Depoimento de Antônio Nori
Entrevistado por Marina D'Andrea e Cláudia Leonor
Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres de Mattos
P - Para começar eu queria o que senhor falasse para a gente o nome completo do senhor, o nome, a data, e o local de nascimento.
R - Eu me chamo Antônio Nori, eu nasci no dia 14 de junho do ano de 1930, no município de Pirassununga, estado de São Paulo, uma belíssima cidade do interior paulista.
P - E o nome dos pais do senhor?
R - Meu falecido pai chama-se Sílvio Nori, minha mãe Helena Negrini Nori por casamento, naturalmente né?
P - Onde eles nasceram?
R - Meu pai nasceu em Porto Ferreira, uma cidadezinha próxima a Pirassununga, e minha mãe também em Descalvado, bem próximo a Porto Ferreira.
P- Certo, e o senhor, o nome dos avós do senhor, onde eles nasceram?
R - O meu avô materno, o meu avô paterno, perdão, ele chamava-se Maximino Nori, ele nasceu na cidade de Manto, lá na Itália, e minha avó chamava-se Luisa Nori Bertini, e ela nasceu em Pádova, na Itália também.
P - Ah tá, e o senhor tinha irmãos, senhor Antônio?
R - Eu tinha um irmão, infelizmente ele já faleceu, né?
P - E como foi a infância do senhor em Pirassununga?
R - A minha infância foi linda, porque nasci numa fazenda que era um, uma fazenda lindíssima, fazenda de café, porque daí vem, os meus avós italianos, eles vieram como imigrantes para fazenda, né?, e ele, meu avô chegou no Brasil em 1889, no ano de mil, porque a minha avó sempre me falava isso daí, por isso que eu sei, e então lá, ali nessa fazenda mesmo ele se casou e tiveram filhos que foi meu pai. Meu pai se casou lá também e, então eu nasci naquela fazenda, mas era uma fazenda lindíssima. Eu tive uma infância maravilhosa assim, até os oito anos, e era dono daquilo porque nós éramos livres né, nós tínhamos nosso cavalo, nossas vacas, é carroça, trole, enfim era, foi uma vida linda,...
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Entrevistado por Marina D'Andrea e Cláudia Leonor
Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres de Mattos
P - Para começar eu queria o que senhor falasse para a gente o nome completo do senhor, o nome, a data, e o local de nascimento.
R - Eu me chamo Antônio Nori, eu nasci no dia 14 de junho do ano de 1930, no município de Pirassununga, estado de São Paulo, uma belíssima cidade do interior paulista.
P - E o nome dos pais do senhor?
R - Meu falecido pai chama-se Sílvio Nori, minha mãe Helena Negrini Nori por casamento, naturalmente né?
P - Onde eles nasceram?
R - Meu pai nasceu em Porto Ferreira, uma cidadezinha próxima a Pirassununga, e minha mãe também em Descalvado, bem próximo a Porto Ferreira.
P- Certo, e o senhor, o nome dos avós do senhor, onde eles nasceram?
R - O meu avô materno, o meu avô paterno, perdão, ele chamava-se Maximino Nori, ele nasceu na cidade de Manto, lá na Itália, e minha avó chamava-se Luisa Nori Bertini, e ela nasceu em Pádova, na Itália também.
P - Ah tá, e o senhor tinha irmãos, senhor Antônio?
R - Eu tinha um irmão, infelizmente ele já faleceu, né?
P - E como foi a infância do senhor em Pirassununga?
R - A minha infância foi linda, porque nasci numa fazenda que era um, uma fazenda lindíssima, fazenda de café, porque daí vem, os meus avós italianos, eles vieram como imigrantes para fazenda, né?, e ele, meu avô chegou no Brasil em 1889, no ano de mil, porque a minha avó sempre me falava isso daí, por isso que eu sei, e então lá, ali nessa fazenda mesmo ele se casou e tiveram filhos que foi meu pai. Meu pai se casou lá também e, então eu nasci naquela fazenda, mas era uma fazenda lindíssima. Eu tive uma infância maravilhosa assim, até os oito anos, e era dono daquilo porque nós éramos livres né, nós tínhamos nosso cavalo, nossas vacas, é carroça, trole, enfim era, foi uma vida linda, simples, humilde mas muito deliciosa. Minha infância que eu tenho muita saudades.
P - E você brincava do que, com quem o senhor brincava na fazenda?
R - Olha, a nossa brincadeira consistia em nadar, pescar, ir no pomar pegar fruta, cavalo nós tínhamos, carroça também, se resumia em estudar, assim, na escola mista rural, né?
P - Conta para gente como é que era essa escola rural?
R - Ah, essa a escola é uma coisa curiosa, ela era numa casa, e era uma sala grande, dividida, metade era igreja, sem divisória, e metade era a escola. Então nós estávamos na escola e na igreja ao mesmo tempo, mas era só escola mista rural, é mantida pelos donos da fazenda né, e eu acredito que o prédio, porque a casa que eu nasci ainda existe, eu tenho inclusive fotos aí, depois vocês irão ver, e eu acredito que escola ainda esteja de pé.
P - Qual era o nome da fazenda?
R - Fazenda Jatobá.
P - E o senhor se lembra do proprietário?
R - João Meireles, doutor João Meireles, eu me lembro perfeitamente, inclusive eu cheguei conhecê-lo, porque quando ele, nós éramos garoto e fazenda tinha uma descida muito grande, um lugar lindo, e tinha um riozinho e tinha uma porteira, então nós estávamos acostumados a quando via o carro, aquele Ford 34, 35, eu não recordo bem o ano, mas isso foi em 36, 37, mais ou menos essa data que estou contando, é quando nós vimos, assim, de longe o Fordinho vir, porque era uma estrada de terra, que nessa época do ano era uma poeira medonha. Então a gente de longe percebia, nós corríamos para abrir a porteira porque naquele tempo a vida era outra, os pais da gente ensinavam que a gente tinha que atender os mais velhos, enfim, servir da melhor maneira possível, né? E a gente ficava até feliz porque, às vezes, até eles davam balinha, não sei depois se eu ia mais por causa da bala ou pela educação que o meu pai me deu. Mas é, foi uma infância muito linda, e eu tenho saudades da minha infância, eu tenho.
P - E o senhor permaneceu na fazenda até quando?
R - Trinta, 1938.
P - O senhor tinha quantos anos, mais ou menos?
R - Oito anos, nasci em trinta, em torno de oito anos.
P - E da fazenda vocês foram para onde?
R - Viemos aqui para São Paulo, uma viagem de caminhão, me recordo dessa viagem até hoje.
P- Conta para gente como foi então essa viagem?
R - Ah, nós saímos bem de madrugada, e naquele tempo já existia uma espécie de traquinagem porque, como não podia vir no caminhão, então, o motorista do caminhão fez uma carga de uma maneira que nós fizemos dentro da carga, assim, protegido pela carga, porque senão a polícia não ia deixar a gente passar em cima do caminhão, né?
P - Por causa da idade?
R - Eu me lembro desse detalhe, eles me disseram assim: "Não, precisa ficar quietinho aqui porque senão depois não pode passar nas barreiras." Essas coisas, né?
P - E vocês chegaram aqui em São Paulo, vocês foram morar aonde?
R - Olha, nós tínhamos um tio que morava aqui na Rua Bandeirantes, próximo daqui, três quadras se não me engano, né? E esse tio era, ele era, a esposa dele era irmã de minha mãe e, naturalmente, por ajuda dele, ele conseguiu um emprego, então, meu pai pegou toda a família, reuniu direitinho, vendeu as criações que tinha. Nessa época nós tínhamos algumas criações, umas vaquinhas, um cavalo, charrete e tudo. Nós vendemos, apuramos e viemos embora para cá, viemos morar na Rua Salvador Leme, Rua Salvador Leme é aqui embaixo, ainda me recordo muito bem, porque ficava bem próximo a Cama Patente Faixa Azul, um produto que marcou época tremendamente, né?, não havia quem não conhecesse esse produto.
P - Que é que era esse produto?
R - Cama, cama, umas camas tubulares, você sabe essas camas de ferro, que existe agora, camas tubulares de ferro, era o mesmo estilo mas em madeira, muito boa até, muito bem feita, marcou época, foi famosíssima.
P - Como era o estrado da cama?
R - Era de mola, duzentas, trezentas molas enroladinhas, esticadinhas, eu me recordo muito bem disso, eu morava lá pertinho né, me recordo disso.
P- E o pai do senhor estava fazendo o que quando... veio fazer o que em São Paulo?
R - Bom, nessa época aí meu pai foi trabalhar de empregado numa chácara, porque ele era uma pessoa muito habilitada para administrar, assim, fazenda, ele administrava o transporte da fazenda naquela época que nós morávamos lá na fazenda. É uma fazenda de café, e produzia muito café, então esse café era ensacados na própria fazenda e levados para a estação para serem despachados para São Paulo, então meu pai é que administrava, eles tinham cinco carroções com seis cavalos cada carroção, meu pai que administrava todos os despachos, essas coisas, né, e naturalmente ele veio para cá, veio tomar conta de uma chácara na Parada Inglesa, certo? Nós morávamos aqui na Salvador Leme, um período de ajustagem, depois fomos lá para a Parada Inglesa e lá então, aí já começamos a nossa vida aqui em São Paulo, propriamente assim, ele já empregado, né? Minha mãe também ajudava um pouco, eu era muito garotinho, e, nessa época, eu, como eu havia vindo de São Paulo, aí vim morar aqui na Salvador Leme e eu comecei a estudar num grupo escolar que tem aqui na Avenida Tiradentes, eu não me recordo bem o nome, não sei se é Regente Feijó, é bem aqui em frente a igreja dos, não estou recordando o nome da igreja, mas eu vou me recordar, os Armênios, dos Armênios, né, bem na Praça José Roberto, e eu então nessa época comecei a estudar aqui, e depois logo nós mudamos para a Parada Inglesa. Então tem um depoimento importante que eu acredito porque a maioria de vocês, a senhora talvez conheça, tinha um trenzinho que saia da Cantareira aqui do Mercado Municipal, ali da Rua da Cantareira, e ele ia até Guarulhos, então eu fiquei estudando neste grupo escolar e morando na Parada Inglesa, então eu vinha de trenzinho de manhã e ia de trenzinho na hora do almoço para casa. Era um farra, um divertimento, porque era muito bonito, uma maria-fumaça mesmo, mas daquela pequena, não das boas que existiam, era bem, assim, antiga até.
R - Como é que chamava esse trenzinho?
R - Ramal da Cantareira.
P - Ramal da Cantareira.
R - É, porque tinha dois ramais, quando ele chegava em Santana, um ia para o Tremembé, e outro ia para a Cantareira, era o ramal da Cantareira.
P - Não existe mais nada disso?
R - Não, essa área que vocês conhecem hoje aqui é totalmente diferente, o Rio Tietê vinha até quase o Mercado Municipal, ele era sinuoso, assim, mas totalmente sinuoso. Tem mapas ainda de São Paulo que trazem o trajeto, depois, o curso, desculpa, depois é que ele foi retificado, e eu me lembro, e eu me lembro com perfeição, como se eu estivesse vendo hoje, no dia que foi aberta, fizeram a Ponte das Bandeiras e o rio passava pelo curso antigo e eu assisti a abertura do canal para água passar por baixo da Ponte das Bandeiras aonde é hoje a Atlética São Paulo. E era, tinha o Espéria do outro lado, e o Tietê do lado de cá.
P - Que bárbaro, e o senhor estudava como? O senhor continuou estudando?
R - Aí eu continuei estudando, depois eu aí ficou um pouco difícil, porque esse período já era período da guerra, as coisas eram muito difícil. Para você ter um idéia, o ônibus da Parada Inglesa era movido a gasogênio, quando ele chegava na subidinha da Ataliba Leonel, nós tínhamos que descer do ônibus e ajudar a empurrar o ônibus para ele atravessar aquela parte mais alta porque ele não tinha força certo, foi um período difícil né?
P - E como foi a sua adaptação à cidade grande que, embora pequena na época, era grande para o senhor que vinha da fazenda, né?
R - É bom, São Paulo era muito diferente do que é hoje.
P - Mas era uma cidade...
R - Mas era uma cidade, que eu fiquei, assim, meio espantado, mas eu senti mais a ausência da fazenda, eu não me assustei com a cidade, eu sentia a ausência da fazenda, a cidade não me assustava, porque, mesmo lá em Pirassununga, eu ia sempre, né, meu pai tomava conta dos despachos da estação, e eu ia assim da fazenda. E eu ia então assim semanalmente, eu ia para a cidade, eu estava acostumado com a cidade, ver trem, assim, eu ia sempre na estação despachar com meu pai, despachar as sacas de café. Então eu aqui em São Paulo não me assustei com o tamanho da cidade, eu assustei com, eu senti muita falta da fazenda, mas em compensação a Rua Salvador Leme tinha dois campos de futebol e depois era pasto, até o Campo de Marte, para o lado de lá do Rio Tietê. E então nessa época eu me divertia, comecei a substituir a fazenda pelo futebolzinho. E tinha uma coisa que começou a me fascinar: o Campo de Marte naquela época tinha uns aviões biplanos, naquela época era os Camargos, né, os irmãos Camargo, eles faziam muita acrobacia aqui em cima com aqueles aviões biplano e eu ficava fascinado vendo, e aí eu comecei a ir lá ver. Numa tarde assim a gente juntava dois, três coleguinhas, ia ver e então aí foi, praticamente eu fui me adaptando na cidade, né, sem problemas maiores, mas no começo eu senti muita falta da fazenda, mas muita falta.
P - E o senhor continuou estudando até quando?
R - Não, eu não tive muita chance de estudo não, porque a vida era muito difícil, você não conseguia emprego naquela época e nós éramos família pobre. Nós não tínhamos poder econômico, nós éramos pobres, eu estudei o que foi possível na época, o grupo escolar, depois eu dei o depoimento ali, eu fiz outros cursos assim, no Senai, eu fiz um curso de mecanografia, de um ano também e não aproveitei esse curso, porque um ano depois minha vida mudou completamente. Aí do Senac eu fiz já curso, assim, de balconista profissional, então esses foram os estudos que eu tive assim, não é?
P - Tinha curso de balconista profissional?
R - Eu tenho diploma para mostrar para vocês.
P - Que se ensinava nesse curso?
R - Marketing, né? Era um curso muito bom, professor A. Carvalho, e era um curso, olha me foi de grande valia, mas muito bom, me ensinou muita coisa que eu nem imaginava. Eu guardo boa recordação da Garbo porque lá eu lá eu aprendi, lá eu me soltei como funcionário e aprendi, assim, muitas coisas que eu não tinha nem a menor noção, né, embora eu sempre trabalhei no comércio, mas foram campos, assim, de transição assim, bastante diferente uma da outra pelo sistema em si, não é? Uma era mais assim íntimo, familiar, o outro não, o outro era popular, era popular, era assim de público imenso, né?
P - O senhor começou a trabalhar com quantos anos mais ou menos?
R - Bom, comecei a trabalhar mesmo, comecei a trabalhar em 1941 né?
P - E o que o senhor fazia?
R - Ajudante, assim, estudava de manhã e trabalhava à tarde: varria, entregava, fazia tudo que era possível fazer assim, de serviço informal, né?
P - Aonde que era?
R - Nesta época era na Rua Ataliba Leonel, na Parada Inglesa.
P - Mas era que tipo de estabelecimento?
R - Alfaiataria, uma alfaiataria, né? Era de um português, que até, é possível que esteja até vivo ainda, seu Antoninho, meu xará.
P - E como é que era a clientela dele, da alfaiataria?
R - A maioria eram portugueses, porque naquela época a Parada Inglesa havia muita chácaras de portugueses, né, da penitenciária para lá, no lado esquerdo, era só chácara de portugueses de verduras, chácaras de verduras, né, é tudo, é que portugueses é, cultivavam, e do lado direito tinha uma granja de leite também de portugueses, duas granjas de leite também de portugueses, essa granja de leite, ela era do lado direito subindo a Rua Vinte e Quatro de Outubro. É uma chácara grande assim talvez uns três, dois, ou três alqueires. Eram chácaras boas, com vacas holandesas, eu me lembro bem porque eu era amigo do filho dele, né, da filha, nós brincávamos, eu morava nesse época ali, praticamente junto quase.
P - E quanto tempo o senhor trabalhou na alfaiataria?
R - Ah, trabalhei até 42, por aí, foi pouco tempo, não foi muito tempo, aqui hein, aqui.
P - Porque depois o senhor mudou?
R - Depois eu mudei, né?
P - Para onde?
R - Aí eu mudei para a Pompéia, e fui trabalhar novamente numa tinturaria e alfaiataria, também com a mesma função, entregar roupa, é, buscar roupa, fui assim, e aprendendo alguma coisa, né, aprendendo alguma coisa. E depois essa mesma alfaiataria começou a vender camisas, ela lavava roupa, um setor, o outro setor produzia ternos e setor, e um outro setor, apesar de ser uma firma muito pequena, isso dá impressão de ser grande mas não era não, tinha um funcionário cada setor.
P - Como é que chamava essa alfaiataria?
R - Alfaiataria Água Branca.
P - Água Branca.
R - É.
P - Como é que funcionava a tinturaria? Como é que faziam a lavagem de roupa na época?
R - Manual. Mas já usavam produtos químicos, usava muito, potassa, é soda cáustica, né?
P - Na roupa?
R - Era dosado, naturalmente, tinha porque, senão, ela corroía a roupa. Tinha uma dosagem mínima, cuidadosa, até quem misturava isso aí era o velho, o seu Francisco porque precisava muito cuidado para lidar com isso aí porque estragava a roupa, né?
P - E como que era assim, vamos dizer assim, o visual da tinturaria, tinha balcão, prateleiras?
R - Tinha, até uma vitrininha, até uma vitrininha, muito bem, muito boazinha assim, era muito simples, mas muito bem feitinha, né, uma vitrininha com os terninhos assim, na vitrine, depois as camisas assim que eles faziam, que eles vendiam, né? Nesta época eu comecei já a me interessar assim por vendas, alguma coisa, né?
P - O que é que atraia no senhor, as vendas, como que?
R - Eu sempre gostei de lidar com o público, sempre, eu sempre tive vontade de conversar com pessoas, de ter contato assim, porque é meu jeito mesmo. Eu não sei, seria a personalidade minha mesmo, né, eu sempre adorei conversar assim, ter amigos, conhecer, eu tenho uma vontade muito grande de conhecer as coisas.
P - E aí o que é que o senhor fez para...
R - Bom, aí eu continuei trabalhando um tempo, depois eu achei que lá não me convinha, porque eu vi que não tinha futuro nenhum ali. Eu entrei numa outra alfaiataria que eu já percebi que tinha um campo melhor, aí eu trabalhei uns cinco, seis anos ali. Depois desse período aí, eu me aventurei a trabalhar por minha conta, em minha casa, aí, mas eu não era estabelecido, nada, eu trabalhava apenas na minha casa, nada mais, não tinha assim uma loja, não tinha nada, era no quintal de minha casa tinha um cômodo próprio para isso daí.
P - Para fazer o qu, o que o senhor fazia?
R - Roupa. Roupa.
P - O senhor fazia confecção de roupa?
R - Calça. E aí eu trabalhei uns cinco, seis anos também mas, depois, passou a ter uma época um pouco difícil, estava ficando difícil, e eu já era, a essa altura eu já era casado, eu me casei, né, aí eu fui trabalhar nas Lojas Garbo, né?
P - Mas só voltando um pouquinho, quando o senhor parou de trabalhar como empregado, como é que o senhor fez com a questão do recolhimento, seguro-desemprego?
R - Ah sim, é como eu disse, o meu pai era um homem assim, que não tinha muito estudo, mas era um homem muito inteligente, muito sábio, passou coisas importantes na vida. Então ele me orientou que ainda que eu não fosse registrado, porque eu, quando eu fui trabalhar em casa, eu já havia trabalhado cinco anos numa alfaiataria, e eu era registrado já. Então eu fui trabalhar em casa, eu não tive mais registro nenhum, porque eu não era documentado nesta época, eu estava trabalhando na minha casa, começando sem saber como é que iam as coisas, mas meu pai me orientou para que eu fizesse um recolhimento da aposentadoria como desempregado, era permitido naquela época né, eu, cada seis meses, eu tinha que pegar minha carteira profissional ir lá na Rua Senador Feijó, deve ser, é Senador Feijó, e lá eu apresentava a carteira. Como não tinha nenhum registro de nenhum emprego, eles carimbavam e assinavam e eu continuava tendo direito de pagar mais seis meses. É essa, esse recolhimento da minha aposentadoria, porque fazendo isso eu não perderia os seis anos que eu já tinha pago, e então...
P - Mas também o senhor não recebia pelo desemprego, né?
R - Não, não havia, o INPS não concedia o seguro-desemprego, apenas ele permitia que nós recolhêssemos a parte ideal da aposentadoria para que futuramente esse período, por exemplo, que ficou desempregado, é, a pessoa não perdesse, né? Eu acho uma medida maravilhosa do INPS, porque hoje eu tenho 65 anos e sou aposentado. E eu trabalho, nunca parei de trabalhar, né, eu trabalho de 41 até hoje, é, sem parar e de 1946 até agora eu tenho registro na carteira porque eu sou ainda registrado na carteira.
P - E essa época que o senhor trabalhou em casa, onde o senhor morava, quem era a clientela?
R - Eu morava na Rua Armando Brusso, 223, a clientela era parente, amigos, vizinho, era isso daí, a gente procurava, a gente sabia, sempre tinha alguma coisa a fazer, né, sempre tinha alguma coisa, eu nunca podia encostar, jamais, jamais, jamais. Eu sempre soube que a vida não era fácil, então não, cuidei de que eu deveria respeitá-la, né, e ter que trabalhar muito para conseguir alguma coisa.
P - Que bairro era?
R - Vila Romana.
P - Vila Romana.
R - Vila Romana, um subdistrito da Lapa, né?
P - Agora o senhor, nesse meio, o senhor já era casado?
R - Eu casei em 1957, no ano de 1957, no dia 26 de janeiro de 1957, me casei na igreja Nossa Senhora de Fátima.
P - E como é que o senhor conheceu a sua esposa?
R - Era fácil, eu saia na janela e a via, estava lá na janela do outro lado da rua, foi fácil, não foi difícil não. (risos)
P - Bom, e aí que é que levou o senhor a deixar de trabalhar em casa?
R - Dificuldade, e estava ficando um pouco difícil, né?
P - Que é que estava, porque é que era difícil?
R - É, porque, eu percebi que fora eu teria um campo muito melhor, certo. Eu tinha um limite de trabalho ali, e não era o meu objetivo esse daí, eu não estava satisfeito. Eu não gostava de fazer aquele tipo de serviço, então me surgiu essa oportunidade na Lojas Garbo. E eu, então, fui lá, fui trabalhar como marcador, marcador era o seguinte: a gente, o cliente escolhia a roupa, ia para cabine, vestia o terno, então se a manga estivesse comprida, a calça larga ou o ajuste, nós tínhamos uma ficha própria, que fazíamos as anotações direitinho e, aí, esta roupa ia para a oficina e lá eles executavam esse conserto mediante as indicações que nós dávamos. Dois dias depois eles entregavam, o cliente vinha buscar, isso era, o cliente que fazia a opção, né?
P - Não existe mais essa profissão?
R - Existe até hoje.
P - Até hoje?
R - Existe sim senhora, e as Lojas Garbo continuam, eu não sei se todas as filiais que havia na época, mas a grande maioria ainda tem.
P - Era costume os homens comprarem roupas na lojas ou ainda iam aos alfaiates particulares?
R - Bom, um dos motivos que eu optei para trabalhar nas Lojas Garbo é a seguinte: que até esta época era costume mandar fazer roupa em alfaiataria, mas depois começou a roupa pronta, ou meia confecção, como eles chamavam, né, que era o ajuste, e eles naturalmente tinham uma possibilidade de comércio muito superior a nossa, tanto pela produção, pelo custo, né? Porque produzia em massa, vendia mais barato, facilidade, o sujeito ia, entrava na loja, conforme o caso saia com a roupa no corpo já, também era um ponto importantíssimo de vendas, e então foi isso mais que originou a minha saída de trabalhar por conta própria. Porque eu vi, eu percebi que eu talvez tivesse uma chance maior como felizmente eu tive porque eu fui, sempre fui curioso, sempre gostei de aprender, sempre, então eu fui avançando, avançando até conseguir o mínimo que eu tenho hoje, mas que já é muito pelo que eu não, consegui, não tinha nada, quem não tinha nada, tendo alguma coisa já está ótimo, né?
P - E o senhor permaneceu muito tempo nas Lojas Garbo?
R - Uns oito, nove anos, né, por aí, essa aí, eu não sabia que, que seria importante a gente dar as datas mais precisas, né, senão eu teria tido o cuidado de ...
P - A gente só quer uma idéia, não tem ...
R - Certo, tudo bem. Então, mas é, as Lojas Garbo é, era uma firma muito boa, tinha lojas muito bonitas, muito bem montadas.
P - Era a única de confecção masculina?
R - Não, tinha três concorrentes fortíssimos, a José Silva, a Exposição, na Dom José de Barros, e a Ducal. Tinha algumas outras assim, a Rener também, que era uma firma muito boa e algumas menores que eu não me lembro, ou talvez até, nem tanto menor, mas que eu não esteja assim, de momento não estou lembrado, mas eu, essas outras, esses concorrentes eu conheci, eu conhecia bem porque, é, havia um detalhe: quando nós éramos lá na Garbo, que eles, nestes cursos de vendas, eles tinham pessoas muito inteligente, então obrigava a gente, não obrigava, mas sugeria que nós saíssemos ao café e desse uma voltinha de 15 minutos para ver as vitrines dos concorrentes em volta, o que eles vendiam, o preço que eles estavam vendendo, para gente ter argumento, para, para poder efetuar a venda com mais facilidade, né? Eles tinham um padrão de comércio muito avançado já para a época, eu admiro muito as Lojas Garbo. Eu achei, eu gostei muito de ter trabalhado lá, tive meu tempo, progredi, sai, progredi mas eu reconheço que lá foi muito importante para a minha vida, mas muito importante.
P - E lá o senhor sempre trabalhou como marcador?
R - Não, eu fui promovido, eu fui promovido.
P - Então conta como, essas promoções.
P - É, que foi importante para o senhor?
R - É, aí nessa época eu trabalhava na XV de Novembro como marcador. Aí eles abriram uma loja na Rua Sete de Abril, ao lado da companhia telefônica. Era uma loja lindíssima, todo mundo queria trabalhar para lá, e eu tive a felicidade de ser mandado para lá como marcador, mas logo depois de pouco tempo eu fui promovido a vendedor, né, eu já nessa época, eu já tinha uns anos, dois ou três anos, eu entendia bem de roupa, de roupa eu entendia muito bem, e eu tinha a vantagem que eu, como eu era marcador, o diálogo que eu tinha com o cliente era muito próximo do diálogo que o vendedor tinha. Talvez às vezes eu teria mais, ter mais persuasão porque se a roupa tivesse um defeito, o vendedor punha na cabine e sumia, a gente que teria então, nós, marcadores, é que tínhamos às vezes que fazer o cliente sentir que aquele pequeno defeito que tinha ia cessar, nada, sem problemas maiores, né, então o marcador do vendedor não tinha muita diferença de técnica de persuasão, técnica de venda não, não havia muita diferença não.
P - Aquilo que o senhor aprendeu nessa, nesse período, o senhor aplicou mais tarde quando o senhor mudou de ramo?
R - Eu acredito que quase tudo, embora depois eu, eu possa até explicar algum detalhe, mas o vendedor ele, o vendedor não existe problema, se ele é um bom vendedor, ou se ele tem um pouco de talento para vendas, ele tanto faz vender um sapato como vender um automóvel, ele vai se ajustar, se ele for vendedor ele vai se ajustar.
P - Aí, dessa passagem pela Ducal, o senhor fez, o senhor saiu ...
R - Da Ducal não, desculpe, Lojas Garbo...
P - Desculpe, Garbo, o senhor saiu do ramo?
R - Saí do ramo de roupas, né, aí já passei para o ramo de iluminação, aí foi um salto assim de, muito grande, mas eu, como eu acabei de falar para a senhora, eu não conhecia nada de lustres, mas eu me sentia vendedor, modéstia a parte, então eu, quando entrei no Bobadilha eu fiquei, assim, fascinado por coisa, né? Era uma coisa linda, era muito bonito, e é um ramo muito bonito, mexe com estilos, eu passei a ver coisas, palavras francesas ou estilo, assim, de outros países. Aquilo me fascinou e, quando entrei, a primeira semana eu levei, assim, um meio choque, porque eu decidi trabalhar assim de roupa, para lustre não, vinte dias, um mês, nem isso.
P - Como é que foi?
R - Olha, foi meio assim, eu levei um pouco de impacto, mas eu, eu resolvi tentar e eu, eu sempre gostei muito de ler, então eu superei a minha dificuldade no seguinte, primeiro, perguntando tudo para todos, eu não me acanhava, eu perguntava desde o auxiliar de loja até para o gerente, e depois eu, sábado e domingo à noite, eu saia nas ruas e ficava olhando nas casas assim, aquele tempo não tinha muito problema de fazer isso não. Eu não estava bisbilhotando a vida da família, eu estava vendo o que ele usava de lustre na sala, na frente da casa, ia em museu, pegava revista, livro, assim, foi uma maneira de eu ter que, porque eu era casado, eu tinha filho pequeno, eu tinha que vencer, eu não podia, eu não retroceder de jeito nenhum, eu tinha que vencer, tinha que ir para frente né? Pelo menos eu tinha que sobreviver, e eu encontrei essa fórmula que foi fantástico, em pouco tempo eu era tão bom vendedor de lustre quanto os antigos lá da loja.
P - Mas, só voltando um pouquinho, enquanto o senhor estava trabalhando com roupas, como que foi essa passagem, esse salto para lâmpada, luminárias?
R - Eu tinha um cunhado que trabalhava no Bobadilha, aí eu passei a pesquisar com ele e conversar, e eu vi que ele ganhava mais do que eu, certo? E então eu peguei e pensei: "Bom, eu não vou ficar aqui mais na Garbo, porque eu estou vendo que eu... tem um campo novo pela frente né?" E lustre tinha uma grande vantagem, enquanto a roupa estava encontrando dificuldade com a Jovem Guarda, que já passava, os hippies, uma camisa de morelli estampadinha e uma calcinha de brim, o lustre não. O lustre estava começando a despertar em São Paulo. Não, já era conhecido, mas começou a ter um impacto assim, maior, né? Então aí eu conversei com ele e ele falou: "É, está precisando de vendedor." Eu falei: "Ah, então eu vou lá." Aí eu fui fazer uma entrevista com o dono do Bobadilha, né, mas não foi difícil para mim conseguir um emprego porque, depois eu vou mostrar para senhoras, eu, a Garbo tinha concurso de venda, e eu felizmente fui o vencedor, eu tinha, inclusive, um recorte de jornal, essas coisas e eu, então, eu fui lá conversar com, com seu Íbero, seu Izer, Izer Bobadilha, que eram dois irmãos, Íbero Bobadilha e Izer Bobadilha, duas pessoas extraordinárias. Lamentavelmente o Íbero já é falecido, mas aprendi muito com eles também, depois você irão ver, e então ele fez uma entrevista de meia hora lá, conversamos tudo, e eu apresentei o que eu tinha, eu era vendedor da Garbo, já era alguma coisa, naquela época valia muito, hoje talvez valha até bastante, mas, naquela época quando a gente falava que era vendedor do Bobadilha, da Garbo, as pessoas conheciam, eram firmas conhecidíssimas, né, e eu mostrei para ele também que havia sido um vendedor do ano no meu setor, tudo. Foi fácil, consegui o emprego com facilidade, né, em, dois, três meses eu me adaptei e peguei firme mesmo, peguei para não sair derrotado, e aí, aí fui me aperfeiçoando, gostei muito do lustre, a iluminação me fascinou, e eu então fui procurando aprender, aprender mais rapidamente possível, tanto é que eu não trabalhei muito tempo lá também não, foi cinco, seis anos. Depois eu já comecei, ai eu me estabeleci também, já oficialmente, eu e os meus dois concunhados, nós três nos unimos e abrimos uma loja. O Carlos Gai já trabalhava comigo no Bobadilha, e o Carlos Cruz era gerente de vendas da Eucatex. Então também foi fácil para nós, e teve uma, um outro detalhe muito importante também: nessa época eu tinha um bom conhecimento com os fabricantes de lustres, então nós conseguimos consignação, isso para nós, porque nós não tínhamos, o capital nosso era pequeno, um capitalzinho desse tamanho. E então nós começamos, também pegamos firme, mas com um raça tremenda, e nós tivemos muita sorte também porque foi aquela época de construção de Brasília, as coisas iam bem, e vendia-se muito, era fácil vender, era fácil.
P - Como é que chamava a loja e aonde ela ficava?
R - Bom, a minha primeira loja era, Lustres Vila Rica Ltda. Ficava na Rua da Consolação 2.217, a loja, o prédio era do doutor Elias Chammas, na época ele era presidente da Câmara Municipal, uma grande pessoa também, muito boa.
P - Que época era mais ou menos, década?
R - Foi década de setenta, né?
P - E desde quando o senhor começou a trabalhar na Bobadilha? Como era a Consolação, a rua?
R - Ah, era interessante, a Consolação era a metade da largura que tem hoje, e passava bonde, tanto é que quando ela foi alargada foi um dos períodos de crise para nós, né, porque demorou seis meses, que ninguém transitava pela rua, imagine que tiraram os trilhos, tiraram os paralelepípedos e asfaltaram, alargaram, derrubaram um hospital, o Hospital São Jorge, com seis andares, vocês fazem uma idéia, era bem em frente a Bobadilha esse hospital, e derrubaram.
P - E tiraram um pedaço do cemitério ou não?
R - Não, o cemitério é uma lei federal, não pode, toda rua que tem cemitério, se tiver que ser alargada é do outro lado, não pode.
P - E nesse período o senhor passou por uma crise?
R - Foi uma época de uns seis meses de venda muito fraca, a gente ganhava quase o mínimo, né? Porque como a gente não podia entrar na loja, os quarteirões foram cercados assim com máquinas, com tudo. Não havia como andar na rua praticamente, né, só mesmo homens e, senhoras não ia, não tinha condição. Então nessa época aí, depois a rua alargou, ficou uma avenida maravilhosa, aí melhorou bastante. Aí nós recuperamos em pouco tempo aquela, aquela fase difícil foi superada facilmente, né, porque ficou uma rua, avenida lindíssima, muito boa, muito público.
P - E nessa época já tinham muitas lojas de lustres? Que é que foi acontecendo?
R - Não. Nessa época, é, tinham poucas lojas de lustres, ali na Consolação mesmo, nesse período quando eu fui trabalhar na Bobadilha tinha quatro ou cinco lojas só, né? Tinha o Bobadilha, tinha o Escozo tinha o Herrera, o Pelotas e o Wilmos, salvo, salvo algum engano de minha parte, essas as lojas. Depois vieram muitas outras, inclusive eu fui também junto, né, felizmente.
P - Mas o senhor estava contando que o senhor abriu a sua própria, com os seus sócios no tempo de Brasília, que estavam construindo Brasília.
R - É, aquela época.
P - No tempo do Juscelino.
R - Juscelino Kubitschek, será que vamos ter outro?
P - É o que ele ameaça?
R - Tomara que sim né?
P - Tomara. Então nessa, nesses anos de JK é que o senhor montou o seu negócio e progrediu?
R - É, naquela, naquele período ali, né, foi muito fácil porque a época era boa para venda, e eu e meu cunhado já tínhamos, assim, bom entrosamento no setor de iluminação, com fornecedores, o que foi muito fácil.
P - E os fabricantes como é que eram, eram nacionais todos?
R - A maioria espanhóis.
P - Mas eram empresas nacionais?
R - Nacionais.
P - Fabricantes espanhóis?
R - Quase todos espanhóis, uma boa parte de espanhóis, né, tinham fábricas boas, muitas fecharam, já não existem mais, algumas delas em natal, por exemplo, era uma fábrica boa, tinha em torno de cem funcionários na época, que era muito, isso há vinte anos atrás era bastante. Era uma fábrica, era no Belenzinho, na Rua Gonçalves Dias, a Opá Lustres. É onde eu abri a minha loja, era uma loja, era uma fábrica muito boa, fabricava um material que chamava-se overlay, peça muito linda, muito bonita, né? Hoje não é fabricado, me parece, a Bandeirantes tem condições de fazer, mas não há interesse mais porque o produto é muito caro.
P - Ah, por falar nisso, então, como é que era o tipo de iluminação que se usava naquela época?
R - Bom, eu trabalhava na Bobadilha, e o Bobadilha era uma loja especialmente dedicada à iluminação clássica. Depois eles tiveram uma fase que tentaram o moderno com acrílico, mas também não durou muito tempo não. Mas eram lustres de bronze, de cristal, peças muito boas, cristal importado, né, as armações de bronze eram fabricadas importadas aqui por esses, por essas fábricas que na maioria eram tudo espanhóis.
P - Isso na parte, na qualificação clássico?
R - Clássico.
P - E no moderno?
R - Moderno havia muito pouca coisa. Era alumínio, repuxados, e alumínio assim, alguns lustres, alguns lustres que ainda hoje, às vezes eu vejo, eram braços de tubo de latão com placas de vidro feito assim, em concha, e colorida, no geral era rosa, verde e azul.
P - Aquela iluminação tida como dos anos 50?
R - Dos anos 50.
P - E a evolução desse tipo de...
R - Olha, atualmente está havendo uma evolução, uma transição até muito grande para o moderno, avançado, como é a iluminação mais até científica. Mas ainda se vende muito desse clássico. Eu mesmo na minha loja vendo praticamente 80% de iluminação clássica.
P - Mais do que essa científica?
R - Mais, mais. Eu nem estou preparado ainda, porque, como as minhas vendas está dentro de um padrão que eu tenho um pouco de prática e vai indo a contento, eu ainda não decidi mexer, eu... meus filhos não quiseram continuar com a empresa, porque um é arquiteto, a minha filha é economista, trabalha na Editora Abril, então eu estou sozinho, eu a minha patroa, meu braço direto, me ajuda muito coitadinha. Pena que ela não está aqui, mas eu rendo a minha homenagem a ela, sem ela eu não teria feito isso aí.
P - E como era, por exemplo, a entrega dos lustres? Há uns muito grandes, e desagradável de levar.
R - Bom, o lustre, naquela época funcionava mais ou menos assim, o sujeito construía uma casa e ia na loja e comprava lustre para a casa inteira, naquela época. Hoje já está bastante diferente, então nós atendíamos o cliente na loja, nós fazemos uma pesquisa da necessidade dele, essa pesquisa compreende até a cor do tapete, a cor das paredes, se é sala, se é quarto, se é sala de música, a dimensão para nós podermos adequar uma peça própria para aquele ambiente, combinando estilo e iluminação adequada para o tamanho, enfim isso aí, a gente aprendia mais na prática mesmo, né?
P - Isso é quase uma decoração, né?
R - É, os vendedores antigos trabalhavam mais no sentido disso daí, né? Nós inclusive aprendíamos assim, procurava aprender bastante coisa a respeito, porque a gente tinha até prazer de fazer uma venda para a casa inteira, depois mandava entregar. Aí entra esse detalhe da entrega, na maioria das vezes, naquela época, a gente combinava até a colocação do lustre na casa do cliente. Mediante a uma taxa que era cobrado, nós mandávamos o eletricista instalar, então a gente entregava o lustre pronto, o nosso trabalho quase sempre ia da recepção do cliente na porta da loja, ou adentrado da loja e até a entrega na casa do cliente, a colocação do lustre na casa do cliente aceso. Quase sempre funcionava assim, salvo, é lógico, outras vezes que podia acontecer de uma pessoa por motivo qualquer de precisar de um lustre, essas coisas, mas naquela época a média geral era vender para casa inteira, o apartamento inteiro.
P - E depois, o senhor disse que depois não era mais assim.
R - Não, com o tempo foi diminuindo e hoje, hoje já é mais difícil, né? Hoje não é comum uma pessoa entrar na loja e comprar para casa inteira. É porque as construções caíram bastante, né, quase não tem construção nova, apartamentos novos. Agora é que está começando a melhorar um pouco, mas um tempo atrás estava difícil, né? É essa reposição, renovação, por exemplo, pessoas que gostam de renovar a casa, e então, às vezes dá aquele lustre velho para alguém, vende, e põe os lustres novos.
P - E o pagamento, como é que funciona a parte, é, agora assim...
R - Naquela época já era parcelado, já podia ser feito, uma pequena parcela, né, já podia.
P - Era uma compra parcelada.
R - Três pagamentos, né?
P - E tinha juros?
R - Nem sempre, às vezes tinha, mas nem sempre tinha. Quando era dois pagamentos, às vezes abria uma entrada maior e uma parte menor de 30 dias, certo? Nessa época aí não havia juros não, né, não havia, juros era mínimo.
P - Seu Antônio, eu queria que a gente retomasse um pouco, né, o senhor com os seus sócios, com os cunhados né?..
R - Concunhados.
P - Concunhados, montaram a Vila Rica, né?
R - Vila Rica.
P - E aí vocês tinham um objetivo?
R - Nós éramos três, três concunhados, então nós chegamos a conclusão que uma loja não ia ser possível para nós assim, porque o imóvel que nós alugamos era pequeno, não era muito grande, não tinha campo para... então nós achamos que era mais prático fazer o seguinte: abrir mais uma loja, depois posteriormente outra loja para que futuramente cada um ficasse com uma loja e separasse. E foi o que aconteceu realmente, né, nós fomos montando com o passar do tempo uma loja, depois a outra, depois a outra, depois andamos, fizemos umas reuniões lá, e fomos fazendo uma transição, até que num período curto, de três meses, dois meses, cada um ficou com a sua loja e continuamos com as mesmas lojas até hoje.
P - Como é que chamava a segunda, a terceira?
R - A segunda loja se chamava Itaici Lustres e Decorações. Nós pusemos porque na época tinha o mosteiro de Itaici lá em Indaiatuba, e nós fomos visitar lá e gostamos, então, estava para escolher o nome, e colocamos Itaici.
P - E a terceira?
R - E a terceira foi, nesse período nós vendemos a Vila Rica e compramos um ponto, onde é o Vila Velha hoje, que era a nossa terceira loja. Essa minha, a Belas Artes, é a quarta loja, no sentido de loja, mas nós não chegamos a ter as quatro lojas, porque nós vendemos uma, e no mesmo dia compramos a outra. Nós fizemos assim, um jogo de venda porque, uma que precisava empregar o dinheiro, né, e outra que objetivo nosso era ter três lojas e nós achamos mais interessante essas outras, porque aquele ponto lá onde o aluguel estava muito caro e a loja era pequena, desculpa, então, aí nós ficamos com três lojas. Eles continuam com a deles e eu com a minha, né, e vamos indo aí lutando, enfrentando crises a gente ajusta a loja, acerta tudo bonitinho. Depois vem esses governos, fazem essas medidas de ajuste financeiro, a sua finança fica meio desarticulada, mas aí a gente entende um pouco do negócio, e aí põe ela em dia outra vez, né, e vai indo.
P - Qual é a principal dificuldade nesse tipo de comércio que o senhor vem sentindo ao longo dos anos, ou ainda em comparação com agora?
R - O poder de compra está diminuindo muito. Antigamente eu vendia para 30 fregueses num dia, hoje se nós vendemos para sete, oito é muito, essa é a grande diferença, o poder de compra.
P - O senhor tem alguma coisa a comentar sobre, por exemplo, o que aconteceu em cima dos planos que os governos vêm baixando nessa década de 80 para cá?
R - Olha para nós comerciantes sempre trouxeram conseqüências assim difíceis, porque por muito bem que esteja estruturado, que sejam esses planos, com toda boa vontade, com todo conhecimento que eles tem, mas afeta muito a gente. Por exemplo, qualquer desses planos, quando ele muda, nós ficamos num período de 60 dias, e bastante difícil para comerciar porque, às vezes, a gente nem sabe por onde começar, e sendo que nos primeiros 20 dias do mês as vendas caem violentamente, né? As vendas vão lá embaixo. Então esse é o ponto mais difícil para nós, é esse período de ajuste, uma vez passado esses período de dois, três meses, aí a gente também vai se ajustando e supera, né, também né?
P - E quanto ao perfil do cliente nesses anos, houve alguma coisa a comentar?
R - Eu posso fazer um comentário, o seguinte: eu trabalhava na Bobadilha, a clientela, a maioria era classe A, e eu abri a minha loja, já fui para uma faixa bem mais fraca, né? Eu não parti para um, mesmo por uma questão de capital, eu parti para produtos mais populares que eu achava que tinha mais facilidade, depois eu melhorei um pouco, mas, ainda assim, a minha faixa é uma faixa diferente da do Bobadilha ali, de algumas outras lojas boas, né? E loja é uma loja um pouco mais modesta, mas dá para mim ir vivendo com ela.
P - Mas com o achatamento, assim, dos salários, essa faixa não ficou também, parou, comum para muitos comerciantes, quer dizer que tem que abaixar o nível e tal?
R - Ah, eu acredito que muitos deles devem ter sofrido, podem até negar, mas que sofreram devem ter sofrido, às vezes a pessoa não quer falar, tudo, mas eu sei que houve ajustes aí que atingiu muitas firmas, que precisaram tomar algumas medidas, assim, então diminuir funcionários, restringir despesas, certo, eu acredito que deve ser afetado, né?
P - E essa parte dos seus filhos não quererem optar por esse comércio, como é que o senhor vê o futuro do negócio?
R - Olha, eu sempre procurei fazer meus filhos se prepararem para enfrentar a vida. Eu sempre procurei transmitir a eles que eles teriam um dia que estar sozinhos, como eu fiquei sozinho, com meus pais né, meus pais se foram e fiquei sozinho, um dia vai acontecer. Então eu orientei para que eles se preparassem para a vida. Minha filha é economista, se formou pelo Mackenzie, e trabalha na Editora Abril, há já uns, acho que talvez sete, seis ou sete anos já. O meu filho é arquiteto também formado pelo Mackenzie, meu filho trabalhou numa empresa muito grande, na Hidroservice, na construção do metrô, e outras empresas e outros prédios grandes. Depois ele foi trabalhar numa outra empresa que construiu o Mappin Itaim, ele participou da construção do Mappin Itaim, desde a medição do terreno até a inauguração, e hoje ele trabalha numa outra firma de arquitetura menor, e tem já seus projetozinhos também, né, que ele faz, e assim vai indo, né? E agora meu filho está apto para assumir minha loja. Eu treinei ele para isso, ele está, meu filho está treinado, se houver necessidade eu posso sair hoje que amanhã ele vai para loja e assumir porque ele conhece de iluminação, uma que é arquiteto, é um ramo que ele está mais ou menos ligado, e ele conhece o ramo, já trabalha, me ajudou muito na loja, sábados, férias sim, ele está apto a assumir a loja.
P - O senhor participou, a Consolação tinha uma associação?
R - Tem a Associação dos Comerciantes.
P - O senhor participou?
R - Eu fui secretário, em toda existência dela.
P - E o que é que a associação fazia, quais eram as promoções?
R - Nós tivemos um período, na associação nós tivemos um período muito bom. Foi os primeiros anos dela que nós conseguimos excelentes coisas para a rua: iluminação natalina por exemplo, nós conseguimos sempre, colocamos a iluminação central, canteiro central, cestos de lixo nas esquinas, enfim, regulamentação de zona azul em volta, enfim nós conseguimos muita coisa, fizemos diversas... jantares, enfim foi um período bom, pena que não teve continuidade porque essas coisas às vezes é difícil, não é muito fácil não.
P - Da onde saia a verba para fazer todo esse...
R - Era uma mensalidade paga pelos comerciantes.
P - Os próprios comerciantes?
R - Pelos próprios comerciantes, né?
P - E apoio da prefeitura para ...
R - A Prefeitura dava um bom apoio no sentido de reivindicação por exemplo: conserto de um buraco, iluminação natalina, enfim eles colaboravam sempre, mandavam lavar a rua, quando a gente pedia, bastava telefonar para lá, que eles ajudavam a gente neste sentido né? Eles atendiam sempre na medida do possível, né?
P - Foi extinta a associação?
R - Eu digo que ela está em dormência, né? Ela não foi encerrada, ela está em dormência, né? Porque a associação é uma coisa curiosa, para que ela funcione há de ter uma liderança muito grande de presidente, de diretores, não é? E hoje está um pouco difícil porque precisa muita dedicação, então as coisas é um pouco mais complicadas, né, mas foi um período bom, foi muito útil, nós fizemos uma bela praça de, em homenagem a Thomas Edson, no centenário da lâmpada, né, e, então esta praça existe lá, está até hoje lá. Mas lamentavelmente ela já foi restaurada duas vezes, e essas duas vezes ela foi depredada, é muito, é...
P - Praça, uma praça?
R - É uma pequena praça com um monumento à lâmpada elétrica né, é uma lâmpada elétrica em concreto, o formato assim, vazado, com néon em volta e depois, mediante uma contribuição de fornecedores e de comerciante, foi colocado uma proteção de vidro em volta. Mas ainda a semana passada eu vi, eu suponho que foi tiro, dois tiros nela, dois buracos de bala.
P - Seu Antônio, a gente já está começando a terminar a nossa entrevista, eu queria perguntar para o senhor, se o senhor tem algum sonho que o senhor quer realizar ainda? E qual é esse sonho?
R - Ah, eu tenho muito sonho, se é assim ...
P - E quais são então os sonhos?
R - Eu gostaria de viajar, por exemplo, conhecer a Europa que eu não conheço, Eu viajei até aqui pelo país eu viajo, já viajei algumas vezes assim, é, eu por exemplo, eu não viajei muito para o Brasil, mas viajei 11 vezes para a pousada do Rio Quente, porque eu adoro, eu e minha patroa gosta, e como ela me ajuda muito na loja, eu quando posso vou lá com ela, a gente fica lá uns cinco, ou seis dias e recupera as energias. Mas eu já fui muito para o sul já, diversas vezes para Minas, para o Paraguai, de vez em quando vou também, mas não compro nada lá, eu não vendo nada importado, só vendo produto nacional.
P - O senhor mudaria alguma coisa na sua trajetória de vida? O que seria isso?
R - É mudaria, se eu pudesse estudar, ter estudado, eu mudaria sim, eu gostaria de ter estudado, não foi possível né? Mas eu gostaria de ter estudado e gostaria de contribuir mais para a humanidade para alguma coisa assim que, de bom, né, trabalhar para a humanidade assim, né, eu sempre gostaria. Eu sempre gostei de ser útil a alguma coisa, né, é, faz parte do meu princípio.
P - O senhor teria estudado o que, por exemplo?
R - Olha, eu tenho a impressão que se eu tivesse estudado engenharia mecânica, eu teria sido alguma, teria tido sucesso, porque é uma coisa que me atrai, eu sou, independente disso aí, eu tenho como hobby restaurar lustre antigo, eu sou muito bom restaurador, modéstia a parte, eu tenho feito assim, restaurações muito boas. Eu não pego serviço assim, só coisas especiais, né, algum amigo que traz uma peça que eu goste, que eu acho muito bonita, que vale a pena, aí eu faço, mas eu não pego qualquer serviço, eu não aceito restaurações assim.
P - Como norma da loja?
R - Eu faço assim, quando eu vejo que é uma peça bonita, que eu vou dar, vou fazer aquilo reviver.
P - E agora a última pergunta: o que o senhor achou da gente ter ficado esse tempo todo aqui, conversando, falando do senhor, do passado do senhor, da história do senhor? O que é que o senhor achou de ter deixado isso registrado?
R - Olha se, em primeiro lugar, se alguma informação que eu dei para vocês puder ser aproveitado, eu ficarei muito feliz, porque o meu objetivo maior aqui foi esse, que daqui futuramente, quem sabe, como eu posso depois mostrar para vocês, eu tenho uma Gazeta Esportiva de 1938, inteirinha, está aí. Então quem sabe daqui 30, 40 anos alguém pega perdido um vídeo desse daí, ou alguma informação dessa daí e diz aí: "Olha puxa Você vê como São Paulo era, olha essa daqui, esse depoimento, isso aqui era assim, assim." Eu, ainda que não esteja aqui, mas eu ficarei feliz do outro lado.
P - Que bom, a gente agradece muito.
P - Muito obrigada.
R - Eu é que fico agradecido, espero que tenha contribuído para alguma coisa, né?
P - Não, foi fantástico.
P - Muito obrigada.
R - Não, eu que agradeço.
R - De nada, às ordens. P - Para começar eu queria o que senhor falasse para a gente o nome completo do senhor, o nome, a data, e o local de nascimento.
R - Eu me chamo Antônio Nori, eu nasci no dia 14 de junho do ano de 1930, no município de Pirassununga, estado de São Paulo, uma belíssima cidade do interior paulista.
P - E o nome dos pais do senhor?
R - Meu falecido pai chama-se Sílvio Nori, minha mãe Helena Negrini Nori por casamento, naturalmente né?
P - Onde eles nasceram?
R - Meu pai nasceu em Porto Ferreira, uma cidadezinha próxima a Pirassununga, e minha mãe também em Descalvado, bem próximo a Porto Ferreira.
P- Certo, e o senhor, o nome dos avós do senhor, onde eles nasceram?
R - O meu avô materno, o meu avô paterno, perdão, ele chamava-se Maximino Nori, ele nasceu na cidade de Manto, lá na Itália, e minha avó chamava-se Luisa Nori Bertini, e ela nasceu em Pádova, na Itália também.
P - Ah tá, e o senhor tinha irmãos, senhor Antônio?
R - Eu tinha um irmão, infelizmente ele já faleceu, né?
P - E como foi a infância do senhor em Pirassununga?
R - A minha infância foi linda, porque nasci numa fazenda que era um, uma fazenda lindíssima, fazenda de café, porque daí vem, os meus avós italianos, eles vieram como imigrantes para fazenda, né?, e ele, meu avô chegou no Brasil em 1889, no ano de mil, porque a minha avó sempre me falava isso daí, por isso que eu sei, e então lá, ali nessa fazenda mesmo ele se casou e tiveram filhos que foi meu pai. Meu pai se casou lá também e, então eu nasci naquela fazenda, mas era uma fazenda lindíssima. Eu tive uma infância maravilhosa assim, até os oito anos, e era dono daquilo porque nós éramos livres né, nós tínhamos nosso cavalo, nossas vacas, é carroça, trole, enfim era, foi uma vida linda, simples, humilde mas muito deliciosa. Minha infância que eu tenho muita saudades.
P - E você brincava do que, com quem o senhor brincava na fazenda?
R - Olha, a nossa brincadeira consistia em nadar, pescar, ir no pomar pegar fruta, cavalo nós tínhamos, carroça também, se resumia em estudar, assim, na escola mista rural, né?
P - Conta para gente como é que era essa escola rural?
R - Ah, essa a escola é uma coisa curiosa, ela era numa casa, e era uma sala grande, dividida, metade era igreja, sem divisória, e metade era a escola. Então nós estávamos na escola e na igreja ao mesmo tempo, mas era só escola mista rural, é mantida pelos donos da fazenda né, e eu acredito que o prédio, porque a casa que eu nasci ainda existe, eu tenho inclusive fotos aí, depois vocês irão ver, e eu acredito que escola ainda esteja de pé.
P - Qual era o nome da fazenda?
R - Fazenda Jatobá.
P - E o senhor se lembra do proprietário?
R - João Meireles, doutor João Meireles, eu me lembro perfeitamente, inclusive eu cheguei conhecê-lo, porque quando ele, nós éramos garoto e fazenda tinha uma descida muito grande, um lugar lindo, e tinha um riozinho e tinha uma porteira, então nós estávamos acostumados a quando via o carro, aquele Ford 34, 35, eu não recordo bem o ano, mas isso foi em 36, 37, mais ou menos essa data que estou contando, é quando nós vimos, assim, de longe o Fordinho vir, porque era uma estrada de terra, que nessa época do ano era uma poeira medonha. Então a gente de longe percebia, nós corríamos para abrir a porteira porque naquele tempo a vida era outra, os pais da gente ensinavam que a gente tinha que atender os mais velhos, enfim, servir da melhor maneira possível, né? E a gente ficava até feliz porque, às vezes, até eles davam balinha, não sei depois se eu ia mais por causa da bala ou pela educação que o meu pai me deu. Mas é, foi uma infância muito linda, e eu tenho saudades da minha infância, eu tenho.
P - E o senhor permaneceu na fazenda até quando?
R - Trinta, 1938.
P - O senhor tinha quantos anos, mais ou menos?
R - Oito anos, nasci em trinta, em torno de oito anos.
P - E da fazenda vocês foram para onde?
R - Viemos aqui para São Paulo, uma viagem de caminhão, me recordo dessa viagem até hoje.
P- Conta para gente como foi então essa viagem?
R - Ah, nós saímos bem de madrugada, e naquele tempo já existia uma espécie de traquinagem porque, como não podia vir no caminhão, então, o motorista do caminhão fez uma carga de uma maneira que nós fizemos dentro da carga, assim, protegido pela carga, porque senão a polícia não ia deixar a gente passar em cima do caminhão, né?
P - Por causa da idade?
R - Eu me lembro desse detalhe, eles me disseram assim: "Não, precisa ficar quietinho aqui porque senão depois não pode passar nas barreiras." Essas coisas, né?
P - E vocês chegaram aqui em São Paulo, vocês foram morar aonde?
R - Olha, nós tínhamos um tio que morava aqui na Rua Bandeirantes, próximo daqui, três quadras se não me engano, né? E esse tio era, ele era, a esposa dele era irmã de minha mãe e, naturalmente, por ajuda dele, ele conseguiu um emprego, então, meu pai pegou toda a família, reuniu direitinho, vendeu as criações que tinha. Nessa época nós tínhamos algumas criações, umas vaquinhas, um cavalo, charrete e tudo. Nós vendemos, apuramos e viemos embora para cá, viemos morar na Rua Salvador Leme, Rua Salvador Leme é aqui embaixo, ainda me recordo muito bem, porque ficava bem próximo a Cama Patente Faixa Azul, um produto que marcou época tremendamente, né?, não havia quem não conhecesse esse produto.
P - Que é que era esse produto?
R - Cama, cama, umas camas tubulares, você sabe essas camas de ferro, que existe agora, camas tubulares de ferro, era o mesmo estilo mas em madeira, muito boa até, muito bem feita, marcou época, foi famosíssima.
P - Como era o estrado da cama?
R - Era de mola, duzentas, trezentas molas enroladinhas, esticadinhas, eu me recordo muito bem disso, eu morava lá pertinho né, me recordo disso.
P- E o pai do senhor estava fazendo o que quando... veio fazer o que em São Paulo?
R - Bom, nessa época aí meu pai foi trabalhar de empregado numa chácara, porque ele era uma pessoa muito habilitada para administrar, assim, fazenda, ele administrava o transporte da fazenda naquela época que nós morávamos lá na fazenda. É uma fazenda de café, e produzia muito café, então esse café era ensacados na própria fazenda e levados para a estação para serem despachados para São Paulo, então meu pai é que administrava, eles tinham cinco carroções com seis cavalos cada carroção, meu pai que administrava todos os despachos, essas coisas, né, e naturalmente ele veio para cá, veio tomar conta de uma chácara na Parada Inglesa, certo? Nós morávamos aqui na Salvador Leme, um período de ajustagem, depois fomos lá para a Parada Inglesa e lá então, aí já começamos a nossa vida aqui em São Paulo, propriamente assim, ele já empregado, né? Minha mãe também ajudava um pouco, eu era muito garotinho, e, nessa época, eu, como eu havia vindo de São Paulo, aí vim morar aqui na Salvador Leme e eu comecei a estudar num grupo escolar que tem aqui na Avenida Tiradentes, eu não me recordo bem o nome, não sei se é Regente Feijó, é bem aqui em frente a igreja dos, não estou recordando o nome da igreja, mas eu vou me recordar, os Armênios, dos Armênios, né, bem na Praça José Roberto, e eu então nessa época comecei a estudar aqui, e depois logo nós mudamos para a Parada Inglesa. Então tem um depoimento importante que eu acredito porque a maioria de vocês, a senhora talvez conheça, tinha um trenzinho que saia da Cantareira aqui do Mercado Municipal, ali da Rua da Cantareira, e ele ia até Guarulhos, então eu fiquei estudando neste grupo escolar e morando na Parada Inglesa, então eu vinha de trenzinho de manhã e ia de trenzinho na hora do almoço para casa. Era um farra, um divertimento, porque era muito bonito, uma maria-fumaça mesmo, mas daquela pequena, não das boas que existiam, era bem, assim, antiga até.
R - Como é que chamava esse trenzinho?
R - Ramal da Cantareira.
P - Ramal da Cantareira.
R - É, porque tinha dois ramais, quando ele chegava em Santana, um ia para o Tremembé, e outro ia para a Cantareira, era o ramal da Cantareira.
P - Não existe mais nada disso?
R - Não, essa área que vocês conhecem hoje aqui é totalmente diferente, o Rio Tietê vinha até quase o Mercado Municipal, ele era sinuoso, assim, mas totalmente sinuoso. Tem mapas ainda de São Paulo que trazem o trajeto, depois, o curso, desculpa, depois é que ele foi retificado, e eu me lembro, e eu me lembro com perfeição, como se eu estivesse vendo hoje, no dia que foi aberta, fizeram a Ponte das Bandeiras e o rio passava pelo curso antigo e eu assisti a abertura do canal para água passar por baixo da Ponte das Bandeiras aonde é hoje a Atlética São Paulo. E era, tinha o Espéria do outro lado, e o Tietê do lado de cá.
P - Que bárbaro, e o senhor estudava como? O senhor continuou estudando?
R - Aí eu continuei estudando, depois eu aí ficou um pouco difícil, porque esse período já era período da guerra, as coisas eram muito difícil. Para você ter um idéia, o ônibus da Parada Inglesa era movido a gasogênio, quando ele chegava na subidinha da Ataliba Leonel, nós tínhamos que descer do ônibus e ajudar a empurrar o ônibus para ele atravessar aquela parte mais alta porque ele não tinha força certo, foi um período difícil né?
P - E como foi a sua adaptação à cidade grande que, embora pequena na época, era grande para o senhor que vinha da fazenda, né?
R - É bom, São Paulo era muito diferente do que é hoje.
P - Mas era uma cidade...
R - Mas era uma cidade, que eu fiquei, assim, meio espantado, mas eu senti mais a ausência da fazenda, eu não me assustei com a cidade, eu sentia a ausência da fazenda, a cidade não me assustava, porque, mesmo lá em Pirassununga, eu ia sempre, né, meu pai tomava conta dos despachos da estação, e eu ia assim da fazenda. E eu ia então assim semanalmente, eu ia para a cidade, eu estava acostumado com a cidade, ver trem, assim, eu ia sempre na estação despachar com meu pai, despachar as sacas de café. Então eu aqui em São Paulo não me assustei com o tamanho da cidade, eu assustei com, eu senti muita falta da fazenda, mas em compensação a Rua Salvador Leme tinha dois campos de futebol e depois era pasto, até o Campo de Marte, para o lado de lá do Rio Tietê. E então nessa época eu me divertia, comecei a substituir a fazenda pelo futebolzinho. E tinha uma coisa que começou a me fascinar: o Campo de Marte naquela época tinha uns aviões biplanos, naquela época era os Camargos, né, os irmãos Camargo, eles faziam muita acrobacia aqui em cima com aqueles aviões biplano e eu ficava fascinado vendo, e aí eu comecei a ir lá ver. Numa tarde assim a gente juntava dois, três coleguinhas, ia ver e então aí foi, praticamente eu fui me adaptando na cidade, né, sem problemas maiores, mas no começo eu senti muita falta da fazenda, mas muita falta.
P - E o senhor continuou estudando até quando?
R - Não, eu não tive muita chance de estudo não, porque a vida era muito difícil, você não conseguia emprego naquela época e nós éramos família pobre. Nós não tínhamos poder econômico, nós éramos pobres, eu estudei o que foi possível na época, o grupo escolar, depois eu dei o depoimento ali, eu fiz outros cursos assim, no Senai, eu fiz um curso de mecanografia, de um ano também e não aproveitei esse curso, porque um ano depois minha vida mudou completamente. Aí do Senac eu fiz já curso, assim, de balconista profissional, então esses foram os estudos que eu tive assim, não é?
P - Tinha curso de balconista profissional?
R - Eu tenho diploma para mostrar para vocês.
P - Que se ensinava nesse curso?
R - Marketing, né? Era um curso muito bom, professor A. Carvalho, e era um curso, olha me foi de grande valia, mas muito bom, me ensinou muita coisa que eu nem imaginava. Eu guardo boa recordação da Garbo porque lá eu lá eu aprendi, lá eu me soltei como funcionário e aprendi, assim, muitas coisas que eu não tinha nem a menor noção, né, embora eu sempre trabalhei no comércio, mas foram campos, assim, de transição assim, bastante diferente uma da outra pelo sistema em si, não é? Uma era mais assim íntimo, familiar, o outro não, o outro era popular, era popular, era assim de público imenso, né?
P - O senhor começou a trabalhar com quantos anos mais ou menos?
R - Bom, comecei a trabalhar mesmo, comecei a trabalhar em 1941 né?
P - E o que o senhor fazia?
R - Ajudante, assim, estudava de manhã e trabalhava à tarde: varria, entregava, fazia tudo que era possível fazer assim, de serviço informal, né?
P - Aonde que era?
R - Nesta época era na Rua Ataliba Leonel, na Parada Inglesa.
P - Mas era que tipo de estabelecimento?
R - Alfaiataria, uma alfaiataria, né? Era de um português, que até, é possível que esteja até vivo ainda, seu Antoninho, meu xará.
P - E como é que era a clientela dele, da alfaiataria?
R - A maioria eram portugueses, porque naquela época a Parada Inglesa havia muita chácaras de portugueses, né, da penitenciária para lá, no lado esquerdo, era só chácara de portugueses de verduras, chácaras de verduras, né, é tudo, é que portugueses é, cultivavam, e do lado direito tinha uma granja de leite também de portugueses, duas granjas de leite também de portugueses, essa granja de leite, ela era do lado direito subindo a Rua Vinte e Quatro de Outubro. É uma chácara grande assim talvez uns três, dois, ou três alqueires. Eram chácaras boas, com vacas holandesas, eu me lembro bem porque eu era amigo do filho dele, né, da filha, nós brincávamos, eu morava nesse época ali, praticamente junto quase.
P - E quanto tempo o senhor trabalhou na alfaiataria?
R - Ah, trabalhei até 42, por aí, foi pouco tempo, não foi muito tempo, aqui hein, aqui.
P - Porque depois o senhor mudou?
R - Depois eu mudei, né?
P - Para onde?
R - Aí eu mudei para a Pompéia, e fui trabalhar novamente numa tinturaria e alfaiataria, também com a mesma função, entregar roupa, é, buscar roupa, fui assim, e aprendendo alguma coisa, né, aprendendo alguma coisa. E depois essa mesma alfaiataria começou a vender camisas, ela lavava roupa, um setor, o outro setor produzia ternos e setor, e um outro setor, apesar de ser uma firma muito pequena, isso dá impressão de ser grande mas não era não, tinha um funcionário cada setor.
P - Como é que chamava essa alfaiataria?
R - Alfaiataria Água Branca.
P - Água Branca.
R - É.
P - Como é que funcionava a tinturaria? Como é que faziam a lavagem de roupa na época?
R - Manual. Mas já usavam produtos químicos, usava muito, potassa, é soda cáustica, né?
P - Na roupa?
R - Era dosado, naturalmente, tinha porque, senão, ela corroía a roupa. Tinha uma dosagem mínima, cuidadosa, até quem misturava isso aí era o velho, o seu Francisco porque precisava muito cuidado para lidar com isso aí porque estragava a roupa, né?
P - E como que era assim, vamos dizer assim, o visual da tinturaria, tinha balcão, prateleiras?
R - Tinha, até uma vitrininha, até uma vitrininha, muito bem, muito boazinha assim, era muito simples, mas muito bem feitinha, né, uma vitrininha com os terninhos assim, na vitrine, depois as camisas assim que eles faziam, que eles vendiam, né? Nesta época eu comecei já a me interessar assim por vendas, alguma coisa, né?
P - O que é que atraia no senhor, as vendas, como que?
R - Eu sempre gostei de lidar com o público, sempre, eu sempre tive vontade de conversar com pessoas, de ter contato assim, porque é meu jeito mesmo. Eu não sei, seria a personalidade minha mesmo, né, eu sempre adorei conversar assim, ter amigos, conhecer, eu tenho uma vontade muito grande de conhecer as coisas.
P - E aí o que é que o senhor fez para...
R - Bom, aí eu continuei trabalhando um tempo, depois eu achei que lá não me convinha, porque eu vi que não tinha futuro nenhum ali. Eu entrei numa outra alfaiataria que eu já percebi que tinha um campo melhor, aí eu trabalhei uns cinco, seis anos ali. Depois desse período aí, eu me aventurei a trabalhar por minha conta, em minha casa, aí, mas eu não era estabelecido, nada, eu trabalhava apenas na minha casa, nada mais, não tinha assim uma loja, não tinha nada, era no quintal de minha casa tinha um cômodo próprio para isso daí.
P - Para fazer o qu, o que o senhor fazia?
R - Roupa. Roupa.
P - O senhor fazia confecção de roupa?
R - Calça. E aí eu trabalhei uns cinco, seis anos também mas, depois, passou a ter uma época um pouco difícil, estava ficando difícil, e eu já era, a essa altura eu já era casado, eu me casei, né, aí eu fui trabalhar nas Lojas Garbo, né?
P - Mas só voltando um pouquinho, quando o senhor parou de trabalhar como empregado, como é que o senhor fez com a questão do recolhimento, seguro-desemprego?
R - Ah sim, é como eu disse, o meu pai era um homem assim, que não tinha muito estudo, mas era um homem muito inteligente, muito sábio, passou coisas importantes na vida. Então ele me orientou que ainda que eu não fosse registrado, porque eu, quando eu fui trabalhar em casa, eu já havia trabalhado cinco anos numa alfaiataria, e eu era registrado já. Então eu fui trabalhar em casa, eu não tive mais registro nenhum, porque eu não era documentado nesta época, eu estava trabalhando na minha casa, começando sem saber como é que iam as coisas, mas meu pai me orientou para que eu fizesse um recolhimento da aposentadoria como desempregado, era permitido naquela época né, eu, cada seis meses, eu tinha que pegar minha carteira profissional ir lá na Rua Senador Feijó, deve ser, é Senador Feijó, e lá eu apresentava a carteira. Como não tinha nenhum registro de nenhum emprego, eles carimbavam e assinavam e eu continuava tendo direito de pagar mais seis meses. É essa, esse recolhimento da minha aposentadoria, porque fazendo isso eu não perderia os seis anos que eu já tinha pago, e então...
P - Mas também o senhor não recebia pelo desemprego, né?
R - Não, não havia, o INPS não concedia o seguro-desemprego, apenas ele permitia que nós recolhêssemos a parte ideal da aposentadoria para que futuramente esse período, por exemplo, que ficou desempregado, é, a pessoa não perdesse, né? Eu acho uma medida maravilhosa do INPS, porque hoje eu tenho 65 anos e sou aposentado. E eu trabalho, nunca parei de trabalhar, né, eu trabalho de 41 até hoje, é, sem parar e de 1946 até agora eu tenho registro na carteira porque eu sou ainda registrado na carteira.
P - E essa época que o senhor trabalhou em casa, onde o senhor morava, quem era a clientela?
R - Eu morava na Rua Armando Brusso, 223, a clientela era parente, amigos, vizinho, era isso daí, a gente procurava, a gente sabia, sempre tinha alguma coisa a fazer, né, sempre tinha alguma coisa, eu nunca podia encostar, jamais, jamais, jamais. Eu sempre soube que a vida não era fácil, então não, cuidei de que eu deveria respeitá-la, né, e ter que trabalhar muito para conseguir alguma coisa.
P - Que bairro era?
R - Vila Romana.
P - Vila Romana.
R - Vila Romana, um subdistrito da Lapa, né?
P - Agora o senhor, nesse meio, o senhor já era casado?
R - Eu casei em 1957, no ano de 1957, no dia 26 de janeiro de 1957, me casei na igreja Nossa Senhora de Fátima.
P - E como é que o senhor conheceu a sua esposa?
R - Era fácil, eu saia na janela e a via, estava lá na janela do outro lado da rua, foi fácil, não foi difícil não. (risos)
P - Bom, e aí que é que levou o senhor a deixar de trabalhar em casa?
R - Dificuldade, e estava ficando um pouco difícil, né?
P - Que é que estava, porque é que era difícil?
R - É, porque, eu percebi que fora eu teria um campo muito melhor, certo. Eu tinha um limite de trabalho ali, e não era o meu objetivo esse daí, eu não estava satisfeito. Eu não gostava de fazer aquele tipo de serviço, então me surgiu essa oportunidade na Lojas Garbo. E eu, então, fui lá, fui trabalhar como marcador, marcador era o seguinte: a gente, o cliente escolhia a roupa, ia para cabine, vestia o terno, então se a manga estivesse comprida, a calça larga ou o ajuste, nós tínhamos uma ficha própria, que fazíamos as anotações direitinho e, aí, esta roupa ia para a oficina e lá eles executavam esse conserto mediante as indicações que nós dávamos. Dois dias depois eles entregavam, o cliente vinha buscar, isso era, o cliente que fazia a opção, né?
P - Não existe mais essa profissão?
R - Existe até hoje.
P - Até hoje?
R - Existe sim senhora, e as Lojas Garbo continuam, eu não sei se todas as filiais que havia na época, mas a grande maioria ainda tem.
P - Era costume os homens comprarem roupas na lojas ou ainda iam aos alfaiates particulares?
R - Bom, um dos motivos que eu optei para trabalhar nas Lojas Garbo é a seguinte: que até esta época era costume mandar fazer roupa em alfaiataria, mas depois começou a roupa pronta, ou meia confecção, como eles chamavam, né, que era o ajuste, e eles naturalmente tinham uma possibilidade de comércio muito superior a nossa, tanto pela produção, pelo custo, né? Porque produzia em massa, vendia mais barato, facilidade, o sujeito ia, entrava na loja, conforme o caso saia com a roupa no corpo já, também era um ponto importantíssimo de vendas, e então foi isso mais que originou a minha saída de trabalhar por conta própria. Porque eu vi, eu percebi que eu talvez tivesse uma chance maior como felizmente eu tive porque eu fui, sempre fui curioso, sempre gostei de aprender, sempre, então eu fui avançando, avançando até conseguir o mínimo que eu tenho hoje, mas que já é muito pelo que eu não, consegui, não tinha nada, quem não tinha nada, tendo alguma coisa já está ótimo, né?
P - E o senhor permaneceu muito tempo nas Lojas Garbo?
R - Uns oito, nove anos, né, por aí, essa aí, eu não sabia que, que seria importante a gente dar as datas mais precisas, né, senão eu teria tido o cuidado de ...
P - A gente só quer uma idéia, não tem ...
R - Certo, tudo bem. Então, mas é, as Lojas Garbo é, era uma firma muito boa, tinha lojas muito bonitas, muito bem montadas.
P - Era a única de confecção masculina?
R - Não, tinha três concorrentes fortíssimos, a José Silva, a Exposição, na Dom José de Barros, e a Ducal. Tinha algumas outras assim, a Rener também, que era uma firma muito boa e algumas menores que eu não me lembro, ou talvez até, nem tanto menor, mas que eu não esteja assim, de momento não estou lembrado, mas eu, essas outras, esses concorrentes eu conheci, eu conhecia bem porque, é, havia um detalhe: quando nós éramos lá na Garbo, que eles, nestes cursos de vendas, eles tinham pessoas muito inteligente, então obrigava a gente, não obrigava, mas sugeria que nós saíssemos ao café e desse uma voltinha de 15 minutos para ver as vitrines dos concorrentes em volta, o que eles vendiam, o preço que eles estavam vendendo, para gente ter argumento, para, para poder efetuar a venda com mais facilidade, né? Eles tinham um padrão de comércio muito avançado já para a época, eu admiro muito as Lojas Garbo. Eu achei, eu gostei muito de ter trabalhado lá, tive meu tempo, progredi, sai, progredi mas eu reconheço que lá foi muito importante para a minha vida, mas muito importante.
P - E lá o senhor sempre trabalhou como marcador?
R - Não, eu fui promovido, eu fui promovido.
P - Então conta como, essas promoções.
P - É, que foi importante para o senhor?
R - É, aí nessa época eu trabalhava na XV de Novembro como marcador. Aí eles abriram uma loja na Rua Sete de Abril, ao lado da companhia telefônica. Era uma loja lindíssima, todo mundo queria trabalhar para lá, e eu tive a felicidade de ser mandado para lá como marcador, mas logo depois de pouco tempo eu fui promovido a vendedor, né, eu já nessa época, eu já tinha uns anos, dois ou três anos, eu entendia bem de roupa, de roupa eu entendia muito bem, e eu tinha a vantagem que eu, como eu era marcador, o diálogo que eu tinha com o cliente era muito próximo do diálogo que o vendedor tinha. Talvez às vezes eu teria mais, ter mais persuasão porque se a roupa tivesse um defeito, o vendedor punha na cabine e sumia, a gente que teria então, nós, marcadores, é que tínhamos às vezes que fazer o cliente sentir que aquele pequeno defeito que tinha ia cessar, nada, sem problemas maiores, né, então o marcador do vendedor não tinha muita diferença de técnica de persuasão, técnica de venda não, não havia muita diferença não.
P - Aquilo que o senhor aprendeu nessa, nesse período, o senhor aplicou mais tarde quando o senhor mudou de ramo?
R - Eu acredito que quase tudo, embora depois eu, eu possa até explicar algum detalhe, mas o vendedor ele, o vendedor não existe problema, se ele é um bom vendedor, ou se ele tem um pouco de talento para vendas, ele tanto faz vender um sapato como vender um automóvel, ele vai se ajustar, se ele for vendedor ele vai se ajustar.
P - Aí, dessa passagem pela Ducal, o senhor fez, o senhor saiu ...
R - Da Ducal não, desculpe, Lojas Garbo...
P - Desculpe, Garbo, o senhor saiu do ramo?
R - Saí do ramo de roupas, né, aí já passei para o ramo de iluminação, aí foi um salto assim de, muito grande, mas eu, como eu acabei de falar para a senhora, eu não conhecia nada de lustres, mas eu me sentia vendedor, modéstia a parte, então eu, quando entrei no Bobadilha eu fiquei, assim, fascinado por coisa, né? Era uma coisa linda, era muito bonito, e é um ramo muito bonito, mexe com estilos, eu passei a ver coisas, palavras francesas ou estilo, assim, de outros países. Aquilo me fascinou e, quando entrei, a primeira semana eu levei, assim, um meio choque, porque eu decidi trabalhar assim de roupa, para lustre não, vinte dias, um mês, nem isso.
P - Como é que foi?
R - Olha, foi meio assim, eu levei um pouco de impacto, mas eu, eu resolvi tentar e eu, eu sempre gostei muito de ler, então eu superei a minha dificuldade no seguinte, primeiro, perguntando tudo para todos, eu não me acanhava, eu perguntava desde o auxiliar de loja até para o gerente, e depois eu, sábado e domingo à noite, eu saia nas ruas e ficava olhando nas casas assim, aquele tempo não tinha muito problema de fazer isso não. Eu não estava bisbilhotando a vida da família, eu estava vendo o que ele usava de lustre na sala, na frente da casa, ia em museu, pegava revista, livro, assim, foi uma maneira de eu ter que, porque eu era casado, eu tinha filho pequeno, eu tinha que vencer, eu não podia, eu não retroceder de jeito nenhum, eu tinha que vencer, tinha que ir para frente né? Pelo menos eu tinha que sobreviver, e eu encontrei essa fórmula que foi fantástico, em pouco tempo eu era tão bom vendedor de lustre quanto os antigos lá da loja.
P - Mas, só voltando um pouquinho, enquanto o senhor estava trabalhando com roupas, como que foi essa passagem, esse salto para lâmpada, luminárias?
R - Eu tinha um cunhado que trabalhava no Bobadilha, aí eu passei a pesquisar com ele e conversar, e eu vi que ele ganhava mais do que eu, certo? E então eu peguei e pensei: "Bom, eu não vou ficar aqui mais na Garbo, porque eu estou vendo que eu... tem um campo novo pela frente né?" E lustre tinha uma grande vantagem, enquanto a roupa estava encontrando dificuldade com a Jovem Guarda, que já passava, os hippies, uma camisa de morelli estampadinha e uma calcinha de brim, o lustre não. O lustre estava começando a despertar em São Paulo. Não, já era conhecido, mas começou a ter um impacto assim, maior, né? Então aí eu conversei com ele e ele falou: "É, está precisando de vendedor." Eu falei: "Ah, então eu vou lá." Aí eu fui fazer uma entrevista com o dono do Bobadilha, né, mas não foi difícil para mim conseguir um emprego porque, depois eu vou mostrar para senhoras, eu, a Garbo tinha concurso de venda, e eu felizmente fui o vencedor, eu tinha, inclusive, um recorte de jornal, essas coisas e eu, então, eu fui lá conversar com, com seu Íbero, seu Izer, Izer Bobadilha, que eram dois irmãos, Íbero Bobadilha e Izer Bobadilha, duas pessoas extraordinárias. Lamentavelmente o Íbero já é falecido, mas aprendi muito com eles também, depois você irão ver, e então ele fez uma entrevista de meia hora lá, conversamos tudo, e eu apresentei o que eu tinha, eu era vendedor da Garbo, já era alguma coisa, naquela época valia muito, hoje talvez valha até bastante, mas, naquela época quando a gente falava que era vendedor do Bobadilha, da Garbo, as pessoas conheciam, eram firmas conhecidíssimas, né, e eu mostrei para ele também que havia sido um vendedor do ano no meu setor, tudo. Foi fácil, consegui o emprego com facilidade, né, em, dois, três meses eu me adaptei e peguei firme mesmo, peguei para não sair derrotado, e aí, aí fui me aperfeiçoando, gostei muito do lustre, a iluminação me fascinou, e eu então fui procurando aprender, aprender mais rapidamente possível, tanto é que eu não trabalhei muito tempo lá também não, foi cinco, seis anos. Depois eu já comecei, ai eu me estabeleci também, já oficialmente, eu e os meus dois concunhados, nós três nos unimos e abrimos uma loja. O Carlos Gai já trabalhava comigo no Bobadilha, e o Carlos Cruz era gerente de vendas da Eucatex. Então também foi fácil para nós, e teve uma, um outro detalhe muito importante também: nessa época eu tinha um bom conhecimento com os fabricantes de lustres, então nós conseguimos consignação, isso para nós, porque nós não tínhamos, o capital nosso era pequeno, um capitalzinho desse tamanho. E então nós começamos, também pegamos firme, mas com um raça tremenda, e nós tivemos muita sorte também porque foi aquela época de construção de Brasília, as coisas iam bem, e vendia-se muito, era fácil vender, era fácil.
P - Como é que chamava a loja e aonde ela ficava?
R - Bom, a minha primeira loja era, Lustres Vila Rica Ltda. Ficava na Rua da Consolação 2.217, a loja, o prédio era do doutor Elias Chammas, na época ele era presidente da Câmara Municipal, uma grande pessoa também, muito boa.
P - Que época era mais ou menos, década?
R - Foi década de setenta, né?
P - E desde quando o senhor começou a trabalhar na Bobadilha? Como era a Consolação, a rua?
R - Ah, era interessante, a Consolação era a metade da largura que tem hoje, e passava bonde, tanto é que quando ela foi alargada foi um dos períodos de crise para nós, né, porque demorou seis meses, que ninguém transitava pela rua, imagine que tiraram os trilhos, tiraram os paralelepípedos e asfaltaram, alargaram, derrubaram um hospital, o Hospital São Jorge, com seis andares, vocês fazem uma idéia, era bem em frente a Bobadilha esse hospital, e derrubaram.
P - E tiraram um pedaço do cemitério ou não?
R - Não, o cemitério é uma lei federal, não pode, toda rua que tem cemitério, se tiver que ser alargada é do outro lado, não pode.
P - E nesse período o senhor passou por uma crise?
R - Foi uma época de uns seis meses de venda muito fraca, a gente ganhava quase o mínimo, né? Porque como a gente não podia entrar na loja, os quarteirões foram cercados assim com máquinas, com tudo. Não havia como andar na rua praticamente, né, só mesmo homens e, senhoras não ia, não tinha condição. Então nessa época aí, depois a rua alargou, ficou uma avenida maravilhosa, aí melhorou bastante. Aí nós recuperamos em pouco tempo aquela, aquela fase difícil foi superada facilmente, né, porque ficou uma rua, avenida lindíssima, muito boa, muito público.
P - E nessa época já tinham muitas lojas de lustres? Que é que foi acontecendo?
R - Não. Nessa época, é, tinham poucas lojas de lustres, ali na Consolação mesmo, nesse período quando eu fui trabalhar na Bobadilha tinha quatro ou cinco lojas só, né? Tinha o Bobadilha, tinha o Escozo tinha o Herrera, o Pelotas e o Wilmos, salvo, salvo algum engano de minha parte, essas as lojas. Depois vieram muitas outras, inclusive eu fui também junto, né, felizmente.
P - Mas o senhor estava contando que o senhor abriu a sua própria, com os seus sócios no tempo de Brasília, que estavam construindo Brasília.
R - É, aquela época.
P - No tempo do Juscelino.
R - Juscelino Kubitschek, será que vamos ter outro?
P - É o que ele ameaça?
R - Tomara que sim né?
P - Tomara. Então nessa, nesses anos de JK é que o senhor montou o seu negócio e progrediu?
R - É, naquela, naquele período ali, né, foi muito fácil porque a época era boa para venda, e eu e meu cunhado já tínhamos, assim, bom entrosamento no setor de iluminação, com fornecedores, o que foi muito fácil.
P - E os fabricantes como é que eram, eram nacionais todos?
R - A maioria espanhóis.
P - Mas eram empresas nacionais?
R - Nacionais.
P - Fabricantes espanhóis?
R - Quase todos espanhóis, uma boa parte de espanhóis, né, tinham fábricas boas, muitas fecharam, já não existem mais, algumas delas em natal, por exemplo, era uma fábrica boa, tinha em torno de cem funcionários na época, que era muito, isso há vinte anos atrás era bastante. Era uma fábrica, era no Belenzinho, na Rua Gonçalves Dias, a Opá Lustres. É onde eu abri a minha loja, era uma loja, era uma fábrica muito boa, fabricava um material que chamava-se overlay, peça muito linda, muito bonita, né? Hoje não é fabricado, me parece, a Bandeirantes tem condições de fazer, mas não há interesse mais porque o produto é muito caro.
P - Ah, por falar nisso, então, como é que era o tipo de iluminação que se usava naquela época?
R - Bom, eu trabalhava na Bobadilha, e o Bobadilha era uma loja especialmente dedicada à iluminação clássica. Depois eles tiveram uma fase que tentaram o moderno com acrílico, mas também não durou muito tempo não. Mas eram lustres de bronze, de cristal, peças muito boas, cristal importado, né, as armações de bronze eram fabricadas importadas aqui por esses, por essas fábricas que na maioria eram tudo espanhóis.
P - Isso na parte, na qualificação clássico?
R - Clássico.
P - E no moderno?
R - Moderno havia muito pouca coisa. Era alumínio, repuxados, e alumínio assim, alguns lustres, alguns lustres que ainda hoje, às vezes eu vejo, eram braços de tubo de latão com placas de vidro feito assim, em concha, e colorida, no geral era rosa, verde e azul.
P - Aquela iluminação tida como dos anos 50?
R - Dos anos 50.
P - E a evolução desse tipo de...
R - Olha, atualmente está havendo uma evolução, uma transição até muito grande para o moderno, avançado, como é a iluminação mais até científica. Mas ainda se vende muito desse clássico. Eu mesmo na minha loja vendo praticamente 80% de iluminação clássica.
P - Mais do que essa científica?
R - Mais, mais. Eu nem estou preparado ainda, porque, como as minhas vendas está dentro de um padrão que eu tenho um pouco de prática e vai indo a contento, eu ainda não decidi mexer, eu... meus filhos não quiseram continuar com a empresa, porque um é arquiteto, a minha filha é economista, trabalha na Editora Abril, então eu estou sozinho, eu a minha patroa, meu braço direto, me ajuda muito coitadinha. Pena que ela não está aqui, mas eu rendo a minha homenagem a ela, sem ela eu não teria feito isso aí.
P - E como era, por exemplo, a entrega dos lustres? Há uns muito grandes, e desagradável de levar.
R - Bom, o lustre, naquela época funcionava mais ou menos assim, o sujeito construía uma casa e ia na loja e comprava lustre para a casa inteira, naquela época. Hoje já está bastante diferente, então nós atendíamos o cliente na loja, nós fazemos uma pesquisa da necessidade dele, essa pesquisa compreende até a cor do tapete, a cor das paredes, se é sala, se é quarto, se é sala de música, a dimensão para nós podermos adequar uma peça própria para aquele ambiente, combinando estilo e iluminação adequada para o tamanho, enfim isso aí, a gente aprendia mais na prática mesmo, né?
P - Isso é quase uma decoração, né?
R - É, os vendedores antigos trabalhavam mais no sentido disso daí, né? Nós inclusive aprendíamos assim, procurava aprender bastante coisa a respeito, porque a gente tinha até prazer de fazer uma venda para a casa inteira, depois mandava entregar. Aí entra esse detalhe da entrega, na maioria das vezes, naquela época, a gente combinava até a colocação do lustre na casa do cliente. Mediante a uma taxa que era cobrado, nós mandávamos o eletricista instalar, então a gente entregava o lustre pronto, o nosso trabalho quase sempre ia da recepção do cliente na porta da loja, ou adentrado da loja e até a entrega na casa do cliente, a colocação do lustre na casa do cliente aceso. Quase sempre funcionava assim, salvo, é lógico, outras vezes que podia acontecer de uma pessoa por motivo qualquer de precisar de um lustre, essas coisas, mas naquela época a média geral era vender para casa inteira, o apartamento inteiro.
P - E depois, o senhor disse que depois não era mais assim.
R - Não, com o tempo foi diminuindo e hoje, hoje já é mais difícil, né? Hoje não é comum uma pessoa entrar na loja e comprar para casa inteira. É porque as construções caíram bastante, né, quase não tem construção nova, apartamentos novos. Agora é que está começando a melhorar um pouco, mas um tempo atrás estava difícil, né? É essa reposição, renovação, por exemplo, pessoas que gostam de renovar a casa, e então, às vezes dá aquele lustre velho para alguém, vende, e põe os lustres novos.
P - E o pagamento, como é que funciona a parte, é, agora assim...
R - Naquela época já era parcelado, já podia ser feito, uma pequena parcela, né, já podia.
P - Era uma compra parcelada.
R - Três pagamentos, né?
P - E tinha juros?
R - Nem sempre, às vezes tinha, mas nem sempre tinha. Quando era dois pagamentos, às vezes abria uma entrada maior e uma parte menor de 30 dias, certo? Nessa época aí não havia juros não, né, não havia, juros era mínimo.
P - Seu Antônio, eu queria que a gente retomasse um pouco, né, o senhor com os seus sócios, com os cunhados né?..
R - Concunhados.
P - Concunhados, montaram a Vila Rica, né?
R - Vila Rica.
P - E aí vocês tinham um objetivo?
R - Nós éramos três, três concunhados, então nós chegamos a conclusão que uma loja não ia ser possível para nós assim, porque o imóvel que nós alugamos era pequeno, não era muito grande, não tinha campo para... então nós achamos que era mais prático fazer o seguinte: abrir mais uma loja, depois posteriormente outra loja para que futuramente cada um ficasse com uma loja e separasse. E foi o que aconteceu realmente, né, nós fomos montando com o passar do tempo uma loja, depois a outra, depois a outra, depois andamos, fizemos umas reuniões lá, e fomos fazendo uma transição, até que num período curto, de três meses, dois meses, cada um ficou com a sua loja e continuamos com as mesmas lojas até hoje.
P - Como é que chamava a segunda, a terceira?
R - A segunda loja se chamava Itaici Lustres e Decorações. Nós pusemos porque na época tinha o mosteiro de Itaici lá em Indaiatuba, e nós fomos visitar lá e gostamos, então, estava para escolher o nome, e colocamos Itaici.
P - E a terceira?
R - E a terceira foi, nesse período nós vendemos a Vila Rica e compramos um ponto, onde é o Vila Velha hoje, que era a nossa terceira loja. Essa minha, a Belas Artes, é a quarta loja, no sentido de loja, mas nós não chegamos a ter as quatro lojas, porque nós vendemos uma, e no mesmo dia compramos a outra. Nós fizemos assim, um jogo de venda porque, uma que precisava empregar o dinheiro, né, e outra que objetivo nosso era ter três lojas e nós achamos mais interessante essas outras, porque aquele ponto lá onde o aluguel estava muito caro e a loja era pequena, desculpa, então, aí nós ficamos com três lojas. Eles continuam com a deles e eu com a minha, né, e vamos indo aí lutando, enfrentando crises a gente ajusta a loja, acerta tudo bonitinho. Depois vem esses governos, fazem essas medidas de ajuste financeiro, a sua finança fica meio desarticulada, mas aí a gente entende um pouco do negócio, e aí põe ela em dia outra vez, né, e vai indo.
P - Qual é a principal dificuldade nesse tipo de comércio que o senhor vem sentindo ao longo dos anos, ou ainda em comparação com agora?
R - O poder de compra está diminuindo muito. Antigamente eu vendia para 30 fregueses num dia, hoje se nós vendemos para sete, oito é muito, essa é a grande diferença, o poder de compra.
P - O senhor tem alguma coisa a comentar sobre, por exemplo, o que aconteceu em cima dos planos que os governos vêm baixando nessa década de 80 para cá?
R - Olha para nós comerciantes sempre trouxeram conseqüências assim difíceis, porque por muito bem que esteja estruturado, que sejam esses planos, com toda boa vontade, com todo conhecimento que eles tem, mas afeta muito a gente. Por exemplo, qualquer desses planos, quando ele muda, nós ficamos num período de 60 dias, e bastante difícil para comerciar porque, às vezes, a gente nem sabe por onde começar, e sendo que nos primeiros 20 dias do mês as vendas caem violentamente, né? As vendas vão lá embaixo. Então esse é o ponto mais difícil para nós, é esse período de ajuste, uma vez passado esses período de dois, três meses, aí a gente também vai se ajustando e supera, né, também né?
P - E quanto ao perfil do cliente nesses anos, houve alguma coisa a comentar?
R - Eu posso fazer um comentário, o seguinte: eu trabalhava na Bobadilha, a clientela, a maioria era classe A, e eu abri a minha loja, já fui para uma faixa bem mais fraca, né? Eu não parti para um, mesmo por uma questão de capital, eu parti para produtos mais populares que eu achava que tinha mais facilidade, depois eu melhorei um pouco, mas, ainda assim, a minha faixa é uma faixa diferente da do Bobadilha ali, de algumas outras lojas boas, né? E loja é uma loja um pouco mais modesta, mas dá para mim ir vivendo com ela.
P - Mas com o achatamento, assim, dos salários, essa faixa não ficou também, parou, comum para muitos comerciantes, quer dizer que tem que abaixar o nível e tal?
R - Ah, eu acredito que muitos deles devem ter sofrido, podem até negar, mas que sofreram devem ter sofrido, às vezes a pessoa não quer falar, tudo, mas eu sei que houve ajustes aí que atingiu muitas firmas, que precisaram tomar algumas medidas, assim, então diminuir funcionários, restringir despesas, certo, eu acredito que deve ser afetado, né?
P - E essa parte dos seus filhos não quererem optar por esse comércio, como é que o senhor vê o futuro do negócio?
R - Olha, eu sempre procurei fazer meus filhos se prepararem para enfrentar a vida. Eu sempre procurei transmitir a eles que eles teriam um dia que estar sozinhos, como eu fiquei sozinho, com meus pais né, meus pais se foram e fiquei sozinho, um dia vai acontecer. Então eu orientei para que eles se preparassem para a vida. Minha filha é economista, se formou pelo Mackenzie, e trabalha na Editora Abril, há já uns, acho que talvez sete, seis ou sete anos já. O meu filho é arquiteto também formado pelo Mackenzie, meu filho trabalhou numa empresa muito grande, na Hidroservice, na construção do metrô, e outras empresas e outros prédios grandes. Depois ele foi trabalhar numa outra empresa que construiu o Mappin Itaim, ele participou da construção do Mappin Itaim, desde a medição do terreno até a inauguração, e hoje ele trabalha numa outra firma de arquitetura menor, e tem já seus projetozinhos também, né, que ele faz, e assim vai indo, né? E agora meu filho está apto para assumir minha loja. Eu treinei ele para isso, ele está, meu filho está treinado, se houver necessidade eu posso sair hoje que amanhã ele vai para loja e assumir porque ele conhece de iluminação, uma que é arquiteto, é um ramo que ele está mais ou menos ligado, e ele conhece o ramo, já trabalha, me ajudou muito na loja, sábados, férias sim, ele está apto a assumir a loja.
P - O senhor participou, a Consolação tinha uma associação?
R - Tem a Associação dos Comerciantes.
P - O senhor participou?
R - Eu fui secretário, em toda existência dela.
P - E o que é que a associação fazia, quais eram as promoções?
R - Nós tivemos um período, na associação nós tivemos um período muito bom. Foi os primeiros anos dela que nós conseguimos excelentes coisas para a rua: iluminação natalina por exemplo, nós conseguimos sempre, colocamos a iluminação central, canteiro central, cestos de lixo nas esquinas, enfim, regulamentação de zona azul em volta, enfim nós conseguimos muita coisa, fizemos diversas... jantares, enfim foi um período bom, pena que não teve continuidade porque essas coisas às vezes é difícil, não é muito fácil não.
P - Da onde saia a verba para fazer todo esse...
R - Era uma mensalidade paga pelos comerciantes.
P - Os próprios comerciantes?
R - Pelos próprios comerciantes, né?
P - E apoio da prefeitura para ...
R - A Prefeitura dava um bom apoio no sentido de reivindicação por exemplo: conserto de um buraco, iluminação natalina, enfim eles colaboravam sempre, mandavam lavar a rua, quando a gente pedia, bastava telefonar para lá, que eles ajudavam a gente neste sentido né? Eles atendiam sempre na medida do possível, né?
P - Foi extinta a associação?
R - Eu digo que ela está em dormência, né? Ela não foi encerrada, ela está em dormência, né? Porque a associação é uma coisa curiosa, para que ela funcione há de ter uma liderança muito grande de presidente, de diretores, não é? E hoje está um pouco difícil porque precisa muita dedicação, então as coisas é um pouco mais complicadas, né, mas foi um período bom, foi muito útil, nós fizemos uma bela praça de, em homenagem a Thomas Edson, no centenário da lâmpada, né, e, então esta praça existe lá, está até hoje lá. Mas lamentavelmente ela já foi restaurada duas vezes, e essas duas vezes ela foi depredada, é muito, é...
P - Praça, uma praça?
R - É uma pequena praça com um monumento à lâmpada elétrica né, é uma lâmpada elétrica em concreto, o formato assim, vazado, com néon em volta e depois, mediante uma contribuição de fornecedores e de comerciante, foi colocado uma proteção de vidro em volta. Mas ainda a semana passada eu vi, eu suponho que foi tiro, dois tiros nela, dois buracos de bala.
P - Seu Antônio, a gente já está começando a terminar a nossa entrevista, eu queria perguntar para o senhor, se o senhor tem algum sonho que o senhor quer realizar ainda? E qual é esse sonho?
R - Ah, eu tenho muito sonho, se é assim ...
P - E quais são então os sonhos?
R - Eu gostaria de viajar, por exemplo, conhecer a Europa que eu não conheço, Eu viajei até aqui pelo país eu viajo, já viajei algumas vezes assim, é, eu por exemplo, eu não viajei muito para o Brasil, mas viajei 11 vezes para a pousada do Rio Quente, porque eu adoro, eu e minha patroa gosta, e como ela me ajuda muito na loja, eu quando posso vou lá com ela, a gente fica lá uns cinco, ou seis dias e recupera as energias. Mas eu já fui muito para o sul já, diversas vezes para Minas, para o Paraguai, de vez em quando vou também, mas não compro nada lá, eu não vendo nada importado, só vendo produto nacional.
P - O senhor mudaria alguma coisa na sua trajetória de vida? O que seria isso?
R - É mudaria, se eu pudesse estudar, ter estudado, eu mudaria sim, eu gostaria de ter estudado, não foi possível né? Mas eu gostaria de ter estudado e gostaria de contribuir mais para a humanidade para alguma coisa assim que, de bom, né, trabalhar para a humanidade assim, né, eu sempre gostaria. Eu sempre gostei de ser útil a alguma coisa, né, é, faz parte do meu princípio.
P - O senhor teria estudado o que, por exemplo?
R - Olha, eu tenho a impressão que se eu tivesse estudado engenharia mecânica, eu teria sido alguma, teria tido sucesso, porque é uma coisa que me atrai, eu sou, independente disso aí, eu tenho como hobby restaurar lustre antigo, eu sou muito bom restaurador, modéstia a parte, eu tenho feito assim, restaurações muito boas. Eu não pego serviço assim, só coisas especiais, né, algum amigo que traz uma peça que eu goste, que eu acho muito bonita, que vale a pena, aí eu faço, mas eu não pego qualquer serviço, eu não aceito restaurações assim.
P - Como norma da loja?
R - Eu faço assim, quando eu vejo que é uma peça bonita, que eu vou dar, vou fazer aquilo reviver.
P - E agora a última pergunta: o que o senhor achou da gente ter ficado esse tempo todo aqui, conversando, falando do senhor, do passado do senhor, da história do senhor? O que é que o senhor achou de ter deixado isso registrado?
R - Olha se, em primeiro lugar, se alguma informação que eu dei para vocês puder ser aproveitado, eu ficarei muito feliz, porque o meu objetivo maior aqui foi esse, que daqui futuramente, quem sabe, como eu posso depois mostrar para vocês, eu tenho uma Gazeta Esportiva de 1938, inteirinha, está aí. Então quem sabe daqui 30, 40 anos alguém pega perdido um vídeo desse daí, ou alguma informação dessa daí e diz aí: "Olha puxa Você vê como São Paulo era, olha essa daqui, esse depoimento, isso aqui era assim, assim." Eu, ainda que não esteja aqui, mas eu ficarei feliz do outro lado.
P - Que bom, a gente agradece muito.
P - Muito obrigada.
R - Eu é que fico agradecido, espero que tenha contribuído para alguma coisa, né?
P - Não, foi fantástico.
P - Muito obrigada.
R - Não, eu que agradeço.
R - De nada, às ordens.
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