Ana Maria da Conceição
São Paulo, 21 de dezembro de 2019
Entrevistado por Fernanda Regina
Transcrito, editado e revisado por Fernanda Regina
P/1 – Dona Ana, qual o seu nome, local e data de nascimento?
R – Eu tenho 69 anos, sou de Pernambuco, sou de 1950.
P/1 – Como eram os nomes dos seus pais?
R – Da minha mãe Severina Maria da Conceição, o meu pai eu não conheci.
P/1 – Como era a sua relação com a sua mãe?
R – Ótima!
P/1 – E você se lembra da primeira casa que você morou, como é que era?
R – Bom, a minha mãe trabalhava numa casa, eu ficava na casa da minha prima... Eu era pequena, não lembro... Ficava com a minha madrinha... Isso! Com a minha madrinha! Eu ficava com a minha madrinha e a minha mãe trabalhava nessa casa. Então, a minha mãe sempre ia lá, levava as coisas para mim. E depois que eu completei 8 anos é que eu fui morar com a minha mãe no emprego. Então eu era filha da empregada, ficava no meu cantinho.
P/1 – E você ajudava sua mãe nessa casa?
R – Não ajudava muito... Eu tinha o que? Tinha, mais ou menos, acho que 6, 7 anos, quando eu fui para a companhia da minha mãe a primeira vez. Então não tinha muito o que ajudar, né?
P/1 – E como é que eram esses patrões que sua mãe trabalhava?
R – Ah, eles eram legais, porque aceitaram minha mãe com filha, né? Falaram para minha mãe levar para a casa deles, então acho que eles eram legais com a minha mãe.
P/1 – Como era a rotina de trabalho dela nessa casa?
R – Direto e reto (risos). Trabalhava muito (risos).
P/1 – Conta um pouquinho do que você se lembra dela trabalhando nessa casa...
R – Ah, a minha mãe fazia tudo na casa, aí tinha umas crianças na casa, e quando chegava no domingo a minha mãe saia com a gente, comigo e com as crianças, né? Para a gente passear. Tinha um parquinho perto da casa e a gente ia para lá passear.
P/1 – Você tinha irmãos?
R – Não.
P/1 – Sempre foi só a senhora?
R – Só. Pelo menos que eu lembre era somente eu e minha mãe. Só depois que eu cheguei aqui em São Paulo foi que apareceu um. Mas não sei...
P/1 – Mas sempre viveu só você e sua mãe?
R – Eu e minha mãe. Sempre foi nós duas.
P/1 – Você tem alguma história para contar de vocês duas que você se lembra da infância, que foi marcante para você?
R – Não... Minha infância eu não fiquei muito com a minha mãe, porque eu fiquei sempre na casa dos outros, né? Então a minha mãe quando ia lá, levava as coisas para mim, levava para a filha da moça também, da minha madrinha... Levava porque eu ficava lá, então ela fazia tudo para agradar as pessoas também, né? E como tinha uma outra criança ela não ia levar só para mim. Então ela levava sempre para nós duas.
P/1 – Vocês eram bem amigas? Você e a filha da sua madrinha?
R – Era pequena, era tudo pequenininha, então se era amiga, filha, devia ter briga, né? (risos)
P/1 – E do seu pai, você não sabia...
R – Nunca vi.
P/1 – Nunca viu?
R – Não sei quem era. Nunca conheci. Minha mãe tinha falado para mim que ele tinha morrido, então... Não sei.
P/1 – E depois que você foi para essa casa, que você já era maiorzinha, com a sua mãe, você tinha 8 anos, como era a sua rotina?
R – Ah, eu ajudava a minha mãe. Eu ajudava na casa, eu era tipo uma arrumadeira já, já fazia as coisinhas de casa, já. Já ajudava a minha mãe.
P/1 – E como você se sentia morando nessa casa?
R – Me sentia bem, porque eu tinha... Eu e minha mãe tínhamos nosso quarto, tinha nosso cantinho da gente ficar, então para mim estava ótimo. Melhor junto com a minha mãe em uma casa de família, do que na casa de primo, né? Então eu achava melhor ir junto com a minha mãe.
P/1 – Dona Ana, quais eram as suas brincadeiras favoritas quando você era criança?
R – Não tinha brincadeira favorita. Eu não tinha...
P/1 – O que você gostava de fazer?
R – Eu só trabalhava com minha mãe, então eu não tinha tempo para brincar.
P/1 – Você chegou a estudar?
R – Não, estudar... Não. Quando eu estava com a minha mãe, eu não estudava. Quando a minha mãe estava na casa de família, a gente morando na casa de família, não.
P/1 – E o que você queria ser quando você crescesse? Você se lembra?
R – Não, para mim estava tudo tão bem aquela vida, né? Que para mim, eu achava que era tudo do jeito que eu vivia, entendeu? Eu achava que não tinha vida melhor do que aquela. Então, não tinha. Eu não tinha sonho.
P/1 – E quando você foi ficando, assim, mais moça, 10, 12 anos, o que você costumava para fazer para se divertir? Tinha amigos?
R – Não. Não, porque com 12 anos eu fui trabalhar numa casa sozinha, aí eu fazia tudo na casa também. E aí tinha uma menina na casa, então essa menina que era a companheira, que eu descia para brincar com ela no parquinho lá no prédio, né? Aí eu ficava com ela. Mas dizer que eu tinha divertimento, só com 12 anos. Aí eu tinha uma amiga, a vizinha, que a gente ia para o cinema todo domingo.
P/1 – Você lembra qual foi o primeiro filme que você viu no cinema?
R – Nossa (risos)... Os três mosqueteiros (risos), que até hoje eu ainda assisto quando passa (risos).
P/1 – Vocês gostaram do filme?
R – Minha mãe me deixou de castigo, porque... Não sei aqui agora como é que é, né? Que entra no cinema e fica assistindo quantas sessões passarem, então eu ficava lá dentro assistindo, assistindo, assistindo, até a hora que disseram assim: “Agora não tem mais, vai fechar o cinema”. Aí quando eu cheguei em casa... No trabalho, né? Aí minha mãe me colocou de castigo, porque eu fiquei... (risos)
P/1 – Mas valeu a pena?
R – Valeu! Tanto que até hoje eu ainda assisto “Os Três Mosqueteiros”. E o pior: quando a minha mãe, um belo dia, estava de castigo, e a minha patroa... Que seria a patroa da minha mãe, né... Aí ela disse assim: “Severina, deixa a Ana ir no cinema com a gente”, aí ela disse assim, olhou para mim e disse assim: “Olha, se eu vou deixar”, porque a dona, não lembro o nome da mulher agora, mas a menina estava pedindo, né? Aí a minha mãe deixou, só que quando chegou lá, era “Os Três Mosqueteiros” (risos). Então marcou bem esse filme para mim (risos).
P/1 – Voltando agora um pouquinho... Foi o seu primeiro emprego esse que você teve com 12 anos?
R – Sim. Foi o primeiro, mas a minha mãe sempre estava por ali por perto, porque eu era... Porque eu sempre fiquei com a minha mãe no emprego, então eu sempre ajudava a minha mãe.
P/1 – Mas você recebia um salário, como é que era?
R – Sim, a minha mãe que recebia. Aí quando foi depois, a gente foi trabalhar numa casa de retiro. Aí eu era copeira lá, com 12 anos, eu era copeira, minha mãe era cozinheira. Então era um lugar, assim... Bom, falando retiro sabe que é um lugar bem retirado do centro, né? Então era um lugar que quando chegava de noite, ninguém podia sair, porque era tudo escuro, tudo fechado. Então, a minha vida foi essa.
P/1 – Quando você trabalhava nessa casa de retiro você tinha quantos anos?
R – 12 anos. Foi lá que eu saí dessa outra casa e fui para lá com a minha mãe.
P/1 – E você dormia lá também?
R – Sim, dormia todo mundo. Tinha 12 empregadas na casa de retiro.
P/1 – Você lembra algum momento especial nessa casa de retiro, algum momento que te marcou?
R – Eu fiz a minha primeira comunhão.
P/1 – Como foi esse dia?
R – Nossa... Foi demais! Muito legal! Eu me senti uma princesa. Esse dia fui almoçar na mesa junto com o padre. Os padres que tinha lá no retiro, eles disseram “Não, a Ana Maria vai almoçar aqui na mesa com a gente hoje. Hoje ela é quem manda”. E eu era copeira e ele disse “Não, hoje ela não vai servir ninguém”. Então isso me marcou muito.
P/1 – Você lembra como a senhora estava vestida?
R – Um vestido branco lindo, maravilhoso. Um vestido muito lindo, que foi a minha tia que fez. Foi muito legal, não dá para esquecer, assim...
P/1 – E a sua mãe como é que estava nesse dia?
R – Nossa, a minha mãe estava muito feliz. Muito feliz. Nesse dia os empregados não tiveram aquele “são os empregados”, eles se sentaram na mesa junto com todo mundo. Foi muito lindo!
P/1 – Você costumava frequentar festas de igrejas, festas religiosas?
R – Não, não. Não, porque lá era assim: era casa de retiro, então estudante, médico... Era de padre, mas, assim, estudante, médico, qualquer pessoa que quisesse fazer retiro, ia para lá. Então ia aquelas caravanas, entendeu? Era assim. Então alugavam... Era tipo um colégio, né?
P/1 – Ah...
R – É, era tipo um colégio.
P/1 – E você saiu dessa casa de retiro com quantos anos?
R – Ai, eu não lembro de lá para onde que eu fui... Não lembro.
P/1 – Não lembra?
R – Não lembro de lá para onde que eu fui. Eu não sei se eu fui... Eu não lembro.
P/1 – Qual é o próximo lugar que você lembra que você foi?
R – Eu trabalhei em Olinda. Aí eu já não lembro mais muito a minha idade, porque a gente ficou tanto tempo lá, que de lá eu já vim logo depois para o Rio.
P/1 – Para o Rio?
R – É. Eu fui trabalhar numa casa, eu era babá. E de lá, depois a minha patroa estava grávida, aí depois a minha mãe foi trabalhar junto comigo também, porque quando o neném nasceu, aí ela falou, disse assim “Olha, Ana, sua mãe vai ficar com as crianças, que agora eu tenho um bebe, e você vai para a cozinha”, então eu troquei com a minha mãe. Mas eu sempre tomava conta do mais velho, né? Que ele era tudo para mim. Então, é... Aí fiquei nessa casa com a minha mãe, sempre junto com a minha mãe. Era nós duas, era só nós duas. Ela era minha amiga, ela era tudo para mim... Minha parceira, a gente não fazia nada que não combinasse. Era muita união entre nós duas.
P/1 – Você lembra de algum dia, algum momento, que vocês tiveram nessa época juntas que te marcou?
R – Ah, uma coisa que eu lembro foi quando a gente foi para o Rio. A minha mãe foi primeiro para o Rio, aí depois eu fui. Então eu estava com 15 anos já. Isso me marcou. Porque aí a minha mãe me deu o meu primeiro relógio.
P/1 – Como era esse relógio?
R – Ah, um relógiozinho dourado com uma braceletinha preta. O primeiro presente que ela me deu, assim, né? Nos meus 15 anos foi isso que eu ganhei.
P/1 – Presente de 15 anos, né?
R – De 15 anos...
P/1 – Teve festa ou só presente?
R – Não, não. Não teve, não. Só foi a gente. Na casa dos outros sabe como é que é, né? Então não teve, não. Minha mãe só... Me lembro como se fosse hoje... Eu estava na escada sentada, nosso quarto ficava na parte de cima e a lavanderia embaixo. Eu desci e sentei na escada... Aí minha mãe veio de lá da cozinha com uma caixinha na mão e disse “Isso aqui é para você”. E quando eu abri, nossa... Uma felicidade (risos). Muita felicidade.
P/1 – Agora você já estava ficando mocinha, né? Com 15 anos. Você lembra o que você fazia para se divertir?
R – Nada. Não tinha divertimento, porque minha mãe era muito, muito ali, sabe? Com a minha mãe era muita disciplina. Não podia nada, não fala com ninguém, não sai... Então sempre eu fiquei junto com a minha mãe, sempre. Se ela saísse, se ela fosse sair a gente ia para a praia, que eu trabalhava na beira da praia. Então a gente no domingo ia para a beira da praia. Eu e ela.
P/1 – Mas você tinha vontade de passear? Fazer alguma coisa que a sua mãe não deixava?
R – Ah, tinha, né? Mas não tinha como. Eu ficava preocupada também, só era nós duas, né? Então eu terminava obedecendo ela mesmo, porque não tinha outro jeito. Aí quando foi depois... Quando a gente foi para o Rio a nossa vida era essa também, aí depois voltamos para Recife de novo. Nós duas. Aí eu já estava com 20 anos.
P/1 – E como é que foi essa volta para o Recife?
R – É, voltamos, não tinha casa para morar também. Porque no Rio a gente já tinha uma casa para morar. A gente no Rio teve uma casa, teve um quarto de cozinha, então uma casinha para morar. Aí voltamos para Recife e continuei em casa de família. Aí quando eu cheguei em Recife que eu estava numa casa, falei para a minha patroa, disse assim “Ai eu tenho tanta vontade de ir para São Paulo”, aí foi quando ela pegou e... Ela trabalhava com uma família que era daqui, eles aqui, né? Eu não sei que tipo de trabalho era, porque ela se comunicava com eles, né? Então simplesmente ela disse assim “Você quer ir mesmo? Então tá bom. Eu gosto muito de você, mas se você quer, eu vou realizar seu sonho”. Aí eles foram lá e até hoje eu tenho contato com eles. A patroa já faleceu, mas o meu patrão é um paizão para mim. Quando eu chego na casa dele, ele me trata do mesmo jeito que ele trata os filhos dele. Do mesmo jeito.
P/1 – Como era o nome dele?
R – José Lourenço.
P/1 – Vocês são amigos até hoje?
R – Até hoje! Os filhos dele, nossa... Eu tenho um carinho muito grande pelos filhos dele.
P/1 – A gente estava falando que você queria vir para São Paulo e a sua patroa ajudou a realizar o seu sonho. Como foi quando você chegou aqui em São Paulo?
R – Bom, uma das meninas foi me buscar. Eles tiraram uma foto minha e eles foram me buscar na rodoviária. Foi muito legal!
P/1 – Conta mais sobre esse dia, como é que foi? Como você se sentiu quando chegou na cidade? Como era a cidade?
R – Nossa... Me senti um peixe fora d’água (risos). Um peixe fora d’água. Mas eu gostei, eu gostei da casa, todos muito legais. Aí tinha uma vizinha, ela tinha uma empregada e eu já fiz amizade com essa menina. Aí tinha outra também que trabalhava com a família já, ajudou a criar os filhos do patrão, né? Então também... Mas para mim foi ótimo.
P/1 – Você lembra como era São Paulo nessa época? A aparência da cidade?
R – Bom, eu quando cheguei aqui em São Paulo, estava começando os metrôs, as construções dos metrôs, então era uma bagunça (risos). Era uma bagunça! Mas eu não saia muito também, porque as meninas não eram muito de sair a noite. O meu patrão ele era como se fosse meu pai, então se as filhas dele não saíssem, eu também não saia. Ele não deixava. Então, quando acontecia da gente sair, tinha que falar para ele que a gente ia sair, entendeu? Então um lugar que eu passeava muito e era um lugar que eu amava, era na República, era ali então, era ali. E na praça da Luz. Olha como eu era tão boba, gente, eu ia lá para ver sabe o que? O bicho preguiça (risos). Chegava lá, já ficava procurando feito uma tonta (risos). Mas era legal, muito legal. Então eu comecei depois sair com essa minha amiga, tinha noite que a gente saia, foi quando eu já comecei a trabalhar separada da minha mãe. Porque eu vim para São Paulo primeiro que a minha mãe, tem isso também, e meu patrão falou que ia mandar buscar a minha mãe, mas ele ficou “Amanhã eu vou, pode deixar, vou mandar a passagem, vou mandar a passagem”, aí o que foi que eu fiz? Eu tinha vinte anos mais ou menos, aí eu disse “Tudo bem, o senhor não quer buscar a minha mãe, então o senhor me mande embora, só comprar minha passagem e me mandar de volta”, “Não, não, não, pode deixar que eu vou buscar sua mãe”. Aí ele começou a demorar muito e eu comecei a usar o telefone para fazer ligação, foi a primeira coisa que eu aprendi, fazer interurbano (risos). Eu ligava para a minha mãe, então no primeiro mês ele já viu que não ia dar certo, porque eu estourei a conta do telefone dele. Aí ele disse “Tá bom, tá bom. Eu vou mandar buscar a sua mãe”. Aí ele foi comigo e mandou buscar a minha mãe.
P/1 – Ela veio para trabalhar nessa mesma casa?
R – Não, a minha mãe veio com a minha prima e ficou numa pensão. Com a minha prima.
P/1 – Aí ela veio aqui para São Paulo e vocês começaram a ficar próximas... Aí você começou a sair, quando foi que você teve o seu primeiro namoradinho?
R – Ah, isso aí está lá atrás. Isso eu estava com 15 anos.
P/1 – Conta para gente como é que foi...
R – Foi justamente nessa casa que eu trabalhava que eu ganhei o relógio, então a gente namorava escondido. Porque a minha mãe trabalhava na casa também, né? E a mãe dele também trabalhava na casa. Então a gente namorava escondido, mas antigamente... Não vou dizer que eu sou santa, né? Mas parece que antigamente as meninas eram mais inocentes. Ou era porque eu não estudei nada, então uma pessoa que estuda aprende, entendeu? Na minha vida eu vim estudar aqui em São Paulo. Eu vim estudar aqui em São Paulo.
P/1 – Você chegou a ir para a escola?
R – Sim! Aqui eu estudei em escolas maravilhosas. Escolas ótimas, só eu que, né, não dei o valor. Porque era hoje para eu ter um grau de estudo maravilhoso. Escolas, nossa, maravilhosas que eu estudei.
P/1 – Quais escolas você estudou?
R – Estudei no Cristo Rei, na Vila Mariana. Estudei no Liceu Pasteur, Vila Mariana e estudei no Lasar Segall, Vila Mariana também. Todas escolas maravilhosas, mas eu não dei valor. Fazer o que, né?
P/1 – A senhora saiu da escola, você lembra o motivo?
R – Simplesmente porque eu queria sair. Era só isso.
P/1 – Nessa época teve algum professor que te marcou? Algum colega?
R – Não. Eu era muito... Eu era estranha. Chegava na escola e me sentava na última cadeira lá do fundo. Não queria amizade com ninguém. Então não dava, assim, uns 5 minutos, eu dizia assim “Vou sair” e saía.
P/1 – Por que a senhora não queria fazer amizade?
R – Então, eu não sei. Não sei. Para mim, eu sempre tive um... Eu sempre achava que as pessoas eram falsas, então eu não me envolvia. Eu me incomodava nas casas que eu trabalhava, na rua que eu trabalhava, as empregadas quando paravam para conversar só falavam das patroas. Então eu dizia “Não quero amizade com elas. Por que elas só falam da patroa?”, entendeu? Aí eu dizia que não queria amizade. Então eu levava o nome de orgulhosa, de metida... Então eu conversava com as patroas, mas não tinha amizade com elas, era só um “Oi” e pronto.
P/1 – A sua amiga mesmo era a sua mãe?
R – A minha mãe. Eu não sei como cheguei... A Solange, por exemplo, né? Que era vizinha da Dona Maria e eu peguei uma amizade com ela. Então com a Solange, como eu estava longe da minha mãe, eu já com 20 e poucos anos, então a gente saia.
P/1 – Como eram esses passeios com a Solange?
R – Ah, a gente ia para o cinema, a gente ia para programa de auditório. Aí eu sempre dizia que eu era macaca de auditório, entendeu? Era muito legal, muito legal.
P/1 – Conta para gente um dia desses que você foi para o programa de auditório, como foi?
R – Maravilhoso, maravilhoso! Eu ia para auditório, a gente ia para... Às vezes a gente ia para bailinho, assim, de tarde, né, não de noite, de tarde. Até com 20 e poucos anos a gente não saia muito a noite, não. Imagine agora, meu Deus do céu (risos).
P/1 – Qual programa de auditório a senhora já foi?
R – Eu fui ao programa do Chacrinha, programa do Bolinha, no programa do... De um casal maravilhoso, a Lolita Rodrigues, que era um programa dela e do marido... No do Marcelo Costa (risos). Não perdia. Programa de televisão, minha filha... Então...
P/1 – Você ia sempre com a Solange?
R – Sempre! Eu e a Solange estávamos sempre juntas. Essa foi a única também, que para todo canto íamos juntas. Sempre. A irmã que eu não tive.
P/1 – Mas sobre esse programa de auditório, quando você ia, como é que era? Vocês entravam, ganhavam lanche?
R – Não, não ganhávamos nada, mas a gente entrava. Na época não davam nada não. A gente entrava e se divertia.
P/1 – Demorava bastante? Como é que era a gravação? Era diferente ver o artista ali perto?
R – Nossa, era legal (risos). Era legal. Era muito legal. Era divertido mesmo. A época que eu me diverti foi essa.
P/1 – Conta mais sobre essa época que você se divertia, como eram os bailinhos, como eram os namoros?
R – Ah... O baile era normal, só que hoje as pessoas não dançam, entendeu? Hoje é tudo diferente para mim, tudo diferente.
P/1 – E como eram as danças naquela época?
R – Ah, tudo dos anos 60, 70 (risos). Eram músicas muito legais.
P/1 – Tinha algum cantor que a senhora gostava em especial?
R – Nossa, o Paulo Sérgio.
P/1 – A senhora quer cantar alguma música dele para a gente?
R – Ah, eu prefiro não.
P/1 – Mas tem alguma que você gostava mais?
R – Sim, sim. Paulo Sérgio era um cantor que, quando faleceu, foi como se eu tivesse perdido uma pessoa da família, parecia que eu era maior íntima dele, sabe? Foi, assim, muito... Foi horrível! Era um amor que eu tinha pelo cantor, né, eu via lá ele cantando... Então quando ele morreu foi muito triste. Ele cantava uma música que quando meu filho nasceu... Era “Meu filho” o nome da música. É, eu acho que era esse o nome da música. Foi muito marcante essa música dele.
P/1 – A senhora não quer cantar um pedacinho só?
R – Ah, meu Deus do céu, como era o comecinho da música? Ah, eu vou pegar qualquer pedacinho...
P/1 – Pode ser qualquer pedaço.
R – “Meu filho Deus que lhe proteja. E onde quer que esteja eu rezo por você. Eu adoro ver você sorrindo" (cantando). Até hoje essa música mexe comigo, eu lembro muito do meu filho, porque não foi fácil para criar ele, eu e minha mãe. Então para mim é muito... Lembra muita coisa. Cada música dele vai lá no meu coração até hoje.
P/1 – A senhora falou do seu filho, agora eu quero saber como foi o nascimento dele, como você o teve?
R – Bom, meu filho, eu conheci o pai dele (risos)... Eu era tão tonta (risos). Na época, eu conheci o pai dele e a minha mãe não sabia que eu tinha esse namorado. Quer dizer que os namorados que eu tinha era tudo escondido. Então foi o primeiro que a minha mãe chegou a conhecer, aí minha prima falava assim “Fala para a sua mãe”, “Eu não vou falar”, aí minha prima pegou... Essa prima que veio com a minha mãe para São Paulo, né... Aí a minha prima chegou e falou para ela, tudo bem, comecei a namorar. Isso com 21, né, porque se eu tive o meu filho com 28 anos. Aí a minha prima falou. Quando eu fiquei grávida, aí foi outro nó, porque o medo da minha mãe que eu conversasse com homem eu acho que era justamente o medo de uma gravidez, entendeu? Era o medo dela, não tinha outra coisa. Então quando eu engravidei, a minha prima que falou também para ela que eu estava grávida.
P/1 – E como é que foi o que ela falou para você? O que ela falou para você?
R – Bom, até que quando a minha prima falou ela aceitou. Aceitou. Aí foi quando ele veio morar comigo, então a gente ficou um tempo juntos. Quando meu filho nasceu... Acho que a gente ficou 8 anos mais ou menos, aí depois que o meu filho nasceu, com 4 ou 5 anos eu separei dele.
P/1 - Como era o nome dele?
R – Ademar.
P/1 – E como é que você conheceu o Ademar? Você lembra do dia?
R – Ah, meu Deus. Eu morava numa pensão e atrás tinha a lavanderia. Então da lavanderia dava para uma construção, dou até risada quando lembro disso. Então nessa construção era tudo menino e um bando de mulher naquela pensão, não tinha muito homem lá na pensão. E era um respeito total, porque tinha casados, então todo mundo respeitava todo mundo lá. Então quando a gente estava lavando roupa ficava aqueles caras da construção assobiando, cantando, né, jogando charme. E a minha prima, que não era nada santa, começou a fazer amizade primeiro que eu, então ela começou “Vou arrumar um namorado para você”, ela era casada, viu, e ela, simplesmente, o pai do meu filho começou a se engraçar achando que era para ela. Aí quando ela marcou encontro disse assim “Não, não era para mim não, eu sou casada, mas a minha prima aqui é solteira”. E foi assim que eu conheci ele.
P/1 – E como é que foi esse encontro? A senhora gostou dele de primeira?
R – Ele era um cara legal, ele era legal. Enquanto a gente não estava morando juntos, ele era uma pessoa legal. Mas sempre me respeitou, nunca tive nada, minha separação dele foi por causa de falta de responsabilidade. Depois que o filho nasceu, foi eu e minha mãe que criamos. Então, ele não se preocupava com o que precisava, aí eu fui cansando disso.
P/1 – Mas a senhora era apaixonada por ele?
R – Acho que foi o único homem que eu amei de verdade. Ele era muito especial para mim. Eu só separei porque eu não estava aguentando mais a falta de responsabilidade dele.
P/1 – Foi muito difícil criar o seu filho?
R – Muito difícil.
P/1 – Conta para gente como é que foi.
R – Foi difícil, porque trabalhando numa casa e era na casa de família, eu o deixava nessa pensão. Eu trabalhava, quando ele nasceu, aí eu mudei, fui morar lá na divisa de Diadema, porque na pensão era pequeno. Aí fui morar na divisa de Diadema. E eu o deixava as vezes com algum vizinho para ir trabalhar, porque o pai dele não tinha responsabilidade nenhuma e minha mãe era quem pagava aluguel. Me lembro como se fosse hoje, pagava 10 cruzeiros, não, 10 reais, não, cruzeiros... Esqueci como se falava o valor do dinheiro, gente do céu, pelo o amor de Deus... Mas aí ele era irresponsável, e minha mãe ficava brigando comigo, porque ela via que ele não ajudava em nada. Isso era ela, entendeu? Ela e eu. Então quando eu podia, deixava o menino na vizinha, a vizinha ficava, aí quando eu chegava no dia seguinte a vizinha me entregava ele, dizia assim “Meu marido disse que eu não posso ficar”, mas eu ia pagar para ela. Aí eu tirava o menino, aí começava tudo de novo, eu ficava dentro de casa. Quando ele completou três anos eu o coloquei na escolinha, consegui colocá-lo na escolinha. Aí foi quando eu comecei a ter paz, porque aí era eu quem ia buscar, eu que ia em reunião. Eu trabalhava ali na Santa Cruz. Aí minha patroa dizia assim “Ana está na hora de você ir embora, vai pegar seu filho. Para tudo, tá bom, vai embora, você tem horário para pegar seu filho”. Eu ia, pegava ele e ia para casa. Aí nessa época, quando eu mudei, conheci uma menina nessa pensão e ela morava com duas amigas. E quando eu mudei ela ficou muito triste quando eu falei que ia mudar, porque ela não se dava bem com as amigas, aí eu disse assim “Vamos comigo”. Mas ela estava grávida também, ela estava grávida, eram duas. Então todos os dias ela chegava, trazia pão para a gente tomar café. Aí foi quando ela chegou para mim e falou um dia “Se acontecer alguma coisa comigo, você fica com a minha filha?”, eu disse “Para com isso, vai”, ela disse “Fala a verdade”, aí eu disse “Fico, mas para de falar besteira, né?”. Aí foi quando a gente mudou, não tive coragem de deixá-la lá e levei ela junto comigo. Estava eu, ela, as duas crianças e o pai do meu filho. Aí ela mudou, acho que apareceu alguém na vida dela, ela foi morar com alguém. E eu fiquei sozinha com meu filho e com marido. Eu continuava trabalhando para lá e para cá, e minha mãe trabalhava na Vila Mariana, foi quando minha mãe pegou, a patroa dela da família, né, do patrão dela, disse assim “Por que você não fala para a Ana vir morar aqui? Aí vocês pegam o dinheiro e põe na poupança, que é para vocês comprarem uma casa para vocês, porque todos os meus funcionários saíram daqui para morar na casa deles”. Foi quando eu vim morar na Vila Mariana também, aí foi quando a minha vida começou a levantar, ser melhor, porque aonde eu morava era uma chácara, um lugar maravilhoso. Lá eu consegui colocar meu filho no Colégio Madre Cabrini, ele ficou lá até a sétima série, isso mesmo, a sétima. Depois eu mudei, fui morar na cidade Tiradentes, porque a patroa da minha mãe deu um dinheiro para minha mãe comprar uma casa, que na época do Collor, a patroa da minha mãe não podia pagar o salário, porque bloqueou tudo dela. Aí ela pegou e disse assim “Pode deixar, eu vou vender a chácara e vou dar um dinheiro para vocês comprarem uma casa para vocês”. E tadinha, ela em cima da cama, porque hoje já não tem mais ela. Era ela e duas irmãs, já faleceram todas as três. Ela deu o dinheiro para a minha mãe, eu fui a cidade Tiradentes e comprei uma casa. Foi quando eu tive o direito de falar “Isso aqui é meu. Isso aqui é nosso, mãe”. Mas não foi fácil criar filho. Aí foi quando, na Vila Mariana, eu peguei e adotei, a mãe da menina chegou a falecer, e eu fiquei com a menina.
P/1 – Ela faleceu de que?
R – Leucemia. Aí eu fiquei com a menina. Então era engraçado que quando eu ia no posto, o pessoal perguntava a idade, porque via os dois do mesmo tamanho praticamente, e diziam assim “São gêmeos?”, aí quando era para pessoa, assim, que dá muita satisfação, eu dizia assim “São”, “A idade deles?”, aí eu falava. Quando eu não falava que era gêmeos eu sempre diminuía a idade dela para não especular. Quando chegava no posto o pessoal dizia assim “Ô, mãe, tem alguma coisa errada aqui”, aí eu dizia assim “O que aconteceu?”, “Por que os dois tem a mesma idade?”, aí é que eu explicava, “Não, eu adotei. A mãe dela tal...”, eu contava tudo que tinha acontecido. Mas eu adotei no papel tudo bonitinho, fiz tudo direitinho. E para mim, quando eu falo meus filhos, é porque são meus filhos. Quando eu digo assim “Depois que meus filhos nasceram”, para mim não deu nem tempo, né, porque foi como se eu estivesse de resguardo dos dois. Porque os dois chegaram tão pequenininhos, os dois juntos. O meu filho nasceu em agosto, ela nasceu em dezembro, então... Não tinha nem como eu dizer... Então quando eu falo, assim, “meus filhos” é porque são meus filhos mesmo. Para mim, eu me sinto muito orgulhosa disso. E o patrão da minha mãe falou “Não faça isso. Imagina, você vai pegar essa menina? Você nem tem aonde ficar, como vai pegar essa criança?”, eu disse “Não, aonde eu ficar, ela fica”. Aí a patroa da minha mãe, que era cunhada dele, disse assim “Pode buscar”. Como eu morava dentro do quintal dela, pedi permissão para ela, pedi permissão para o cunhado dela, que eu trabalhava na casa dele. Aí ele deu permissão para eu ir buscar, por que como é que ia fazer? Tinha que ir em reunião, buscar na escola, quando chegavam da escola eles jantavam lá comigo, enquanto eles jantavam ele mandava dar janta para as crianças, sabe? Quando foi depois o patrão da minha mãe aceitou, porque viu que não tinha jeito, né? Mas para mim foi muito gratificante.
P/1 – Quantos anos ela tinha quando você a adotou?
R – Ela tinha 6 anos.
P/1 – Como é o nome dela e do seu filho?
R – Do meu filho é Ademar Junior e dela é Andréia Aparecida.
P/1 – E a partir daí, como é que foi a vida de vocês três como uma família?
R – Então, era nós quatro, né?
P/1 – Vocês quatro.
R – Nós quatro. Então ali era os quatro juntos para tudo! Sempre juntos. Eu era muito severa com ela, eu acho que o que a minha mãe me ensinou, eu queria fazer a mesma coisa, “Não pode, não pode, não pode”, aí depois voltava “Não pode, não pode, não pode”, entendeu? Então não foi fácil, eu me via, duas mulheres sozinhas com duas crianças, então eu queria que fosse tudo do meu jeito. Hoje eu digo assim “Não fui uma boa mãe”, sabe? Tem horas que eu acho que não fui uma boa mãe.
P/1 – Por que a senhora acha isso?
R – Ah, porque eu lembro quando eu fui... Naquela época, sabe, se tivesse que bater, eu batia, não tinha esse negócio. Não obedeceu, eu batia, vou dizer para você que eu não batia? Estou mentindo. Se eu falei para um juiz que eu batia, entendeu? Tenho que falar a verdade. Então hoje, quando ela fala para mim “Ah, por que a minha filha...”, hoje ela tem uma filha e quando ela diz assim “Minha filha está assim...”, eu digo “Paciência”, hoje eu falo para ela ter paciência. Eu só espero que ela entenda que estou falando “Paciência”, porque era o que a minha mãe não falava para mim, ter paciência com ela, entendeu? Então, será que se a minha mãe falasse para eu ter paciência eu ia ter? É... Essa pergunta fica no ar. Mas não foi fácil. Mas eles começaram a trabalhar com 13 anos, aí eu falei para eles “Olha, vocês não vão parar de estudar. Vocês vão estudar”. Então depois que eu fui morar na cidade Tiradentes, eles trabalhando, começaram a sair, tinham os amigos, não paravam dentro de casa, começaram a ir para a balada, aí eu disse assim “Bom, gente, então agora a vida é de vocês”. Depois que passou a maior idade, eu disse “A vida é de vocês, agora se querem estudar, problema é de vocês”. Tanto que quando eu dizia que tinha que estudar, eu falava “Vocês não estão estudando para mim, é para vocês”, tanto que não tenho ninguém formado, não tenho. Meu filho terminou a oitava e não estudou mais. Sempre dizendo “Vou fazer faculdade, fazer faculdade”, a mesma coisa a Andréia, mas ninguém estudou mais. Aí quando reclamam da profissão que estão trabalhando agora, não tenho culpa. Acho que a partir do momento que eles já tinham as perninhas para sair, trabalhavam, dançavam, passeavam, então tinham que pensar no futuro. Eu achava que a minha parte eu já tinha feito.
P/1 – A senhora continuou trabalhando em casa de família?
R – Bom, eu trabalhei até uns 4 meses, 3 meses atrás. Era um patrão muito legal, fiquei com ele acho que 15 anos... Fiquei na casa dele. Eu falo para ele que ele é meu filho branco. Tenho um carinho muito grande por ele, ele tinha um respeito, assim, por mim. Aí como eu fiquei 16 anos na casa dele, conforme ele se casou, não sei se eu... Achei que não ia dar certo. Aí eu já estava me sentindo muito cansada, disse “Não, acho que essa menina tem que colocar uma pessoa aqui que ela diga ‘Faz’”. Ela que tem que dar ordens, não tenho mais idade, ela tem idade de ser minha filha, então não achava que estava legal.
P/1 – A gente estava falando que você ficou 16 anos na casa desse seu patrão. Como é que foi?
R – Foi legal. Ele era muito legal comigo. Sempre foi. Só que depois que ele se casou, aí eu achei que a mulher dele precisava de espaço. Então, de repente, ela não queria a roupa passada daquele jeito, não queria o serviço e ficava sem jeito de falar as coisas. Aí eu peguei e disse assim “Não, estou cansada”. Aí eu peguei e saí.
P/1 – Você passou esses 16 anos nessa casa e era nessa casa que você criava os seus filhos, como é que era o seu dia a dia?
R – Não, não. Nessa casa eu trabalhei foi aqui, aqui em São Paulo já. Aqui meus filhos já estavam todos criados, não tinha problema. Eu era diarista, trabalhava dois dias por semana na casa dele. Então, ia e voltava todo dia. Então eu que sabia das coisas, eu que colocava as coisas no lugar, eu que, sabe? Então, tudo era eu que organizava. Então quando eu vi, ele colocou uma mulher, uma menina, dentro de casa, que tinha idade de ser minha filha, eu disse “Não, o espaço é dela. Eu não tenho mais que tirar nada do lugar, colocar nada no lugar”. Aí eu fui vendo que ela, se eu guardasse um sabão, não era naquele lugar que ela queria, então ela colocava no lugar e eu continuava colocando no lugar dela. O que ela fazia eu nunca faltei com respeito, mas aquilo eu disse “A área de serviço, a casa eu sempre tomei conta, então quer dizer que agora a menina chegou e quer mudar tudo, então ela muda. Então ela coloca uma pessoa que realmente possa fazer isso, que ela dê ordem, que faça as coisas do jeito que ela quer”, entendeu? Então por isso que eu saí de lá, saí porque deixei a liberdade, a casa é dela, né? Então eu a deixei tomar conta da casa dela do jeito que ela quer. Ela falou para mim que gostava muito de mim, que não queria que eu saísse, mas eu disse “Não, estou cansada, já”, mas eu gosto muito deles.
P/1 – Você passou a sua vida toda trabalhando em casa de família?
R – Casa de família, diarista a minha vida inteira. Eu trabalhava... Tinha dois empregos. Trabalhei por mês em uma casa que eu trabalhei 10 anos, uma casa, mas os meus patrões faleceram. Foi, assim, muito... 22 anos que eles faleceram. Foi, assim, tudo muito rápido. Dentro de dois meses eu perdi minha patroa, perdi minha mãe... Perdi minha patroa, que era minha segunda mãe, e perdi meu patrão, dentro de dois meses.
P/1 – Se a senhora conseguir falar, como foi a perda da sua mãe? Como foi o dia? A senhora lembra?
R – Foi horrível. Eu estava trabalhando. Nessa época, eu trabalhava com essa família e a minha patroa estava doente. E eu dormia no emprego, era um casal já de idade. Eles eram tudo para mim, ela falava comigo como ela falava com o filho dela. Ele era uma pessoa maravilhosa, o meu patrão. Aí eu um dia estava trabalhando... Eu não sei, levantei naquele dia com vontade de ir em casa, estava louca para ir na minha casa, meu coração estava pedindo para ir em casa, mas a minha patroa, eu não podia deixar ela, ela estava em cima de uma cama. Aí eu não podia deixar ela, porque a sobrinha dela estava lá, mas eu não podia deixar. A sobrinha dela estava lá para tomar conta dela.
P/1 – O que ela tinha?
R – Ah, já foi a idade, já. Foi uma parada cardíaca que deu nela. Mas a minha mãe... Aí quando foi... Eu não podia deixar minha patroa, porque era minha companheira, era minha amiga, era tudo para mim. E um belo dia, quando a minha mãe faleceu, a minha patroa não estava, assim, tão mal ainda. Tanto que quando ligaram... Tem hora que eu fico achando que a causa da morte dela foi misturado junto com a da minha mãe, porque naquela época ninguém tinha telefone, né? Era o telefone do patrão, então na casa de patrão ninguém podia usar o telefone. Aí o pessoal ligava, desligava o telefone, ligava, desligava o telefone. Aí teve uma hora que a minha patroa atendeu, então nessa época ela não estava em cima da cama ainda, né? Mas ela, simplesmente, não estava bem, mas aí deram a notícia para ela, porque ligaram na loja do meu patrão, não conseguiram falar com ele. Aí quando conseguiram ligar na casa dele, no meu emprego, aí foi quando disseram diretamente para minha patroa “Diga para a Ana vir para a casa que a mãe dela morreu”, já disse numa tacada só, já falou de uma vez. Então a minha mãe foi dormir e não acordou. E meus dois filhos estavam em casa, e foram eles que tomaram conta de tudo até eu chegar. Aí minha patroa me deu dinheiro e disse “Pega um táxi e vá para a casa”. E foi isso que eu fiz, não foi fácil. Mas a minha faleceu em fevereiro e a minha neta nasceu em janeiro. Então Deus deu um e tirou outro. Então eu acho que foi por isso que eu disse “Não posso baixar a cabeça, porque eu tenho que ajudar a cuidar dessa menina agora, ela vai precisar de mim. E tenho certeza de que a minha mãe não ia deixá-la desamparada, eu tenho que ficar, eu tenho que levantar a cabeça”. Coloquei na mão de Deus e disse “Vamos lá!”.
P/1 – E como é que foi o nascimento da sua neta?
R – Foi ótimo, porque os dois se conheceram e meu filho falou com ela para morar lá em casa. Eu perguntei para ele “É isso que você quer?”, ele falou “É”, eu disse “Tá bom”. O meu patrão trabalhava com móveis, fui lá na loja e disse assim “Eu quero uma cama de casal” e montei um quarto para eles. Aí ficou lá até quase a menina nascer, aí os dois se separaram. Não é porque se separaram que eu ia ficar longe dela, da mãe da minha neta, de jeito nenhum. Não desprezei ela. E tinha um motivo muito forte, que ela tinha um filho. Esse menino, para mim, quando entrou na minha casa, foi uma luz maravilhosa. Ele entrou na minha casa estava com meses. Então para mim foi uma luz maravilhosa. Não olhei se a mãe tinha defeito, qualidade, não pensei em nada. Recebi de braços abertos ela com o filho dela. Aí quando foi depois ficou grávida e eu disse “E agora, fazer o que, né?”. Para mim foi muito importante, só não me deixou mais feliz, porque a felicidade seria mais completa se minha mãe tivesse acompanhado ela também. Mas como a minha mãe não teve essa graça, então eu tive que substituir a minha mãe. Ser vó duas vezes.
P/1 – E como é que foi a partir de agora, a partir desse momento?
R – Agora?
P/1 – Desse momento que seus netos chegaram...
R – Para mim foi muito importante, porque quando foi depois chegou a outra também, né? A da minha filha. Depois dela nasceu... Meu filho quando separou da mãe dela, conheceu outra menina e teve outra neta. Aí depois a minha filha também. Então tenho três netas, são minhas três princesas. São tudo para mim. Posso não demostrar muito, sabe? Porque eu acho que eu criei, crio, do jeito que a minha mãe me criou, fazendo o que posso e o que não posso por eles. Então, esse negócio de dizer assim “Não está precisando, se está precisando, é para ajudar”. Então a minha filha, quando nasceu a filha dela, porque ela dizia... Eu não podia falar nada, porque ela dizia assim “A mãe sou eu!”.
P/1 – Vocês moravam juntas?
R – Morava tudo junto. Aí ela dizia assim “A mãe sou eu!”. Então isso, para mim, criou uma barreira, eu não falava nada. E até hoje, quando tem atrito entre as duas, a única coisa que eu falo é “Tenha paciência”, porque se ela está falando para desabafar, eu não posso dizer nada. Aí com oito anos a mais velha veio morar comigo.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Luana. Tem Luana, Ana Carolina e Letícia. Então... E tem o mais velho, né? Que é o irmão da Luana, que é o Jonathan (risos). Esse daí, quando entrou na minha casa era tudo para mim.
P/1 – Você quer falar um pouquinho sobre ele? Como foi a sua relação com ele...
R – Nossa, foi maravilhosa, porque ele era um bebê, e quando a minha mãe estava em casa, então ficava... Quando os patrões da minha mãe faleceram e minha mãe foi para casa. Eu continuei trabalhando com essa senhora e a minha mãe ficava em casa com eles. Então, às vezes, quando chegava aquele dia de eu ir em casa, quando eu chegava em casa, eu acordava ele. E a mãe ficava, né, chateada, porque dizia “Não é possível, ele tem que dormir. Ele está dormindo, não acorda ele”, eu dizia “Eu acordo sim. Eu vou embora amanhã de manhã e ele está dormindo”. Então ele foi muito especial para mim. Ele é muito especial para mim. Mas hoje eu não vejo muito ele, porque eu me mudei, então... Mas ele deve estar bem.
P/1 – Você falou que a sua neta veio morar com você, por que que isso aconteceu?
R – Porque a mãe dela precisava trabalhar e não tinha com quem deixar todos eles, né? Então ela dividiu os filhos. Ela veio para mim, o mais velho foi para a casa da vó. Então, por isso que eu fiquei com ela. E depois que a mãe dela se casou de novo, aí foi quando ela disse assim “Não, vai ficar comigo”, eu disse “Não”, aí ela não quis ir, ela não quis ir mais ficar com a mãe.
P/1 - Como é a relação de vocês duas, você e a sua neta?
R – É boa. A gente vai levando. A gente se entende. Tem hora que, né? Toda família, como dizia minha mãe, todas famílias têm trancos e barrancos. Mas a gente é unida, graças a Deus. E depois que os filhos foram morar tudo longe, só tenho ela do meu lado.
P/1 – Você criou a sua neta trabalhando em casa de família, você quer falar algum momento marcante desse seu trabalho?
R – Então, quando ela estava comigo, tinha uma moça, vizinha, que ficava com ela. Então já com oito anos ela ficava em casa, mas aí eu deixava a vizinha de alerta, “Olha, por favor, não deixa ela fazer comida, não deixa ela acender fogão”, né? Oito anos. Então eu tinha aquele... Então eu preferia pagar para a moça e a moça dava comida já pronta para ela, ela ia para escola... Então foi assim. E ela, essa moça, era muito legal comigo, a que tomou conta dela. Não só dela, tomou conta do irmão dela também, tomou conta da outra neta que nasceu, a da minha filha. Era uma vizinha maravilhosa. O nome dela é uma estrela abençoada.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Noemi. Ela tem uma estrela abençoada aquela mulher. Não tinha um vizinho que não deixasse os filhos com ela para ir trabalhar. E não adiantava, depois se quisesse tirar, não adiantava, porque eles se apegavam muito a ela. Ela é uma pessoa muito especial.
P/1 – Você falou do seu namorado, com quem você teve o seu filho, Ademar. E depois dele, você teve outros namorados, outros casamentos?
R – Sim, não fui santa, né? Ninguém é santa nesse mundo. Mas para por dentro da minha casa eu não quis mais ninguém. Porque aí eu tinha a minha filha, eu tinha os meus filhos. Então eu dizia “Como vou colocar uma pessoa estranha na minha casa? Não quero que olhe feio para o meu filho, não quero que brigue com meu filho, não quero que fique dizendo que minha filha é engraçadinha, é bonitinha. Não, não quero nada disso”, então eu não queria. Então se eu arrumasse alguém, seria da porta para fora e não vinha na minha casa. Aí depois que os meus filhos saíram de casa, depois que eles cresceram, saíram de casa, eu tinha uma pessoa que ia na minha casa, mas eu trabalhava. Eu trabalhava, dormia no emprego, então essa pessoa não era uma pessoa que me prendia, que dizia “Não, não sai não”, a minha vida era livre, então ninguém mandava em mim. Aí foi quando, depois que a minha neta veio, aí foi quando eu disse “Não quero mais ninguém... Agora que eu não quero ninguém vindo aqui. Não quero.”, porque ele tinha a chave da minha casa, sabe? Eu não confiava em ninguém. Então tudo que a minha mãe ensinou, eu fiquei com essa desconfiança das pessoas, então eu não queria. Aí foi quando eu disse “Não, chegou! Não quero mais ninguém, agora eu vou ficar sozinha”. Então, se eu arrumasse, não falava para ninguém. E agora é somente eu, eu e eu mesma.
P/1 – A senhora saia para se divertir, mesmo com seus filhos e netos?
R – Não, porque eu não saia depois disso, porque aconteceu o seguinte: eu já dormia no emprego, então quando eu vinha para casa no sábado, eu chegava no sábado a noite, aí no domingo já tinha que ir embora. Então eu tinha que curtir minha família. A minha mãe estava em casa, mas como não durou muito isso, né, porque minha mãe veio a falecer e foi quando os meninos já ficaram só. Mas aí depois que a minha neta veio para a minha vida, eu disse “Não”, eu trabalhava, mas vinha todo dia para a casa. Quando os meus patrões faleceram, que a minha mãe faleceu, a minha patroa faleceu e meu patrão, isso que eu estava contando... Então, em dois meses eu perdi o três. Eu fiquei totalmente... Não tinha chão para pisar, porque eu perdi tudo. Aí foi quando eu peguei e eu disse “Não, agora vou trabalhar de diarista, porque todo dia eu venho para a casa”. Aí foi quando eu comecei a trabalhar de diarista e trabalhei até acho que dois meses atrás. Aí foi quando eu parei.
P/1 – Como era trabalhar de diarista em casas diferentes?
R – Casas diferentes. É, quando eu trabalhava por mês, teve uma época que eu trabalhava em dois empregos, como eu estava contando e não terminei. Trabalhava em dois empregos. Eu trabalhava numa casa, essa mulher, que eu trabalhava com ela, que eu fiquei 10 anos na casa dela, e eu fazia bico de 4 horas no banco, para poder segurar, né, em casa, com duas crianças eu precisava ganhar mais. Porque era eu, a minha mãe e os dois, só isso. Então precisava manter tudo. A minha mãe quem pagava aluguel, minha mãe então disse “Não, então você tem que ganhar mais”. Aí foi quando eu os coloquei em uma escola particular, era meia bolsa deles, graças a Deus me ajudaram bastante na escola, os vizinhos. Era um bairro nobre, né? Vila Mariana, então os vizinhos da minha patroa, da patroa da minha mãe, ajudaram muito a gente, pagando bolsa, pagando material. Aí nessa época eu trabalhava por mês, aí depois que a minha mãe faleceu eu comecei a trabalhar por dia, porque eu perdi meus patrões, aí eu comecei a trabalhar por dia.
P/1 – Você sempre teve patrões bons ou não?
R – Sim. Trabalhou e fez o serviço direitinho eles são maravilhosos. Se você é honesto e trabalha bem, eles são maravilhosos, não tem defeito (risos).
P/1 – E como era o bairro da Tiradentes, onde você morava nessa época do nascimento dos seus netos.
R – Ah, para mim era legal, porque eu saia cinco horas da manhã e quando eu voltava, eu chegava já era noite, então saia de noite e voltava de noite. Aí os meus filhos já estavam todos grandes, cada um se virava. Aí nessa época a minha neta não estava comigo ainda, mas tinha os dois. Não tenho o que dizer da cidade Tiradentes. Precisei de hospital, fui bem atendida, não tenho o que dizer.
P/1 – Precisou de hospital?
R – É, hospital, posto. Para mim eu fui bem atendida lá, para a mim sobre a Tiradentes não tem o que dizer. Aí depois foi que eu mudei.
P/1 – Mudou para onde?
R – Eu primeiro mudei para um apartamento na Tiradentes mesmo, aí depois eu vim morar mais perto do metrô e hoje é onde eu estou morando, perto do metro, perto do trem. Bem melhor de onde eu morava sobre isso. Não vou dizer que lá não tem condução, tem bastante, mas como eu estou mais perto do metro, então para mim ficou bem melhor. E meus filhos foram trabalhar, minha filha mudou, meu filho também, então é somente eu e minha neta, aí fica melhor para ela. Porque lá era muito longe, então não tinha condições para ela.
P/1 – Tem alguma história marcante sua com a sua neta que você queira contar?
R – Não. A nossa vida é uma vida, assim, quando a gente quer fazer alguma coisa a gente faz. Dá uns cincos minutos e a gente diz assim “Vamos em tal coisa?”, “Vamos!”. A gente se dá bem, graças a Deus. Ela é parceirinha (risos).
P/1 – Sobre a sua história, tem algum momento que foi importante para você, que você não citou, que você queira falar agora de um momento que te mudou?
R – Não. Minha vida sempre foi batalhando, sempre foi trabalhando. Se eu fosse contar tudo, todos os trabalhos, toda a minha rotina de trabalho, a gente ia ficar aqui... Entendeu? Porque, na época, quando eu não tinha filho, eu não tinha responsabilidade de trabalho. Para mim tanto fazia estar trabalhando, eu dizia assim “Vou embora”, era assim que eu fazia nos empregos, sabe? Então não tinha esse negócio de ficar, agora aí depois que eu tive meu filho eu disse “Não, agora eu tenho que baixar a bola e ficar quietinha e tenho que trabalhar, porque eu preciso do leite de cada dia”. Aí depois no lugar de um eram dois, aí pronto, dobrou, né, então aí que eu tive que trabalhar mesmo (risos). Mas eu como eu digo, a minha vida sempre foi um livro aberto, aí eu falo “com algumas folhas dobradas”, né? Mas não tenho muita... Eu e minha neta a gente se dá bem, graças a Deus. Era a mesma coisa eu mais a minha mãe. Eu mais a minha mãe, quando a minha mãe recebia, a gente colocava nosso dinheiro juntos e dizia assim “Esse é pra isso, esse é pra aquilo, esse é pra aquilo”, era assim que a gente fazia. Então a gente se dava muito bem. Eu não sei se também, né, eu não era nova, aí marido separei, o menino com 6 aninhos. A minha mãe que pegava no meu pé. Será que esse negócio de trabalhar em dois empregos, também, não foi mais para poder dizer, assim, um campo de escape, que era para poder eu chegar em casa e estar todo mundo dormindo e pronto, entendeu? Pode ter sido isso também, por que não? Foi a maneira que eu achei de... Eram umas pessoas muito legais, nunca me envolvi com ninguém do emprego, era todo mundo muito legal. Sempre fui respeitada nos empregos, sempre respeitei, graças a Deus. Sempre. Tinha um patrão que era engraçado, ele não podia beber, mas quando ele chegava em casa na hora do almoço, ele chegava no... Esse que eu trabalhei 10 anos com eles... Ele sabia que eu gostava de tomar o Saint Remy, aí ele falava assim, vinha com uma tacinha, um golinho só, e dizia assim “Toma, toma, toma que a Nadir está vindo. Toma que é para a gente almoçar”, ele era uma pessoa muito legal. O casal, né? Porque ela se preocupava comigo realmente como se eu fosse filha dela. E até hoje os filhos deles me tratam bem! Não sei, o meu passado foi tantos altos e baixos que eu nem sei te dizer...
P/1 – A gente tem todo tempo, pode contar a qualquer momento.
R – (Risos). É... Lembro que trabalhei numa casa, essa que eu trabalhava, essa minha patroa mandava eu ir embora, que eu ia pegar o filho na escola. Um dia ela estava com uma pressa, uma pressa, eu não sabia o que estava acontecendo, era o meu aniversário. Eu senti o cheiro de bolo, né, jamais imaginava... E ela simplesmente na hora que eu terminei de fazer as coisas, os serviços, terminei, tomei banho, troquei... Enquanto eu fui tomar banho, eles arrumaram a mesa, quando eu saí do banheiro estava ela, os filhos e a menina que trabalhava lá, todo mundo cantando parabéns para mim. Essa também é uma coisa que eu não esqueço, porque foi muito marcante na minha vida. E depois disso só quando fizeram, também, esse rapaz que eu disse para você que ia na minha casa, teve um dia que fizeram uma surpresa para mim. Eu cheguei tinha cartaz, tinha tudo (risos). Tinha cartaz, tinha tudo no portão, me esperando, sabe? Tinha uma amiga que morava no meu quintal e somente a gente mesmo, não teve ninguém... Aí só estava a minha filha, nessa época o meu filho não morava comigo. Mas a minha filha estava comigo. Então são essas as lembranças que eu tenho boas. Uma lembrança boa que eu tenho foi quando o meu filho nasceu, a minha filha quando chegou, que quando ela foi para a minha casa, que foi para ser minha, foi como se ela tivesse nascido, né? Que quando disseram “Essa daqui é sua”, com documento tudo em ordem, então foi como se ela tivesse nascido. Aí depois veio o nascimento dos netos... Para mim tudo é felicidade. Não tenho... De repente eu ainda tenho alguma coisa logo atrás, mas no momento... A idade não permite mais que lembre mais nada (risos). Só se você começar a ir puxando, de repente vem alguma coisa (risos).
P/1 – Você nunca mais voltou para a sua cidade natal?
R – Não, não fui mais. Meu filho já fez 41 anos, então já tem uns 43 anos que eu estou aqui em São Paulo. Não voltei mais pelo seguinte, porque a minha família era eu e minha mãe. Se a minha mãe tinha irmão... Ela tinha um irmão, mas o meu tio ele só queria a companhia para a minha mãe dar dinheiro para ele, porque ele bebia. Tanto que ele veio para São Paulo, tanto infernizou que a minha mãe... Ele achava que a minha mãe tinha casado, então ele disse “Ahá”. Teve uma pessoa que falou para ele que ela estava namorando com um, uma palavra bem... Com um homem rico. Disseram isso para ele, simplesmente ele veio para São Paulo. Aí eu disse, “Realmente ela está morando sim, estamos morando”. Aí foi quando eu mostrei a ele que a gente morava, nessa época eu já era caseira, e a gente morava no quintal do emprego. Eu disse “Então, está vendo? Ela está morando aqui. O quarto dela é esse aqui no fundo, aqui no quintal e o velho rico que falaram para o senhor, é o patrão dela. Ele que paga o salário dela. O salário que o senhor quer, é ele que paga para ela”. Aí fui ficando chateada, ele ficou em cima de uma cama, e nessa época eu estava com o pai do meu filho ainda, e os dois bebiam demais, aí foi quando eu falei para a minha mãe “Manda seu irmão embora, ele só quer tirar o que a senhora não tem”. Aí foi quando ela pegou e falou para ele ir embora, aí logo em seguida, também, eu separei do pai do meu filho e a gente começou a viver a nossa vidinha só nos quatro. Eu, ela e os dois filhos.
P/1 – E o Ademar foi para onde? Foi para longe ou continua...
R – Não, ele foi morar lá numa construção, que ele era encarregado de pedreiro, e ele morava na construção. Então ele foi embora morar na construção. Mas eu não via mais ele.
P/1 – Ele não tinha contato com o filho?
R – As vezes ele aparecia, às vezes. Aí depois quando fui morar na Tiradentes, foi quando ele não foi mais. Aí ele foi morar com a irmã dele já, né, ele seguiu a vida dele e eu segui a minha. Graças a Deus. Hoje ele já faleceu. Hoje não temos mais ele, sempre eu dizia para ele que parasse de beber, porque ele não estava nada bem, ele continuava bebendo, mas ele não escutou, então morreu de cirrose, infelizmente. E meu filho tem um irmão, filho dele, na Bahia também. Eu vim conhecer o menino depois que ele faleceu.
P/1 – Como foi essa história? Conta para a gente.
R – Então, ele foi para a Bahia e quando ele voltou em pouco tempo, ele recebeu uma carta e eu achei a carta. Aí foi quando eu descobri que a mulher dele estava grávida. Ele falou que estava separado dela, mas ele foi para a Bahia e deixou a mulher grávida. Aí ele veio e falou para mim que não, que não era dele, que não estava com ela. Aí depois disso quem foi grávida foi eu, tanto que o menino, o mais velho, negócio de meses também, né, é mais velho por pouco tempo, não é muito. Ele me chama de mãe também.
P/1 – Vocês tiveram bastante contato? Você e esse menino?
R – Não, porque ele veio aqui em São Paulo e eu fui conhecer ele e a esposa dele, mas nunca fui lá na Bahia para conhecer a mãe dele, nada. Não fui. Eu conheci a mãe dele quando eles eram todos pequenos. Porque um dia ela foi na minha casa, porque foi procurar ele, ele ainda estava comigo, quando morava na divisa de Diadema... Aí um dia ela foi na minha casa procurando ele, aí eu disse que ele não estava, ela deixou um bilhete, um recado, para ele ir lá procurar ela, mas não disse quem era. Ela disse que era prima. Só que eu não achei que era prima, porque quando eu bati o olho no menino eu disse “Não, não é prima não, é a ex dele e esse menino é o filho dele”. Aí quando ele chegou eu falei para ele, no dia seguinte ele foi lá e conversou com ela. Aí quando ela foi embora, quando ela voltou para a Bahia, ela deixou um bilhete com um vizinho, quando eu saí para trabalhar, para entregar para ele. Só que o vizinho virou para mim e disse assim, acho que ele estava querendo entregar para mim, né, “Eu tenho um negócio aqui para Ademar, quando ele chegar fala para ele”, “Tudo bem, mas o que é? Eu entrego, pode deixar!”. Aí tanto que infernizei, infernizei o homem, ele me deu. Aí eu descobri que ela é “de boa”, como dizem os jovens hoje. Ela não queria nada de mal para mim e para o meu filho, ela estava cobrando era a ele, não era a mim, entendeu? O negócio dela era com ele, não era comigo. Mas ela já se casou de novo, ela está feliz, graças a Deus. Mas eu nunca fui conhecer ela, depois disso não a vi mais. Mas a vida é cheia de altos e baixos mesmo.
P/1 – E com seu filho, você tem alguma história que você se lembre que você gostaria de contar?
R – Não. Vivo bem com os meus filhos, cada um no seu lugar, né, que eles escolheram. Depois que cresce cada um tem que tomar seu rumo. Não é que hoje que eu moro com a minha neta que eu vou dizer para ela assim “Você não saia de perto de mim”. Eu não posso. A vida a Deus pertence. Hoje ela pode dizer para mim “Não, eu não vou deixar a senhora”, mas eu não sei amanhã como é que vai ser. Eu não separei da minha mãe, mas eu não sou obrigada a dizer para ela para ficar comigo, entendeu? Ele queria que eu fosse morar lá onde ele está morando agora, mas eu achei que não seria legal, porque ele está morando com a menina, então eu acho que eu não tinha que invadir o espaço dele. A minha filha a mesma coisa, queria que eu fosse morar com ela, mas também achei que não seria certo invadir o espaço dela também. Eles falam “A hora que vocês quiserem vir, a porta está aberta”, mas eu peço a Deus que eu não precise ir ficar com eles. Então não estou livre da minha neta também dizer a mesma coisa para mim “Vó, fui”, entendeu? Mas é isso aí.
P/1 – E as amizades ao longo da vida, a Solange, você continua amiga dela?
R – Continuo. Eu conheci uma menina também na Vila Mariana, a Vilma, ela é uma irmãzona também. Mas como ela mora longe a gente se fala só por telefone, Facebook, WhatsApp (risos). Mas ela é uma amigona, eu gosto muito dela, gosto muito dos filhos dela. É aquela que quando eu preciso, ela está lá para me escutar, é aquele ombro amigo. Se for para dar risada, ela dá risada comigo, se for para chorar, ela chora junto comigo. Porque muitas vezes escuto alguma coisa e não conto, conto para ela. Também, muitas vezes, tem coisas que eu termino não contando, porque as vezes você vai fazer um desabafo e a pessoa quer te ajudar, mas só que, muitas vezes, a pessoa pensa que está ajudando, mas fala coisa que não é para falar. Então, às vezes, a pessoa quer fazer um desabafo, mas ela só quer que você escute, só isso, entendeu? Então tem hora que fala alguma coisa, assim, que aí você pensa “Pô, não era isso que eu queria escutar”. Outro dia eu falei para minha neta “Tem muita gente que termina levando muita mágoa ao túmulo”, porque termina não contando para ninguém. O nosso coração, por mais que você tenha uma amizade muito grande com uma pessoa, alguma coisa tá lá no fundinho do seu coração e você não quer falar, sabe? Eu sou o tipo da pessoa que não gosto de magoar ninguém. Eu não gosto, eu me sinto mal quando eu falo alguma coisa. Eu tenho uma mania de pedir muita desculpa para todo mundo, porque se eu falo alguma coisa... A pessoa me mandou uma mensagem e eu não respondi, “Desculpa, o telefone descarregou. Desculpa!”, sabe? Eu tenho essa mania, porque eu tenho muito medo de magoar as pessoas. Então quando as pessoas me magoam, eu simplesmente só choro. Eu só choro. Por isso que todo homem que eu conheci, agora chegou a hora de falar sobre isso, eu fiquei sozinha. Por quê? Porque eles não disseram “Tchau” para mim, eles não diziam. Aí depois eles sumiam, aí eu chegava e eles dizia assim, quando encontrava um, “Nossa, tanto tempo!”, aí dava aquele abraço apertado em mim, sabe? Mas por que que sumiu? Se deu esse abraço tão apertado, é um abraço de quem não foi embora, mas por que sumiu? Aí depois eu descobri, para não me magoar. Me magoava do mesmo jeito, mas eles achavam que se eles saíssem da minha vida, não estavam me magoando. Aí depois que eu escutei isso de um, eu comecei a adaptar isso, disse “É assim mesmo? Então tá bom, vai com Deus”. Então eu comecei a pensar assim, “Gente, eu não posso magoar as pessoas”, se eu falo alguma coisa que magoa aquilo fica me comendo por dentro, “Nossa, eu falei alguma coisa para fulano e fulano não gostou”, então enquanto eu não chego na frente da pessoa e falo, aquilo para mim me incomoda. Eu estava querendo procurar um psicólogo para poder ver como eu posso me desapegar disso. Eu não tenho muita amiga, pelo seguinte, porque eu sempre acho que as minhas amigas... Essa Vilma, que eu conheci depois da Solange, eu me entendo melhor com a Vilma do que com a Solange sobre isso. Porque são essas amigas que eu tenho, né? Só pessoas que eu conhecia, vizinho, nunca fui de ficar na casa de vizinho, nunca gostei disso, nunca tive tempo para isso. Então eu não ficava, preferia ficar dentro da minha casa, prefiro assistir minha televisão, meu cantinho. Porque eu sempre achava que tudo que falava, minhas amigas sempre diziam... Não sei se era porque estudaram, sabiam mais... Então eu me achava sempre sabe aquela bolachinha que está lá, que comeram e esqueceram uma embaixo, é assim que eu me sinto. Então eu prefiro não dizer, assim, para um monte de amigas. Não posso dizer isso, porque não dá certo. Eu fico muito desconfiada de tudo. “Por que fulana sumiu, será que eu fiz alguma coisa com ela, será que eu falei alguma coisa para ela?”, eu fico preocupada com isso. Mas, como diz o ditado, vida que segue, né? (risos)
P/1 – E agora, como é a rotina da senhora, o que a senhora gosta de fazer, o que te diverte?
R – Nossa, eu adoro fazer tanta coisa, sabe? Nada (risos). Não gosto de fazer nada (risos). Não faço nada, porque eu fico dentro de casa. Só tem uma coisa boa, que eu fico dentro de casa e faço as coisas dentro de casa quando eu quero mesmo. Aí tenho um companheiro, que é o meu gatinho, Durval, não podia deixar de falar do meu gatinho, que é o meu príncipe. É o nosso companheiro dentro de casa. Mas para sair, é difícil. A minha neta, para me tirar de dentro de casa, se ela quer que eu vá para algum lugar, ela faz as coisas na surdina, aí depois ela joga no meu colo, “Vó, não adianta mais que eu já fiz”. Mas vou dizer para você que eu, para sair, não adianta. Não sou de sair de dentro de casa.
P/1 – Foi sempre assim?
R – Sempre fui assim. Sempre fui assim. Mesmo que eu ia na casa do vizinho, quando chego lá, eu vejo o vizinho falando do outro vizinho, aí você diz assim “Ah, então quando não estou aqui, fala de mim?”, entendeu? Então eu coloquei isso na minha cabeça. Se está com outra pessoa, não é assim, gente. Mas eu tenho que mudar isso, mas não adianta, com a idade que eu estou, não adianta. Mas eu teria que mudar, fazer alguma coisa, sabe, porque eu tinha que fazer alguma coisa para poder viver mais. Eu fico muito dentro de casa, não quero saber de nada, não quero saber de ninguém. Tem gente que diz assim “Nossa, você mora aqui? Não sabia que você morava aqui” (risos), porque ninguém me vê, entendeu? Outro dia eu desci, cheguei e falei para a vizinha assim “Boa noite, vizinha!”, “Ah, você é minha vizinha, não te conheço”, disse: “Ah, então eu sou sua vizinha, moro ali” e mostrei para ela. Só que a conhecia, por quê? Porque como eu sou muito medrosa, qualquer barulho que eu escuto eu quero ir na janela para ver o que está acontecendo. Alguém gritou, o carro brecou, eu quero ver o que está acontecendo. Então eu via a mulher entrando e saindo da casa dela, tanto que eu tive a intimidade de falar “vizinha”, né? Falei “vizinha” porque eu sabia que ela era a minha vizinha, mas ela não me conhecia. Ela não estava lá olhando para cima pensando “Que janela que ela mora?”. Mas eu sempre fui assim. Sempre, de dentro de casa. Sempre.
P/1 – Os passeios eram para auditórios com as amigas?
R – Ah, quando eu era jovem, sim. Quando eu não tinha filhos, sim. Mas depois que os filhos chegaram, minha filha, era trabalho, trabalho, trabalho, trabalho. Fazia de tudo para não deixar faltar nada para eles. Trabalhando honestamente, graças a Deus. Sabe, tem hora que eu digo assim, “Acho que eu não fui uma boa mãe”, aí tem hora que eu falo assim “Fui. Eu sou honesta”, então...
P/1 – E tem alguma coisa que a senhora ainda quer fazer? Tem muita vontade ainda de fazer?
R – Ah, se eu pudesse eu só ia viajar agora, só passear. (risos)
P/1 – E qual seria o destino dos seus sonhos?
R – Ah, passear.
P/1 – Pode ser para qualquer lugar?
R – Passear. O negócio é passear. Sabe, porque para todo lugar que eu vou para mim é novidade. Para quem vivia em programa de auditório, ia para teatro, ia para cinema com a minha amiga... Então hoje, agora que o ano está acabando, agora eu comecei a fazer isso, entendeu? E com minha neta, a minha neta que me carrega, não é com amiga, não. Porque quando eu chamo uma amiga para ir no cinema, a amiga fala assim... Eu falo ”Fulana, vamos no cinema”, “Eu não gosto de cinema”, como é que eu vou fazer? “Vamos ao teatro?”, “Não gosto”. Então quando a minha neta diz assim “Vamos”, aí eu vou, porque se eu não for, né, ela já fez a programação, aí eu digo “Agora tenho que ir”. (risos)
P/1 – AÍ é só aproveitar, né?
R – Só aproveitar, é verdade. Mas tinha vontade, agora que eu estou aqui em São Paulo, no tempo que eu era sozinha, que eu não tinha filhos, tem muito lugar bonito aqui... Então hoje quando eu vejo na televisão, digo assim “Nossa, gente, tanto lugar bonito em São Paulo e eu não conheci esse lugar”, entendeu? E hoje por causa do perigo, o medo... Eu tenho muito medo de ficar na rua. Agora eu tenho problema de saúde, assim, tenho o problema que eu perdi uma vista, então quando é a noite eu não posso sair sozinha. Então, eu fico... Quando eu estava trabalhando, até 15hrs eu estava bem, mas quando dava 15hrs eu entrava em pânico, porque eu queria ir para a casa. Então, quando eu saia do emprego, eu saia com, sabe, cortando todo mundo. Minha meta era chegar em casa. Então se o metrô está cheio, se o trem está cheio, se o ônibus estava, não, eu quero entrar, eu vou entrar e eu vou para a casa. Esse era o meu problema, a minha meta era essa. Então estou assim agora. Então se for para eu sair sozinha, eu não saio. Assim, para ir em algum lugar de noite, nem pensar. Mas a minha neta me carrega para eu sair de noite, vai para lugares. Mas, assim, quando eu estou lá eu fico assim “E aí, tem dinheiro para pegar um taxi?”, “E aí, vai dar tempo?”, “E aí, a gente vai chegar muito tarde?”, é assim que eu fico. Quando eu chego em casa, eu só agradeço a Deus. Mas esse é meu medo. E minha preocupação é porque a minha neta fazendo faculdade, ela chega tarde em casa. Então eu fico naquela, né, “Meu Deus, será que a família já está toda em casa? Cadê a menina que não chega?”, aí eu fico na janela olhando, até ela chegar, aí eu fico olhando. Mas eu coloco tudo na mão de Deus. Tudo na mão de Deus. Vou dizer, eu sou católica apostólica romana, mas não praticante, porque, outra coisa também, eu ia na igreja quando eu morava na cidade Tiradentes e via aquelas mulheradas lá tudo saindo, ah, meu Deus do céu, que coisa horrível... Eu saia da igreja e saia aquelas, né, saia todo mundo “Você viu como é que fulano estava? Você viu a roupa? Você viu o cabelo?”, então para mim aquilo foi criando aquele negócio no meu coração que... As pessoas são falsas! Então ninguém me muda, não adianta. Eu queria pensar diferente, mas quando uma pessoa me trata, assim, com muito carinho. Eu sou muito grata a essa pessoa. Eu não podia deixar de falar de uma pessoa que me trata muito bem, sabe? Essa pessoa... Aonde eu estou morando hoje, foi ela que arrumou para mim. Ela foi numa excursão, ela me levou. Ela me tratou muito bem. Ela não me deixou gastar um centavo, ela foi uma pessoa muito especial para mim naquele dia, sabe? Então, é uma pessoa maravilhosa. E daí eu penso “Eu não estou sozinha”. A Lena ela tem as duas filhas que são amigas da minha neta e tem um filho. Mas eles são importantes para mim. Só que é do meu jeito, eu sou assim, eu sou quieta. Não fico “Lena, vamos...”, não sou. Ela pode até pensar “Nossa, mas ela não me procura, ela não vem aqui”, não é, é porque é de mim, eu sou muito de dentro de casa. Mas eu tenho um carinho muito grande por ela, sabe. Deus é maravilhoso, ele coloca pessoas importantes no meu carinho. Também quando eu vejo que a pessoa não é, filha, eu não procuro mais a pessoa.
P/1 – Como foi essa excursão que vocês fizeram? Conta do dia.
R – Ah, foi maravilhoso.
P/1 - Como foi pegar o ônibus? Conta todos os detalhes.
R – Ah, sim. Foi maravilhoso. A gente foi até o terminal Itaquera, pegamos o ônibus, foi muito bem, dei muita risada, muita risada. Fazia tempo que eu não saia (risos). Dei muita risada, o pessoal do ônibus não conseguiu dormir, porque nós duas não deixamos. Ela é uma pessoa muito divertida. São pessoas, assim, ela é do mesmo signo que eu. Acredito que quando eu era mais jovem, eu tinha a mesma atitude dela, queria fazer amizade com as pessoas... Só quando eu via que a pessoa não dava certo, eu saia fora. Eu tinha mais outra coisa, as minhas amizades não eram mulheres, eram homens. Mas era na base do respeito, quando eu via que não estava querendo levar para o caminho certo, eu cortava a amizade. Que eu sempre dizia “Mulheres são falsas”, era isso que eu falava, sempre eu achava isso, entendeu? Então meus amigos eram homens. Desde que eu visse que estava no respeito, tudo era respeito... Mas foi muito legal o passeio, foi muito... Nossa, fazia muito tempo que eu não saia de casa.
P/1 – Foi para onde?
R – Para Ilhabela (risos).
P/1 – Bonito lá, né?
R – Ilhabela, foi demais. Foi muito bom! Muito bom mesmo. Não dá para esquecer (risos). Eu não tinha nem tirado muita foto, eu disse “Tira uma foto aqui, pelo o amor de Deus, eu tenho que ter uma lembrança de Ilhabela” (risos).
P/1 – Você tem essa foto?
R – Tenho.
P/1 – A gente pode colocar na sua história?
R – Pode, pode. O pior é que não tiramos nós duas juntas, sabe. As duas eu acho que estavam tão... Que a gente não tinha ânimo de ser mais animada, tirar foto, aproveitar, não. A gente não fez nada disso. Chegou lá, a gente ficou mais sentada, tomando uma cerveja. Não ficamos ali, feito esse pessoal que vai e não larga o telefone. Tanto que eu tirei a foto quando a gente já estava para vir embora. Estava entrando na balsa e disse “Moço, tira uma foto minha aqui”, eu disse “Gente, eu podia ter tirado uma foto com a Lena, para eu ter essa foto de lembrança”, mas não tiramos foto nenhuma. Fiquei “Meu Deus do céu”, mas na próxima vez a gente vai tirar bastante foto (risos). Vai ser muito legal! Muito legal.
P/1 – Tem mais alguma coisa que a senhora deseja registrar aqui?
R – Não, para mim, eu acho que... Acho que já... Um momento muito especial para mim também do meu passado foi quando a minha filha, eu fui buscar ela, eu sempre falava para ela me chamar de madrinha... Aí ela nunca me chamou. E quando ela chegou, eu não pedi, mas ela começou a me chamar de mãe no dia que ela chegou. Porque, assim, ela viu o meu filho me chamando de mãe, ela era pequena, então “Não vou mais chamar ela de Nana”, ela me chamava de Nana, começou a me chamar de mãe. Então, se eu não fui a mãe perfeita para ela, não sei. Mas tem esses pedacinhos, assim, que me deixaram muito orgulhosa dela. E hoje ela é uma mãe maravilhosa. E essa semana eu tive o orgulho de ir à formatura da filha dela. Então para mim, também, coisa que eu não vi dos meus filhos, eu vi a primeira formatura na família. Minha família é muito pequena, cinco pessoas. Eu não tenho mais ninguém. Eu não tenho pai, eu não tenho mãe, eu não tenho irmão, eu não tenho tio, não tenho vô, não conheci ninguém, ninguém da minha família. Então quando o meu filho fala assim “Mãe, vamos fazer a arvore genealógica”, quando ele fala nessa árvore para mim é horrível, porque eu só tenho eu mesma e eles. Que a minha família começou daqui. Eu tenho eles dois e tenho os netos. Eu não tenho mais nada. E pelo jeito que minha mãe falava, ela tinha, ela tinha três irmãos homens e duas mulheres. Eu lembro, quando eu era pequena, eu lembro. Minha mãe falava, né, que a minha tia ficou comigo uns dias, mas ela não queria ficar comigo. E um dia minha mãe chegou lá e eu estava dentro do berço, no quintal, “Leve sua filha que eu não quero você aqui”. Então a minha mãe nunca foi uma mãe de chegar e falar do passado dela para mim. Eu respeitei. E eu sou assim até hoje, eu respeito qualquer pessoa, não pergunto do passado. Tanto que a minha filha, ela tem um irmão e eu não descobri ainda esse irmão dela, porque ela não quis procurar ele. É um irmão mais velho que ela. Eu queria que ela o encontrasse, que ela tem mais um irmão aqui em São Paulo. Mas esse irmão mais velho ela não conhece. O meu filho, quando eu dizia para eles “Vão procurar seus irmãos”, meu filho também falava “Será que ele quer saber de mim?”, “Gente, mas vai procurar, vai ver que ele está procurando vocês também”. Naquela época não tinha internet, não tinha nada, então eu dizia assim “Vão procurar”, meu filho não quis. Mas com intermédio de uma tia dele, que a família de parte do pai dele é grande, por intermédio dela então ele encontrou o irmão dele e com a família, então fizeram um encontro deles. Foi maravilhoso. Eu queria muito que a minha filha encontrasse, porque aqui ela fala que a família dela é ela e a filha, praticamente. Se outra pessoa for falar, vai dizer “Ah, você é adotada!”, entendeu? Mas não é assim. Não é assim. Com defeito ou sem defeito, eu sou mãe dela, do jeito que ela vê, do jeito que ela pensa, eu sou mãe dela. Fico magoada quando eles não ligam para mim, fico magoada quando eles não falam “Oi, tá tudo bem?”, não precisa ligar. Antigamente não tinha telefone, era o bipe. Você mandava mensagem pelo bipe, um trocinho desse tamanhinho assim. Hoje você tem um meio de dar um boa noite para sua mãe, “Minha mãe está lá, só tem ela e minha filha ou ela e minha sobrinha, vamos dar um boa noite, vamos dizer ‘Oi, está tudo bem aí?’”, sabe, eram essas coisas que eu queria. Então tem horas que eu acho que eu não dei o que eles queriam. Eu fico muito preocupada, minha criação acho que não foi legal. Eu os criei do jeito que minha mãe me criou. Mas eu queria que tivesse um conserto isso, eu queria ser mais próxima, queria ter mais união. Quando se encontram é só discutindo, vê defeitos em tudo. Quando um não vem o outro vem, entendeu? Não tem aquele negócio de você dizer assim “Nossa”. Então quando a gente vai encontrar, quando chega em casa, quando separa (suspira) fala “Hoje foi tudo em paz!”, sabe? É assim que a gente quer que seja, não quer que tenha confusão, não quer que tenha... E muitas vezes não tem esse “Ufa! Foi tudo em paz”, aí vem alguma coisinha que foi falado ali que ninguém viu, ninguém percebeu, mas alguém saiu magoado dali. Aí quando passa o tempo “Sabe, aquele dia, bla, bla”, eu digo “Por que não falou, então? Ai já resolvia ali tudo”. Eu queria que tivesse mais união, mas está difícil. Está difícil. Porque desse mundo não se leva nada, entendeu? Então, a gratidão é tudo. Queria que as pessoas vissem as coisas diferentes.
P/1 – E como é ver as suas netas estudando, se formando?
R – Nossa, eu me sinto orgulhosa. O ano que vem tem mais uma formatura, né? Da mais velha, da Luana. Então, é isso que eu falo, os pais deviam ter orgulho. Os pais deviam ser unidos. Porque uma família toda pequeninha eu achava que devia ser mais unida. Mas são unidos do jeito dele, então eu acho que eu que estou cobrando, entendeu? Eu acho que é isso. Eu acho que sou eu que estou cobrando demais. Que eles fazem o suficiente e estou querendo mais, o que eu não tive da minha mãe... Da minha mãe, eu não sei, a minha mãe nunca colocou a minha cabeça no colo dela... Eu não lembro da minha mãe chegar e falar “Põe a cabeça aqui na minha perna”, fazer um afago na minha cabeça, minha mãe nunca foi de fazer isso. A minha mãe mexia no meu cabelo quando ela ia fazer minhas tranças, sabe? Então na perna da minha mãe, eu nunca sentei. Nunca tive isso da minha mãe. Então acho que criei meus filhos do meu jeito, “Estou indo trabalhar, não está faltando comida, não está faltando roupa”. Eu acho que foi por isso que eu criei distância deles, aí depois que cresceram e todo mundo saiu de casa... Acredito que eles devem sentir a mesma coisa. A Andréia já tem a barreira, porque eu pensava as vezes assim “Se sua mãe não fez, foi porque você é adotiva”. Mas eu não comprava uma roupa para um se não comprasse para o outro. Eu não comprava um tênis para um se não comprasse para o outro. Não conseguia, “Não, não vou comprar, só compro se der para comprar para os dois”. Tanto que quando chegava Natal eles escolhiam a roupa, eu ia lá comprava no crediário, eu e minha mãe. E brinquedo, meu Deus, “Gente, peguem a revista e escolham dois brinquedos”, mas sabia que só vinha um, porque para eu ver mais ou menos o preço que eu podia comprar. Então eu agradava dessa maneira. Quando a gente ia para o Ibirapuera, ia para o parque, aí levava, fazia piquenique com eles quando tinha tempo. Mas eu acredito que é isso. Que eu cobro deles o que não ofereci para eles.
P/1 – Você mudaria alguma coisa que você fez?
R – Eu me aproximaria mais. Eu queria me aproximar mais, mas aí você fica sem jeito de... Acha que está invadindo espaço... Meu filho mora longe, a filha trabalha, então não posso mudar. Eu tenho que mudar minha vida, tenho que pensar em mim. Se eu quiser passear, se eu quiser ir em grupo de passeios, de viagens, que faz qualquer coisa... Porque a vida deles acho que eles já traçaram, não tem como mudar. Tem um ditado “Não pode com ele, junte-se a ele”, para você viver bem com a pessoa, tem que aceitar a pessoa do jeito que é, desde que ela não bata em você e te respeite, entendeu? Então, acho que eu não tenho muito o que mudar, não. Eu tenho que mudar eu mesma. “Ah, vou na sua casa”, “´Tá bom, pode ir”, “Faz tal coisa para comer”, “Tá bom, vou fazer”, sabe?
P/1 - E o que a senhora achou de contar sua história hoje?
R – Achei legal! Muita emoção (risos). De repente ainda tem algumas coisas que ficaram para trás, é que a cabeça não ajuda mais. Mas para mim foi importante.
P/1 – Para mim também!
R – Fiquei feliz!
P/1 – Eu também. Muito obrigada, dona Ana.
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