, da mesma mulher, não. Tenho dois com outra mulher, Lucivaldo e Lucinaldo. São todos os dois crentes, moram em Porto Velho, muito bem empregados.
P/1 – Antes ou depois da....
R – Antes.
P/1 – Então, o senhor tinha uma primeira mulher.
R – É, uma primeira mulher. Aí fui pra segunda. Lenilce, o nome da mulher; Venilce, o nome da filha e Vanessa o nome da outra filha, essa outra. E Genilson, o nome do filho.
P/1 – Mas me conta: a primeira mulher, você conheceu aonde?
R – A primeira?
P/1 – É.
R – Nesse Madeira aí.
P/1 – Tudo é no Madeira.
R – Tudo. A primeira foi aí perto da barragem, uma menina nova, o nome dela é Maria Madalena Anastácia dos Santos. Ela tinha naquela época 13 anos.
P/1 – 13 anos?
R – Casei com ela.
P/1 – Você tinha quantos anos na época?
R – Eu já tava coroão, já. (risos).
P/1 – Tinha quantos?
R – Tava mais ou menos com uns 30. Sabe o que ela fazia pra mim, sabe o que ela falava? Ela me tomava bênção. Ela dizia “Bênção, seu Pará” ou dizia: “Deus te crie” pra mim, era brincadeira, ela falava desse jeito brincando, até que deu certo eu me casar com ela.
P/1 – Por quê? Você se apaixonou por ela? Ela era bonita, o que é que foi?
R – Bonita demais. Olha, nova, bonita, mas bonita mesmo. Eu me lembro. Menina do interior quando você vai chegando, elas olham pela fresta da porta e ficou aquela menina olhando meio escondida, eu comecei... Foi até que eu consegui vê-la. Aí o primeiro filho morreu, e graças a Deus tem os dois que vivem muito bem, são crentes, não me dão problema, que é quando elas vêm aqui me visitar.
P/1 – Mas essa aí acabou o casamento.
R – Acabou. Aí veio essa outra. Quando deu a separação eu dei na bobeira, eu tinha muita coisa, aí entrei num acordo com o juiz, é o seguinte: o vendo tudo o que eu tenho e quero dar o dinheiro pra ela, pra ela ajudar as meninas pra não ficar pagando a pensão. Ela aceitou e o juiz falou: “Você quer desse jeito?”, “Eu quero desse jeito”. Aí eu vendi tudo, só fiquei com duas casas. Vendi a chácara, vendi as outras três casas, aí eu vendi a outra e fiquei com uma. Você sabe, a gente ficando só não tá nem aí. Minha casa era... não sei como é que era. Aí foi acabando, foi acabando e acabou com tudo, dinheiro e tudo. Dinheiro de banco foi acabando tudo, emprestando pros outros e dando e foi assim.
P/1 – E parou de trabalhar? Parou de conseguir...
R – Parei de garimpar. Aí comecei nesse ramo de comércio e vai, comércio pra cá, comércio pra ali e foi com comércio. Até que eu me dou bem.
P/1 – Mas aí o senhor ficou sem dinheiro nenhum.
R – Ah, fiquei com dinheiro, eu tinha meu dinheiro assim, ouro, eu tinha ouro em pó, que nas compras de hoje eu deposito o ouro, né? Aí depois então eu tinha ouro e tal, e isso aí aguentou depois da minha separação mais ou menos, todo o dinheiro que eu tinha aguentou mais ou menos mais uns dez anos. Aí foi o tempo que surgiu essa praia pra eu fazer, aí foi, foi. Eu tenho um aluguelzinho bom.
P/1 – E essa praia, como é que lhe deu de vir aqui?
R – Ia ter um festival, falei com um administrador do Jaci-Paraná, Jaime Bastos: “Jaime, eu quero vender uma cerveja lá naquela praia”, e ele disse “Vai naquela ilha, vende naquela ilha que é bom”. Aí eu fui, peguei uma madeira, fui pra lá, quando eu estava cavando uns buracos pra fazer barraquinha de lona, chegou um cara: “Ei, você não pode fazer barraca ai”, “Por quê?”, “Porque aqui só quem vende cerveja somos nós, do patrocínio”, “Tá bom”. Aí olhei pra esse lado, essa praia era pequena. “Tá aqui o pau. Desse pau para aquele ali são as mesmas lonas” e fiquei olhando assim. Eu tinha um bar muito arrumado no Jaci e digo “Rapaz, eu vou fazer um boteco aqui pra envelhecer”. Aí lá vem o Corpo de Bombeiros pra cá: “O que é que tu vai fazer?”, “Eu vou botar cerveja pra vender de garrafa”. Não tinha estrada. Fui no Jaci, chamei um amigo meu garimpeiro, ele pegou um trator e veio com o trator e fez uma estradinha...
P/1 – A estrada de Jaci até aqui?
R – Foi, desde lá da vila, eu fiz uma estradinha, meio feinha, né? Mandou fazer uma estrada, quando deu ali mais ou menos umas sete horas a oito, estava lotado de carros aqui. Para ali não tinha nada limpo, só aqui. Eu mandei abrir, tá até com a roda aqui até hoje: eu venho por ali, venho por aqui. Aí começou a chegar gente e eu falei pro Corpo de Bombeiros o seguinte: “Vocês falam lá do outro lado que quem comprar cerveja minha aqui, eu dou churrasco”. Quando foi ali lá pras 11 horas da noite, estava lotado de gente. Eu fui lá no Jaci, trouxe um motor de luz, o meu, coloquei aqui e meti a ripa. Meti a ripa e foram três noites de festa, de muita cerveja, muita. E era gente, gente e pronto Acabou a festa, fui lá na administração, o cara falou pra mim: “Quer aquela praia para ti, Pará?”, “Eu quero”.
P/1 – E o que aconteceu?
R – Eu agarrei e vim pra cá umas três vezes e “Meu Deus, será que eu abro um negócio aqui?”. Aí comecei a falar pra uns amigos meus: “Pará, o que você vai fazer aqui?”, “Vou fazer um barraco aqui, fazer um banhozinho aqui”, “Mas tu tá doido? Aqui não vai dar ninguém”. Eu digo: “Não, isso é pra gente tomar umas cerveja, com os meus amigos, uma cachacinha aqui” e fui. Aí comecei no facão, uma foice...
P/1 – Por quê? Aqui tinha muito mato?
R – Mato. Aí eu comecei. Primeiro eu fui ali, tirei uns paus, fiz um barraco coberto de palha. Como eu tinha um dinheirinho, eu comprei um boi. Aí já mandei arrumar a estrada melhor. Nesse tempo, o Prefeito em Porto Velho era o Guedes. O Guedes mandou as máquinas da prefeitura no Jaci e mandou também trator de esteira fazer uma estrada aqui e eu dei o óleo a ele. Vieram, fizeram e ficou bonitinho.
P/1 – Aquela estrada que a gente tá vendo ali não existia.
R – Qual?
P/1 – Essa estradona assim.
R – Essa aqui?
P/1 – É.
R – Não tinha não, não tinha nada.
P/1 – Pra chegar em Porto Velho tinha que ir como?
R – Ah, não. Essa BR aí?
P/1 – É.
R – Já tinha, já tinha. Era estrada de chão.
P/1 – Ah, era de chão.
R – Pra você chegar daqui em Porto Velho era um dia de viagem.
P/1 – Ah, é?
R – Era. Eu cansei disso.
P/1 – Daqui a Porto Velho era um dia?
R – Um dia de viagem com desatoleiro. Os ônibus não tinham mais nem para-choques, arrancava tudo.
P/1 – E aí? Ele mandou aqui, você comprou o boi...
R – Aí ajeitaram a estrada, eu fiz o barraco. Como eu tinha um dinheirinho, eu disse: “Vou inaugurar isso aqui”. Comprei um boi, comecei a anunciar que eu ia ter um churrasco e tal, aí deu gente, gente, gente e pronto Comecei a trabalhar...
P/1 – As pessoas que vinham aqui vinham de onde?
R – De Jaci. O pessoal de Jaci. E quem passava na BR às vezes entrava aí, já pra ver, né? Motor de luz, eu me lembro benzinho, o motor que eu tinha era um motor a gasolina que só dava conta de cinco bicos de luz. Aí vai daqui, vai dali, quando eu construí outro barraco, chegou a perseguição do pessoal do caldo de cana.
P/1 – Chegou o quê?
R – A perseguição, dizendo que era dele aqui.
P/1 – De quem?
R – Tem um caldo de cana bem aqui. O cara mora lá onde não enche, então ele falou que essa área aqui era dele. Aí vai daqui, vai dali...
P/1 – Ele tinha papel?
R – Falso. Era tão feio pro advogado dele isso, que é até um amigo meu que é advogado dele. Falso o documento, dizendo que era dele. Pelo o que eu conheço, essa área é da Marinha, da União. Se eu tenho um documento lá da sua terra, da terra firme, mas daqui você não tem. Pra encurtar a conversa, fomos 17 vezes na justiça, eu mais ele. Aí eu perguntei assim: “Ô Zé, o que você quer mesmo de mim, pra me largar de vez. É o seguinte, você... Já vi seu nome na internet, você já fez os seus acertos com a companhia...”, ele disse: “Não, eles foram lá fazer o meu cadastro porque eu moro lá, eu que fiz as casas”. Aí olhe, é briga, briga, briga, advogado, advogado. “Seu Zé, o que o senhor quer? O senhor quer 50% do que eu vou ganhar?”, mas foi beleza pra acabar a confusão porque ele aceitou. Já recebeu.
P/1 – O senhor fez todos esses barracos que estão aqui?
R – Fui eu quem fiz.
P/1 – E aqui deu dinheiro? Dá dinheiro?
R – Não, aqui é o seguinte: porque se você vir isso aqui dia de domingo, não tem nem como você falar comigo que nem hoje. Dia de domingo aqui são duas, três mil pessoas, todo domingo. Aí tem som ao vivo, tem tudo.
P/1 – E é tudo seu?
R – Tudo. Não, aqueles dois lá eu dei. A senhora é muito minha amiga, uma velhinha que vende pastel, eu dei pra ela e o Marivaldo, que é meu amigo, eu dei aquele outro de lá, e fiquei só com esses aqui.
P/1 – E aí o senhor serve o que aqui? Cerveja...
R – Bebidas. Agora aqui vai abrir um restaurante. Tava com problema aqui de funcionários.
P/1 – Por quê? Não tinha?
R – Gente da região aqui não gosta de trabalhar. O cara que eu aluguei os barracos ali é um empresário, um cara que tem boas condições, que aqui só trabalha quem tem condições, que o movimento é grande. Olha, pra ter história aí, são 400, 500 caixas de cerveja. Hoje mesmo tá tendo umas 400 e poucas caixas de cerveja no depósito aí pra poder aguentar, é muita gente.
P/1 – No domingo?
R – Deus me livre, e é som ao vivo ainda, é horrível, viu? Agora ele é meu amigo, e eu cobrei barato por mês os dois barracos aqui.
P/1 – Quanto é um barraco desses por mês?
R – Aquele ali é 2 mil e 500. Porque eu fico sem preocupação. De primeiro, eu botava empregada que me roubava e tal, hoje em dia, não, o pessoal toca e, quando é no fim do mês, o meu cai na minha mão, limpinho, né?
P/1 – Quanto a pessoa tira? O cara que explora o barraco consegue tirar mais ou menos quanto?
R – Todo domingo aqui ele ganha 13 mil, 12 mil, 10 mil, tô lhe falando.
P/1 – Mas aí o que aconteceu depois. Chegou a companhia, como é que é?
R – Aí chegou a companhia.
P/1 – Qual companhia chegou?
R – A primeira que veio fazer o meu levantamento foi a de Furnas. Vieram aí, me entrevistaram umas duas vezes e indagaram como é que acontece isso, como foi isso, como foi aquilo. Fizeram os projetos, Furnas. Umas três vezes levaram a papelada pra lá. Uns quatro meses atrás [entrevista de junho de 2010], veio a proposta. Você aceita aquele preço ou não aceita? Aí, pra evitar problema, eu digo: “Tá bom”. Eu já assinei e levaram pra lá. Eu mais diretamente com Santo Antônio agora, tenho outro problema: aí veio a torre de Santo Antônio...
P/1 – Santo Antônio, a usina?
R – É a usina lá de baixo. Que a Furnas e a Santo Antônio trabalham em conjunto. A Furnas que vai me indenizar os barracos; a Santo Antônio vai me indenizar os tempos que eu trabalhei aqui, 13 anos; ainda vão me pagar um ano não sei quanto, que eu não tô sabendo. Ainda vão me pagar um ano até eu arranjar outro ponto pra trabalhar, mas eu não quero saber de outro ponto. Aí eles perguntaram pra mim quanto eu ganhava por mês de lucro aqui. Mais ou menos, naquilo, vai pro esquemão das notas, eu disse “Olha, eu faturo 30 mil reais por mês aqui, de lucro, é a faixa que a gente fatura”. Aí, ela disse: “Então, pega pra mim as papeladas de compra somente...” Eu tenho da Coimbra, eu tenho da Cristal. Quando foi mês passado me chamaram lá no escritório e a primeira proposta que veio e aceitei e foi boa.
P/1 – Pelos barracos.
R – Pelos barracos. Eu aceitei logo, agora...
P/1 – Eles compraram os barracos de vocês?
R – Indenizaram, vão me dar um prazo pra sair, eu tenho direito de desmanchar o que eu quiser pra levar.
P/1 – E o senhor vai fazer o quê?
R – Já comprei uma chácara muito boa com água, vou fazer uma casa de dois andares e vou botar uma granja, vou mexer com granja de galinha. Na frente da chácara já comprei dois terrenos pra fazer casa, é um loteamento que tem ali e vou fazer casa, pra alugar, e aí vou levar minha vida. Tô sozinho mesmo
P/1 – O senhor achou boa essa companhia vir aí?
R – Não, não achei ruim não. Pelo menos Jaci-Paraná... Olhe, Jaci-Paraná, quando eu cheguei, só tinha uma moto velha. Pra uma pessoa ir na rua, era uma luta. Aí, primeiro, o que levantou Jaci-Paraná foi uma serralheria. Chegou muita gente de fora com serralheria, vai, vai, vai e lá chegou aquela perseguição e ban-ban-ban mesmo de Sedan, e aí prende, não prende e vai preso. Fui caindo, fui caindo, fui caindo, negócio de madeireira, as serralherias fecharam, aí chegou a firma e tornou a levantar de novo. Agora tem asfalto, inauguraram na semana passada um postinho belezinha, de saúde, com médico e tudo, beleza, com atendimento muito bom e eu não achei ruim, não.
P/1 – Tem muita gente agora em Jaci, né?
R – Olhe, quando dá dia de pagamento, faz até medo andar na rua aí.
P/1 – Esse pessoal veio de onde?
R – De todo o canto. Paraíba, Pernambuco, Manaus, de todo o canto. Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo. Mais ou menos na usina lá, tem uns 17 mil homens.
P/1 – Eles tão morando onde?
R – Eles moram lá mesmo; lá é a coisa mais linda que tem, tão morando lá. A senhora vai ver: cinco horas da manhã, quatro horas da tarde, passa uns 30 ônibus que é o pessoal que mora em Porto Velho e que não querem vir pra cá. Todo dia, traz de manhã, de tarde retorna pra Porto Velho. Quando dá cinco horas, eles têm que chegar na obra, todo dia. O pior horário de se viajar na BR é cinco horas da tarde e cinco da manhã, com tanto movimento de carro.
P/1 – Alguma coisa fora toda essa mudança de gente piorou?
R – Não. Muita gente eu ouço dizer: “Ah, quando esse pessoal for embora e pá-pá-pá...”. Pior não vai ficar. Do que era, não, vai ficar melhor, um pouco. Eu não estranho, eu não estranho, não. Eu gostei por causa de dinheiro.
P/1 – Tá correndo muito dinheiro?
R – Tá correndo muito dinheiro, sinceramente. Dia de pagamento... Quando saí daqui em novembro, quando o rio encheu, eu aluguei um ponto lá muito bonito, no que aluguei, e não conseguia dormir.
P/1 – Por quê?
R – Tanta zueira de gente, era gente demais. As máquinas de som, por todo o lado. Quando é agora, que graças a Deus o rio secou, eu já aluguei pra outro, eu não aguentei, não. Só que movimento daquelas casinhas entre uma BR e a outra. Ali só 50% é tipo boatezinha, quase tudo é boate. Só uma noite veio 28 polícias pra tirar de lá. Entraram num acordo pra tirar os barracos de lá. Agora é o seguinte: todo mundo ali vai ganhar uma casa e a Camargo Correia vai construir um shopping agora. Até eu que não sou dono, não sou arrendatário, vou ganhar uma. Eu falei pro cara: “Daqui eu não sou dono, eu sou arrendatário”, “Não, o legítimo dono é você que tá aí em cima”. Semana passada o prefeito, amigo do meu amigo, vai pra fazenda e disse “Olha, vai sair o shopping e o seu pontinho tá lá no jeito”. Eu não quero, vou dar pra minha filha. Vai ser tudo aquilo ali... Olha, quando eu cheguei ali, eu vendia... Dia de pagamento, eu só abria à noite. Os outros abrem até de manhã. Quando dava até meia-noite eu vendia 20, 30 caixas só de cerveja. No barzinho. Muito arrumado o bar. Mas eu não suportava com tanta zueira, aquela coisarada de bêbado.
P/1 – E prostituição? Como é que ficou aqui?
R – Olha, eu vou lhe contar um negócio.
P/1 – Conta pra mim.
R – Tava demais, demais.
P/1 – Aqui em Jaci. Abriram muitos negócios novos de prostituição?
R – Abriram. Olha, eu vou lhe contar: cada esquina aí é um bar. Só você andando aí dia de pagamento, só você olhar pra você ver. Cada esquina é um bar, é boate, é tudo, tem tudo. Ah, Jaci tá grande, aumentou muito e ainda tem gente construindo, viu? Gente de fora, gente do Mato Grosso, Goiânia, tudo fincado aí. Olha, aqui pra eu dominar esse pessoal menor de idade, que eu tenho meu alvará belezinha, tenho tudo, quando são sete horas da noite eu fecho.
P/1 – Pra não deixar entrar.
R – Pra não deixar entrar. Não, de noite eu não abro não, por causa do pessoal menor de idade, entendeu? Não tem boca. No tempo do Festival de Praia, eu funciono. Agora, Festival de praia é coisa de outro mundo, viu? Aqui são 20, 30 mil pessoas todo Festival de Praia.
P/1 – Mas essa parte da prostituição, o que aconteceu então que ficou demais?
R – De primeiro as meninas menores de idade vinham pra cá e aí eu falei, fui no juizado, participei e digo: “Olha, no bar aberto eu não sei o que faço” e eles falaram que a única coisa que eu podia fazer é não deixar entrar à noite, trancar o portão. Graças a Deus, eles me atenderam, agora, a polícia de vez em quando, tá aqui comigo, qualquer coisa, que às vezes quando eu vou falar pra uma menina que já tá na hora de ir embora: “Ah, você não é polícia” Eu ligo pra polícia na hora, a polícia já leva, eu não quero... Dia de domingo, quando tá fervendo de gente lá pelas duas horas, eu tô ali no meio, com celular na mão, olhando as menores de idade, se tiver, mas graças a Deus tá indo bem, viu? A polícia, eu vou lhe contar: só pra polícia e segurança, nós pagamos quatro todo domingo.
P/1 – Ah, é?
R – Quatro seguranças. Às vezes tem dois carros da polícia naquele portão, da PM e o outro é de Porto Velho. Eu fui ao juizado primeiro, eles tão me dando o maior apoio.
P/1 – Mas as meninas são da cidade, ou não?
R – Daí mesmo. Ah não, Jaci-Paraná uma época era um horrível negócio de prostituição, negócio de atar os outros, ladrão, era, agora diminuiu bastante. Era perigoso.
P/1 – Mas agora não continua perigoso?
R – Não, não. Sabe o que eu me admiro? Esse horror de homem que vem pra cá e não tem briga, só tem nhenhezinho e tal. Mas um cara me falou que quando ele sai da companhia já é conversado, os encarregados conversam como é que é o passeio, aquele que brigar não volta mais. Graças a Deus tá indo bem, não sei se é porque tem muita polícia aqui dia de domingo. Agora essa semana os bombeiros já vão me dar outro documento, eu quero uma ordem do Corpo de Bombeiros pra dar segurança, que tem muita pessoa aqui que não sabe nadar. Quer cruzar o rio... No ano passado andou morrendo uns dois, vão querer nadar, dá cãibra, daí afunda e já era. É desse jeito.
P/1 – Agora a sua vida futura vai ser a granja?
R – Vou pra granja. Vou fazer uma granja pra mim, vou ficar lá tranquilo. Eu não quero mais mexer com isso, não.
P/1 – Por quê?
R – É tanto problema Depois, na idade que a gente tá, eu estou, a gente não aguenta mais, entendeu? Aquelas zoeiras. Eu me sinto tão bem quando tá calado assim Tô lhe falando. Porque hoje não é dia, não é feriado, quando dá dia de domingo, quando é meio de semana isso aqui já tá cheio de gente. Tem uma máquina lá dentro que vai querer colocar dinheiro, mas já está esculhambada. Agora não, agora tem outro som ali e eu ontem enganei que estava esculhambada e a menina foi e ligou lá. Porque tem hora, som tem hora. Agora, dia de domingo, não tem jeito, tem que disparar o som e tem que ser banda alta. Não, lá é horrível, viu? Pessoa tem que ter cabeça pra aguentar. E o tanto de gente que eu tenho que pedir pelas minhas coisas? Eu e o arrendatário, a gente não pode estar aqui dia de domingo não, mas é o jeito. Então, o que dá mais prejuízo aqui são os seguranças mesmo, as polícias. É pedindo cerveja, não sei mais o que...
P/1 – Sei.
R – É demais, é demais.
P/1 – O que mais o senhor acha que vai mudar aqui na região depois que inundar tudo?
R – Bem, muita coisa, vamos supor, vai acabar um monte de coisas e vai diminuir um pouco. Porque isso está acontecendo agora, pois quando parar mesmo e ficar só a usina funcionando, aí esse pessoalzão vai todo embora.
P/1 – Eles vão pra onde?
R – Vão pras terras deles, já vão pra outra usina que vão fazer, uma outra usina lá no Pará agora. Vão embora. Vai ficar só os caras que tomam conta das turbinas mesmo.
P/1 – O senhor acha que isso vai melhorar ou piorar a vida aqui?
R – Não. Melhorar não vai não, só que melhor do que era antes, vai ficar. Só que como tá agora não vai ficar não, vai cair, vai cair, eu tenho certeza.
P/1 – O que é que o senhor acha que deveria fazer pra não ficar vazio? Porque vai ficar muita coisa vazia, né?
R – Olha, pelo menos bem aqui perto, pra baixo da cachoeira é a fazenda de um amigo meu, aí ele alugou lá, alugou não sei por quanto tempo. Se você ver o tanto de casa que fizeram lá, casa bonita, vai ficar tudo lá. E quando eles desocuparem o trator vai derrubar tudinho, porque era uma fazendona dele, um cara de Porto Velho, vai derrubar tudinho. Quero que você veja lá na obra como é que é. Eu tenho condição de ir, porque lá a gente não entra assim, só quem é funcionário agora, daí eu entrei, que eu converso com o pessoal e eles me dão o crachá, mas olha, eu nem conhecia onde eu estava, tô lhe falando, é coisa do outro mundo, viu? Muito bonito.
P/1 – Tá bom seu Francisco, obrigada pela entrevista, tá bom?
R – Beleza. Tá.Recolher
Título: Em busca de tranquilidade
Data: 24/06/2010
Local de produção: Brasil / Rondônia / Jaci
Personagem: Francisco Batista Vanziler (Seu Pará) Entrevistador: Karen Worcman Transcritor: Andiara Pinheiro Revisor: Heci Regina Candiani Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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