Histórias Que Iluminam
Depoimento de André Ghizzi Guazzelli
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, 19 de novembro de 2015
Realização Museu da Pessoa
HQI_HV003_André Ghizzi Guazzelli
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Obrigado pela usa presença, André. A gen...Continuar leitura
Histórias Que Iluminam
Depoimento de André Ghizzi Guazzelli
Entrevistado por Lucas Torigoe
São Paulo, 19 de novembro de 2015
Realização Museu da Pessoa
HQI_HV003_André Ghizzi Guazzelli
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Obrigado pela usa presença, André. A gente agradece bastante o seu tempo e a sua disposição por estar aqui.
R – De nada.
P/1 – Você pode dizer o seu nome inteiro, local e data de nascimento pra gente?
R – É André Ghizzi Guazzelli. Eu nasci em São Paulo em 18 de setembro de 1985. Então eu tenho 30 anos.
P/1 – E a sua mãe, você pode fazer o mesmo?
R – Minha mãe nasceu em Tietê, que é no interior de São Paulo. Ela nasceu em 1958, dia 12 de agosto.
P/1 – Qual é o nome inteiro dela?
R – Eliana Ghizzi Guazzelli.
P/1 – E qual é a origem da família dela?
R – Italiana.
P/1 – Italiana.
R – Italiana. Desde o tataravô e isso foi muito bom porque me ajudou a ter a cidadania italiana porque o tio do vizinho do primo do coiso tinha a cidadania aí foi passando e deu pra concretizar, porque várias pessoas até têm ascendência italiana, mas não conseguem chegar na organização dos documentos. Então foi mais ou menos isso, isso me ajuda muito porque um dos trabalhos que eu exerço e a paixão que eu tenho pela vida é tocar como DJ e eu fui agora em agosto à vigésima segunda vez, dessas 22 vezes, 19 foram para a Europa. Então chegar lá com o passaporte europeu é uma grande ajuda, uma facilidade, uma comodidade. E é isso.
P/1 – E você sabe por que os seus parentes vieram da Itália pra cá, pra onde eles vieram, o que eles faziam?
R – Eles foram pro interior, tinha uma parte relacionada a vinho, tinha outra parte relacionada, como se diz? Eu não sei, eles tinham uma série de empresas ali e resolveram mudar, uma parte mudou, não foi aquele êxodo total, mas eu não sei ao certo, eu nunca fui a fundo. Ou se eu já recebi informação nunca ficou presa na minha memória, a gente nunca foi, nunca fiz um assunto propriamente dito de como eles chegaram.
P/1 – Uma investigação.
R – É. Exato.
P/1 – Mas a sua família por parte de mãe é lá de Tietê, ou não?
R – Lá de Tietê, a maioria, do interior ali, entre Tietê, Piracicaba, Sorocaba, essas coisas.
P/1 – E o seu pai, qual é o nome inteiro dele?
R – Meu pai é Eduardo Hipólito Guazzelli. Ele é dois anos mais velho do que a minha mãe, então é de 1956. Ele nasceu dia 9 de setembro. A família dele é de São Paulo, tem ascendência italiana também, não sei por que mudaram ou por que vieram, mas o que importa é que chegaram. O Guazzelli vem dele e o Ghizzi vem da minha mãe. E foi mais ou menos isso. Eu sei que tinha meu tataravô também que estava em toda essa conexão Brasil – Itália, não sei o quê, não sei o quê lá e aí foi. O meu avô por parte de pai já faleceu, os meus dois avós por parte de mãe estão vivos, mas é isso, o pai do meu pai teve umas histórias bem malucas de empreendedorismo desde maluquices com o Mappin até depois de umas fases da vida morar em Brasília, mudar de cidade, até loucuras da minha avó grávida e ele acabou comprando um avião nos Estados Unidos e veio pilotando com ela grávida, sabe aqueles Cessna, avião monomotor.
P/1 – Conta mais dessa história pra gente.
R – É uma história que eu sei pouco, mas é que eu vi vídeos na casa da minha tia vai fazer um, dois anos, estavam vendo vídeos antigos. E ele era bem neurótico nessa parte de registrar coisas e tal, ele sempre tinha aquelas câmeras, ele mesmo comprava videogame pra gente mas acabava comprando pra ele também, sabe, pessoa do 011-1406 que acaba comprando tudo? E aí ele tirou o brevê e encasquetou de comprar um avião. E encasquetou de vir pilotando também. Então ele colocou a minha avó grávida junto na brincadeira e foi (risos). Pingando, pingando, pingando, pingando até chegar aqui. Uma história maluca, tem coisas de ultraleve em Ilhabela, de cair no meio do mar.
P/1 – Ah, é?
R – É. Os campeonatos de pesca. E ele morreu quando eu tinha 12 anos, então minha família fala que eu sou muito parecido com ele nessa parte de ter a facilidade de falar com pessoas, de transformar ideias malucas em possibilidades reais. É mais ou menos isso.
P/1 – E ele fazia o quê de trabalho?
R – Na vida profissional final mais ativa ainda do que o resto era organização e promoção de feiras, sabe desde feira de automóvel no Anhembi, feira de computador, franchising, essas coisas, que hoje em dia tem bastante também. Que na época, nos anos 90, ele trabalhava na Alcântara Machado e era a Alcântara Machado e a empresa dele, que era Guazzelli e Associados. Aí tinha bastante evento. Eu nunca ia imaginar que o que eu estou fazendo hoje em dia, eu acabei crescendo num ambiente de eventos, né? Quando eu decidi tocar como DJ eu não imaginava que eu ia começar a lidar com marca, com pessoas, que é a maior habilidade que eu tenho e a habilidade artística também, então são duas coisas que eu consegui juntar e é o que eu faço com a empresa que eu criei, que é pegar o lado redondo de um artista, o lado quadrado de uma marca, tentar fazer a conexão. E o bom é que eu tenho esses dois lados em mim mesmo e eu tenho o lado artístico e o lado mais empresário, isso é legal, que dá equilíbrio, balança.
P/1 – Isso você acha que você tirou um pouco do seu avô?
R – Não sei, deve ter um pouco disso, dali, de cá, de vontade, experiência, sonho, sangue, DNA, tudo um pouco, de tudo o que eu vivi, como eu vi a vida, a missão que eu tenho, sei lá. Mas com certeza ajudou porque eu sinto que ajudou e as pessoas falam que eu tenho um lance parecido, então, por que duvidar, né? (risos).
P/1 – E o seu pai e a sua mãe, você sabe como eles se conheceram? Como foi a história?
R – Acho que minha mãe tinha 18, veio pra São Paulo fazer faculdade, acabou conhecendo e aí não se separaram mais, até dar 17 anos de casamento e aí separaram. Mas foi isso aí, ela veio morar em São Paulo, eles estavam juntos. É aquela história, menina do interior que vem pra cá, não sei o quê, conhece, ficou junto, pá, não sei o quê e boa. Eu tenho um irmão dois anos mais velho, se eu tenho 30 ele tem 32 agora. E é mais ou menos isso.
P/1 – O seu pai fazia o quê na época? Ele morava em São Paulo, trabalhava aqui?
R – Ele trabalhava. Eu não sei exatamente com o quê, mas eu sei que ele começou a trabalhar desde o início dessa empresa do meu avô de organização de feiras. E isso já levava uma galera, né? Que a cada evento contrata um, contrata lá, pega o primo também que estava precisando trabalhar, junta todo mundo, né? É um pouco do que eu faço nos eventos que a gente faz hoje em dia. E ele nunca mais parou de trabalhar com isso, até a empresa ser vendida para uma empresa alemã e aí foi.
P/1 – Isso seu pai, né?
R – É. Foi na época do meu avô. Antes dele morrer, ele fez esse trâmite da venda e aí foi. Mas na época que ele encontrou minha mãe, que rolou o grande amor, não faço ideia do que ele estava fazendo. Mas com certeza deve ser algo relacionado.
P/1 – E a sua mãe veio estudar o quê aqui em São Paulo?
R – Não faço a menor ideia. Eu sei que depois que ela se separou, como ela não terminou a faculdade, que é típico daquela época ainda, ela fez faculdade de Nutrição, então devia ser uma grande paixão dela. Eu sei que eles faziam Panamericana também, eu guardo vários desenhos deles de Arte, essas coisas todas. Não que eles sejam artistas, tá? Mas aqueles desenhos mais técnicos, sabe? Tem cor, tal. Eu tenho uns documentos, uns desenhos, umas pinturas que eu guardo, acho que nem eles sabem que eu guardo.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – E você guardou por quê?
R – Ah, porque eu gosto de Arte, sempre gostei de pintar, desde criança. Então eu vi isso na hora, uma movimentação ou outra de uma casa pra outra, eu falei: “Ôpa”, guardei. Só por isso, nada demais também.
P/1 – Entendi. E depois que eles se conheceram quanto tempo levou para... nasceu o seu irmão primeiro, é isso?
R – Nasceu o meu irmão. Se ele tem 32, ela tinha 18... vamos ver se bate com a idade dela atual. Eu acho que naquela época ela seguiu a onda normal, o que era? Era ter filho com 22, 24, né? Vamos ver, 58, vai dois, 60, 42, mais 15 que a gente está... 52, 57 anos ela tem hoje em dia, menos 30 que é a minha idade, 27. Ela deve ter tido o meu irmão com 24, eu com 26, 27, né? Algo do tipo, fazendo uma conta meio...
P/1 – E eles tiveram o seu irmão. Eles moravam onde?
R – Não faço a menor ideia, aqui em São Paulo em algum lugar. Eu sei que a minha vida inteira dos 30 anos foi sempre no Itaim e antes de eu nascer eles já moravam no Itaim, ali região, sabe? E continua lá, então com certeza deve ter sido por lá.
P/1 – Quando você nasceu você passou a sua infância em que casa? No Itaim mesmo então?
R – No Itaim mesmo. Eles se separaram quando eu tinha 12 anos, então foi sempre Itaim. E uma coisa boa é que a família do meu pai tinha casa em Ilhabela e a família da minha mãe no interior então eu fiquei entre cidade, interior e praia, peguei um pouco de cada. Isso ajudou muito na minha formação, eu tenho certeza, eu sinto isso.
P/1 – É?
R – Desde o lado caiçara até o lado caipira, pé no chão, terra, barro, mar, sabe? E não só o cinza dessa cidade que também é legal, mas é bom ter o resto, né? Acho que isso ajudou muito, na verdade. Muito mesmo.
P/1 – Mas essa casa onde você cresceu no Itaim, como é que ela era? Um apartamento?
R – Apartamento.
P/1 – Onde que fica?
R – Onde? Na Rua Jesuíno Arruda, outra na Pedroso Alvarenga, hoje em dia na Rua da Mata.
P/1 – Tudo ali perto.
R – Tudo quase em três quarteirões, naquela redondeza ali do Itaim, sabe?
P/1 – Sei. E como é que foi crescer no Itaim? Como é que era o bairro nessa época?
R – O bairro era mais calmo. É meio velho falar isso, né? Eu nunca imaginei que eu ia estar falando, tipo 30, anos: “Nossa, na minha época”. Mas eu lembro que com 12 anos a gente andava de skate em qualquer rua praticamente. Na frente do Barbacoa que é ali na Renato, a gente andava numas 15 pessoas no bairro, a gente era aquele desespero da galera que morava lá, mas no bom sentido. A gente acordava cedo, ia andar de skate. Hoje em dia não tem espaço, né? Isso é o que mais mudou, a quantidade de carros na rua, a quantidade de prédio que nasceu e a parada mista entre residência e comércio. Então você tem escritório, você tem comércio de rua, você tem restaurante pra caramba, isso transforma o bairro quase numa cidade, o que é incrível, esse é o lado bom, eu só ando de bicicleta e o carro fica na garagem, uso o carro só pra viajar praticamente, mesmo durante a semana eu ando de táxi com um amigo, eu raramente pego o carro. E não faço nem questão de pegar o carro na verdade, prefiro até pagar um táxi ou outro. Mas o trânsito está intenso, não tem mais hora lá, justamente porque misturou a família com o horário da mãe que sai pra levar os filhos não sei onde, vai fazer supermercado, aí o cara que está indo trabalhar, o cara que sai pro almoço. E aí tem os dois lados, né? Mas o bom é que eu faço tudo lá praticamente, então eu faço de bicicleta, então pra mim é uma maravilha, um equilíbrio, eu me sinto muito bem. Eu faço três, quatro viagens pra fora num ano pra tocar ou pra fazer alguma coisa específica e jamais com o peso de estar voltando, sabe? Gosto muito, me sinto muito em casa, acho que o bairro funciona, tem todos os problemas de São Paulo, mas ao mesmo tempo, eu pelo menos com os meus atos tento fazer não só a minha vida, mas a de quem está ao meu redor ficar um pouco melhor.
P/1 – Mas na época o que mais você fazia no Itaim?
R – Ah, a gente andava de skate, de bicicleta, coisa que eu não parei de fazer. No Itaim já tinha bastante coisa de vida de bairro, de você não precisar sair, desde supermercado, desde a lojinha, só o que mudou foi a estrutura das coisas, acho que deu uma... se você pensar no lance tecnológico, um supermercado que era um supermercadinho foi comigo pelos supermercados maiores. E assim como tem as próprias lojas. Você vê hoje em dia em vez de um Mappin tem um Extra, em vez de duas farmácias tem 15 farmácias. E aí vai, bar, a vida noturna, a vida diurna, foi isso que foi aumentando. Mas eu acho que o Itaim em si nunca deixou de ter, por estar situado onde ele está que é uma união entre jardins, é o caminho de quem está no Morumbi, é ao lado do Brooklyn, ao lado de Moema, então acho que não tinha como ser diferente a evolução desse bairro entre comércio e residência.
P/1 – E tinha alguns lugares que você preferia ir no Itaim quando era adolescente, jovem?
R – Do que? Comparado a hoje?
P/1 – Não, na época mesmo. Você falou do Mappin, por exemplo.
R – É, Mappin eu lembro que eu ia, mas não lembro nem fazer o quê lá, eu acompanhava a minha mãe, só.
P/1 – Da João Cachoeira, né?
R – É! É, João Cachoeira. Onde é o Extra agora. Eu não lembro de coisas que eu fazia e deixei de fazer ou coisas que eu gostava da época e não tem hoje em dia, mas lembro que tinha locadora de vídeo, que era clássico, era Hobby Vídeo ainda, antes de chegar Blockbuster. E aí o resto que tem hoje, acho que a maioria das coisas, se foi uma coisa muito menor que não foi comida pelas grandes marcas, e não que isso seja ruim ou bom, é só um fato, tem algumas coisas que duram lá ainda, coisa mais bairrista, sabe? Uma padaria, um negócio ou outro que na verdade eu acompanho desde que eu comecei a entender ou lembrar das coisas nessa vida. E é isso. Eu acho que tem coisas que mudaram também, cagadas acontecem. Uma coisa que faz parte ali que ajuda muito o trânsito a piorar em vez de melhorar é aquele túnel que fizeram da Cidade Jardim, tiraram todas as árvores da avenida, o túnel não era pra ser daquele jeito porque você entra no túnel depois de passar na ponte, aí você cai num farol. O túnel ao invés de ser assim era pra ser assim, era pra eliminar o cruzamento Faria Lima com Cidade Jardim, a inteligência seria ele sair antes, a Faria Lima passar por baixo e a Cidade Jardim continuar passando por cima, só que não ter aquele farol, ter um fluxo constante. Só que não foi o que ela fez, além de destruir toda a Cidade Jardim que era incrível, que acho que isso é o principal das cagadas assim e ter feito um túnel que não adianta nada na real, ele adianta 10% do que ele poderia, eu acho. Está sempre trânsito, é impressionante.
P/1 – Você se lembra de antes, como é que era antes do túnel?
R – Antes era muito mais incrível porque era tipo a Nove de Julho ali perto do Itaim. A Nove de Julho perto do Itaim é cheia de árvores, parece que você está numa época de Natal ali com todas as luzinhas, é maravilhoso, fica até mais fresco. Mas é isso aí. O que mais tem no Itaim? Ah, tem outra parte do Jardim Europa que é logo ali, cruzando a Nove de Julho que é bem legal pelo fato de não ter prédio ainda, não ter sido devastada, então tem o clima bom, tem mais verde.
P/1 – E você ia no Parque Ibirapuera também?
R – Ah eu vou, vou com frequência até. Aí nasceu o Parque do Povo que era o lugar onde os caras jogavam bola lá, que é na beira da Cidade Jardim também com a Marginal. Aí surgiu o Shopping JK pouco tempo atrás. Mas o Ibirapuera sempre foi uma parada assim. Desde criança eu ia andar de skate no Itaim, a gente ia andar na Marquise do Ibirapuera, tem amigos meus que vão até hoje. Eu acabei escolhendo fazer outras coisas também e como não dá pra fazer tudo eu tenho ido pouco ao Ibirapuera pra andar de skate, mas às vezes eu vou correr. Alguns amigos dão aula de Ioga lá, então tem todo um processo de porque frequentar.
P/1 – E como é que você descobriu o skate? Quem te introduziu?
R – Meu primo. Eu sempre andei com pessoas mais velhas e foi meu primo. Acho que a gente via na TV também, olhava jogo de videogame, vídeo. E sempre foi um negócio que eu gostei muito, esporte de prancha, acho que vem do meu pai também que surfava. Então se pegar surfe, wakeboard, skate, todas as coisas com prancha eu sempre tive uma afinidade, uma certa habilidade também, então já ajuda bastante, que virava o esporte ali, andar de skate, depois caí na piscina, tomar vários tombos. Mas o bom é que dava pra andar na rua naquela época, hoje um grupo de crianças com a mesma idade que a gente tinha no Itaim não tão bem pra andar de skate, porque não dá, né? Muita gente estressada na rua, já não há faixa, a que tinha já está parando carro. Você não tem vazão, espaço físico pra isso. Aí vai todo mundo pro parque, vai ficar dentro dos prédios, os prédios mudaram um pouco. Você vê o número de vagas na garagem que ajuda a piorar todo o trânsito, número de estrutura que você tem que ter no condomínio pra que a sua criança não precise sair, ou você fica refém de um clube ou de uma academia, mas academia pra criança ainda é muito, pra idade certas coisas não funcionam. Mas é isso aí, eu acho que cada vez mais as crianças que não têm como ter essa saída de São Paulo, como pode ser encarada como privilégio, fica mais difícil no crescimento no entendimento do que é o mundo ou o que é a vida, que são várias partes que fazem o todo, não só a parte que você está inserido.
P/1 – E no caso você falou que tinha uma vazão pra ambos os lados, né, da metrópole. Como é que era isso?
R – É incrível porque eu convivia tanto com o meu primo mais simples até com o outro, até o filho do caseiro era o meu melhor amigo, por exemplo, não tinha distância nem nada, não tem até hoje. E eu não tenho com ninguém, acho que isso ajudou muito, sabe? Não ter diferença entre a pessoa que está limpando ou a pessoa que é dona do lugar? E eu sempre tive, acho que não é nem vontade, é naturalmente tratar as pessoas de uma maneira mais equalizada e não por certos interesses ou não. E isso ajuda muito quando você mora num lugar, você vive a vida de outro em outro ecossistema e depois você está inserido em outro e acho que traz mais clareza das coisas, mais consciência de que não é sobre você, é sobre você inserido com todos os outros. Fica menos mimado eu acho, você fica com o horizonte ampliado.
P/1 – Mas o que contribuía com o quê? Ilhabela contribuía com?
R – Não sei. Acho que cada momento no seu ponto específico, acho que não tem um. É mais pelo momento que você está de crescimento e com quem você está interagindo, mas a simplicidade de um interior com a vida de um interior mais pacato, o contato com animal, poder andar a cavalo ou fazer guerra de cocô de cavalo, sabe, coisa do tipo? São Paulo não permite, que você não tem o cocô, no máximo você tem o cocô de cachorro, mas não é que você está brincando no pasto, vai cavar um buraco e seu primo mais velho, fazer uma piscina, sobe na jabuticabeira. Aí na praia você está com o filho do caseiro que já mora lá, vai jogar futebol com ele, é outro jeito de tratar as pessoas, é outro jeito de ser tratado. Você jogar futebol, futebol é a alma do negócio, então você jogar futebol com pessoas amigas que você joga toda hora, que são amigos do colégio é diferente de você ser moleque e jogar com pessoas que moram na praia, que você está entrando em um outro ecossistema que você precisa respeitar, ser respeitado ao mesmo tempo. Acho que cada lugar tem um jeito de você viver e conviver, né? Eu acho que, resumindo, o que mais importa mesmo é você aprender na formação do ser humano a como conviver em grupo e como compartilhar. Então é como você ter a consciência de que você pode contribuir pra vida de todo mundo mesmo você não conhecendo aquela pessoa também, que os seus atos realmente valem muito mais do que simplesmente ter a mentalidade de: “Ah, vou fazer o meu e o outro depois”. Não, vou fazer o nosso. Eu acho que isso trouxe uma visão pra mim muito clara e de uma maneira rápida, então eu acho q é fator primordial assim.
P/1 – E você é fã de futebol, você jogava muito na infância?
R – Eu jogava bastante. Eu nunca fui totalmente viciado e o melhor do mundo, mas eu tinha as minhas habilidades, eu gostava de jogar.
P/1 – Jogava com quem?
R – Jogava com meus primos, jogava no prédio. Só que ao mesmo tempo jogava com os caiçaras de Ilhabela e no interior. Então eram pessoas diferentes, eram três ecossistemas em vez de um só. Geralmente alguém que não tem essa possibilidade é um só, é um grupo pra ir, um grupo pra fazer a mesma coisa em diferentes momentos. Quando você consegue ter mobilidade fica muito mais fácil de respirar outros ares e ter mais consciência da diversificação e quão importante ela é.
P/1 – E você tem algum time de preferência?
R – Ah, São Paulo. Atualmente não sei nem o nome do técnico, mas foi escolha, foi naturalmente. Eu sempre me peguei questionando, quanto mais o tempo foi passando e eu fui crescendo eu começava a me questionar o por que as pessoas ficavam tão bravas ou tão felizes ou tão tristes, por que elas dependiam tanto depois do fim de semana do time ter ganhado ou não ou quão de mau humor ela ia estar, ou quão estressante é ver o jogo, ao mesmo tempo prazeroso. E aí eu falei: “Ah cara, tem tanta coisa pra ver, se eu preciso escolher coisas eu vou escolher fazer outras”. E eu não desgosto nem um pouco, acho futebol incrível, acho a alma do país, acho que interação muito boa, mas não foi um caminho que eu quis seguir, de ser fanático por um time ou saber a escalação, eu preferi mergulhar em outras coisas.
P/1 – Entendi.
R – Acho que a vida é feita de escolhas.
P/1 – Não dá pra ter tudo, né?
R – É, não, não tem condições de ter tudo. Acho que nem é pra ter tudo, né? Essa é a graça.
P/1 – E lá no Itaim você estudou onde primeiro?
R – Eu estudei na Dona Érica, que era dentro do Jardim Europa ali, que era o maternal. Logo depois do maternal eu fui pro Porto Seguro, que é no Morumbi. Eu não sei se seria possível hoje em dia, acho que a maior galera faz isso, mas hoje em dia o trânsito está intenso pra ficar indo Itaim-Morumbi todo dia. Naquela época era mais fácil, então fazia um rodízio com outros amigos que moravam ali ou pegava a perua escolar. E minha vida inteira foi no Itaim/Porto Seguro. Estudei de tarde a maioria da minha vida, então era Porto Seguro.
P/1 – Como é lá?
R – Porto Seguro tem umas tendências mais alemãs. Eu tenho vários amigos alemães que eu acabei fazendo depois que eu saí do colégio pelo fato de tocar, então uma tocada por ano pelo menos ou uma viagem ia pra Alemanha. Tenho vários amigos brasileiros que moram lá, fiz vários novos amigos, não necessariamente por causa do Porto Seguro. E os professores sempre falavam que a gente poderia vir a usar o alemão durante o trabalho na vida profissional. E não só na profissional quanto na pessoal, uso. Tanto é que eu nunca dividi a minha vida profissional da pessoal, eu sempre tive como objetivo claro e nítido pra mim de nunca separar a minha vida em dois. E hoje em dia eu lembro que os professores, até como uma piada, falavam que ia usar e sempre falavam de uma empresa e não sei o quê e eu estou usando também (risos). Eu tenho amigos DJs, eu tenho pessoas que fazem balada, pessoas que trabalham em empresas em diferentes tipos, só que acabo utilizando o alemão pra me comunicar. Não falo fluente, está longe disso, mas eu consigo já trazer aquele calor pra relação quando você conhece uma pessoa nova e consegue falar algumas coisas em alemão, né? Ainda mais sendo brasileiro. Então eu agradeço muito de ter passado pelo Porto Seguro. Tem pessoas que gostam, tem pessoas que não gostam, assim como tudo na vida, mas eu achei bem legal a minha passagem por lá, me ensinou bastante coisa. Esse lado mais quadrado que eles têm foi importante pra minha formação também, para eu ter noção do que pode ou o que não pode, ou cumprir prazos e ter a rédea um pouco mais curta. Nesse caso eu era quem estava com a rédea na boca na verdade. Eu acho incrível, todos os amigos que eu fiz lá a maioria eu falo até hoje, as ideias que eu tive, eu tive algumas lá, o jeito de organizar as coisas e de cumprir tarefas também foi lá. Então eu não vejo nada ruim. Lógico que tem o lado um pouco mais da rédea curta que eu falo, é anotação no diário, é: “Não, você não pode ter o cabelo assim, você não pode ter assado”, e mesmo estudando lá, você olhar pra mim, como aparência, era muito mais fácil eu ter estudado em outro lugar mais solto e estar assim do que no Porto Seguro. Então eu acho que também não é só a escola que molda a pessoa por fora, tem o molde por dentro também, né?
P/1 – Mas teve algum professor lá que te marcou?
R – Ah, vários.
P/1 – Algum mais especial?
R – Tem professores que eu falo até hoje. Eu acho que pelo fato de eu ter seguido meu sonho e eles perceberam que eu segui meu sonho acho que fica muito mais fácil deles entenderem a minha pessoa na época e virem dar o feedback hoje em dia, isso acontece direto, isso é incrível, então eu acabo me conhecendo mais. Desde professores que me apoiaram até professores que não iam nem um pouco com a minha cara, não que eles demonstrassem isso, mas eu sentia, e acho que eu também sentia que eu não ia com a cara deles. E tudo isso nunca a culpa é de um só, né? Que nem briga. Então tem várias coisas especiais, de professores que me apoiavam, que davam incentivo de entendimento que às vezes eu pegava provas e em vez de responder a prova eu ficava fazendo desenho atrás da prova, sabe? Meio mundo da Lua, mas ao mesmo tempo em outro mundo. Então era legal, tinha professores que entendiam, outros que faziam comentários, outros que eram muito mais legais, outros professores que eram bravos e só davam bronca. Ao mesmo tempo é bom ter os dois, né? Mesmo que na época que isso esteja acontecendo não seja algo tão agradável, mas uma visão ampla é muito melhor, né? Que nem tudo é festa.
P/1 – E você fazia o quê pra se divertir nessa época?
R – Da escola?
P/1 – É.
R – Cada idade com sua fase, né? Desde jogar futebol no recreio até cabular aula, por exemplo, pra sair fora do colégio escondido. Ah, sei lá, a gente fez de tudo. E dos campeonatos, o Porto Seguro sempre teve a parte de esporte de uma maneira muito legal, então tinha as olimpíadas, eles sempre incentivavam muito o esporte, isso foi muito legal também. As aulas de Educação Física, os campeonatos, isso traz uma interação a mais de você com você mesmo e com os alunos ao redor. Tinha aula de Artes também, tinha todas essas coisas. Então foi desde o jogar futebol até depois tem a fase das menininhas, tem fase de não sei o quê, tem fase dos amigos, começa a fazer festa e foi no próprio colégio que eu comecei a fazer festa.
P/1 – É?
R – É, foi no segundo colegial. Do segundo pro terceiro eu fui fazer um intercâmbio, aí morei quase um ano na Califórnia e voltei, bombei o terceiro, fiz o terceiro de novo no Porto Seguro. Fui duas vezes pra Bahia no Porto Seguro que é a festa de formatura, viagem de formatura lá, mas voltei e consegui completar um ano de novo lá. Eu falei: “Não, passei a minha vida inteira aqui, eu repeti de ano e eu sei exatamente por que eu repeti”, e eu tinha toda a consciência, não é porque eu não consegui aprender ou tinha algum distúrbio, o meu distúrbio era eu simplesmente não querer mais fazer certas coisas. Não tinha interesse nenhum na aula de Física. Química pra mim era:
“Cara, por que eu sou obrigado a entender isso sendo que eu já achei outras coisas que me deixam feliz também?”. É lógico, você tem esse modelo inteiro que não vale a pena nem discutir, que é o modelo de ensino, modelo de não sei o quê, modelo de como você transformar e criar seres humanos pra estarem prontos pra praticamente se encaixar no mercado, mas o mundo não é feito só do mercado propriamente dito, de você preparar um ser humano pra ele entrar e encaixar em alguma posição. Não, ele pode criar uma posição nova, na verdade tem muito mais a parte criativa que não tem no ensino hoje em dia que eu com 30 anos já questiono pra caramba. Eu acho que tem que ter uma revolução no ensino, assim como teve o lançamento do iPhone é ter outro tipo de coisa. Não ter aquela pressão de ser obrigado a escolher alguma coisa, não, você já é alguma coisa, só precisa achar a habilidade que você tem maior carinho ou maior aptidão e como trabalhar isso. É mais a interdependência entre as pessoas e as coisas do que a obrigação de você ter que ter sucesso numa parada onde você não tem que ter sucesso. E não é o sucesso que vai te deixar feliz quando você atingir ele, no que você atingiu ele você já vai estar com fome de outra coisa. E aí é isso, não lembro nem do que a gente estava falando direito.
P/1 – Estava falando do seu terceiro ano, mas ia te perguntar como é que foi essa festa que você organizou. Foi no segundo ano, é isso?
R – É, foi no segundo ou terceiro. Foi no terceiro colegial. Eu tinha voltado, a gente já convivia com pessoas mais velhas também, eu já tinha essa ideia, já tinha batido no meu coração e no meu estômago que eu gostava muito daqueles ambientes de viajar, de música, de tudo e a gente começou a fazer uma movimentação, convidou uma galera e falou: “Ó, vamos fazer essa festa X”. E essa festa X a gente fez até umas sete edições. Começou 200, 300 pessoas, 400 pessoas, 500 pessoas, aí juntou gente do Santo Américo com Santa Cruz. E aí tinha cinco amigos que tocavam como DJ também, eu era um deles. Eu acabei ficando o terceiro no colégio, vários amigos meus foram fazer supletivo que tinham bombado, mas eram vários, digo cinco que seja de 200 que tinham se formando e tal. E aí foi, começou a história de movimentar pessoas, de convidar, de fazer festa, de colocar ideias em prática desde o que seria mais legal colocar naquele ambiente pra que as pessoas tivessem uma experiência diferente. E isso vem muito do que a gente está falando de conviver em diferentes, tanto no interior quanto na praia, quanto na própria cidade e você fazer alguma coisa pensando no todo e não pensando só em você. Quando você tem isso acontecendo naturalmente as coisas saem muito mais verdadeiras e mais reais, né? Então naquela época todos os amigos estavam envolvidos, aí como tinha gente de um ano acima do meu, um ano abaixo e o meu ano isso já era legal também, então dessas cinco pessoas que tocavam um era mais velho, o outro era da minha idade e um era mais novo. Mas aí cada um foi seguindo um caminho e de repente acabou. E eu falei: “Nossa, não acabou, pra mim só está começando, não vou parar com isso jamais, não vou parar de fazer isso, eu gosto de fazer isso”. Tanto é que nessa parte do equilíbrio eu me propus, não é que eu larguei tudo pra fazer só isso, eu continuei fazendo o negócio pra entrar numa faculdade, terminei o colégio bem, na medida do que eu precisava pra passar de ano e não ter encheção. E aí resolvi criar uma festa nova. Eu criei o nome da festa, acabei fazendo a primeira edição no meu aniversário e aí tudo começou. Eu assumindo que queria seguir o meu sonho e continuar seguindo o meu sonho, que aquilo era o meu sonho. Eu não sabia onde ia dar, foi uma pressão pelo fato de não saber exatamente onde ia dar, mas a graça é essa também, hoje em dia eu entendo isso, justamente porque eu não sei onde vai dar ainda, e acho que nem tem como saber. Mas foi uma decisão de ter assumido o chamado no peito pela primeira ou pela segunda vez já de que era aquilo que eu queria fazer.
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho só. A gente vai chegar na fase atual. Quando você organizou essa primeira festa, o que você foi fazer, você foi ser o DJ? Como é que vocês arrumaram?
R – Eu fui ser o DJ e a gente convidava as pessoas, a gente tinha um amigo mais velho que também ajudava no trâmite de deal com o espaço do evento em si e aí foi convidar pessoas, fazer a parte, tinha amigas que a gente acabou colocando pra fazer a decoração, então cada um fazia uma coisa, sabe? Era o convidar, o fazer a parte artística, a parte de cenografia, o resto era do lugar.
P/1 – Você já tinha feito isso antes na sua vida?
R – Não, a gente foi aprendendo na marra. Eu tinha convivido nesses espaços aí que a minha família fazia produção de eventos, tal, mas eu acho que estava mais no invisível do que no visível. E como eu falei o negócio do ensino lá, a minha habilidade em si eu encontrei a habilidade e com as atividades e as decisões que eu estava fazendo rumo a isso eu comecei a ampliar ou aprimorar o dom de tocar, de tocar as pessoas, de lidar com pessoas e criar uma experiência mais próxima do inesquecível numa noite que poderia ser uma noite normal ou num dia que poderia ser um dia normal, seja manhã, tarde ou noite a fazer coisas que ajudem a transformar pessoas pra melhor.
P/1 – E o que você sentiu quando você subiu na mesa?
R – Tudo tem um começo, né? Eu era totalmente perfeccionista ainda, eu escrevia tudo, fazia um roteiro gigantesco das músicas que eu ia tocar, o segundo que eu tinha que entrar, se eu não entrava nesse segundo ficava treinando em casa. O que eu não estudava pra Química e Física eu estudava pra isso. Estudava muito assim. Eu gostava de fazer o negócio, escrevia, voltava, criava coisa impossível, que tudo transformava. Era incrível. E foi uma das coisas que eu mais estudei então naturalmente também, acho que por ter isso, as pessoas acabaram começando a gostar mais do som que eu tocava do que o dos meus amigos. Isso também foi difícil, a parte de eu falar pra minha família que eu estava fazendo isso e que na verdade nos primeiros anos era mais o fato de eu ser DJ do que fazer a festa em si, ninguém levava muito a sério. Nessa fase é muito difícil você chamar no peito e ter a segurança ou um projeto de segurança pra conseguir seguir falar: “Não, independente”, ou alguém da família que faz Administração, Fisioterapia, Publicidade, Marketing, de repente chega alguém que quer só ficar tocando. E jamais era só ficar tocando, só que quando você não tem exemplo prático e você já visualiza alguma coisa é só a segurança de ter o tempo atrelado, que é o tempo que vai dizer. E hoje em dia é o tempo que diz. Eu posso falar um monte de coisa, mas quem fala mais e quem comprava mais ao meu favor por ter seguido um lance ético comigo mesmo é o tempo. Então a vida mostra se eu sou uma pessoa hoje em dia que seguiu ou segue o que eu realmente sonhava e
que eu realmente falava. E eu continuo fazendo a mesma coisa. Lógico que vai mudando a amplitude das coisas, mas o sonho é o mesmo.
P/1 – Na época que você começou o que se tocava, o que tocavam, o DJ, você tinha algum ídolo?
R – Na época a parada era mais... a rave não era nem uma rave ainda. E como eu convivia com pessoas mais velhas a rave era incrível, era um negócio que não era pra muitas pessoas. E era uma parada que você estava inserido no meio da natureza, você estava escutando um som, era trance, né? Era luz negra, cores, era tipo paz. E nos últimos dez anos do mesmo jeito que começou acabou, só que outras coisas vão surgindo. A mesma coisa de um horário, um ecossistema de um evento hoje em dia tem muito mais... antes tinham as raves, das raves passou pra club, que é balada noturna, hoje em dia balada noturna virou festa, então você em mil festas acontecendo em São Paulo. Então uma galera que sai da ESPM hoje em dia que fez Marketing em vez de querer trabalhar no marketing da Johnson & Johnson o cara quer abrir uma agência de festas. Então você tem várias fases disso, né? As fases tanto das pessoas quanto a fase do som, quanto a tecnologia que está atrelada a isso. Então do trance passou pro house, hoje é um Deep House, é um som que eu gosto mais, que é uma mistura de tudo que eu já convivo das viagens também, eu acho que você vai fazendo um catado hoje em dia, você tem um mix, você não tem um estilo de som específico que nada se mistura, você tem um estilo de som que é uma referência disso com referência daquilo, com influência disso e daquilo. E aí tudo se constrói.
P/1 – Na época você acha que estava tudo começando ou já tinha uma cena?
R – Não, já tinha, sempre teve. Mesmo sem música eletrônica já tinha, a galera sempre se movimentou pra fazer. Se você pegar desde as tribos indígenas sempre teve união de pessoas, uma reunião de pessoas para celebrar alguma coisa, né? Eu sempre encarei uma festa com motivo de celebração, mesmo jeito de tomar um drink ou você dar um abraço em alguém é o celebrar o fato de você estar vendo aquela pessoa de novo ou celebrar alguma coisa com motivo específico.
P/1 – Mas eu digo na questão da cena da música eletrônica aqui em São Paulo, já tinha?
R – Já tinha, começou bem cedo. Se você for ver nos anos 70 já tinha alguma coisa acontecendo. E aí foi intensificando, ficando mais eletrônico, foi tendo essa cultura mais clubber, um negócio mais techno, um negócio mais... você vai vestindo toda uma geração, toda uma cidade, a vida noturna em si, né? E hoje em dia o bom é que a música eletrônica independe de idade, independe se é uma coisa underground ou não, tem pra todos os gostos e bolsos, sabe? Até pra horários. Se você pegar uma cidade como São Paulo tem coisa acontecendo festa de madrugada, festa que acontece de manhã que a gente até está envolvido e que não tem nem álcool, você tem festa fora de São Paulo, festa de tarde que acaba meia-noite, festa começando meia-noite. Então se você for um adepto ou um maluco você não dorme nunca, né?
P/1 – Porque sempre vai ter.
R – É, o lado ruim da coisa porque você sempre precisa balancear as atividades, né? Mas São Paulo é legal por causa disso. E como as grandes cidades do mundo você tem várias influências chegando primeiro também, com várias ideias sendo colocadas em prática. E isso, a música eletrônica cresceu bastante, se for ver os festivais, até os festivais de banda hoje em dia tem palcos enormes de música eletrônica. Se você for ver um Tomorrowland que chegou aqui está gigante. Pode não ser o melhor estilo de som do mundo? Pode não ser, mas a quantidade de pessoas jovens que abrange é enorme. Você vê que não é por acaso, tem alguma coisa no gosto.
P/1 – Como é a questão da energia nesses seus eventos? Não só a energia literal, mas energia...
R – Um negócio que eu sempre busquei pra minha vida e pras minhas atividades e pras festas ou pras coisas que eu estou envolvido é trazer uma energia boa pra aquele ambiente. Então falo de uma atmosfera, e uma atmosfera você não compra, atmosfera você cria. E uma atmosfera não se cria da noite pro dia, tem que ter muita convergência entre as pessoas que estão envolvidas, as atividades exercidas, os ideais, os objetivos. E isso você acaba fazendo as pessoas sentirem, né? É o que os olhos não veem. É um lado da energia que é tão importante quanto o resto pra você gerar felicidade nas pessoas, que é a energia boa, a energia que atrai, a energia que te instiga, que faz você passar por ela e aquela energia te transformar. E você ser algo mais ou algo melhor do que você era, seja um minuto ou um dia atrás. E tem todo o fato da outra energia, a energia que a gente vê, a energia que a gente está aqui e que basicamente sem ela a gente conseguiria sobreviver, mas ela veio pra ajudar em diferentes aspectos, né? Se for ver a música eletrônica é eletrônica, o eletro vem da energia elétrica, senão ficaria só na música e não na música eletrônica, né? Eu acho que tudo tem essa interdependência entre as coisas, é o lado mais mágico e acho que é o grande segredo da vida atual. Como você achar um balanço e equilíbrio entre tanto a parte material e tecnológica quanto a parte espiritual e física.
P/1 – Como é a relação entre essas duas coisas?
R – A relação entre as duas coisas pra mim?
P/1 – Sim.
R – Entre o quê e o quê?
P/1 – Entre a questão da tecnologia e a da energia da modernidade e a questão espiritual, uma questão bem atual.
R – Acho que basta você querer achar a sinergia e o equilíbrio entre das coisas. Eu acho que quanto mais você coloca foco e objetivo entre como conseguir esse equilíbrio ou como ter esse equilíbrio, como adquirir a consciência pra você ficar em paz. Acho que como você consegue esse equilíbrio é exatamente ter a intenção de, como trabalhar e como ter ferramentas pra trabalhar. E você conseguir chegar num estado consciente de paz, onde você saiba utilizar uma tecnologia e não utilizá-la em excesso, como qualquer coisa. Como em excesso você fica muito tempo no computador porque a sua internet é rápida e você viciar em ficar naquela vida somente, seja numa rede social ou seja num videogame, você lembrar que a gente precisa tanto da luz elétrica como da luz solar, que a gente precisa tanto se alimentar de relação com seres humanos e não só a relação através da tela, que a gente foi feito pra se movimentar fisicamente e não ficar sentado num sofá ou numa cadeira. Então é o equilíbrio entre essas coisas porque elas são praticamente opostas. Só que nenhum lado extremo é bom, a gente sabe disso hoje em dia. Eu acho que o segredo do mundo atual é o equilíbrio entre as coisas, é a harmonia. E aí dá pra você pegar, a harmonia tanto do lance material quanto do outro. Dá pra você pegar e viver só de luz e virar alguma coisa a mais? Dá, mas isso é um estágio muito maior, acho que se a gente pegar o estágio geral já é uma grande missão, é uma grande batalha e algo muito importante para que a vida de todo mundo melhore tendo equilíbrio no uso da energia física, mental, espiritual e na energia material também. Pelo menos é o jeito que eu vejo e que eu tento trabalhar em mim mesmo porque trabalhando em mim mesmo eu trabalho com o todo.
P/1 – E depois que você saiu do terceiro colegial você disse que você buscou seguir o caminho de eventos.
R – Sim, mas eu também não deixei, como tinha a parte da família também, tinha a parte da minha pressão comigo mesmo e da pressão externa. Foi muito bom eu ter feito, eu agradeço ter bombado de ano, se eu não tivesse bombado de ano eu não teria feito as decisões da maneira que eu fiz. E aí eu fui fazer Desenho Industrial na Faap. E nisso eu entrei no IED que era o Instituto Europeu de Design, que é em Higienópolis. Era o primeiro ano deles. Eu fui fazer design lá também, eu fiz um ano, eu era residente de uma balada que era o Manga Rosa de quinta-feira, aí durante a semana eu ia do Itaim uma vez de manhã pro IED, voltava e de noite pra Faap. Então fiquei fazendo um ano duas faculdades, aí eu parei de fazer o IED depois de um tempo e fiquei só na Faap. Eu me formei lá e comecei a criar essa festa. E nessa balada que eu era residente começou a criar esse caminho, essa carreira, tudo bem devagar e com muita paciência, foi sempre... acho que qualquer história, você conviver com pessoas que não te querem lá ou você incomodar porque você sabe que você tem o dom e que outras pessoas vão tentar te derrubar, não é nem pelo fato de querer, mas o mundo é assim, né? Se você for ver numa selva a cadeia alimentar também é assim, então você tem que ter alguma habilidade ou outra pra esquivar de certos problemas que vão surgindo como se fosse um jogo mesmo, né? Que a vida é um jogo, basta você entender as regras e se entender também. A partir de lá tudo foi florescendo um pouco mais, tanto o entendimento da minha família, o meu entendimento em relação ao que eu estava fazendo, todo conhecimento que eu tinha por trás que eu achei que não tinha nada a ver, ou que eu talvez não tivesse consciência de que eu fui trabalhando. E o fato de tocar como artista, o fato de empreender como promoter do negócio, então eu sempre fui uma pessoa que teve as tarefas atreladas numa pessoa só. Fui juntando amigos, fui criando um núcleo e disso, de eu começar a tocar numa vez a gente pegar e ver o interesse e convidar pra tocar mais vezes porque eu tinha a habilidade de movimentar pessoas, a habilidade de colocar um som legal. Nisso eu fui convidado pra cuidar de uma noite, então cuidava da parte promocional que era como chamar pessoas pra ir pra lá, tanto a parte artística como chamar DJs legais ou virar residente, então foi conquista atrás de conquista, sofrendo um pouco ali, ficando desapontado aqui, ficando feliz aqui, entre a felicidade e a tristeza tudo foi se concretizando. E eu sempre pensei numa plataforma e nunca pensei em mim mesmo, na minha carreira como DJ, sempre pensei em ter
ambiente pra tocar criado por mim e eu poder participar de outros e não simplesmente depender só da tocada como DJ. Então eu queria através desse núcleo foi criada uma marca, essa marca virou uma festa, a festa acabou de acontecer a décima quinta edição, foi sexta passada.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Chama Inner multi.art.
P/1 – Ela acontece onde?
R – Ela acontece uma vez por semestre, as últimas sete foram na The Week, que é na Lapa. A gente aluga um lugar, hoje em dia vão cem artistas, são três palcos, um maior que é de música eletrônica, que é o som que eu mais gosto, que é o Deep House. Aí a gente tem um palco de hip hop, essa última tocou até Rael. A gente tem um palco externo então são cem artistas, tem essa parte que eu sempre falo de pensar na plataforma e pensar mais no todo e na experiência das pessoas, então essa festa em 2005 as pessoas encaravam como uma loucura de juntar artista com banda, com rap, com música eletrônica. E passou de 400 pessoas para umas três mil, três mil e pouca. Esses cem artistas vão desde artista gráfico, grafiteiro, performances. Tem amigo cozinheiro que faz coisa. A gente aborda desde a culinária, arte gráfica, videoarte, música que vai DJ e banda. Então tem todas as ramificações de arte possíveis que a gente consegue colocar num ambiente, trazendo uma experiência muito mais saudável pras pessoas que fazem parte, não uma balada com música, álcool e somente isso, sabe? E essa festa com todas essas ramificações também começou já incentivando as pessoas a doarem coisas, roupa, brinquedo, livro. Então tudo isso dez anos atrás hoje virou uma empresa, onde a Inner multi.art festa acontece uma vez por semestre pra celebrar tudo o que a gente fez no semestre. E tudo o que a gente fez nada mais é do que as ajudas sociais, a gente conecta artista com marca, então agora a gente está fazendo um projeto com a Sony onde artistas Inner customizam fones, esses fones vão ser entregues como contrapartida de um projeto de crowdfunding, que vai ajudar o Capão Redondo na entrega de Natal. Então cria-se uma interdependência entre as atividades, umas peças que a gente produz numa festa a gente expõe outro dia e criou uma galeria de arte. A galeria de arte a gente coloca me exposição produtos que a gente customiza também. A galera vai lá e fala: “Pô, a gente queria comprar aquele produto”, a gente fala: “Pô, a gente não vende”, aí a partir disso a gente começa a criar um outro bloco que é a parte da nossa loja, então a nossa loja só com produtos customizados por artistas, produtos de marcas parceiras, então hoje em dia a gente tem uma empresa onde a gente conecta marca-artista e a gente gera experiência que seria a Criadores de Consciência, festa está muito aí no meio. Então hoje em dia eu toco desde evento nosso, a gente coloca ideias nossas em prática, mas a gente tenta criar ideias pra outras pessoas que se diriam concorrentes utilizarem também e transformarem o lugar que a gente vive, em trazer mais alegria pras pessoas e mais possibilidades de que é possível.
P/1 – Então a Inner começou em 2005, é isso?
R – Começou em 2005. Teve aquele trâmite ali dos amigos pararem o que a gente já estava fazendo e a primeira Inner saiu em 2005. Hoje a gente está em 2015, só da festa que nasceu em 2005, que eu não imaginava que ia virar uma empresa a gente está na décima quinta edição. Hoje a gente tem umas oito marcas que participam ativamente e a gente não participa só em um evento pontual e sim ao longo do ano todo. Então ação social, customização, você pega desde uma Red Bull, Sony, a própria Diagil, a gente pega Jansport com mala, pega uma marca de camiseta de um amigo, que é a Voa. Tem bastante coisa que a gente vai atrelando e como a gente conseguir suportá-la e como as marcas conseguir suportarem a gente pra criar ideias. E o mais legal de ver nesses anos todos é que eu estou com 30, então eu conheço uma galera bem mais nova e conheço uma galera bem mais velha. Só que o grosso é o que está vindo agora que é a minha geração. E toda a minha geração vê e sente o fato de eu ter seguido e de eu estar seguindo o que antes eu só chamava de sonho, hoje eu me sinto dentro do sonho que eu tinha. E não por estar dentro ele está acabando, isso só amplifica muito mais. E você consegue trazer mais pessoas pra fazer parte desse sonho porque o meu sonho não é só meu, eu acho que é de muita gente. E essas pessoas estão pegando cargos dentro das empresas ou estão criando coisas e acaba tendo empresa hoje em dia também, além da minha pessoa e eu ser empresa ou estar atrelado com pessoas especiais construindo essa empresa, essas pessoas que estão crescendo dentro das outras empresas, ou crescendo em qualquer atividade que seja, elas acabam tendo a Inner como referência pra chamar pra fazer uma ideia ou pra ter uma ideia, ou pra criar ou co-criar e realizar. Então isso é uma coisa que é o negócio que eu estava falando do tempo, só o tempo ajuda nisso, que é o maior aliado. Pode ser o inimigo também, mas só é inimigo quando você não está exercendo os valores ou sendo ético com você mesmo, né?
P/1 – Essas pessoas que passaram pela Inner estão ramificando essa...
R – Ou nem que passaram pela Inner, são pessoas que veem ou que já ouviram falar e sabem que o que a gente está fazendo nunca mudou, só vai crescendo. Então pega um amigo que hoje em dia imagina que ele está trabalhando numa empresa de papel e ele precisa fazer uma parte pra modernizar uma área da empresa ou pra modernizar a marca em si e eles vão chamar a gente: “Pô, vocês não têm uns artistas que trabalham com papel pra criar uma instalação?”, ou “A gente aqui na empresa de papel tem uma fundação e a gente queria pegar uma parte do dinheiro que vai pro Governo. Se você tiverem um projeto incentivado ou a gente tem um dinheiro de marketing aqui pra criar motivação ou pra simplesmente vocês pegarem e darem uma amplificada na ajuda que vocês dão pros projetos na comunidade”. Mais ou menos nesse aspecto que eu falo, sabe? Então ele abrange tudo, não é só um patrocínio, às vezes é ter uma ideia, é criar uma ideia, ou simplesmente darem energia financeira, o que não deixa de ser uma energia, pra que a gente concretize alguma coisa maior.
P/1 – Agora assim, passo a passo como seria a realização de uma festa? Por exemplo, alguém vai e pede o serviço da Inner, o que você tem que fazer?
R – Tem dois caminhos, um é a gente fazer o passo a passo de criar uma festa com ideia nossa e outra é a gente pegar um briefing de alguma empresa. Então se a gente comparar o como você montar um prato de comida a partir do zero e criar um prato novo porque você acha que aquilo vai ter uma adesão boa e vai alimentar um número de pessoas e elas vão sair bem, ou você cumprir uma receita já pronta que as pessoas já imaginam que você faça bem aquele prato e você só vai praticamente fazer aquele prato. Mas com o seu toque, né? Porque senão seria uma máquina fazendo. Então o passo a passo pra fazer uma festa é, independente se o briefing chegar ou você criar esse briefing é você ter uma ideia do como, por que, aonde, pra quem. Acho que o primordial é você saber o porquê você está fazendo aquilo, o que vai mudar se você fizer aquilo ou não fizer, qual o objetivo daquilo, pra quem é aquilo, o que vai envolver, que pessoas você quer atingir com aquilo, que marcas você precisa pra transformar aquilo em realidade? E aí é seguir o processo. Tem a pré-produção que faz parte disso tudo que eu estou falando. Você tem um time bom, você conseguir fazer o plano financeiro também, que é o planejamento. Um organograma de atividades, um cronograma de atividades. Você ter o antes, o durante e o tão importante quanto realizar é o pós, são as contas finais, é o balanço final de que todo mundo saiu bem alimentado, de que o prato estava realmente bom, de que foi algo saudável, o feedback das pessoas que é a voz do povo é a voz de Deus, né? E como usar o primeiro pra ter o segundo, né? Que sem o primeiro finalizado você nunca vai ter o segundo.
P/1 – Mas questão de vai precisar divulgar a festa e vai ter que alugar o espaço.
R – Faz tudo parte da pré-produção. É escolher o motivo por estar fazendo de acordo com o número de pessoas e o local, de acordo com o local que você precisa colocar lá dentro de estrutura, o que você precisa vender de serviço, o que você precisa ter pra vender. Toda parte, desde a limpeza até a pessoa que vai estar cobrando na porta o ingresso antecipado, como você divulgar, rede social, quem está envolvido, quantas pessoas você atinge, qual o número de pessoas mínimo pra que você não perca dinheiro também. Existe um balanço que eu sempre tive e nunca fui viciado só no dinheiro, e nem sou, tento trabalhar isso, acho que isso é um exercício diário. Mas se você tem uma planilha e não se basear na planilha somente na parte financeira, é você ter uma satisfação financeira e uma satisfação de felicidade de todo mundo que está envolvido, desde a faxineira até o DJ. Isso vale muito dinheiro também. É que as pessoas são muito imediatistas, elas querem sempre o dinheiro. É por isso que uma coisa não dura, porque fica só na plasticidade do dinheiro, aí você não tem o calor de como você gostar de você. Tipo, um abraço não custa nada, mas ele vale mais do que muita coisa que o dinheiro pode comprar. Baseado nisso.
P/1 – É um baita de um trabalho, né?
R – Puta trabalho. É um puta trabalho. É muito trabalho. Mas é muito gratificante você mudar o jeito que a pessoa vê alguma coisa e quebrar paradigma, eu acho que acaba sendo a parte mais legal, né? Não só pela festa, mas o que aquela movimentação inteira causa nas pessoas.
P/1 – E alguém já veio falar pra você: “Pô, André, a festa foi boa, gostei”.
R – Já. Eu acho que isso é a força motriz ou o combustível pra que eu continue tendo instigação, ideias constantemente, sem parar. Que é o feedback das pessoas, que nada mais é do que se você está numa caça ao tesouro, onde o tesouro é o agora e não o tesouro está por vir, você recebeu um monte de pista que você está no caminho certo, sabe? Sabe que nem quando dá arrepio, quando tem alguma pessoa falando isso e ela não está falando por interesse, ela está falando porque veio do coração? Então ter esse feedback é mais do que qualquer coisa, é o combustível pra continuar essa chama, é a lenha na fogueira, né? E o mais legal é você ver as pessoas realmente tocadas, as pessoas querendo ajudar. E as pessoas hoje em dia estão predispostas a ajudar, seja uma ação social, seja uma festa, seja um ideal, seja tudo. Acho que muitas vezes só falta o estalo e poder ajudar a fazer esses estalos é muito legal. Então esses comentários das pessoas é o que ajuda a fazer isso, sabe? É muito mágico, é muito legal receber um feedback legal de que você tocou bem ou o feedback: “A festa estava incrível, a experiência foi maravilhosa, estava tudo lindo”. É muito maravilhoso isso.
P/1 – Agora quais são os maiores problemas que um produtor, um DJ enfrenta?
R – Acho que o problema de ego. Eu acho que qualquer guerra que já teve nesse mundo é ego. Mas se a gente for colocar no lado de produção, de noite, de festa é o ego. Atrelado ao ego tem o lance material, atrelado à festa, se você pegar grande parte dela ainda acontece em ambiente noturno, você vê várias máscaras caírem ou você vê, o tempo ajuda a ver pessoas. Eu acho que o bem é uma árvore e uma árvore pra ser uma árvore já foi uma semente. Então como é que as pessoas são más? Às vezes elas estão no processo de talvez um dia, nessa jornada ou numa próxima, atingir o bem, ou estar mais em harmonia do que ela se encontra, mas no ambiente noturno você vê pessoas, acho que seja uma droga ou seja uma comida, qualquer coisa, ela só intensifica a pessoa, ela não modifica, então ela intensifica justamente o que as pontas vão saindo antes. Se você tem várias coisas em desequilíbrio você tem coisas pontudas pra cima e pra baixo, então elas intensificam, isso é um negócio muito curioso. O maior problema eu acho que é o ego. Aí você tem problemas corriqueiros, né? Você tem problemas de lei, você tem problemas de lugar que está inserido numa cidade, lugar que você gostaria de fazer não pode ter festa, que outros já fizeram lá e destruíram o lugar, ou não pode mais porque agora tem uma área residencial e tem um problema de barulho. Ou você tem problema de órgãos que você tem que pagar e a conta fica muito alta, imposto. Aluguel de um espaço muito caro, convite que você quer cobrar não é tão caro quanto o aluguel, mas aí a conta mais ou menos não fecha e você gostaria de cobrar menos das pessoas porque você acha que é inviável você ficar enfiando a faca no bolso de cada um, então você tem vários problemas que surgem que são parte do negócio.
P/1 – E você tem algum caso que você se lembra de acontecer alguma coisa muito, pro bem ou pro mal, especial, em alguma festa?
R – Acho que se pegar cada festa dá pra analisar cada movimentação e cada uma vai ter um caso específico bom e ruim. Que é muito bom ter isso, né? Mas ó, tem desde algo que a gente não controla, que é chuva. Então às vezes você está preparando um negócio que você conta com a chuva, mas não se espera que não chova, mas a gente em algum momento das últimas décadas achou que a gente poderia controlar a natureza, mas a gente não controla, quem controla é a natureza, a gente é controlado por ela, então isso é um negócio que não está nem em questão. Mas o fator chuva de você ter que movimentar e mudar todo um processo que já estava sendo falado há dois meses por ter que colocar uma cobertura e a cobertura naquele espaço vai deixar mais feio, então você precisa gastar mais em decoração pra deixar aquela cobertura melhor. Ou você ter alguém ou algum tipo de fiscalização, ou pra você conseguir ter aquilo pronto, ter que gastar um pouco a mais ou você achar que ia um número de pessoas naquela movimentação e não ter atingido, ou o contrário também, a gente já passou pelos dois, ter mais pessoas do que o lugar suporta. Você ser obrigado a ceder algumas coisas porque ou você assinou aquele contrato x ou você lidar com pessoas que estão em outra frequência, mas que você acabou contratando e no fim das contas você tem que fazer jus ao que você falou, né? Mas é, desde coisas da natureza até trânsito. A gente teve uma vez, lembra em São Paulo quando estava tendo as manifestações?
P/1 – Sim.
R – Então, teve uma que foi muito próxima ao local que a gente ia fazer uma festa. E isso muda tudo também, né? O cara não quer sair de casa, é difícil, mas no fim dá tudo certo. Mas são surpresas que acontecem, essas surpresas são bem malucas. O que mais tem? Acho que é isso aí, talvez no começo de não ter de, você querer fazer algo a mais e melhor pra todo mundo e acabar esquecendo o lado financeiro propriamente dito, que é o que eu fiz na primeira, queria
criar um sonho e cobrar nada das pessoas, então não tinha um retorno, um balanço. Mas isso é vivendo e aprendendo, que é a parte legal também.
P/1 – E como é que você chegou lá no projeto social do Capão Redondo?
R – Com essa parte de induzir as pessoas a doarem eu acabei sempre pegando essas doações e indo doar para um hospital, uma entidade, pra não sei o quê e aí eu comecei a ter vontade de fazer algo a mais, então criar esse braço social, um braço social pra botar a mão na massa. Eu sempre acreditei em que você fazendo e você estando presente ou você fazendo pelo menos uma parte daquilo é muito mais legal do que você só simplesmente falar: “Não, isso vai pra lá, isso vai pra cá” e você ficar sentado ali. Quando você participa ativamente e fisicamente de uma coisa fica muito mais fácil depois de você explicar e de você poder trazer mais pessoas pro time, então isso aconteceu e aconteceu com inúmeras coisas, não só com a parte social. E aí você vai conhecendo uma pessoa, conhecendo outra, algum projeto que você se identifica mais e baseado nisso que eu estava falando é o fato de você não querer mais simplesmente entregar livros, que eu já estava fazendo isso. Não queria mais entregar roupa. É saber pra quem vai a roupa. Você ver essas pessoas crescendo, você vê o por que você está ajudando e começar a enxergar num prazo um pouco maior, de melhoria. Não só a felicidade do momento da pessoa estar recebendo e você se satisfazer, é agora criar projetos a mais, como modificar a vida daquelas pessoas que estão sendo ajudadas, sabe? Acho que está aí o grande X da questão porque você consegue acompanhar e no fim das contas acompanhando ou estando um pouco mais perto, com esse calor humano você consegue ter mais ideias, que seria uma ideia a respeito disso nunca viria com eu sentado num ar condicionado numa cadeira atrás de uma mesa, pesquisando coisas na internet.
P/1 – Agora as festas que você promove pela empresa e tal, vocês se preocupam com a questão da sustentabilidade da festa?
R – Desde a primeira, assim como a ajuda social.
P/1 – Porque causa impacto, né?
R – É. Como eu fiz faculdade de Design isso ajudou bastante, mas desde os primórdios ou desde a minha educação e tal a gente criou um lema que é reaproveitamento, reinvenção e ampliação da vida útil de tudo o que a gente consiga, seja a produção de um flyer, que hoje em dia nem existe mais, mas era o convite em papel que a gente fazia em pano, até as estruturas que a gente usa internamente na festa e até chegar num ponto que em 2008 a gente conseguiu reciclar quase 100% dos resíduos. E a gente faz isso até hoje, a gente vai fazer cada vez mais. Desde pegar algum resíduo e fazer instalação artística até simplesmente doar pras cooperativas, hoje em dia tem cooperativas que a gente trabalha em conjunto. Então qualquer tipo de resíduo a gente reutiliza praticamente 100%. E por que todo mundo não faz? Porque custa. Só decide não fazer quem está simplesmente ligado à parte financeira somente, quem está ligado à felicidade de todo mundo que está envolvido, que é a vida em si, acaba gastando pra fazer. Você não está gastando, você está investindo. Mas vai fazer um cara desses entender, que é um cara que só visa o lucro.
P/1 – Acaba sendo um atrativo pra festa também nessa questão ou não?
R – Eu acho que pra atmosfera sim. Que é aquele negócio que o dinheiro não compra, que já está intrínseco no ambiente, isso contribui muito. Agora um atrativo, também pode ser um atrativo pras pessoas e tal, mas não é esse o ponto, não é feito por causa disso. Eu acho que o atrativo está muito mais no invisível do que no visível, sabe? Pode ser atrativo até pra uma marca, que é aquele assunto de: “Ah não, eles trabalham sustentabilidade”. Não devia nem ser algo a ser discutido na verdade, devia ser uma lei natural. Ainda mais hoje em dia. Mas o bom é que a gente faz, a gente faz de coração e faz cada vez mais. E quer fazer cada vez mais, não só pra gente como pra todas as outras pessoas ao redor que possam tirar alguma dúvida ou pegar alguma coisa que a gente já faz e não precisar enfrentar os mesmos problemas que a gente já enfrentou e simplesmente fazer mais, sabe? Mais sustentabilidade, ajuda social, esse link com o artista em criar uma ideia legal e transformar, colocar em prática, construir um evento do zero é a nossa principal habilidade. E o bom é que todos esses ambientes só estimulam a minha parte artística que é a criatividade, não só pra ter ideia para um evento mas a criatividade na parte como DJ mesmo, sabe? Então as viagens, o jeito que eu vejo as coisas, isso não me faz ser apenas um DJ ou ser apenas um produtor, ou ser apenas uma pessoa, você tem tantas características, diferentes universos que você fica uma pessoa mais multi, sabe?
P/1 – E que viagens você fez e que mais te tocaram?
R – Ah, essa última pro Burning Man agora que é um festival nos Estados Unidos no meio do deserto, são sete ou dez dias lá no meio do deserto, são 70 mil pessoas, é uma cidade. Você não encosta no dinheiro, você cuida do seu próprio lixo, você cuida da sua própria comida. Tem 300 instalações artísticas espalhadas por esse deserto. Tem muito amor, as pessoas estão aptas a exercer e muita coisa que eu falei aqui eu constatei lá também, eu tive a comprovação do que eu já venho tendo ao longo desses anos, mas é de servir e compartilhar, que resulta em conviver. E quando você compartilha e você convive você já está amando por natureza, né? Então é isso, foi uma das principais viagens, a gente levou a primeira instalação artística pro Burning Man, a gente criou um coletivo aqui que chama Brazilian Burners, que são pessoas com o mesmo ideal, pessoas que queriam fazer isso e a gente acabou conseguindo montar um projeto e colaborativamente a gente conseguiu o montante financeiro pra realizar isso, conseguimos. Até a nossa viagem saiu no Profissão Repórter da Globo três semanas atrás, isso foi muito legal também. As viagens que eu faço pra fora vai desde todo ano pra Ibiza pra tocar, então estou em contato com a meca das baladas, então já fui umas oito vezes pra lá, é sempre no verão e aí você tem mais ideias. O momento da viagem em si acontecendo é tão importante quanto o momento que você tem sozinho no avião ou os momentos sozinhos no aeroporto ou no caminho ou lá mesmo, mesmo não estando tocando, mas simplesmente tendo a sensação de que você está fazendo alguma coisa e o que te levou, o que te trouxe até aquele dado momento, então isso instiga, isso faz você criar mais e querer fazer mais coisas. E não só por você como pro todo, que eu nunca conseguiria fazer essas viagens também e não ter pessoas aqui com o mesmo entendimento cuidando do mesmo sonho e ajudando a construir ele, que nada se faz sozinho. E aí nisso a viagem fica mais especial ainda, tem o gosto de gratidão, de agradecimento por tudo que tem acontecido e por tudo o que vai acontecer.
P/1 – Como é que foi a festa na semana passada?
R – Foi bem legal. Teve o fator chuva, por isso que eu falei como primeiro momento. Caiu um pé d’água às nove da noite. Você lembra na sexta passada?
P/1 – Lembro.
R – Que estava ensaiando ia chover três dias, a gente precisava ter decidido colocar o teto na quarta e aí estava a grande incógnita que não chovia, não chovia, não chovia. Vamos colocar, não vamos colocar o teto. Colocou o teto. Beleza, vamos colocar o teto. E aí nove da noite choveu, que é a hora que a gente começa a festa, que a gente induz todo mundo a ir mais cedo, não sei o quê e caiu um monstro de água, né? E aí foi uma loucura porque tudo muda daí, as pessoas que vão, as pessoas que já queriam isso como uma desculpa pra não sair de casa ou pra não ter obrigação. As pessoas que demoram um pouco mais, o trânsito, a árvore, a enxurrada, a água, a produção lá no dia, na hora que a gente não sabe como lidar e se lidar e o que acontece. E aí é uma experiência totalmente nova e foi incrível do mesmo jeito porque gerou esse tipo de experiência, criou um teste a mais pra ver se algo funcionava ou não funcionava e tudo funcionou, na medida do possível, extremamente bem. E aí foi muito legal a festa. E o mais legal foram os elogios de amigos que já convivem, que às vezes são críticos e a maioria dessas pessoas, todos os comentários ou a maioria deles não foi pra, como seria uma palavra diferente? De lamber o saco, não é de ficar...
P/1 – Bajular?
R – É. De ficar bajulando, mas sim de comentários reais de como a atmosfera estava incrível, como a festa estava linda, o momento, como a experiência foi maravilhosa, inesquecível, sabe? E é bom que tem muitas pessoas que hoje em dia fazem parte e entendem o carinho que a gente tem, que não é só o fato da festa ali, é tudo o que a gente faz no semestre ou no ano que resulta na festa e não o contrário, sabe? E aí foi muito especial sexta passada. Foi a décima quinta, dez anos. Uma marca, dez anos, uma festa dez anos não é pouco tempo, né? E ter criado a partir de uma semente tudo o que está sendo criado é ainda mais maravilhoso, que as pessoas veem e sente isso e querem ajudar e querem fazer parte, elas são parte, então isso é muito legal.
P/1 – E agora, quais são seus sonhos pro futuro, André?
R – É a continuação de tudo isso. É continuação de tudo isso pra poder expandir, transformar a Inner como festa no que ela já vem sendo transformada e numa espécie de circo pra poder ir pra outras cidades, até instigar os artistas daquela cidade que a gente está indo. Eu tenho uma vontade agora, estou colocando em prática, de fazer umas viagens para vários festivais que eu já faço mas tocando e transformando num programa pra mais pessoas terem acesso a essa felicidade e possibilidade. A gente levar outra instalação pro Burning Man, eu plantar a semente do Burning Man cada vez mais aqui no Brasil, que esse espírito de convivência em como uma cidade pode sobreviver com amor e sem dinheiro e com pessoas, cada um com suas habilidades, fazer num lugar agradável, harmônico, com equilíbrio. Conectar cada vez mais artistas, fazer cada vez mais marcas também se preocuparam como todo e não só com o lucro delas em si e não fazer simplesmente fachadas. E continuar agregando cada vez mais pessoas, cada um na sua atividade, mas fazendo do mundo um mundo melhor, esse é o meu maior sonho, é que todo mundo fique mais em paz. E pra você estar em paz você precisa ter equilíbrio. E pra ter equilíbrio você precisa balancear as atividades, tanto internas quanto externas. E aí é isso aí, são meus sonhos, eles não mudaram muito, eles só aumentam de tamanho. Não por ser maior ele é melhor, não, é porque conforme você vai conquistando algumas coisas você vai abrangendo mais. E a responsabilidade aumenta só que o prazer também, de estar contribuindo pro todo e não só pro próprio umbigo, né?
P/1 – E na vida de relação, você pensa em se casar ou algum dia ter filho?
R – Ah, com certeza, com certeza. Às vezes eu falo que não, brincando, mas eu quero. Só que eu só não quero ter tempo pra isso, sempre fui contra o tempo que a sociedade impõe, o tempo de ir pra faculdade, o tempo de você fazer um certo dinheiro antes dos 30 e hoje em dia eu sou muito mais feliz tendo feito um certo dinheiro que eu queria fazer ou que me falavam pra fazer, só que vendo ele compartilhado por muito mais gente do que a minha conta bancária. Mas eu penso em ter filho, eu penso... ah, penso em tudo. Mas eu não sei quando e como, eu nem quero saber. Mas lógico que tudo tem um planejamento, mas se eu tenho 30 anos eu acho que eu não vou ter filho antes dos 35. Justamente por tudo isso que eu estou fazendo, pelas escolhas que eu fiz que hoje em dia eu tenho muito mais filho do que o meu próprio filho, entendeu? Pessoas que dependem de mim indiretamente, mas que não deixa de ser uma dependência, uma dependência saudável, que eu também dependo. E gera um equilíbrio isso, né? Mas eu imagino ter uma família, lógico. Já tenho uma família enorme, mas a família, família propriamente dita eu acho que também (risos).
P/1 – Agora como é que está a sua família hoje? Seu irmão, sua mãe e seus pais.
R – Meu irmão acabou de casar, acho que vai ter filho em breve. Meu primo acabou de casar, vai ter filho agora em dezembro. Minha prima casou faz uns anos, já tem dois filhos e vai separar. Meu pai está com uma namorada, minha mãe está solteira. Tem primos novos nascendo, sobrinhos, tio do amigo do vizinho, acho que tudo está como sempre foi, onde cada família tem sua história maluca e bonita ao mesmo tempo, já era. Cada um no seu caminho, né?
P/1 – Tá certo. Você gosta de criança nesse ambiente?
R – Adoro criança. Gosto muito de criança. Mas gosto de idoso também, gosto de tudo (risos). Mas gosto bastante de criança, criança é a semente de esperança, né? E é isso.
P/1 – Tá certo. Como é que foi contar a sua história?
R – Como foi?
P/1 – Sim.
R – Eu acho que é mágico contar uma história, né? Ainda mais quando você se orgulha da história. Então é legal contar alguma coisa que no fim das contas dependeu muito mais de você do que dos outros. E naturalmente quando depende de você e você segue uma conduta, ela acaba criando interdependência com os outros, só que de uma maneira saudável. Então é legal contar isso. E não é nem a primeira vez e nem a última, então eu já estou... como eu não tenho essa divisão entre trabalho e vida pessoal eu falo ela tanto com um amigo ou tanto numa reunião com marca, cada um em algum bloco, eu acho que não é
essa linha do tempo inteira. Então fica legal porque quanto mais eu falo mais eu entendo, quanto mais eu entendo mais eu quero fazer, mais eu quero mostrar que é possível a gente seguir o que está dentro e não simplesmente obrigações que vêm de fora. Por isso que fica mágico falar sobre a história (risos). E é isso.
P/1 – Tá certo. Obrigado, André, foi ótimo.
R – De nada. Valeu.
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