Cada língua uma história - UNESCO
Depoimento de Bedjara Kayapó
Entrevistado por Gustavo e Patrícia
Aldeia da Lua, 23/07/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: CLH_CB001
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 - Bom dia Bedjara, para começar eu queria que você falasse seu nome, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Bedjara Kayapó. Nasci na Aldeia Gorotira em vinte e cinco de março de 1981.
P/1 - Bedjara, seu nome tem algum significado específico?
R - Não. Kayapó tem. Nós somos da família Macro-jê. Então nosso nome ou alguma coisa não tem significado, outros sim.
P/1 - Qual a função dos seus pais na aldeia?
R - Meu pai na época era funcionário da FUNAI quando era novo. Hoje ele está aposentado.
P/1- Ele está vivo ainda?
R - Sim, está vivo ainda.
P/1- E a sua mãe?
R - Minha mãe está viva ainda.
P/1 - E ela trabalha?
R - Minha mãe trabalha na aldeia.
P/1 - E você sempre morou na mesma aldeia?
R - Eu morei na Aldeia Guarapari até quase a minha vida toda. Aí depois
quando eu conheci a minha mulher de outra aldeia, aí eu me mudei para lá.
P/1 - Conta um pouco para a gente como era a aldeia na sua infância?
R - Guarapira é a aldeia maior que tem lá, é no centro, a aldeia mãe. E quando nós éramos crianças nós brincávamos muito de flecha. Nós andávamos junto com nosso pai e com nossa mãe na roça. E na roça mesmo a gente brincava. De caçar e de pescar.
P/1 - E a aldeia ela tem muitas moradias? Como ela é?
R - Tem. É tipo redondo, igual essa aldeia e tem cada rua assim. Cada família tem a sua rua.
P/1 - Você comentou que o seu pai era um agente da FUNAI. E como ele começou a ser um agente da FUNAI?
R - Meu pai, quando ele foi chamado... Porque na época ele era para civilizar os outros índios. Os índios ficavam escondidos no mato. Não sabem falar português. E entrar em contato com o homem branco e o meu pai é especialista nisso. A FUNAI contratou meu pai para civilizar os...
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Cada língua uma história - UNESCO
Depoimento de Bedjara Kayapó
Entrevistado por Gustavo e Patrícia
Aldeia da Lua, 23/07/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: CLH_CB001
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 - Bom dia Bedjara, para começar eu queria que você falasse seu nome, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Bedjara Kayapó. Nasci na Aldeia Gorotira em vinte e cinco de março de 1981.
P/1 - Bedjara, seu nome tem algum significado específico?
R - Não. Kayapó tem. Nós somos da família Macro-jê. Então nosso nome ou alguma coisa não tem significado, outros sim.
P/1 - Qual a função dos seus pais na aldeia?
R - Meu pai na época era funcionário da FUNAI quando era novo. Hoje ele está aposentado.
P/1- Ele está vivo ainda?
R - Sim, está vivo ainda.
P/1- E a sua mãe?
R - Minha mãe está viva ainda.
P/1 - E ela trabalha?
R - Minha mãe trabalha na aldeia.
P/1 - E você sempre morou na mesma aldeia?
R - Eu morei na Aldeia Guarapari até quase a minha vida toda. Aí depois
quando eu conheci a minha mulher de outra aldeia, aí eu me mudei para lá.
P/1 - Conta um pouco para a gente como era a aldeia na sua infância?
R - Guarapira é a aldeia maior que tem lá, é no centro, a aldeia mãe. E quando nós éramos crianças nós brincávamos muito de flecha. Nós andávamos junto com nosso pai e com nossa mãe na roça. E na roça mesmo a gente brincava. De caçar e de pescar.
P/1 - E a aldeia ela tem muitas moradias? Como ela é?
R - Tem. É tipo redondo, igual essa aldeia e tem cada rua assim. Cada família tem a sua rua.
P/1 - Você comentou que o seu pai era um agente da FUNAI. E como ele começou a ser um agente da FUNAI?
R - Meu pai, quando ele foi chamado... Porque na época ele era para civilizar os outros índios. Os índios ficavam escondidos no mato. Não sabem falar português. E entrar em contato com o homem branco e o meu pai é especialista nisso. A FUNAI contratou meu pai para civilizar os outros índios que estavam no mato ainda.
P/1 - Você sabe como seu pai aprendeu a falar português?
R - Ele falou que foi com os estrangeiros que entraram na aldeia e ele começou a estudar com eles. Depois ele se tornou FUNAI. Passou vinte anos na FUNAI e depois ele saiu da FUNAI. Porque ele não dava mais conta. Porque o olho dele não dá mais.
P/1 - E hoje ele está super bem?
R - Meu pai está bem. Sadio, guerreiro, trabalha ainda.
P/1 - Você comentou agora das brincadeiras de flecha. Tem algumas outras brincadeiras que você aprendeu na infância? Coisas que vocês faziam na aldeia que você se recorda?
R - Sim, tem uma brincadeira que nós fazíamos quando era criança, quando na época... Grupo de mulher contra grupo dos homens. Aí pega folha de bananeira. Aquela casca de banana como se fosse a criança. Tipo assim como a apresentação. Quem pegava a folha de bananeira corria e ia atrás de nós para tomar. Essa era a brincadeira que nós fazíamos na infância.
P/1 - Bedjara, que língua que você fala? Você fala o português e o Kayapó também?
R - Sim. Quando meu pai começou a trabalhar na cidade, aí meu pai me matriculou na cidade e eu fiquei estudando lá. Com dez anos de idade eu comecei a estudar na cidade. Aí no ano de 2000 eu parei de estudar e voltei para aldeia.
P/1 - E como foi o primeiro contato com a cidade?
R - Foi muito difícil para mim porque eu não sabia o que as outras meninas falavam, os outros meninos falavam para mim. Eu não entendia nada. Ficava perdido lá. E a minha professora é a Miriam. Ela sabe falar a nossa língua e português. E eu perguntava para ela o que os meninos falavam para mim. Aí ela me ensinava como que fala português e escrever. E foi com ela que eu aprendi português.
P/1 - E quando você foi para a cidade você manteve contato com a aldeia. Você nunca perdeu contato com a aldeia?
R - Sim, eu sempre nas minhas férias voltava para minha aldeia. Mas desde a época que eu fui noivado. Lá tinha uma festa de noivado. Aí foi na época que o meu pai me tirou do colégio. Fiquei e passei um ano lá. Festa do noivado lá.
P/1 - E como é a Festa do Noivado?
R - Festa do Noivado. A mãe da menina escolhe você, não é a minha mãe que escolhe ela. Mãe da menina que escolhe eu e aí depois vai falar para minha mãe que sou noivo escolhido para ser noivo daquela menina. Aí acontece. Aí passa o mês todo no mato, sem contato com a aldeia, sem contato com seu compadre mesmo. Aí depois de tarde vai se mostrar para o povo todo enfeitado. Depois vai à casa da menina mesmo. Deita e tira os teus enfeites e depois a mãe vai pegar e levar para casa de novo. Depois o compadre vai pegar e de novo.
P/1 - E foi assim que você conheceu a sua companheira?
R - Foi sim, foi assim.
P/1 - E com quanto tempo você aprendeu português? Você começou a frequentar a escola com dez anos e você teve facilidade para aprender o português?
R - Não, porque é difícil falar o português, é muito difícil. E fui aprendendo, aprendendo, aprendendo. A minha professora da aldeia foi para a cidade e me ensinou também. Estudava lá e ela dava aula particular. Aí com treze anos de idade já falava português.
P/1 - E você comentou nas entrevistas que você é agente de saúde na aldeia. E quando você aprende e passou a exercer essa função na aldeia?
R - Essa função é do meu irmão. Quando ele mudou para outra aldeia, Xikrin, mesma família dos Kayapós. A língua se parece, mas é outra etnia que se chama Xikrin, Kayapó e Kayapó. Então meu irmão foi para lá e me indiquei. Eu falei que ia entrar no lugar dele. E comecei a trabalhar com isso. Já tem quatro anos.
P/1 - Como agente de saúde o que você faz na aldeia? Qual a sua função?
R - Quando nós fazíamos curso com a instrutora, ela falava como era o nosso trabalho de saúde lá dentro da aldeia. Nós visitávamos a aldeia, de casa em casa, perguntando para aquela família como estava a sua família. Falava para não jogar lixo na aldeia, lavar bem os pratos, manter a casa limpa. Isso que nós fazíamos na nossa comunidade lá.
P/1 - Você comentou do seu casamento. Você teve filhos Bedjara?
R - Sim. O primeiro noivado não deu certo. Mas aí, como eu falei, eu passei a vida toda estudando na cidade e lá dentro da cidade mesmo eu conheci a minha mulher, lá no hospital. Eu trabalhava na CASAI que era a Casa do Índio, onde os pacientes, os índios mesmos ficavam lá. Eu ajudava as auxiliares de enfermagem como tradutor e falava com os médicos como era a doença, porque as índias não sabem falar português. E os bem velhos assim não sabem falar português. E me colocaram com tradutor. Fiquei quatro anos lá.
P/1 - Você ensinava português ou você só traduzia?
R - E só traduzia o que as índias sentiam. Estou com dor de cabeça e o médico não entendia o que a índia estava falando. Então eu falava que estava com dor de cabeça, dor de dente, diarréia. E essas coisas.
P/1 - Então você conheceu a sua mulher no hospital?
R - Foi. Na época que eu estava acompanhando uma índia lá no Araguainha. Quando eu voltava, ela estava lá no Araguainha. E lá nós nos cruzamos. Aí voltei para a cidade de Redenção e aí passou dois dias ela voltou. E lá eu a conheci.
P/1 - Bedjara, você tinha comentado que conheceu a sua mulher no hospital. Em que circunstâncias? O que ela tinha na ocasião? O que tinha acontecido com ela?
R - Porque ela é de outra aldeia, aí quando eu olhei para ela eu falei: “Acho que eu vou namorar essa índia”. E fui falar com a mãe dela. “Gostei da sua filha, queria namorar”. E a mãe dela a deu para mim. Aí nós começamos a relação. Passou um ano e meio ela estava grávida. Com seis meses ela estava grávida da minha filha.
P/1 - E como foi para você ser pai pela primeira vez?
R - No começo foi assim, de repente. Ela falou que estava sentindo mal. Então vamos para o médico. Como eu era agente de saúde falei com o médico lá. Ele falou: “Vamos fazer o teste”. Daí fez o teste. E a minha companheira, porque nós trabalhamos juntos lá, a Trindade falou: “Pode deixar que eu levo”. Não vai olhar não. Eu estava tremendo assim. Aí o médico falou, olho para mim assim e falou: “Parabéns, você é pai”. Aí foi uma emoção. Eu chamei meus amigos, levei refrigerantes e essas coisas para tomar.
P/1 - E você teve mais filhos depois?
R - Não, não. Por enquanto é só minha filha mesmo.
P/1 - E há quanto tempo vocês estão juntos?
R - Já tem três anos.
P/1 - E você ensinou para a sua mulher o português?
R - Na aldeia dela mesmo, ela é estudada. Lá na aldeia tem escola, tem nos professores brancos e os professores índios. E ela é estudada. Ela saber falar um pouco, mas não entende o que os brancos falam para ela. Quando fala ela pergunta para mim: “O que ele está falando para mim?” E eu traduzia.
P/1 - Eu queria que você contasse um pouco como é o ensino para a sua filha, da cultura Kayapó. Como é a transmissão?
R - Ela tem dois anos de idade. Já com dois anos de idade, a mãe dela pinta, já enfeita, coloca miçangas. Tudo que o índio pode ter a mãe já preparava para quando ela crescer.
P/1 - E existem diferenças entre o menino e menina?
R - Tem diferença. Porque na menina, na infância... Não tem o buraco nosso aqui. Nos homens tem um buraco aqui, aqui na orelha, do lado e aqui. A mulher só tem aqui e aqui. Não tem aqui. Essa é a diferença.
P/1 - E qual a importância que você acha de preservar a cultura Kayapó? Mesmo aprendendo português você continua mantendo a cultura Kayapó?
R - Quando eu comecei a estudar, meu avô, minha avó, minha mãe e meu pai falavam para mim: “Tu vai para a cidade, mas tu vai aprender um pouco, mas tu nunca vai esquecer nossa tradição e a cultura”. Então lá na cidade mesmo meu pai sempre falava: “O que você aprendeu no colégio?”, “Foi isso e isso. Eu aprendi isso e isso”. Aí ele falava: “E no Kayapó, o que você lembra?” E eu sempre aprendia português e a tradução nossa.
P/1 - E qual o seu maior sonho hoje?
R - Hoje eu queria que todas as etnias que vieram para cá falassem o seu problema para nós. Se outra etnia está passando pelo problema, invasão, os brancos maltratando. Eu queria que tudo mudasse. Todo mundo fosse igual, não ter diferença, porque nós somos filhos de um Deus, viemos de Deus. Então eu queria que fosse tudo igual, um respeitando o outro. Nós respeitando vocês e vocês respeitando nossa cultura e tradição. Como na área indígena, não pode fazer invasão, não pode destruir nossa floresta. Isso que eu queria que fosse.
P/1 - Bedjara, eu vou fazer essa mesma pergunta e queria que você respondesse em Kayapó para a gente fazer o registro da sua língua. Então fala o seu maior sonho hoje em Kayapó.
R - (Fala em Kayapó).
P/1 - Queria te agradecer Bedjara. Obrigada pela entrevista.
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