A escola eu não consegui acabar. Parei porque optei.Para poder ajudar em casa. Todo dia eu tinha que sairpara o mato para derrubar um pau para fazer banco para a gente vender. Então colocar numa canoa e sair vendendonas comunidades, trocando por farinha. Essa farinha a gentepegava no fi m de seman...Continuar leitura
resumo
Gerdeonor nos conta a história de seus avós, de seus pais e de sua infância atribulada, em que teve de ajudar na casa desde muito cedo. Além disso, sabemos sobre o passado de Juruti e Juruti Velho - PA e sobre o casamento de Gerdeonor, marcado pelas disputas políticas do Pará. O depoente nos fala sobre seu sonho em seguir a carreira de advogado e como isso o influenciou a participar dos movimentos sociais em Juruti e na região. A partir daí, vemos como Gerdeonor viveu a militância política pelo PT em favor da comunidade e contra a ação de grandes empresas interessadas na região.
história
Gerdeonor Pereira dos Santos
legenda: Gerdeonor Pereira dos Santos
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Entrevistado por Tiago Majolo
Depoimento Gerdeonor Pereira dos Santos
Local Juruti. Distrito de Muirapinima, 24/04/2010
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MB_HV117
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Gustavo
Tags: raízes familiares, cemitério, espírito, Juriti ...Continuar leitura
Entrevistado por Tiago Majolo
Depoimento Gerdeonor Pereira dos Santos
Local Juruti. Distrito de Muirapinima, 24/04/2010
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MB_HV117
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Gustavo
Tags: raízes familiares, cemitério, espírito, Juriti – PA, familia, subsistência, trabalho na infância, Vila Muirapinima, sonho, Direito, consciência política, eleições, PT, política, casamento, conflito, movimento social, ACORJUVE, Alcoa (mineradora), preservação ambiental
P – Primeira coisa eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Eu sou Gerdeonor Pereira dos Santos, sou nascido em 1973, tenho 38 anos,
Moro aqui no Distrito Vila Muirapinima,
segunda maior cidade depois de Juriti.
P – Queria que você falasse, Gerdeonor, dos seus pais um pouco. O nome e a atividade deles.
R – Eu sou filho de Maria Madalena Pereira, e de Clarival dos Santos, também moradores que nasceram e que vivem aqui. Quer dizer, minha mãe que ainda vive, meu pai já morreu o ano passado, e somos descendentes dos índios Mundurucus, que viveram aqui há 800 anos. Então hoje eles estão no Alto Tapajós perto de Santarém, entre Santarém e Itaituba, e somos descendentes deles.
P – E os avós, você conheceu? Você conhece?
R – Os avós conheci. Minha avó que o nome dela era Hosana dos Santos e meu avô que era Raimundo Hipólito, que era o mais, assim, que tinha característica mais indígena do que nós hoje. Então cada um, a minha avó viveu até os 70 anos, o meu avô até 82 e já morreram também, mas tinham mais o sangue índio mesmo do que nós que já somos, já mais aqui na frente. Eu tenho orgulho de ser descendente dos Mundurucus, que viveram aqui, aqui onde a gente está é a primeira capela deles que fizeram nesse local aqui.
P – E seus avós contavam histórias, era uma coisa que contavam para eles já ou eles não sabiam mais de nada?
R – Sim, eles contavam para a gente que na época que eles viveram aqui, desde 1818, quando eles nasceram aqui numa cidade, numa cabeceira chamada Escoró, cabeceira do Machado que está a dois quilômetros daqui. E contavam a história deles, quando nasceram lá com os pais deles. E viveram lá e depois vieram para cá, que é a Vila Muirapinima, onde a gente está. E contavam muita história da cabanagem quando aconteceu, de uma epidemia que aconteceu aqui que matava muita gente. Segundo meus avós, que ele era dessa época, que quando eles traziam dois para serem enterrados no cemitério que tem aqui, quando eles voltavam já tinham mais dois mortos lá, que foi uma febre que até hoje a gente nunca descobriu como era o nome, foi uma febre, uma epidemia muito grande que matou muita gente aqui na região. Eles contavam para a gente, que esse fato aconteceu aqui na região. E que tinham as pessoas que já não conseguiam mais trazer para o cemitério, eram enterradas lá pelo terreiro – que a gente chama – na cabeceira. E que hoje até um certo tempo isso aqui era cheio de visão, de visage, que a gente chama, pelo fato de muita gente ser enterrado fora do cemitério. A gente estima hoje que no cemitério que a gente tem, tem gente enterrada uma por cima da outra porque não teve espaço. Morreu muita gente. E também logo depois disso, ou antes, eles contavam da época dos cabana, que tomaram poder na força da arma. E eles contavam para a gente que eles tinham que correr para o mato para se esconder, porque o pessoal vinha mesmo, e quem não queria ir com a tropa era morto na hora. E aí eles tinham que cavar buraco na terra lá dentro da floresta, para fazer fogo, para a fumaça não sair para cima para ninguém descobrir aonde eles estavam, então sofreram muito para não serem mortos e também não irem junto,
porque era um processo muito doloroso porque dizimava a família, e viveram isso, e isso eles contavam para a gente e passavam para a gente já agora antes de morrerem. Muita história, história da época que não tinha canoa, por exemplo, não tinha barco, eles remavam daqui para Álvares, no remo, para comprar açúcar, café lá em Álvares. Daqui de Juriti Velho lá em Álvares, passavam semanas, baixando e semana subindo para Álvares. E contavam esses fatos que eles viveram, de que até certo tempo eles diziam que, hoje já está mais avançado, hoje já tem motor, hoje já tem rabeta. Eu consegui ainda ir para Juriti remando de canoa, eu mesmo com eles. Já achei muito longe, né? Remando com um remo na canoa. Imagine daqui para Álvares. Esses fatos que eles viveram eles passavam e contavam para a gente aqui no Juriti Velho.
P – Mas você foi muito remando ou foi uma vez?
R – Não, fui duas vezes só com eles, que me convidaram para ir daqui, a primeira vez que ele se aposentou, quando ele se aposentou, que há 20 anos atrás aqui se aposentar significava acertar na loteria, que era uma ajuda do governo, e quando chegou a cartinha verde dizendo que estava aposentado no outro mês ele foi receber, e como não tinha barco nós tivemos que ir de canoa. Eu, ele, a esposa dele e outra filha dele, chamada Doraci. E são dois dias daqui para lá remando, até Juriti. A gente foi lá e voltou. Eu fiquei imaginando daqui para Álvares, Santarém, Terra Santa, Parintins. É longe.
P – E dorme aonde?
R – Dorme na beirada, né? Porque tem casa. Casa de comunitários, aí lá onde anoitece pede agasalho. E na época que eu fui a gente levou malhadeira, caniço, porque aí ia pescando também. Tanto na baixada quanto na subida.
P – E seus pais, como era a convivência com eles? Você falou um pouco dos seus avós, agora fala um pouco dos seus pais.
R – Bom, meus pais já são mais novos. Minha mãe hoje tem 48 anos. Não sentiram mais esse fato que os meus avós sentiram, mas a vida deles também aqui foi de muita, muita luta, trabalhando na roça. Porque aqui a produção e a cultura maior, que é 80%, é mandioca, e meu pai sempre foi trabalhador rural, trabalhou na agricultura familiar plantando roça. Então a mamãe eu acho que em 80, quando eles se mudaram para a ilha, Ilha do Chaves- fica do outro lado do Amazonas- para plantar, ajudar o irmão dela a colher juta. Mas passaram lá quatro anos mais ou menos, depois voltaram para cá, de novo, para continuar na agricultura que era plantar roça. E meu pai era carpinteiro também. Aqui nessa comunidade muitas casas que tem hoje construídas de madeira são obra dele. E passou para nós, para mim e para os outros irmãos que eu tenho, que nós somos 12, né? Eu sou já o terceiro. Os dois mais velhos que eu já morreram, e passou para nós muita coisa. Ser forte, não se deixar abater por qualquer coisa, ser honesto, ser sincero com as pessoas como amigo e lutar pela melhoria da qualidade de vida de cada um. Ser solidário com todo mundo. E isso ele ensinou, e a mamãe até hoje ensina que a gente tem que ter essa forma, esse caminho.
P – Seu pai faleceu do quê?
R – Meu pai faleceu o ano passado, aliás, ano retrasado. Como ele também gostava muito de uma birita e fumava muito ele teve problema de coração. Nós conseguimos encaminhar ele para Manaus, porque ele tem uma irmã lá. E a história do meu pai antes dele morrer é assim muito dolorida, porque ele sofreu muito porque precisou de um transplante de coração. Ele passou lá em Manaus um ano esperando, e teve muita sorte, porque depois de um ano ele lá na casa de minha tia em Manaus esperando, estava na fila e conseguiu de São Paulo um transplante. Como estava vindo para Manaus lá para o Hospital Beneficência Portuguesa uma equipe de São Paulo para fazer esse trabalho, o meu pai estava na lista para isso. Teve que trocar, fazer um transplante de coração. Mas a parte mais dolorida mesmo foi quando eu, que sou o filho mais velho fui chamado para ir para Manaus para assinar um documento de responsabilidade para poder os médicos operarem, porque segundo os médicos ele não tinha condição mais de agüentar a operação. Aí outro meu irmão, chamado Genildo, que estava com ele lá e a minha tia disseram para os médicos que eles não tinham coragem de assinar o papel para poder os médicos... Porque os médicos diziam que ele ia morrer na operação. Já estava muito fraco. E eu fui daqui como filho mais velho para representar meus outros que estavam aqui. Mas assim, eu passei a noite, uma noite inteira pensando para ver se assinava ou se não assinava. Porque se eu assinasse e ele morresse? Eu me sentiria muito culpado de: “Pô, eu assinei a própria morte do meu pai.”, uma coisa assim. Certo é que de madrugada eu resolvi dizer para a minha tia que ia assinar, e assinei mesmo. Dois dias depois meu pai foi operado e conseguiu resistir, transplante. Ficou lá recuperando, depois veio para cá e ainda viveu aqui um ano e meio com o transplante. E um belo dia lá em casa ele trabalhando, plainando o pau para fazer banco, esse que a gente senta, ele sofreu um enfarto. Caiu lá e quando o pessoal correu para acudir cortou a voz. E aí levaram para Juriti. Três dias depois no hospital de Juriti ele veio a falecer. Então assim, ele morreu por problema de coração, já com o transplante, mas ensinou para a gente que ser forte é muito bom. Isso a gente herdou dele.
P – E os irmãos, como é que era a convivência quando você era pequeno?
R – Bom, os irmãos a gente, eu, os outros, né, que entre os dois que já disse que também morreram, eu sou o mais velho. Mas foi difícil. assim, porque com 12 anos eu já tinha que ajudar meu pai a sustentar... (chora)
P – Quer dar uma paradinha?
R – Sim. Dizer para os meus colegas hoje. Mas assim, eu não soube o que foi infância, nem adolescência, nem juventude. Como hoje eu tenho quatro filhos, estou separado mas todos eles souberam o que foi infância, adolescência e juventude. A mais velha tem 16 anos, a outra tem 13 e último tem nove. Mas eu na época do meu pai, eu e muitos, outros colegas também não souberam o que foi isso. Porque quando eu tinha 12 anos eu já tinha que ajudar o papai a sustentar a casa, e aí todo dia eu tinha que sair para o mato para derrubar um pau chamado marupá, partir ele, igual quando se parte lenha para fazer fogo, e depois esquadrejar com terçado assim, fazer ele quadrado para torar com a serra de 22 centímetros. Depois plainar com plaina manual para fazer banco para a gente vender. E aí como o meu pai era carpinteiro ele me ensinou a fazer, com 12 anos eu já sabia fazer banco, o mocho que a gente senta. Então essa responsabilidade caberia a eu fazer, por semana 40 bancos desses. Colocar numa canoa e sair vendendo nas comunidades, trocando por farinha. Essa farinha a gente pegava no final de semana, no sábado e vendia no comércio, trocava por mercadoria. Então eu costumo dizer que eu não tive a infância, a adolescência que meus filhos tem hoje. Que é uma liberdade total. Eu tenho quatro filhos hoje mas tudo que eu faço é para vestir, educar, sem qualquer problema, sem estar tendo dificuldade de que tem que ajudar a família. A minha filha tem 16 anos e ainda não soube o que foi, por exemplo, carregar um paneiro de mandioca, coisa assim, para se preocupar. Eu diria que nem sabe quanto custa um quilo de açúcar. Porque dorme até nove horas da manhã, tem de chamar para ir para a escola a tarde. Eu não soube o que foi isso. E os outros meus irmãos também, né? O papai era assim, era muito bom na flecha, que fez 12 filhos aí(risos). E era um assim atrás do outro. Eu sou o mais velho, dois anos depois vem outro e assim...então eu tinha uma irmã chamada Idalena, que mora em Manaus, que não cresceu mais de um metro e meio, de tanto carregar a criançada, que aí papai e mamãe davam a responsabilidade para vigiar os menores. Mas assim o meu irmão conseguiu se formar professor aqui na comunidade. O outro também conseguiu se formar professor. Uma também. Então são três que têm uma formatura de professor. Eu não consegui, parei porque eu optei. Eu não sei, assim, juntar as duas coisas: ou eu faço ou eu não faço, mas eu não sei fazer duas coisas ao mesmo tempo. Eu fiz até a oitava série, e o outro irmão mais criança que eu tenho, 19 anos, está estudando ainda. Então aí na época foi difícil. Porque não tinha trabalho, só era roça. E a gente, principalmente meu pai, ele era assim meio carrasco, não gostava que a gente estivesse na rua, não gostava que a gente estivesse na casa do vizinho. Tinha que procurar fazer alguma coisa. E na época não tinha escola. Quando eu completei a quinta série o papai não teve condições de me mandar para fora, eu tive que ficar aqui, e com 17 anos eu formei uma família aqui, aqui na comunidade. Então eu me juntei com uma moça chamada Selma, e aí até o ano passado a gente estava junto.
P – Eu quero entender um pouco, voltar um pouquinho ainda. Você disse essa coisa de não ter infância, mas com seus irmãos era boa a convivência, não era boa? Como é que funcionava dentro de casa a rotina?
R – A convivência entre nós era muito boa. Porque meu pai tinha muita disciplina, ele não gostava que a gente brigasse. Então aquele jeito dele dizer: “Olha, se você brigar você vai apanhar, fazia com que a gente não brigasse.” Fazia com que a gente fosse solidário entre os irmãos, e até hoje, fora disso, a gente é muito solidário com o nosso povo. Então essa convivência entre nós era muito boa. Só não era bom isso, porque o papai e a mamãe nunca tiveram uma conversa para não construir muito os filhos. Então não dava tempo para o outro. Quando já tinha um no braço a mamãe já estava grávida. Então dificultava, eu acho, o crescimento dos outros irmãos. Então eu, por exemplo, que sou o mais velho com 12 anos eu tinha que dar conta de alguma coisa lá com eles, que ele saía para a roça, ia pescar, tudo mais. A convivência entre nós, irmão com irmão, muito boa. Até porque o meu pai era muito severo mesmo.
P – E como era Juriti Velho, a Vila Muirapinima na sua infância?
R – A Vila Muirapinima na minha infância não tinha o que tem hoje. Não tinha esse calçadão que tem hoje, não tinha essas ruas com calçamento que tem hoje, não tinha um bairro novo que tem ali pra trás, não tinha energia, tinha ainda era lamparina, que a gente chama, que é diesel colocado dentro de uma lata, é feito um (murrão?) com pavio. E a gente usava na casa da gente. Não tinha televisão, não tinha internet, não tinha computador, não tinha nada. Várias ruas que eram mato alto, só o caminho mesmo. Tem um bairro aqui que chama Urubuzal, por causa que tinha uma grande seringueira e os urubus dormiam lá. Aí chamaram Bairro do Urubuzal. Aquela rua lá em baixo a gente tinha que passar por baixo de um grande cacoal, que tinha de uma família lá, não tinha rua. Não tinham as casas que se tem hoje, eram poucas casas. Você não tinha ainda essa igreja, era diferente, ela era menor. Então tinha pouca coisa aqui na Vila Muirapinima. Na região não tinha comunidades ainda. Hoje tem várias comunidades que foram fundadas já. De 2000, de 70 para cá, enfim.
P – Quando você era pequeno você tinha um sonho de infância: “Eu quero ser quando crescer tal coisa.” Tinha isso?
R – Sim.
P – O que é que era?
R – Bom, quando eu comecei a estudar, a minha história de luta é meio complicada. Deixa eu contar ela. Mas assim quando eu comecei a estudar, que vim a primeira vez para o colégio, vim para a escola – que a gente não tinha esses colégios que a gente tem hoje a mais. Já melhorou um pouco, que também não era colégio, era um barracão de uma parede assim de tábua, não tinha cadeira, era sentado no pedaço de pau serrado, e a professora lá e uma lousa, que não é essa lousa ainda que tem que você escreve com pincel. E tem uma que se escreve aqui ainda com giz. Era uma, seis tábuas pregadas num pedaço de ripa. E a professora escrevia lá e a gente...O sonho sempre que eu tive foi me formar em Direito, e dizia que eu ia estudar para ser um advogado, mas não consegui porque eu parei na oitava série. Fiz ainda um curso lá em Álvares, de Direito, mas não consegui porque com 17 anos eu formei uma família. E aí apareceram os filhos eu tive que dizer: “Não, eu tenho que parar.” Foi a idéia: “Tenho que parar agora para esses quatro filhos estudarem.” E a Selma também na época estava estudando, ainda está estudando, mas a vontade mesmo era me formar em Direito e se tornar um advogado, e sempre pensando em ficar aqui. Nunca pensei em sair fora daqui. Porque já aí nos 12 anos, 15 anos, quando eu completei 16 eu já criei uma idéia de que alguém daqui tinha que lutar por aqui, e a gente tem filhos daqui que é advogado, que é médico, mas estão todos fora, ninguém quer vir para cá.
P – Como é que surgiu essa consciência? Você sabe da onde que ela veio, da onde que surge?
R – Olha, assim, eu acho que foi divino, a divindade. Porque às vezes eu, para quem conhece a minha história aqui acha que eu fui uma pessoa convertida, porque olha só a minha história. Depois eu cresci, né? Meus pais eram muito PMDB, que aqui na região o que se tem é PT e PMDB, são os dois partidos mais fortes. Hoje o PT aqui é maioria, 60% é petista aqui na região. Meus pais eram muito do PMDB e como eu vivi lá com eles eu também coloquei na cabeça que eu tinha que ser do PMDB. E aos 12, 15 anos eu já militava como peemedebista. Dizendo que o Jáder Barbalho era um bom candidato, que não sei o quê. Fazendo isso que a gente faz aqui, e aí eu comecei a fazer isso. Só que eu nunca tinha saído daqui da vila. Mas a igreja, os outros Beirão e já estavam aqui. E sempre mandavam pessoas para fora para fazer curso: “Fé e Política” e tudo mais. Então eu era muito peemedebista. Um belo dia eu cheguei a carregar um ex-prefeito chamado Isaías Batista. Em 88 quando ele ganhou de um outro candidato do PT chamado Expedito Repolho, eu e meu pai fizemos uma cadeirona de madeira, pintamos toda de PMDB...
P – Repolho era petista?
R – Era petista. E aí quando uma lancha levaram lá na boca, nós saímos na carreira de lá para carregar o prefeito. Essa praia aí ela dá, mais ou menos, 500 metros de praia, do cais para a beira. O cara nem pisou na areia. E nós carregamos, deixamos ele bem – tinha duas mangueiras aqui que não tem mais hoje – mas mesmo eu sendo do PT, eu sendo do PMDB, eu fazia trabalho de fiscal para o PT. Mas o meu trabalho era muito sério, mesmo eu votando no candidato do PMDB. Aí o pessoal do PT me chamava: “Pô, Gé, tu não quer ser fiscal na eleição nossa aqui do PT?” “Eu vou.” E comprava briga no dia das eleições com peemedebista. De, assim, de fazer o meu papel de fiscal, fiscalizar a eleição lá na urna. Então aí quando foi um belo dia eu, aqui na igreja, a irmã abrindo me chamou. Ou antes disso, eu, o senhor aqui chamado Beirão, pô, eu briguei muito com ele. Porque lá eu acho que em 75 por aí, ou 78, eu não estou lembrado agora, 75 chegou a primeira televisão aqui. Que o prefeito Isaías, ele governou esse município 12 anos, o Isaías Batista. Essa região todinha aqui era peemedebista. Ele chamava “curral eleitoral” dele, e a gente não tem muita noção: “Tá, nós somos, é curral dele, então, né?” Ele falava isso quando vinha aqui. E eu estava aí a irmã, um dia chegou a primeira televisão: “Rainha da Sucata” a novela que estava aí. E todos nós baixávamos lá para a sede para assistir a “Rainha da Sucata.” Lá enchia de gente assistindo a “Rainha da Sucata.” Veio aqui, porque aqui é muito, muito católico. Aí veio a Semana Santa. sexta-feira da Paixão eu estava lá, tinha mais gente lá do que aqui na capela. Tinha mais gente na “Rainha da Sucata” do que aqui na igreja. Pô, aí o Beirão, ele está até aqui, ele foi lá pedir para desligarem a televisão para o pessoal vir para a igreja. Eu disse para ele: “Olha, Beirão, quem reza, reza. E quem assiste televisão assiste.” Nós teimamos lá, ele veio embora e não desligamos a televisão. Passado um mês depois eu vim na igreja, terminou a missa aí a irmã me chamou. Ela perguntou para mim se eu não queria coordenar um grupo de famílias aqui. Eu também sempre fui disposto, eu disse que eu queria. “Mas então você vai coordenar um grupo de famílias aqui com o seu pai, sua mãe.” Eram mais ou menos 16 famílias ali onde eu moro.
P – Para fazer o quê?
R – Para coordenar essas famílias, para dar curso de Liturgia, e tudo mais. Eu acho que um mês depois um padre chamado Padre Dico chegou para cá por desordem, não cumpriu a ordem do bispo, ele veio embora para cá. Aí passou aqui um ano mais ou menos. Ele teve a idéia de fundar um Conselho Comunitário aqui. Fez a reunião lá no Bairro do Alegre, no Centro de Formação que você tem hoje. E eu fui na reunião. Isso um mês depois, eu acho. Lá no negócio de escolhe a função me escolheram para ser o secretário do Conselho. Topei também. Passado dois meses depois a igreja precisava mandar gente para fazer um curso de Fé e Política em Álvares. Eu fui o primeiro a ser apontado,que eu estava assim novo, com disposição, eu fui. Eu passei 15 dias lá em Álvares no seminário no curso de Fé e Política, onde fala de tudo: política. Rapaz, quando eu vim de lá eu vim de lá com a decisão dizendo o seguinte: “Eu vou ser do PT a partir de hoje.” Porque as idéias do PT antes eram muito interessantes, melhor do que do PMDB as pessoas são no PT. Quando eu cheguei lá em casa que eu disse lá para o meu pai e minha mãe: “Papai, a partir de hoje eu vou ser do PT.” Sabe o que disseram? “Então você arruma a sua bolsa e sai debaixo da minha casa. Porque aqui nós não queremos comunistas, nós não queremos pessoas que estão na terra, não queremos pessoas que comem crianças.”, porque aqui o PT era visto assim. Que o Lula matava gente, comia criança, tomava a mulher dos outros, eu comprei a briga com ele, só que eu estava solteiro, né? Aí daí eu virei PT mesmo. Então nessa história aí as pessoas acham, e eu também, que foi uma conversão de Deus, uma coisa assim. Porque a idéia que eu tinha lá atrás de chegar a carregar um prefeito na cadeira, eu fazer tudo isso, e um ano depois eu ter que mudar de rumo e brigar mesmo, vai ser, porque hoje a gente está assim, vai ser prefeito do PT, do PMDB é porrada mesmo. E é interessante porque na época eu conheci minha esposa que é a Selma hoje. Ela era do PFL. Quer dizer, nós travamos um pé de briga bem aí embaixo...que eu bati nela, a gente não tinha nada. Ela era solteira e eu também era, só que a família dela era do PFL, a gente era já do PT. Não, a gente era do PMDB ainda. E aí o PMDB estava fazendo um comício, o pessoal do PFL foi lá querer bagunçar e trançamos na porrada. Minha família, a família dela. Um ano depois a gente estava namorando e se acertando (risos).
P – (risos) Agora, como é que foi esse período de transição? Que aconteceu?
R – Passado isso, porque aqui é assim, quando começa o período da campanha todo mundo defende sua camisa, mas depois que passa todo mundo se junta. Nesse período aí de campanha, eu era solteiro ia passando bem lá, naquela rua lá de baixo. E tem um local lá chamado Lua que não tem mais hoje, mas era um local de dança onde todo pessoal ia para lá, era o único local que tinha. Eu ia passando lá, acho que umas nove horas da noite, ela estava sentada lá, só ela. E como ela estava sentada só ela, eu me aproximei dela, ela era solteira, e lá eu fiquei conversando com ela. E depois da conversa eu dei uma cantada nela. Ela disse que ia pensar, e que ia me dar uma resposta. Passados dias depois eu tornei a procurar ela, ela disse que topava. E a gente começou a namorar. Passamos acho que uns seis meses namorando, depois, seis meses depois apareceu a primeira gravidez,
Soraia é o nome dela. Mas assim, isso tudo depois de acontecer isso, da gente brigar por causa da política, dos partidos. Então eu acho que essa coisa vem realmente de Deus, do divino que disse: “Não, esse rapaz aqui serve para alguma coisa.” Para quem me conhece, que a maioria desses mais velhos me conhece, sabe a luta que a gente faz aqui, acha interessante. porque a gente hoje não leva desaforo para casa, seja lá com quem for. Partido, somos, eu sou petista, mas não sou puxa-saco, é prefeito para lá e movimento para cá. Na hora que tem que bater palma a gente bate, mas na hora que tem que chutar o pau da barraca a gente chuta mesmo.
P – Gerdeonor, deixa eu entender. Você entra no PT, daí você começa a se filiar ao PT, muda o partido. E quais são as suas primeiras ações lá dentro? O que você começa a fazer? Como é que começa a acontecer a sua vida política?
R – Aí, tá, eu depois me filiei, porque eu sou filiado também e comecei a participar do partido lá dentro. Essa idéia que a gente tem aqui, foi tentar, porque até um certo tempo o PT realmente defendeu uma ideologia do coletivo, da verdadeira democracia, de um certo tempo para cá o PT se tornou um grupo de famílias, e a gente foi para lá para combater isso. Porque o nosso movimento e a nossa política partidária aqui é local. Não é uma política e um movimento para uma família e um grupo se dar bem, mas é uma política partidária e um movimento para que a coletividade se dê bem. E a gente vem combatendo isso dentro do PT hoje. Então assim, o PT é dividido de tendências, cheio de tendências. Aí a tendência mais forte tem a prioridade de fazer mais e a gente vem combatendo isso dentro do PT. A gente quer que seja um PT de cinco anos atrás de quando, assim como quando não estava no poder, todo mundo...Por exemplo, eu lembro que antes para escolher um candidato pelo PT, pelo menos aqui municipal, reunia os filiados e se tinha cinco nomes levava para a discussão e saía um. Hoje não, hoje o Fulano aponta e passa o rolo por cima, vai ser candidato mesmo. Então estamos combatendo isso dentro do PT. Porque aqui a nossa política é diferente, aqui na região, e o movimento também é diferente de toda discussão que você tem hoje a nível de cidade dentro do PT (música interrompe).
P – Voltando assim, mais detalhes mesmo, quais foram as primeiras ações que você foi participando com a igreja, como é que foi esse começo de vida política e de luta? Eu quero que você conte um pouco esse começo.
R – Depois já de ter uma mentalidade mais avançada, uma visão mais longe, eu achei que a gente deveria organizar o povo aqui dentro, que estava muito...não só eu como as irmãs e outros, né? Mas a primeira coisa veio: “Pô, a gente precisa fazer alguma coisa para defender a nossa região contra os madeireiros, contra os estrangeiros, contra...” -na época não tinha mineradora- “...contra os grandes fazendeiros que se tinha aqui dentro.” Começamos a fazer com as irmãs reuniões nas comunidades, dizia que a gente precisava isso. E ela antes de eu estar ela já veio pregando uma mensagem de que a gente também tinha que lutar para que essas terras fossem legalizadas. Então isso incentivou já eu de que, dos 16 anos para cá, que você tinha que fazer alguma coisa.” E a primeira, passado os tempos, o primeiro embate nosso foi com a empresa Eidai, lá de Belém, 99, 18 de dezembro de 99. Então todo final de semana saía jangadas e jangadas de madeira. Uma madeireira chamada Amapá Eidai do Brasil, lá de Belém, quer dizer, do Japão, mas de Belém ia embora. Essa foi o primeiro enfrentamento que nós fizemos aqui na Ponta da Serra, foi segurar uma jangada com 124 toras de madeira, que a gente se preparava para fazer a festa do final de ano de 99 para 2000 e a gente segurou. Foi daí dessa primeira luta que a gente descobriu o que se tinha por trás dessa região aqui com questão às terras.
P – Como é que foi segurar? Vocês fizeram o quê? Uma barragem?
R – Nós se aproximamos da jangada com os barcos e pedimos para o dono do empurrador parar para soltar a jangada. Jangada é um monte de tora de pau colado um no outro através de um cabo de aço e o empurrador vai puxando. E a gente disse que a partir daquela data estava presa a jangada por nós, perguntaram se tinha ordem de alguém: “Não, a ordem aqui é nossa mesmo e nós só vamos...” -Isso em 99- “...nós só vamos soltar depois que venha aqui Ministério Público Federal, Estadual, Capitania, prefeito.” Na época o Siri que era vereador, em 99, e
mandamos o empurrador embora e seguramos a jangada, trouxemos ela para cá. Então assim, em 99 foi o primeiro enfrentamento.
P – E o que aconteceu? Explica mais essa história porque é importante.
R – Tá, aí nós trouxemos a jangada para cá, e como a gente estava lá na Ponta da Serra, que é uma ponta chamada Fortaleza, tinha mais de 200 homens trabalhando, fazendo o barracão, porque a gente ia fazer lá a celebração de final de século, de ultrapassagem de 99 para o ano 2000, a gente resolveu fazer lá.
E aí isso foi 9 horas da manhã aqui no lago. Aqui a gente pensou: “Olha, daqui a pouco a polícia vai estar chegando aqui.” E foi. A gente mandou buscar todo mundo para cá. Quando foi quatro horas da tarde chegaram seis policiais, o dono da madeira e o prefeito, na época era o Isaías Batista, dizendo que iam levar... “Mas como? Daqui só...” Aí exigimos a presença do Ministério Público, de todos. Uma reunião aqui em cima da Polícia Federal. Passado oito dias depois baixou todo mundo aqui para conversar conosco. Daí que nós fomos entender, de 99 para cá, que nós não éramos donos dessas terras, nós éramos donos de fato só, porque a gente mora, morava e trabalhava aqui. O Ministério Público numa investigação bem, né...
(troca de fita)
P – Você falou com o Ministério Público.
R – Sim, aí nós conseguimos trazer todas essas autoridades aqui no Centro: Ministério Público Federal, Estadual, prefeito, o dono da madeira, que se dizia dono: Na época o INCRA, o ITERPA...dessa assinamos um documento. Já nessa
época pedimos para o INCRA titular então, daí que o Ministério Público fez uma investigação mais aprofundada e descobriu que essa gleba chamada Gleba Juriti Velho tinha dono, que a gente estava aqui, que a gente era dono de fato, que a gente estava morando e trabalhando mas que o verdadeiro dono mesmo se chamava Luis do Vale Miranda, lá de São Paulo, e Antonio Cabral de Abreu lá de Brasília, do Rio de Janeiro. Então aí foi que já em 2000 o Ministério Público chamou e disse: “Essa gleba, essas terras pertencem a outras pessoas, não pertencem a vocês.” Isso assim fortaleceu mais para que nós nos juntasse, se organizasse para fazer com que o INCRA titulasse essas terras. Essa história desse pessoal é lá dos anos 30. Em 1930 chegou-se uma grande família japonesa na Vila Amazonas, que foi tudo acordado com o governo japonês para que, o Brasil entregaria 10 mil hectares, 10 milhões de hectares de terra aqui nessa área para os japoneses para assentar 10 mil famílias japonesas. E teve todo um processo que descobriu depois que o Japão estava construindo arsenal de guerra lá na Vila Amazônia. Até hoje tem ainda os buracos e tudo mais. Daí os japoneses foram expulsos da Vila Amazônia e tudo mais. Então foi aí que nós fomos descobrir,aí veio tudo. Isso passado 99, depois disso, a igreja manda de novo, no caso eu, para fora para fazer curso. Em 2000 começa a chegar a Alcoa, a gente estava aqui na igreja com a irmã quando se apresentou a primeira pessoa chamado Charles, um dos diretores da Alcoa em 2000, dizendo que queria conversar conosco aqui na região, porque a gente já tinha a fama de que a gente tinha agarrado as balsas, a madeira dos madeireiros, mas a gente não conseguiu resistir. O juiz depois mandou que eles levassem a jangada.
P – Só uma pergunta: antes da Alcoa, como é que os madeireiros reagiram a isso?
R – Pô, com muita ameaça, né? A gente tinha um único telefone aqui nessa casa. Chamava-se Telepará. Tinha um único orelhão eles vieram aqui e disseram que se a gente não entregasse a jangada eles viriam aqui com várias pessoas armadas para levar a jangada. E a gente não abriu não, a gente disse: “Então pode mandar.” Porque aqui
na comunidade até 99 também tinha gente que apoiava eles. Eles entraram em intermédio de alguns comunitários, mas a gente resistiu às ameaças. Depois veio o juiz e determinou que eles tirassem a madeira, mas aí já foi esbarrando de que outras madeireiras que estavam aí dentro fossem terminando, fossem saindo embora. 2000 chega a Alcoa. Chegou por aqui dizendo que estava chegando, que ia entrar nas terras do Capiranga, porque o desenvolvimento e o progresso estavam chegando para a região de Juriti Velho. Começaram a distribuir camiseta, sandália, bicicleta, o caramba. E nós também sem saber como fazer isso, as irmãs, a irmã Benilde e outras que já foram daí quase foram fisgadas por essa isca. Eles traziam para a irmã cestas de alimentos. Todas as datas que tinham, Dia das Mães, Final de Ano, dezembro no Natal, eles traziam cada litrão de vinho para as irmãs, sabe? E aí pronto: “Essa empresa é boa.” Porque a dificuldade que se tem hoje de emprego, renda e trabalho, de repente vem alguém que distribui um monte de cestas aí, né? “Essa empresa é boa.” Começou a chegar e começou a fazer reuniões nas comunidades, e a gente assim: uns desconfiados, outros, tá. Quando foi em 2003 nós fomos convidados a ir a Oriximiná para participar da fundação de uma associação coletiva. Até 99, até 2000, 2002, a gente estava vivendo aqui um processo individual, cada um cuidava das suas lutas. As comunidades faziam seu enfrentamento localizado, as famílias. Com a chegada da Alcoa nós tivemos que mudar de idéia, nós fomos convidados a ir a Oriximiná em 2002, 2003, que eles estavam fundando lá uma associação coletiva para combater a Mineração Rio do Norte. E nós fomos aqui. Quando a gente voltou de lá nós viemos com uma idéia: “Nós precisamos então aqui fazer uma associação coletiva para juntar todo mundo para combater a Alcoa.”
P – O que vocês viram lá?
R – Muita desgraça. Nós vimos o Lago do Batata contaminado, vimos famílias ao redor do projeto com suas filhas na prostituição, famílias sofrendo fome, suas terras devastadas. Quando a gente viu isso a gente disse: “Epa, isso aqui vai acontecer lá em Juriti Velho se a gente apoiar.” Fizemos a discussão da ACORJUVE, para fundar a
associação, passamos um ano discutindo nas comunidades porque
a gente estava tentando sair do individualismo para ir para o coletivo. Muita gente aqui dentro achava que se a gente fizesse isso as irmãs iam tomar a terra, as irmãs iam vender terra para a Alemanha. Em 2004 tinha a eleição já para prefeito, de novo, e a gente começou a fazer essa discussão para que a gente pudesse fundar uma associação coletiva aqui para combater não só a Alcoa, mas os madeireiros, os estrangeiros que estão chegando, que chegaram ainda a ameaçar aí a entrar. Apareceu numa comunidade chamada 50 paranaenses dizendo que todas essas terras eram deles e que iam derrubar para plantar soja. E a gente se organizou e mandou eles saírem mesmo de lá. Então assim, fizemos a discussão da ACORJUVE nesse ano de 2003, passamos por todas as comunidades dizendo. Quando foi dia 21 de março de 2004 nós colocamos aqui duas mil pessoas e fizemos a fundação da ACORJUVE. E eu antes de vir para a ACORJUVE eu já estava há seis anos na ACOPRUM, que era uma associação pequena daqui da vila, que defendia os interesses dos trabalhadores locais. Como eu estava já completando o quinto ano acharam que seria interessante eu estar como presidente da ACORJUVE. Viemos para CE eu fui eleito com uma diretoria da ACORJUVE. Isso já dia 21 de março de 2004, dia 6 de março, dia 6 de janeiro de 2004, vieram as eleições, o Henrique ganhou a eleição. Um prefeito do PT ganhou a eleição em Juriti. Dia 6 de março de 2004 a Alcoa convidou a prefeitura, os vereadores e eu para visitar lá em Minas Gerais, Poços de Caldas, no Maranhão a ALUMAR, a ALUNORTE lá em Barcarena e para apresentar o seu projeto de iarrima dia oito de janeiro de 2004 lá no Centro Industrial de São Paulo. Eu estive lá, com eles. Quando chego lá -eu sempre me vesti assim, né?- Aí me convidaram eu fui, representando lá, aqui a região. Quando eu cheguei lá no local do encontro, da reunião onde apresentaram o iarrima, que é uma empresa chamada CNEC lá de São Paulo estava fazendo aqui. Quando eu cheguei na porta disseram que eu
não podia entrar a não ser que eu estivesse com um paletó, que eu estava assim, de camisa. Lá eu disse: “Então vocês vão ter que comprar um paletó para mim entrar na reunião, porque foram vocês que me convidaram.” Eu sei que na hora, não sei onde, arrumaram um paletó, tive que entrar para a sala de reunião. Eu fui criando essa idéia de que o projeto que estava chegando aqui não era para nós. Porque até para mim entrar numa reunião da diretoria deles eu tinha que estar vestido desse jeito, né? E eu sempre estive vestido assim. Nós fomos visitar Maranhão, fomos visitar Belo Horizonte, lá em Poços de Caldas, e aí eu vi que, realmente, não era aquilo que ela estava dizendo, que o progresso e o desenvolvimento estavam chegando. Em 2003, lá em 2004 a cidade abarcou a idéia de que o progresso estava chegando. Prefeitura, o prefeito, e a gente formou uma opinião. E aí quando eu voltei reunimos com as irmãs eu disse: “Olha, irmã, não é assim. Lá no Maranhão tu tem a riqueza aqui mas do lado tem uma miséria de trabalhadores como nós.” Aí formamos a opinião de ser contra o projeto, de não aceitar. 2005 vieram as primeiras audiências. E nós fomos para a primeira audiência lá em Juriti, 6 mil pessoas na Audiência Pública. Mas 5 mil e poucas pessoas vestidas: “Eu sou 100% Alcoa.” Nós éramos 200 que diziam: “Fora Alcoa do município.”, e aí fomos vaiados. Então assim, esse processo com a Alcoa, contra o estado federal, municipal e 60% da sociedade foi muito cruel, porque a gente não queria a Alcoa dentro do nosso assentamento. E aí tiveram as primeiras audiências, depois teve uma em Santarém e outra em Belém. Só que a gente já dizia na mesa das audiências, diante do Ministério Público Federal que a gente só aceitava aceitar se o INCRA titulasse nossas terras, demarcasse
e pudesse trazer as políticas públicas para nós. Em 2005 o
nosso assentamento foi criador força de um PAC assinado entre o Ministério Público Federal, Estadual, INCRA, ACORJUVE. Foi criado o assentamento em 2005 e deu mais força. Logo em seguida vieram os créditos, que foi o Fomento à Habitação, agora que está fazendo. Em 2009, no ano passado, o INCRA titulou. Então assim, deu mais segurança ainda para que a gente se tornasse o dono de fato e de direitos aqui em cima dessas terras.
P – Gerdeonor, eu vou voltar um pouquinho, contar um pouco sobre essas reuniões com a Alcoa, como é que foi esse processo? Quais eram os embates? Como foi a negociação? Enfim, todo o processo.
R – Quando, 2005 com muita crítica em cima do iarrima, a gente conseguiu formar um grupo de ambientalistas para estudar o iarrima, então, eles encontraram muitas falhas. Por exemplo, Juriti Velho nem aparece -agora aparece porque foi corrigido-
nem aparece no mapa da Alcoa. Então nove mil pessoas não apareciam aqui na região. Centenas de castanheiras não apareciam no iarrima da Alcoa, 45 comunidades não apareciam. Nós mandamos para a SEMA as contribuições dizendo que tinha que ser revisto o iarrima. Mas a SEMA, na época do Gabriel Guerreiro não aceitou e, que era o secretário, então a gente propôs negociar. Fazer um grupo de trabalho para rever o iarrima. E aí a Alcoa veio para a mesa em 2005. Começamos as primeiras reuniões em Belém, Santarém, depois Belém. Quando a Alcoa recebeu a primeira LP – Licença Prévia – para começar a construir ela saiu da mesa de negociação. Abandonou a mesa e deixou só nós falando lá. Nós viemos 2005, 2006, 2007, 2008 correndo atrás da Alcoa para ela negociar conosco, porque a gente já sabia que o estado ia dar a licença para ela operar. Depois veio a LI, ela conseguiu, que é Licença de Instalação. Depois faltava a LO, para ela poder operar. A gente reuniu nossa turma e falamos o seguinte: “Olha, a Alcoa não quer nada conosco.” E aí veio o Fórum Social Mundial em Belém em janeiro e fevereiro. “E a única forma que nós temos que fazer para aproveitar, porque o mundo vai estar em Belém, é ocupar a base da Alcoa, a ferrovia e a rodovia. Está uma boa chance para a gente mostrar para o mundo o que uma mineradora está fazendo com tradicionais aqui da região.” Isso sem contar com a contaminação de igarapés, de cabeceira. O Lago do Fifi lá em Juriti foi contaminado por fezes humanas. Fezes humanas caíram dentro do igarapé, foram parar na panela do Juriti em cima da cidade. Porque a COSANPA puxava água de lá. Então o Maranhão, tudo foi contaminado. O Jará hoje está no mesmo caminho. “Então é a única chance para a gente mostrar para o mundo e dizer para o mundo o que a Alcoa está fazendo conosco.” E a gente se reuniu aqui, e quando foi dia, eu não estou lembrado agora a data. Eu sei que a gente passou nove dias lá. Ocupamos a ferrovia, a rodovia e fechamos a base da Alcoa. “A gente só sai daqui se vier negociar conosco a Alcoa, Ministério Público de novo, INTERPA, INCRA, toda essa turma. Se não vieram a gente não vai sair daqui.” Como estava no Fórum a gente passou nove dias, e no oitavo dia baixou o Ministério Público Federal,
Estadual, presidente da Alcoa e propusemos um grupo de trabalho para negociar. Antes disso nós tivemos várias reuniões com o presidente da Alcoa, chamado Frank Feder, que era o presidente da América Latina, veio aqui. Fizemos um grupo de trabalho para começar a negociar. E a nossa negociação era: danos e prejuízos, renda pela ocupação do terreno, 1,5% do lucro líquido da bauxita e pagamento pela retirada da água. Só a partir dessa nossa ocupação a Alcoa realmente veio respeitar, e veio para a mesa para negociar. É o que a gente está hoje, estamos recebendo 1,5% da bauxita, estamos negociando danos e prejuízos e vamos negociar a retirada da água.
P – E a ACORJUVE, o papel dela principal qual que é? Só para a gente explicar.
R – O papel, o objetivo da ACORJUVE são três, maiores. Primeiro, fazer com que o INCRA titulasse as terras, já foi. Segundo, aliás o primeiro seria organizar o povo. Estamos 80% organizados. Segundo era titular e demarcar essas terras. Terceiro, conseguir crédito para as famílias. Então um está consumado: titulação das terras a gente tem hoje. Os créditos chegaram, estão chegando. E a organização estamos 80% organizados em 45 comunidades. Isso forma o Movimento Juriti em Ação.
P – Mais basicamente, o Juriti em Ação serve para quê ?
R – O Juriti em Ação serve para fazer a desordem, como eles dizem, né? É o movimento que faz ocupação, que chama para negociar e a ACORJUVE negocia, que é a entidade legal para negociar.
P – E os créditos que recebe vão para onde?
R – Bom, a gente já recebeu o Crédito Apoio, que é um crédito de 3.200, que o INCRA libera para compra de implementos: rabeta, terçado, carrinho de mão, máquina de costura, alimento, enfim. Já recebemos e entregamos para 2 mil famílias. E a gente recebeu agora crédito para 2 mil casas no valor de 15 mil cada casa. Nós já construímos 100, já entregamos para as famílias nas comunidades. Agora a gente conseguiu com o governo do estado um crédito chamado Crédito Habitação, no valor de 3.500, conseguimos com que o estado mandasse a EMATER para fazer o PDA aqui, que é um Plano de Desenvolvimento de Assentamento, estamos conseguindo receber da bauxita esse valor que é muito pouco, perto do muito que estão levando, mas perto do que nunca pagaram nada para ninguém também já é um... E a gente está nessa mesa, vai sair um documento muito bom que, com certeza, vai mudar o processo de mineração na Amazônia. Então é
um documento que vai ser exemplar para as outras mineradoras, que nunca pagaram nada para ninguém, vai abrir um caminho para que os outros municípios possam cobrar das mineradoras.
P – E como defender o meio-ambiente com a mineradora? Como é que faz isso? Como fica o meio-ambiente nisso?
R – Bom, fica estraçalhado. Mas assim, do jeito que a gente defende, né, é muito difícil. Porque a gente tem que brigar contra o estado estadual, o estado federal, municipal e 50%, 60% da sociedade. Então não é fácil quando você entra e vê uma Alcoa que vai derrubar 50 mil hectares de floresta, floresta nativa que não foi estudada, que não foi pesquisada, que não foi feito nada. Centenas de castanheiras que servem seu fruto como alimento para os trabalhadores aqui dentro. Não é fácil porque, às vezes, você tem que pagar com a vida, defender isso, pagar com ameaça, pagar com expulsão de trabalhadores. Tudo isso já aconteceu aqui dentro, pagar com a contaminação dos igarapés e muito mais.
P – Gerdeonor, a gente estava em Juriti todos esse dias, Juriti Velho a gente só veio hoje. O que é que mudou assim, efetivamente, fora o que você falou já, na rotina das pessoas depois da chegada da Alcoa?
R – Muita coisa mudou na rotina de Juriti antes de hoje: Hoje você não vive mais há até 5 anos atrás, até 8 anos atrás, lá em 2000 nós éramos 18 mil habitantes no município, uma faixa de 9, 10 mil na cidade, hoje está chegando aos 50 mil. Dentro de 10 anos pulou, então assim, não conhece mais ninguém na cidade. Não pode mais andar do jeito que a gente andava antes, sozinho, tranqüilo, porque a todo momento você é abordado com moleque de rua assaltando; droga aumentou mais de 100% na cidade; dizimação de famílias, as mulheres deixando seus maridos para viver com outros funcionários da Alcoa; invasão de terra toda noite; contaminação de igarapé; custo de vida muito alto; o movimento, trânsito não preparado para isso, não tem sinal, todo final de semana morre alguém no trânsito, então muita coisa mudou.
P – Hoje em dia qual o seu sonho, sendo profissional, pessoal, um sonho que você
tenha?
R – Bom, o sonho que eu tenho é fazer com que as pessoas e as famílias aqui dentro e fora, porque o Movimento Juriti Ação atinge, é fazer com que as pessoas tenham uma qualidade de vida boa; que todo mundo possa ter energia, possa ter educação melhor; a gente possa ter universidade aqui dentro; a gente possa ter emprego e renda; possa ter segurança, energia que a gente não tem. Então assim, esse é o sonho. E fazer com que muitos outros Gés se reproduzam aqui dentro,
porque eu sou apenas um deles. Quem conhece aqui, então esse é o sonho. E fazer com que o nosso povo fique aqui. E, assim, a luta que a gente está fazendo de buscar crédito, de buscar o que tem lá fora e trazer para cá, é fazer com que cada trabalhador possa se fixar aqui dentro, que possa ir lá em Parintins, Santarém, São Paulo, só mesmo para fazer a compra e voltar para cá. Então esse é o sonho e a gente vai continuar lutando para que esse sonho, já está sendo realizado, e que ele se amplie mais aqui em Juriti Velho.
P – Obrigado, Gerdeonor. Foi ótimo, valeu.Recolher
Título: Educação para o povo
Data: 24/04/2010
Local de produção: Brasil / Pará / Juruti
Personagem: Gerdeonor Pereira dos Santos Entrevistador: Thiago Majolo Transcritor: Maria da Conceição Amaral da Silva Revisor: Gustavo Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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