Projeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Depoimento de Valda Rodrigues de Souza
Entrevistada por Nataniel Torres (P/1) e Izabel do Carmo Alves Oliveira (P/2)
Paracatu/MG, 29/11/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1181
P/1 - Então pra gente começar, Dona Valda, eu vou pedir, por gentileza, que a senhora fale o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde a senhora nasceu.
R - Certo. Meu nome é Valda Rodrigues de Souza. Moro aqui em Paracatu. Nascida aqui, no Hospital Municipal de Paracatu. Tenho 52 anos.
P/1 - Qual o nome dos seus pais?
R - Basílio Rodrigues Ramos e Balbina Florentina da Cruz.
P/1 - Eles são daqui, da cidade de Paracatu mesmo?
R - De Pontal.
P/1 - Aí eles são lá da comunidade de Pontal?
R - Sim.
P/1 - E o que eles faziam lá? Com o que eles trabalhavam?
R - Meu pai plantava roça e era pescador.
P/1 - E sua mãe também trabalhava naquela época?
R - Sim, minha mãe cuidava da casa e pescava também.
P/1 - A senhora lembra do nome dos seus avós?
R - Ermelinda Luís de Meneses - do meu pai, paterna - e Emídio Rodrigues Ramos.
P/1 - Os dois são pais do seu pai. E os pais da mãe, você lembra?
R - Esqueci.
P/1 - Não tem problema. A senhora chegou a conhecer os pais da mãe?
R - Não.
P/1 - Tá, mas os pais do pai a senhora chegou a conhecer? E todo mundo era de lá da comunidade do Pontal?
R - Sim.
P/1 - E a senhora sabe quando começa essa vivência dentro do Pontal? Sabe se seus bisavós, sei lá, antes ainda dos avós, estavam lá no Pontal?
R - Eu sei que estavam. A minha avó Ermelinda, eu convivi com ela muito. Eu era o xodó dela.
P/1 - Então me conta um pouquinho sobre ela. O que a dona Ermelinda fazia, dona Valda?
R - A minha avó cuidava da casa, cuidava das galinhas, da criação. Meu avô tinha muitas terras lá no Portal e ela cuidava, ajudava a cuidar das vacas, ajudava a tirar leite, essas coisas.
P/1 - Lá a...
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Depoimento de Valda Rodrigues de Souza
Entrevistada por Nataniel Torres (P/1) e Izabel do Carmo Alves Oliveira (P/2)
Paracatu/MG, 29/11/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1181
P/1 - Então pra gente começar, Dona Valda, eu vou pedir, por gentileza, que a senhora fale o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde a senhora nasceu.
R - Certo. Meu nome é Valda Rodrigues de Souza. Moro aqui em Paracatu. Nascida aqui, no Hospital Municipal de Paracatu. Tenho 52 anos.
P/1 - Qual o nome dos seus pais?
R - Basílio Rodrigues Ramos e Balbina Florentina da Cruz.
P/1 - Eles são daqui, da cidade de Paracatu mesmo?
R - De Pontal.
P/1 - Aí eles são lá da comunidade de Pontal?
R - Sim.
P/1 - E o que eles faziam lá? Com o que eles trabalhavam?
R - Meu pai plantava roça e era pescador.
P/1 - E sua mãe também trabalhava naquela época?
R - Sim, minha mãe cuidava da casa e pescava também.
P/1 - A senhora lembra do nome dos seus avós?
R - Ermelinda Luís de Meneses - do meu pai, paterna - e Emídio Rodrigues Ramos.
P/1 - Os dois são pais do seu pai. E os pais da mãe, você lembra?
R - Esqueci.
P/1 - Não tem problema. A senhora chegou a conhecer os pais da mãe?
R - Não.
P/1 - Tá, mas os pais do pai a senhora chegou a conhecer? E todo mundo era de lá da comunidade do Pontal?
R - Sim.
P/1 - E a senhora sabe quando começa essa vivência dentro do Pontal? Sabe se seus bisavós, sei lá, antes ainda dos avós, estavam lá no Pontal?
R - Eu sei que estavam. A minha avó Ermelinda, eu convivi com ela muito. Eu era o xodó dela.
P/1 - Então me conta um pouquinho sobre ela. O que a dona Ermelinda fazia, dona Valda?
R - A minha avó cuidava da casa, cuidava das galinhas, da criação. Meu avô tinha muitas terras lá no Portal e ela cuidava, ajudava a cuidar das vacas, ajudava a tirar leite, essas coisas.
P/1 - Lá a comunidade é de roça mesmo, era um lugar de trabalho de roça, de lavoura. E todos lá trabalhavam com isso?
R - A maioria, né? São pescadores mesmo, que vivem disso.
P/1 - Mas também pescavam ali na região, nos rios, nos córregos todos da região.
R - Sim.
P/1 - A senhora tem irmãos? Qual o nome dos seus irmãos?
R - Tenho. O meu irmão mais velho é Romualdo Rodrigues Ramos, Alda Rodrigues Ramos, Áurea Rodrigues Ramos, Valter Rodrigues Ramos e Rosa Rodrigues Ramos.
P/1 - Vocês têm muita diferença de idade?
R - Dois anos um do outro.
P/1 - Ah, pouquinho. Então, numa época, todo mundo era criança, né? Como é que era essa época que todo mundo era criança? Vocês viviam lá no Cercado na época?
R - Sim, lá no Cercado.
P/1 - Ah, então me conta dessa época, quando todo mundo era criança lá no Cercado.
R - Era muito bom. Todo mundo tinha uma obrigação pra estar fazendo. Desde pequeno, o pai ensinou pra gente que tinha que trabalhar, minha mãe também. Estudava, mas também tinha a hora de trabalhar. Eu chegava da escola… Eu me lembro, eu tinha 7 anos e ia pra roça, montava na garupa da bicicleta do meu pai e ia trabalhar com ele. Não largava ele pra nada, ficava na roça o tempo todo com ele, trabalhando e ajudando ele. Eu tinha uma enxada pequenininha ____ pra eu capinar junto com ele.
P/1 - Era roça do que nessa época, que você ajudava?
R - Roça de feijão, roça de milho, de arroz… Meu pai plantava de tudo…
P/1 - E você acompanhava o pai lá na bicicleta pra ajudar ele na roça, mas ia pra escola também. Como era essa época que estudava? Tinha escola lá na região ou era muito longe?
R - Era longe. Era na beira da rodovia, a escola. A gente ia a pé, levantava e ia.
P/1 - Mas os pais levavam ou você ia sozinha pra escola?
R - Não. Tinha muita… Era muita gente. Tinha os irmãos mais velhos, e a gente ia.
P/1 - Ah, e juntava assim os mais velhos com os mais novos e iam, um grupão ia pra escola. Era mais velho, mas não era mais velho adulto.
R - Não.
P/1 - E quando dava as confusões de criança, o que acontecia?
R - Dava não. (risos)
P/1 - Todo mundo era bem comportado, naquela época?
R - Todo mundo comportado. Só teve uma vez assim, que eu sempre tive medo de lagarta e uma prima minha, eu lembro que a gente indo, ela colocou uma folha na minha blusa, na minha nuca e falou que era lagarta. E aí eu fui pra cima dela, esse dia foi briga. Mas tirando isso, era tudo tranquilo.
P/1 - Quando dava confusão assim, não tinha adulto pra resolver. Como é que vocês resolviam?
R - Não, deu certo. (risos)
P/1 - Mas assim, os pais, os avós, como eles eram? Eles eram bravos, eles eram rígidos ou eles eram tranquilos na criação de vocês?
R - Tranquilos.
P/1 - Nunca teve problema assim com vocês.
R - Não. Tudo tranquilo.
P/1 - A gente tava falando do tempo da escola, na roça, e de brincadeiras? Vocês brincavam? Porque teve uma época que era cheio de crianças em casa.
R - Brincava. Tinha uns pés de manga muito grandes. Aí, nos dias de domingo, juntava as minhas irmãs, a Alda, ela fazia… Elas brincavam de cozinhadinho, na época falava “cozinhadinho”, fazia um fogãozinho de lenha e a gente fazia comida. Essas eram as brincadeiras, pique esconde, essas coisas assim que brincava.
P/1 - Mas tinha um pouquinho de tempo pra brincar também: ajudava na roça, estudava e também brincava?
R - Tinha tempo pra brincar. Era uma relação boa. No domingo, tinha jogo de futebol, a gente também jogava bola. Tinha a turminha que jogava futebol, o futebol dos homens e tinha o das mulheres. E era assim, era muito bom.
P/1 - Quando vocês se juntavam, ia todo mundo pra um lugar da comunidade, como você falou, ia jogar bola. Juntava todo mundo: adulto, criança, era uma festa assim, entre vocês?
R - Sim.
P/1 - Então, crescendo um pouquinho, veio essa fase de adolescência, um pouco depois da época de infância. Como é que foi essa época de adolescência? A senhora ainda tava na comunidade, dona Valda?
R - Eu tava até os 12 anos. Perdi meu pai e aí logo em seguida eu vim pra poder trabalhar. Eu vim porque consegui um lugar pra trabalhar, na casa de uma professora, no bairro Santana. Ali era onde eu trabalhava e morava. Eu ia embora, ia pra casa uma vez no mês; quando eu recebia, eu ia. Eu lembro que eu comprava um terno de roupa pra mim e o outro eu levava pra ajudar minha mãe, dava pra minha mãe. Eu fiquei aqui até os 16, 17 anos, aí eu conheci uma pessoa…
P/1 - Aqui mesmo? Conheceu a pessoa aqui mesmo.
R - É. Namorei e acabei engravidando e aí eu me juntei com essa pessoa. Aí eu voltei pra morar lá, no Pontal. Vivi lá muito tempo, de novo.
P/1 - Nessa época que você estava pra cá, com 12 anos, você falou que o seu pai tinha falecido. Por esse motivo que você acabou vindo pra cá, pra cidade .
R - Foi, eu decidi vir pra trabalhar, pra estudar.
P/1 - Aí veio trabalhar com o que, nessa época?
R - Trabalhei numa casa, fazia o serviço doméstico. E eu já sabia cozinhar, aí eu cozinhava, também fazia todo o serviço da casa.
P/1 - Mas era com uma família só ou foi trocando de família?
R - Não, só uma família. Vivi muito tempo na casa dela.
P/1 - E foi trabalhando na casa dessa família que a senhora acabou conhecendo essa pessoa?
R - Isso, foi.
P/1 - Aí acabou acontecendo a gravidez e aí voltou… Casou com ele. Aqui mesmo ou casou lá?
R - Não, a gente morou junto muitos anos. Depois que eu casei.
P/1 - E quando você voltou pro Pontal, como é que foi?
R - Foi muito bom, porque aí eu ficava perto da minha mãe, perto dos meus irmãos. E lá na minha mãe tinha um rancho de 2 cômodos. Fiquei morando nele, no mesmo quintal da minha mãe, e lá eu fiquei.
P/1 - Voltou a trabalhar na roça naquela época?
R - Isso. Aí eu voltei a fazer o que eu gostava, que era pescar. Fiquei lá, pescando. Ganhava meu dinheiro, vendia meus peixes, que eu pescava…
P/1 - Ah, porque é isso, a pesca já era pra ter um montante pra poder vender. E aí nessa época vendia pra onde, dona Valda?
R - Tem um rapaz lá que se chama Antoniozinho, ele comprava os peixes. Às vezes, ia gente de fora pra lá, comprava da gente. Nunca faltou pessoas pra comprar, não, sabe?
P/1 - E em que lugar vocês pescavam lá na comunidade?
R - No Rio Paracatu.
P/1 - Aí tinha lugar lá pra vocês pescarem na época do rio. E como era essa pesca na época, dona Valda? Conta pra mim.
R - Na época eu não tinha o _______, pescava de ninhada, né? Comprava as carretilhas, enrolava a linha numa lata ou num litro de óleo - antigamente era uns litros de óleo de lata, né? Acho que é lata que fala, né, Bel? E aí, a gente pescava. Entrava na canoa, eu sempre… Pescava sozinha, eu e Deus, ou às vezes com alguém que ia comigo, minha mãe… Até hoje eu faço isso.
P/1 - Essa pessoa que a senhora estava casada é seu esposo até hoje?
R - É o pai dos meus filhos.
P/1 - Ele também trabalhava com pesca na época ou não?
R - Houve uma época que sim, mas ele tinha o trabalho, o emprego dele. Ele trabalhava numa empresa que não era… Era perto de Vazante, não era lá no Pontal.
P/1 - Mas aí ele saía pra trabalhar e voltava pra lá pro Pontal?
R - Sim, isso. Voltava no final de semana, de 15 em 15 dias.
P/1 - Então durante a semana a senhora ficava… Não sozinha, porque tinha a mãe, tinha os filhos, mas não ficava com ele.
R - Isso.
P/1 - E nessas semanas cuidava da casa, cuidava dos filhos e ia pescar.
R - Sim. Na época era só um, né?
P/2 - Antecedente à sua volta para o Pontal, você morou no Santana. Aí você também participou do futebol feminino do Santana.
R - Sim, participei.
P/2 - Naquela época foi pelo Pontal ou foi pelo Santana?
R - Pelo Santana.
P/2 - E você lembra quando nós fomos pra Brasília pra disputar um campeonato, aí pegou todo o futebol feminino do Santana, levou pra Brasília? Eu lembro que você também estava. E outro ponto também: quando você trazia o peixe, você vinha do Pontal pra Paracatu, na época da infância ainda. Você adolescente, eu lembro que trazia peixe pra vender também, não trazia?
R - Já trouxe também, isso.
P/2 - Lá no Santana, que eu lembro. Trazia o peixe lá do Pontal pra vender no Santana. Aí oferecia para os moradores, eu lembro que falavam: “Valdinha chegou.” (risos) Você já trazia o peixe pra vender.
R - Trazia, sempre trazia quando eu vinha. Houve uma época que eu fiquei com Vó Talina, né? Veio na memória aqui, agora. Ela… Com a cunhada do meu avô, mas eu chamava ela de vó. Foi a época que eu jogava lá no Santana.
P/2 - Você gostou dessa época lá no Santana?
R - Gostei muito.
P/2 - Aí a gente fez amizade, ficou conhecendo… (risos) Muito bom.
R - Fizemos amizade. Foi muito bom.
P/1 - Então vamos falar um pouquinho dessa época do futebol, que eu achei bem interessante essa história. Quer dizer que você foi jogadora de futebol mesmo?
R - Fui.
P/1 - E como é que começou isso na sua vida, dessa coisa de jogadora de futebol? Foi na escola, ainda?
R - Época da escola, lá no Pontal. Desde pequena eu gostava de bola.
P/1 - Aí formava os times, você fazia parte. Você jogava bem?
R - Jogava. (risos) Gostava demais.
P/1 - E aí depois continuou com essa coisa do futebol. Quem te convidou, como é que foi?
R - Eu não lembro quem me convidou lá pro time do Santana, mas eu jogava junto com Patrícia…
P/2 - Isso, isso.
R - Na época eu lembro de Pida, que era goleira…
P/2 - Tinha a Téo também… Téo até faleceu, ela era goleira. E lá no Santana você lembra que pegavam aquelas meninas que gostavam de futebol e que tinham o dom também, aí treinavam, tinha o treinamento 2 vezes por semana, né, Valdinha?
R - Tinha.
P/2 - Aí você lembra que chamavam, terminavam de fazer a obrigação e iam lá pro campo pra treinar. E era um treino bem forçado, era como se estivessem treinando mesmo os homens, porque a mesma técnica que eles aplicavam pra os homens eles aplicavam para as mulheres.
R - Lembro. Foi uma época muito boa.
P/1 - No futebol, ficou por quanto tempo, dona Valda?
R - Aqui em Paracatu, eu acredito que foi uns 2 anos…
P/2 - Uns 2, 3 anos.
R - É. De 2 a 3 anos.
P/1 - E quando foi que você parou, dona Valda?
R - Eu acredito que foi na época que eu voltei pra Pontal. Acredito que sim.
P/1 - Mas nessa época que você tava jogando futebol, você já tinha ficado grávida? Ou não, foi depois?
R - Não, foi depois.
P/1 - Ah, entendi. E aí voltou pra roça, como a gente tava contando, e já parou.
R - Isso.
P/1 - Lá não tinha mais time de futebol pra continuar?
R - Tinha, mas depois com o neném, eu não joguei mais. De vez em quando uma queimada, alguma coisa assim com os meninos, a gente joga. Mas igual a gente jogava, não.
P/1 - A gente tava perguntando sobre pesca. Quando ia vender o peixe, como é que fazia? Você contou um pouco como era a pescaria, depois você juntava um montante de peixe e como é que fazia pra vender?
R - Uai, a gente sempre… Pegava a mesa, arrumava, tinha um procedimento de arrumar, pesar e… O que não vendia lá - porque sempre veio gente de fora, né? Gente de Brasília, de Patos, Belo Horizonte, acho quase todo lugar. Piracicaba, tinha um pessoal que vinha, e a gente vendia muito lá também… E aí, se viesse alguém de lá, a gente já dava. Às vezes tinha [gente] pra vender pra gente, se a gente não pudesse vir e assim por diante. De ônibus.Teve uma época também que… Nessa época de novembro, dezembro… Janeiro era época que chovia muito e o rio enchia, era a época da gente pegar peixe grande. Eu tinha as redes de pescar, de atravessar no rio, e caceiar. A gente pegava muito peixe assim: surubim, os moleques grandes, e isso aí que ajudava muito a gente. Eu pesquei muito, eu tive uma época assim, antes do meu pai morrer, que eu pescava mais ele, ia com ele; o rio muito cheio. Todo mundo achava que era muito perigoso, “você não devia ir”, mas eu ia. Eu remava, meu pai soltava a rede, pegava o anzol de pinda e a gente pegava o surubim, que eu e ele não dávamos conta de carregar, porque eu era pequena, não dava conta de carregar. Ele parava a canoa lá na beirada, eu subia correndo pra ir atrás de meu irmão ou alguém, um homem pra ajudar meu pai a carregar. Esse surubim ele vendia lá mesmo no Pontal, lá em cima, na beira da rodovia. Ele vendia lá, tinha gente que comprava.
P/1 - O sustento de vocês vinha muito da pesca também? Que falou que tinha roça, mas também tinha pesca e a pesca era que dava mais dinheiro naquela época.
R - Vendia. Vinha muito disso, sim. Essa é uma tradição até hoje, todo mundo pesca lá.
P/1 - Mas a pesca de hoje tá igual à pesca de antes? Dá bastante? Como é que tá hoje?
R - Não, acabou… Minguou muito o peixe ali no rio. Não pega mais igual era. Não é igual antes. Eu mesma ainda vou pescar, né? Eu vou.
P/1 - Porque hoje a senhora tá morando aqui na cidade, mora em Paracatu, mas a senhora volta pra lá, pro Pontal?
R - Volto sempre lá, não deixo, não.
P/1 - Você tem terras no Pontal, como é que é?
R - A gente tem sim, lá tem a roça da minha mãe. Minha mãe também faleceu e aí a gente tem um cantinho lá.
P/1 - A sua mãe já faleceu, a senhora já estava adulta?
R - Já. Sim.
P/1 - Quando ela faleceu, a senhora estava lá no Pontal ou já tava aqui na cidade?
R - Tava aqui. Tem 3 anos que minha mãe morreu.
P/1 - Ah, é mais recente. Mas na época que a senhora morou, a mãe tava lá, então estava todo mundo junto.
R - Tava todo mundo junto.
P/1 - E aí, nessa época, a senhora teve o bebezinho e depois teve os outros, que a senhora tem 3 filhos. É isso, né?
R - Eu sou mãe de 4 filhos. 3 vivos e um morreu, perdi um.
P/1 - Mas teve uma época que tinha um monte de criança em casa.
R - Tinha.
P/1 - E como é que era essa época de ter que ir pescar e ter que cuidar das crianças? Como é que fazia?
R - Aí era… Dava o cano em minha mãe, deixava com ela lá. Ela: “Não vou olhar menino pra você ir pro rio pescar” .“Não vou”. Aí, ela descuidava, o menino dormia… [estala os dedos] Eu corria pra lá, pescar. E era assim o dia, a rotina da gente.
P/1 - E na pesca, você ficava muito tempo quando ia pescar. Ou não? Algumas horas…
R - 2, 3 horas. Com menino pequeno não podia deixar, porque ele chorava, mamava. Mas era isso aí.
P/1 - E aí a senhora falou que o marido saía pra trabalhar e ele também só vinha no final de semana, então não dava pra ficar com vocês o tempo todo.
R - Não dava. Houve um tempo que ele ficou, mas ele ficou mais tempo trabalhando fora, porque ele trabalhava na empresa. Ele trabalhava em fazenda, mexendo com trator, tratorista. Às vezes, se tava sem serviço, a gente pegava - até eu mesma ia também, nessa época… Tinha um japonês que dava serviço pra gente de catar tomate, ______ pouco de raiz nas lavouras, pra plantar pra _____ - E é isso aí que a gente fazia, fazia um pouco de cada coisa. Os meus filhos não estudaram lá; os meus filhos estudaram aqui.
P/1 - Por qual motivo a senhora acabou saindo de lá do Pontal e vindo pra cá, pra Paracatu, pra cidade?
R - Porque na época meu esposo arrumou emprego aqui também, e aí a gente decidiu ir embora. Não fui só eu, foram meus irmãos também; todo mundo foi casando e indo embora.
P/1 - E saindo de lá do Pontal, vindo pra cá pra cidade?
R - Aí ficou só minha mãe. Depois ela casou também, ela tinha ficado viúva por muito tempo. Ela arrumou uma pessoa e a gente ia só de final de semana ou uma vez no mês.
P/1 - E aí os irmãos também casaram, os irmãos também tiveram a sua vida e todos vieram pra Paracatu ou foram pra outros lugares?
R - Uma mora em João Pinheiro. Os outros vieram pra cá. O meu irmão mais velho hoje mora em Vazante, mas ele também tem a casa dele lá no Pontal. Ele vem de 15 em 15 dias ou de mês em mês, que ele trabalha, né? E hoje eu tenho uma irmã que mora em Nazareno, é longe, pra lá de Belo Horizonte. Eu e mais dois moramos aqui.
P/1 - Aí mudou também sua forma de trabalho. Como é que foi, o que aconteceu nessa época que veio pra cá?
R - Aí eu fui trabalhar novamente de doméstica. Meus meninos, na época… Tinha creche lá no Dom Eliseu, aí meus filhos ficavam lá pra eu trabalhar. Era pertinho de casa, aí a Irmã Ana cuidava dos meus meninos, ficavam lá.
P/1 - Aí também era na casa de uma família que a senhora trabalhava nessa época ou trabalhou em algumas?
R - Não, casa de família. Trabalhei em casa de família, trabalhei de diarista e assim foi. Depois de muito tempo, eu fui chamada pra trabalhar… Trabalhei 8 anos numa casa, aí fui chamada pra trabalhar na cozinha da maçonaria. Lá foi que eu aprendi o que eu sei hoje. Aprendi a cozinhar, a mexer com eventos, porque lá tem o salão de festas e tinha um buffet. Com pouco tempo, eu já tomava conta do buffet; eu só arrumava a equipe e à noite as mulheres dos maçons iam pra auxiliar a gente nos eventos. E assim foi.
P/1 - Na primeira vez que a senhora tinha trabalhado como doméstica, a senhora já tinha falado que tinha um dote de cozinha.
R - Sim, desde pequenininha, desde os 7 anos eu cozinhava lá na roça.
P/1 - A mãe e a avó também cozinhavam?
R - Muito bem.
P/1 - O que elas cozinhavam quando você aprendeu lá com elas? O que elas faziam de lá da roça?
R - Lá da roça? Arroz, feijão, frango caipira, peixe…
P/1 - Vocês aprenderam a cozinhar de várias formas o peixe, porque vocês tinham o peixe como existência, mas também era comida de vocês…
R - Era. E fazia muito, eu não esqueço do quibebe de mandioca que minha mãe fazia. Era coisa de roça que a gente fazia, fazia muito. E era muito gostoso.
P/1 - E os doces? O que tinha lá de doce que vocês faziam?
R - Fazia doce de leite, porque a gente também tinha vaca, essas coisas, aí a gente tinha como fazer. Fazia doce de leite, fazia queijo, fazia requeijão.
P/1 - E tudo isso a mãe, a avó, o pessoal que tava lá na comunidade, tudo isso o pessoal já dominava, já sabia fazer.
R - Dominava. Isso aí todo mundo, né?
P/1 - E ia passando pras gerações, pros filhos, netos, todo mundo sabia fazer?
R - Tudo ali que a mãe, a avó, tudo que eles faziam a gente… Eu mesma, era curiosa. O pai fez um banquinho pra eu subir pra alcançar o fogão, porque eu não alcançava. Eu subia nesse banquinho pra fazer comida.
P/1 - Era fogão de lenha, na época?
R - Fogão de lenha.
P/1 - Ah, então aprendeu a cozinhar no fogão de lenha. E aí o peixe, tudo que a senhora tá falando, o feijão, o arroz… Tudo no fogão de lenha.
R - Tudo no fogão de lenha. Buscava água no córrego, com balde na cabeça, feixe de lenha… Eu ia com mãe buscar e ela fazia o feixe de lenha dela, punha na cabeça, ajoelhava com o dela na cabeça… Eu era pequena, ela ajudava a pôr o meu na cabeça e nós duas íamos. Tinha vez que eu caía com esse feixe de lenha. E foi assim, coisas boas. Dá uma saudade, sabe? A gente socava arroz, o arroz era socado no pilão pra poder comer. Não comprava, a gente socava.
P/1 - Mesmo pequenininha, tinha que socar o arroz no pilão…
R - Fazia tudo.
P/1 - E aí quando chegou essa primeira vez que a senhora era novinha, tinha 12, 13, 14 anos, que veio trabalhar, já sabia cozinhar porque já tinha aprendido, mas aqui era fogão de lenha também ou fogão de gás?
R - Não, era fogão de gás, aí eu aprendi.
P/1 - Mas foi difícil de adaptar? Porque fogão de lenha é uma coisa, tem um jeito, e fogão de gás é outra. Como é que foi? Porque a senhora era muito novinha nessa época.
R - Era, mas… Achei lento, né? Achei que era lento pra fazer, mas eu fui acostumando, adaptando. Não tive dificuldade pra poder fazer. Tudo que eles… Tem uma pessoa que chama Natalícia. Ela me falava: “Valda, vai fazer isso assim. Faz assim, assim.” Ela chegava, tava pronto. Eu fazia. E até hoje a minha vida é assim, onde eu vou eu aprendo alguma coisa diferente.
P/1 - Nessa época do buffet lá na maçonaria, vocês cozinhavam o quê? Também era a mesma coisa? Era arroz, feijão ou tinha alguma coisa diferente que cozinhavam?
R - Não, eram coisas diferentes. Aprendi coisas diferentes… Eu lembro que a gente fazia entrada de frios, montava mesa de frios, petiscos… Tinha um evento que elas faziam lá, noite do petisco, então era variedade de todo tipo. Eita, era uma responsabilidade muito grande. Mas o telefone era o tempo todo. Tinha dúvida, ela me ligava: “Valda, tá tudo certo?” “Tá. Se não tivesse, eu ligava e perguntava.” E assim ia, sabe?
P/1 - Era muita gente trabalhando na cozinha ou era só a senhora e mais uma pessoa ou duas?
R - Não, variava do tamanho do evento. Houve uma época que era festa quinta, sexta, sábado e domingo. A gente terminava uma festa e já tava trabalhando pra outra; uma semana antes já fazendo as coisas que podia congelar. Tipo almôndega, podia fazer e congelar; franbacon, a gente fazia e congelava. O que podia fazer antes a gente ia fazendo, por isso eu não passava aperto. Eles sempre pagavam duas pessoas pra me ajudar durante a semana, eu e mais duas.
P/1 - Mas aí a senhora contou depois que já tava mandando na cozinha, né? Primeiro tava aprendendo, mas depois tava liderando a cozinha.
R - Já tava liderando.
P/2 - Valda, das festas que eu participei que você estava lá, direcionando a cozinha, eu notei o seguinte, que nunca faltava. Podia estar aquele quantitativo de pessoas, nunca faltava. Sempre tinha uma reserva de comida, não desperdiçava e também não faltava comida. Qual o critério que você usava? Por exemplo: comida pra 400 pessoas, mas a pessoa comia e sabia que se chegasse mais 3 ou 4 pessoas, ainda tinha.
R - Essa coisa eu carrego comigo até hoje. Eu sempre faço meus eventos - pode ser pra 400, pode ser pra 700, mil pessoas; eu sempre trabalho a mais. “Valda, vamos fechar um evento, um casamento pra 300 pessoas.” Pode ir 380, 400 pessoas que vai ter comida, porque uma coisa que eu sempre prezei muito foi meu nome, sabe? Eu faço pra sobrar, a pessoa vai comer à vontade. No outro dia, a família… Igual ao casamento, eles… Eu entrego a comida: “A comida é sua.” Se a pessoa falar: ‘Não, não quero. Você pode dividir, fazer o que você quiser”, a gente tem o costume de ligar pra clínica de recuperação que tem lá no Paracatuzinho, da pastora Marilena; ela busca. Tem outras pessoas que a gente costuma colocar no carro, leva lá, doa, ajuda as pessoas. É assim que a gente faz. Mas eu faço pra sobrar.
P/1 - Faz pra sobrar e não joga nunca fora, porque se não ficar pro pessoal da festa, sempre tem um destino?
R - É, a gente sempre faz isso. A gente passou dificuldade, épocas difíceis, então… E tem muita gente que precisa, é assim que a gente trabalha.
P/1 - A questão não é desperdiçar, é não faltar na hora da festa e o que sobrar não vai ser jogado fora.
R - Não, não é jogado fora. Inclusive as pessoas falam: “Nossa, Valda, você é exagerada. Você faz muita comida, não precisava fazer tanta comida.” “Não é jogada fora, não desperdiça.” Eu prefiro que sobre, eu faço pra sobrar. Gosto de fartura, eu fui criada assim, com fartura.
P/1 - E deixa eu te perguntar, antes de trabalhar por conta, você trabalhava pro pessoal lá, no salão da maçonaria. Tudo bem essa coisa de fazer mais comida na época ou não conseguia fazer isso?
R - Fazia. Também tinha um destino. A presidente mandava eu ligar: “Valda, liga pra pessoa que você tem costume de ligar pra buscar a comida.” A pastora Marilene mandava buscar.Toda a vida foi assim.
P/1 - E não tinha problema com o pessoal de fazer mais, porque quando faz mais, também emprega mais dinheiro, compra mais material e tal?
R - Não.
P/1 - Quanto tempo você trabalhou com o pessoal da maçonaria?
R - 15 anos.
P/1 - Depois desses 15 anos, o que aconteceu?
R - Aí eu pedi pra sair, que eu ia montar o meu. Tinha chegado o meu tempo. Mas eu não abandonei eles, não deixei a ligação com eles. Os eventos deles, sou eu que faço; tudo o que eles precisam comigo, na hora eu faço, e o que eu preciso com eles, é onde eu conto também.
P/1 - E o que deu esse clique na cabeça e você disse: “Vou trabalhar por conta”?
R - Chega um momento que você vê: “Não, já deu o que tinha que dar e agora é hora de você andar sozinha”, não é isso? E assim eu fiz. “Eu vou caminhar sozinha agora.” Pedi direção a Deus, primeiramente, e deu certo.
P/1 - E como é que foi empregar, porque tinha que empregar um dinheiro. Você já tinha as coisas, não tinha, como é que foi essa época?
R - Fui comprando.
P/1 - Porque lá na maçonaria você trabalhava na cozinha deles, né?
R - Sim. Usava tudo de lá. Aí eu fui comprando, o que não deu pra comprar eu alugava o material. Aluguei muito tempo. Hoje não, graças a Deus eu tenho tudo.
P/1 - Mas no começo você fazia a mesma quantidade da época da maçonaria ou você deu uma diminuída, pra dar passos menores?
R - Dependia do tamanho do evento.
P/1 - Logo que você saiu você chegou a pegar festas grandes?
R - Peguei.
P/1 - E tinha uma equipe? Como é que você fez?
R - Tinha equipe. A equipe que trabalhava comigo lá, hoje ainda tem alguns que trabalham comigo. Me ajudam muito. Eu falo que é uma família, né? É uma família que Deus me deu.
P/2 - Valda, a equipe que você contrata, a equipe que você treina… Quem é a pessoa responsável? Porque a gente nota o seguinte: os garçons muito educados, o pessoal, desde a entrada até a hora de servir, é muita educação. Quem é que aplicava essas técnicas pra eles trabalharem assim? Era você?
R - Sim.
P/2 - Muito interessante.
R - O que eu passo pra eles: educação e sorriso. Se a gente tiver um problema em casa, lá fora, quando chegar na porta deixa pra lá. Não entra com ele, deixa pra lá. Pede direção a Deus e vida pra frente, trabalhar todo mundo unido. A gente ora a Deus antes de começar e tudo dá certo, todo mundo… Inclusive as pessoas me ligam e falam assim: “Valda, eu quero fulana de tal pra vir pra mim. Você manda pra mim aquela garçonete?” Essa semana passada, uma me ligou e falou assim: “Aquela ruivinha, eu quero. Manda pra mim. Eu quero ela pra trabalhar de garçonete. Vou fazer um jantar aqui em casa.” Eu não podia ir, tinha um evento e aí eu liguei pra ela, pedi pra ela ir e ela foi. Cara boa, pessoa boa, sabe? Educada. Inclusive o Ricardo, o chef Oliveira, me ligou de São Paulo, que ele mora lá; ele tá em Caxias do Sul e ele me ligou essa semana passada, que ele vai estar aqui em Paracatu no dia 7 de janeiro, aniversário da pessoa, do companheiro dele e ele quer fazer um evento, aí já me pediu 3 das meninas que trabalham comigo, que me ajudam pra poder ir.
P/1 - Você tem uma equipe fixa, dona Valda, ou vai trocando as pessoas que trabalham com você?
R - Às vezes troca. Aumenta, né, não troca, mas eu tenho as fixas. A gente troca muito é de segurança de portaria, porque nem todas as vezes que dá pro mesmo ir, aí sempre troca. Mas é conhecido, são pessoas que já estão no ramo e ajudam a gente.
P/1 - Esse pessoal que já trabalha com você, você consegue dar esse treinamento, essa direção que você tá falando agora. Mas hoje, que tem bastante evento, a gente comentou que tá até melhorando um pouquinho, depois da covid, provavelmente vai começar a ter bastante evento daqui pra frente, a senhora ainda fica na cozinha ou só na organização das coisas?
R - Não, eu gosto. Sou eu que faço. Eu só tenho auxiliares, que picam, lavam, me entregam tudo pronto e eu faço. Mas quem cozinha sou eu. Eu gosto.
P/1 - E a senhora consegue ficar lá na panela e ainda consegue olhar as coisas que estão acontecendo?
R - Consigo. Vou no aparador, dou uma olhada nas mesas… Graças a Deus, eu consigo auxiliar.
P/1 - É que agora a senhora já criou um esquema, já sabe o que tem que olhar. Olha a panela, depois já consegue olhar uma outra coisa… Consegue dar conta de tudo isso ou precisa de alguém que fica te auxiliando nessa administração das coisas?
R - Não, eu consigo. E também as meninas são muito habilidosas, muito atentas. Elas me ajudam muito nessa parte também. Tem as minhas filhas; a Cátia é que montava as tábuas de frios pra mim, essa parte era dela, mas decidiu ir embora pra Brasília e eu tenho uma outra que faz esse serviço, que me ajuda. Se eu não puder, se eu tiver muita comida pra fazer, ela monta tudinho.
P/1 - Uma, como você disse, foi pra Brasília, mas a outra também ajuda e a senhora tem mais dois filhos, né?
R - Duas filhas e um filho.
P/1 - O filho também ajuda ou não? Tá morando aqui em Paracatu, como é a história do filho?
R - Ele mora comigo. Ele ajuda sim, ele trabalha. Recentemente ele sofreu um acidente e agora ele teve que sair do trabalho porque fez 3 cirurgias e colocou platina na perna. Tá inchando muito e ele teve que pedir pra sair, fez acordo e saiu do trabalho. Hoje ele até falou comigo: ‘Mãe, esse mês de dezembro, de agora pra frente eu vou trabalhar com a senhora. Vou ajudar a senhora nas festas. Eu acho que vou conseguir."
P/1 - Ele trabalhava com que, dona Valda?
R - Embalador no mercado. Ele pediu pra sair.
P/1 - Quantos anos ele tem agora?
R - 19, faz 20…
P/1 - E aí agora ele falou depois de dezembro que vai ajudar.
R - Vai ajudar. E eu achei bom, né?
P/1 - E uma das filhas a senhora falou que monta lá a tábua de frios.
R - As duas foram embora pra Brasília. A mais velha trabalha num restaurante árabe, de cozinheira. A outra trabalhava num restaurante japonês, auxiliava o rapaz, mas aí ela decidiu sair pra trabalhar na casa de um casal de médicos. Tá bem lá.
P/1 - Suas filhas não são casadas, não têm filhos ainda?
R - Uma é casada. A outra não. A mais velha é separada, tem um casal de filhos.
P/1 - Então a senhora tem 2 netinhos.
R - Tenho 6.
P/1 - Ih, tem 6! Então conta dos netinhos. Qual o nome deles?
R - A mais velha é Taiene, Maria Laura é a segunda, é a de 14… Vem a de 13, Maria Clara, Emily Vitória, Samuel Felipe e Cleitouagner, que é filho do meu filho que morreu. Ele tem 10 anos. O Cleituagner mora aqui, os outros moram em Brasília.
P/1 - E tem algum momento que vocês se reúnem todos?
R - Tem. Eu fui esse final de semana, vim de lá ontem. Fui pra lá, ficar com eles.
P/1 - As meninas estão estudando lá?
R - Tão estudando.
P/1 - E os meninos… A gente tinha falado um pouco sobre educação. Os meninos conseguiram estudar aqui em Paracatu? A senhora falou que quando ia trabalhar, eles ficavam na creche. Eles deram continuidade aos estudos?
R - Sim, estudou. O meu mais novo, o caçula, o Lucas, ele vai voltar agora pra escola, porque ele tinha parado. Aí agora vai voltar a estudar, terminar o terceiro ano e vai fazer algum curso. Cátia terminou o terceiro, não estudou mais não. Tá lá em Brasília trabalhando, e Tatiane também.
P/1 - E aí a senhora tava me contando que nessa época de pandemia não deu pra continuar, porque buffet é uma das coisas que pararam. E como é que a senhora se virou?
R - Eu me virei fazendo as comidas lá em casa por encomenda, encomenda pra poucas pessoas de final de semana, quando ligavam. E passando roupa pros outros. Depois meu marido montou um mercadinho lá. Aí ele disse assim… Até antes, eu tava fazendo pão recheado, rosquinha, bolo e vendendo lá na porta. Colocava uma mesa, na hora que eu chegava eu fazia isso. Na porta da minha casa. Comecei vendendo isso daí, vendi muito. Recebi ajuda de Bel mais Zé Raimundo com cesta porque foi difícil lá… Depois meu marido falou: “Vamos montar alguma coisa aqui procê.” Chegava do trabalho e via eu lá vendendo. O povo vinha e comprava, graças a Deus. E aí ele montou um mercadinho, lá na garagem. “Vai ser aqui na garagem, vamos tirar o carro daqui.” E aí montou. Cresceu. Deus abençoou, sabe? E tamos lá.
P/1 - Aí você continua com o comércio, mas agora tá voltando as festas porque tá melhorando um pouco. Você também tá fazendo festa agora.
R - Tô fazendo.
P/1 - E como é que você consegue levar as duas coisas, dona Valda, porque agora tem o comércio e tem as festas voltando. Como é que você faz?
R - Tem as festas. Tem hora que tem que fechar. Agora não, agora tem meu filho lá, já melhora. Eu concilio com os três. Uma hora um chega do serviço, vai; o outro vai fazer outra coisa, cuidar de outra coisa e assim vai. Tem época que eu viajo pra fora, pra fazer evento fora. Fico até uma semana fora.
P/1 - O marido hoje tá trabalhando com que, dona Valda?
R - Meu marido é safrista, trabalha de bóia fria.
P/1 - Mas também aqui, ao redor de Paracatu.
R - É. Todo dia ele vem pra casa. Tem vez que é produção e ele chega cedo, tipo 10, 11 horas tá em casa. Tem vez que chega de noite. Não tem hora certa, sabe? E aí assim vai.
P/1 - A senhora contou que pro ano que vem já te procuraram pra fazer festa.
R - Tenho evento fechado até julho.
P/1 - Vamos só voltar um pouquinho agora pra comunidade, pra gente lembrar como era a comunidade no passado. Como é que as coisas se organizavam lá no Pontal? Como é que era a comunidade na época? O que a senhora lembra?
R - Era tudo organizado. Era todo mundo simples, mas todo mundo organizado. Tinha a comunidade. Tinha igreja… Na época, eu não era evangélica, a gente era católico. Tinha igreja pra gente ir. No final de semana…
P/1 - Nessa época de costumes religiosos, tinha algum costume do lugar, lá do Pontal?
R - Tinha as festividades, né? Minha mãe era festeira. Tinha tradição, festa de Santos Reis. Lá tinha essa tradição. Tinha as épocas de festas que vinha gente de fora. Era um lugar muito movimentado.
P/1 - E sua mãe ajudava a organizar essas festas? Tinha comida, tinha um monte de coisa que fazia, né?
R - Ela fazia muita comida. Quando era festa, mesmo que ela não fosse, tinha um dia deles irem lá na casa dela e ela fazia as comidas pra receber.
P/1 - E a senhora ajudava também?
R - Sempre que eu podia ir, eu ia ajudar.
[pausa]P/1 - A gente tava falando que era organizado. A senhora ia contar alguma coisa. Todo mundo se ajudava…
R - Ajudava. A união, a gente fala que lá o pessoal… Era todo mundo unido. Muito parente, muito família, e os que não eram, era a mesma coisa de ser família, porque era muito unido. Ainda é, até hoje. Apesar de hoje os mais velhos terem acabado, os descendentes que ficaram continuam.
P/1 - Mas os descendentes ainda estão todos lá no Pontal ou eles já saíram? Como é que tá hoje em dia a comunidade?
R - A maioria tá lá.
P/1 - O pessoal ainda trabalha com roça, hoje?
R - Trabalha. Tem as fazendas. Uns venderam, os mais velhos foram morrendo e venderam. Tem aqueles fazendeiros lá e dão emprego pras pessoas. E outros vivem como pode. Igual uma prima minha mesmo lá, que ela pesca e faz conservas pra vender. Ela vive disso. Então é assim.
P/1 - Hoje continua esse trabalho de usar o que tem da terra pra poder se sustentar?
R - Usa sim.
P/1 - O que a senhora acha que tem de diferente hoje, lá no Pontal, da época que a senhora era criança?
R - O diferente é que hoje não tem…Os antigos, as pessoas queridas. Futebol parece que não tem mais; eu vou lá, não vejo. Tem mais gente diferente, de fora, que comprou, tem lá as casas na beira do rio…
P/1 - Que não é descendente de quilombola nem nada?
R - Isso, não é.
P/1 - E eles se dão bem com as pessoas…
R - Sim, são pessoas boas que ajudam dando emprego. Tem muitos parentes meus que cuidam dos ranchos.
P/2 - Valda, quando você falou da reunião da comunidade, eu lembro de ter participado quando faziam pamonha. (risos) Aí reuniam, depois do milho estar no ponto… Eu lembro porque eu já fui umas 4, 5 vezes lá, questão de fazer a pamonha. (risos) Como que era esse dia? Vai marcar o dia de fazer a pamonha… O açúcar, o leite… Como que era adquirido pra fazer a pamonha?
R - Eu lembro que pai plantava milho. Lá de casa mesmo, tinha tudo. Só juntava a mulherada pra fazer as pamonhas. Matar porco pra fritar… Um dia, quando eu era pequena, nós, fritando… Pai matou um porco muito grande e eu tava ajudando mãe a fritar nas tachas muito grandes, aquelas tachonas lá, e eu escorreguei com a mão dentro. Queimei minha mão todinha. Isso ficou na minha mente, vai ficar pro resto da vida. Foi muito triste, isso. Queimou minha mão toda!
P/1 - Como é que fez pra cuidar?
R - Minha mãe passou Kolynos, passou gema de ovo, mas minha mão pipocou toda. Foi horrível, foi muita dor. Aí depois continuou o trabalho dela, só que eu não pude ajudar, porque em tudo eu queria ajudar e eu…
P/1 - E nessa época já tinha hospital pra comunidade?
R - Não, tudo era aqui. Mas eu não vim não, foi tratado lá mesmo com uns remédios que mãe fez lá, uns banhos, passando coisas na minha mão.
P/1 - Mas quando acontecia alguma coisa mais séria, tinha que vir aqui pra Paracatu.
R - Tinha que vir. Arrumava… Tem um moço lá, o Bambu, ele trazia a gente.
P/1 - Na época vocês não tinham veículo.
R - Tinha não. Tinha carro de boi, só. (risos)
P/1 - E aí pra fazer as coisas era com o carro de boi ou a pé?
R - Cavalo, bicicleta.
P/1 - Depois chegou, hoje tem hospital, posto de saúde, alguma coisa lá na comunidade?
R - Não.
P/1 - Então, boa pergunta. O que tá faltando de estrutura lá na comunidade?
R - De estrutura? Vixe… Precisa… Hoje eu vejo a necessidade de até um postinho de saúde. Água lá é precária. Onde a gente mora, que tem… Onde mora uma prima minha, que chama Nilza, ela é muito prejuidicada - não só ela, mas muitas pessoas lá. A água lá não vai, é só um poço artesiano e se mandar água pra lá os de cima ficam sem. O dia que eu tive lá, até falei pro meu marido: “Se a gente soubesse, podíamos ter trazido dois galões de 20 litros de água mineral pra ela tomar”, porque ela tava indo buscar na casa de um vizinho que tinha um poço, uma cisterna, e que dava pra ela. Ela tava buscando pra beber. Porque o rio é perto, mas a água não dá pra utilizar assim. A água do rio é suja.
P/1 - Não tem nada de estrutura para tratamento da água?
R - Não. Lá a água só tem num poço artesiano, que é pra abastecer o Pontal, a comunidade inteira, e não abastece.
P/1 - Porque como você falou, em alguns lugares nem chega a água, como na casa dessa sua prima.
R - Não chega. Não tá indo água lá. Não só dela, como de muitos. Eu vejo uma necessidade muito grande hoje de pôr um ou mais dois poços artesianos, porque aí ia atender a comunidade.
P/1 - E tem gente que saiu de lá justamente porque não tinha a oportunidade.
R - Isso.
P/1 - E tem alguma associação, a senhora vê algum tipo de movimento pra tentar correr atrás das coisas lá?
R - Tem a associação, só que eu sei que… No meu ponto de vista, é meio que parado, né?
P/1 - Dona Valda, o que a senhora achou de contar a sua história de vida pro Museu da Pessoa, pra um museu? A sua história de vida vai se tornar acervo agora.
R - Pra mim foi uma surpresa. Gostei muito até de lembrar… Sabe que eu não tava lembrando do futebol, não lembrava da ida pra Brasília, da ida lá e aí veio a memória. Foi muito bom lembrar, voltar ao passado.
P/1 - A gente agradece então o seu depoimento, a sua história de vida agora vai fazer parte do Museu da Pessoa. A gente agradece pela sua simpatia, pela sua disponibilidade. Muito obrigado.
R - Eu que agradeço pela oportunidade.
P/1 - Muito obrigado.
R - Obrigada eu.
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