MCHV_037_RICADO CAMARGO
Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto
Entrevista de Ricardo Camargo
Entrevistado por Claudia Leonor e Luís Paulo Domingues
Ribeirão Preto, 5 de abril de 2021.
Entrevista História de Vida 037
Transcrita por Selma Paiva
P1- Então, bom dia, Ricardo.
R1- Bom dia.
P1- Obrigada por ter aceito o convite. E eu vou pedir pra gente começar a entrevista, pra você falar o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R1- O local que eu nasci?
P1- Isso.
R1- Então, tá bom. Eu sou o Ricardo Camargo Machado. Meu nome artístico ficou só Ricardo Camargo. Sou nascido no dia vinte de novembro de 1968, em Lins.
P1- E o nome dos seus pais, Ricardo? O que eles faziam, assim, profissionalmente?
R1- O meu pai era oficial do Exército. Ele trabalhava ali na 6ª CSM. E, lá em Lins ainda, ele faz a faculdade de Odontologia, aí virou dentista. Durante um tempo ele ainda continuou como militar, mas depois ele ficou só como dentista, né? Ficou só trabalhando como dentista. E a minha mãe foi professora durante muitos anos. Ela se aposentou como professora do Estado. Inclusive, até algum ano da minha vida, eu resolvi estudar com ela e foi bem difícil. (risos) Estudar com mãe não é muito fácil, não. (risos)
P1- É mais exigente?
R1- Muito, muito mais, né? E a intimidade é maior, então o negócio… o bicho pega (risos).
P1- Ô Ricardo, me fala uma coisa o nome dos seus pais… dos seus avós, desculpa maternos e paternos.
R- O meu avô por parte de mãe chamava-se Agripino Alves Camargo; a minha avó, Hilda Cunha Camargo. O meu avô, ele morreu antes da minha mãe nascer, né? Então a minha mãe teve a infância, mesmo, com o avô dela. O avô eu não vou saber te dizer o nome, não, porque também não tive contato. E os meus avós paternos eram de Lençóis, que eram o Antonio Miranda Machado e a minha avó, Ondina Miranda Machado. Ambos têm histórias muito legais, assim, mas eu acho que não é… não é o caso...
P1- Não, se quiser contar… se quiser contar alguma coisa que você recorda...
R1- Ah é… ambos têm histórias muito interessantes, que eu digo, assim: a minha avó, mãe da minha mãe, ela queria muito se casar com esse, com o Agripino, né, que foi o marido dela, pai da minha mãe. E eles tinham um pouco de receio, porque ele era de Minas e já um pouquinho mais velho. Então, eles tinham receio de ter outra família. Aquela coisa de 1940, né? E eles não… os pais dela não estavam muito dispostos a permitir esse casamento. E aí, enfim, ela já muito além da sua época, né, falou assim: “Não. Eu vou casar. Nem que seja pra eu fugir”. E acabou casando com ele. Ele trabalhava na empresa ferroviária lá de Bauru. E aí casou-se, engravidou da minha mãe. Só que, antes dela completar nove meses, ele teve um acidente na ferrovia. E aí ele não sobreviveu e tudo mais, né? Bom, mas aí segue a história, tal né? Grandes coisas aconteceram. E a minha avó… minha avó era apaixonada por um outro senhor, né? Ela era apaixonada, só que como ela tinha uma infância mais humilde, mais pobre, eles não queriam também que ela se casasse com esse homem que ela era apaixonada. E o meu avô, de verdade, era o menino que levava a correspondência de um pro outro. (risos) Então, ela falava que ele era o garoto das cartas, né, porque ele levava a correspondência dela pra quem ela gostava e trazia pra ela. Quando não deu certo, eles acabaram se aproximando e se casaram. E a minha avó teve o meu pai, meus tios, né, minhas tias, tem duas tias gêmeas que são super engraçadas, tudo mais, tal. Depois, o meu avô morreu, né, ela acabou indo morar em São Paulo, junto com as minhas tias. E um dia ela recebeu um telefonema. Recebeu um telefonema… Era o cara que era apaixonado por ela, né? Ele também tinha se casado, tinha tido a família dele e tudo o mais e ela havia falecido. Então, ele falou assim: “Eu me senti à vontade de ligar pra você, né, e dizer que você sempre foi o amor da minha vida e tudo o mais, né. E aí eu precisava te falar isso”. E ela ficou muito baratinada com a tal da história. Desligou o telefone, ficou meio aquela coisa sem saber o que fazer e tudo o mais. E passou um tempo, que ela digeriu aquela coisa, ela falou assim: “Eu vou retornar, né? Vou entrar em contato com ele”. Ele havia morrido logo depois, Claudia. É. Eu acho que era aquela coisa assim tipo: “Eu preciso me despedir. E falar que a vida inteira, embora eu tenha tido a minha família e tudo o mais, né, eu tenha me casado, o meu grande amor foi você. E tenho que te falar isso antes de eu ir embora”
P1- Nossa, que lindo! (risos)
R1- É. Bem legal.
P1- Que época foi isso, Ricardo? Você sabe? Faz muito tempo?
R1- Por volta de...
P1- Anos oitenta, noventa?
R1- O quê?
P1- Anos noventa, oitenta, que ela recebeu esse telefonema?
R- Ah.. pode ser que sim. É por aí. Porque isso as minhas tias que contam,né?. A gente não tinha, assim, muito contato. E acho que ela me contou isso depois que a minha avó havia falecido também. Mas eu não me lembro direito, não. Eu me lembro mais da minha avó materna, que morava com a minha mãe, que faleceu, mais ou menos, ali por 2019. É. Acho que foi por aí. Não, não! Desculpa. Já faz mais de dez anos, imagina! Foi por 2009, 2010.
P1- Maravilha. E, Ricardo, você cresceu em Lins? Assim, a sua infância?
R1- Não. Eu só nasci em Lins e já fui pra Bauru. Morava ali na Alfredo Ruiz, perto do Preve Objetivo. Morei durante muito tempo lá.
P1- E o que você lembra desse Bauru, assim, mais antigo, da tua infância, assim, anos setenta? O que você lembra, assim? Como é que era Bauru?
R1- Ah, Bauru eu acho muito gostoso, né? Eu acho que Bauru sempre foi um grande celeiro de grandes artistas, a gente tem muita gente legal que saiu de Bauru, né? E acho que saía porque não dava conta de ficar lá, (risos) porque Bauru não expandia muito os horizontes, pra quem era envolvido com a arte. Mas eu me lembro que foi uma infância muito gostosa. A gente sempre teve grandes atividades. Era uma época muito boa, que a gente brincava na rua, né, brincava na enxurrada. A minha mãe ficava muito preocupada, não deixava, mas quando dava aquela chuvona, que descia aquela enxurrada na Alfredo Ruiz, que inclusive era uma descida, a gente pulava lá, né? E eu tive três irmãos muito próximos. Então, a gente é praticamente uma escadinha. Então, não tinha muito aquela diferença, assim. A diferença maior era mais da minha irmã mais velha, que começou a ficar adolescente, a gente era ainda um pouco criança, mas ela também era muito brincalhona. Então, os quatro brincavam muito juntos, assim, não tinha aquele distanciamento de cinco anos, dez anos de um pro outro. Era tipo, um ano pra cada um. Então, a gente brincou muito, assim, uma infância muito junto. Isso era bem legal. Nós fazíamos historinhas. Acho que o teatro já começou na vida, dentro de casa mesmo. A gente fazia essas coisas assim, de criar historinhas, personagens. Nós tínhamos, assim, tipo vários programas de TV, (risos) que nós fazíamos. Entendeu? Tinha a Grande Família, tinha o Sai de Baixo. Era muito legal.
P2- E ali no… onde você morava, na Alfredo Ruiz, era Centro da cidade ali perto do Preve, né?
R1- Isso.
P/2- Mesmo no começo dos anos setenta, era tranquilo ali? Dava pra brincar na rua? Dava pra jogar bola? Ou passava muito carro? Como era o ambiente, ali? O que você lembra?
R1- Ah ele… Era um ambiente tranquilo, porque eu acho que a época era mais tranquila, né? A gente ainda não estava muito numa situação como está hoje. E, mesmo assim... eu vejo hoje ali um pouco abandonado, né? Já não é tanto mais uma coisa tão movimentada, como poderia ser na época que eu era criança. Mas eu acho que a época era mais tranquila, né, de você brincar na rua. Nós tínhamos amigos que moravam ali próximo, né, no quarteirão de cima, no quarteirão do lado. E, mesmo assim, não tinha muito aquela coisa assim, aquele perigo da gente brincar à noite, na rua. Eu acho que o mundo era um pouco mais diferente, né? Mesmo que a rua fosse mais movimentada, porque também tinha a ferroviária e a rodoviária, na praça, ali... praça… não me lembro como chama aquela praça.
P1- Machado de Mello.
R1- Machado de Mello. Exato. Uma coisa que eu me lembro, que eu não me esqueço até hoje, foi quando teve o Festival das Águas Claras, que foi o Woodstock brasileiro, né? E o meu pai saiu pra dar uma volta com a gente, de carro. E ele passou pela praça e tinha hippie pra tudo quanto é lado. Assim, a galera tomando banho na fonte. E um povo muito estranho pra mim, né, um povo que eu nunca tinha visto na minha vida. Aquilo lá, pra mim, era meio surreal. Parecia que eu estava vendo Hair na minha cidade. E, assim, eu era uma criança, não entendia aquilo, né? Porque senão, se eu fosse um adolescente, da época que eu fui adolescente, (risos) eu acho que eu já teria me jogado lá na praça e falado: “Eu vou junto. Me leva junto, que eu quero ir pra esse lugar”. (risos) E você sabe que esses dias, até, eu estava conversando com a Valéria, não sei se você se lembra dela, a ruiva que fazia...
P1- Valerinha?
R1- Isso. Fazia O Segredo da Tempestade, conosco, né: eu, Celso, Valéria, Carlos. Conhecemos Marcão nessa época, diretor de teatro.
P1- O sobrenome deles, pra gente localizar bem, Ricardo.
R1- Oi?
P1- Dá o sobrenome da Valéria, do Carlos, pra gente registrar.
R1- Valeria Mauriz, que hoje em dia é fisioterapeuta lá no Rio de Janeiro. Carlos Hortelã, que está dando aula de balé também, como eu, lá em São Paulo. Ele tem um projeto que, inclusive, na época, antes da pandemia, ele dava aula no Parque do Ibirapuera, levava o pessoal lá e faziam aula na praça. Na praça, não. No parque. O Celso Cardoso, que está em Londres, né, que é nosso amigo. E Marco Antônio Jaferes, né, que é diretor de teatro, inclusive já fez alguns filmes. Eu recebi até um portfólio dele esses dias, com algumas atuações dele em filmes, muito legal. E isso foi na adolescência, né? Quando… Bom, eu não sei se você quer que fique assim. Ou se você quer que tenha uma cronologia. (risos)
P/1- Não, está ótimo. Pode seguir.
R1- Porque o meu contato com o teatro se iniciou mais cedo, né? Eu devia ter o quê? Uns oito, nove anos, fazendo teatro nas peças de teatro da igreja, que a gente tinha aqueles clubinhos de reunião e tudo o mais, aí formava aquele espetáculo e apresentava pro pessoal da comunidade. A minha primeira peça foi Branca de Neve e eu fui o Zangado, não sei por que (risos) me escolheram pra ser o Zangado. E eu tinha duas falas. E era com aquele disco da coleção Disquinho, maravilhoso. Tanto que até mais pra frente, aqui em Ribeirão, fizemos o espetáculo, usei essa gravação; foi muito legal. E aí, depois disso, fiz um espetáculo com o Farid, não sei se você se lembra dele. Eu acho que ele chegou a ser...
P1- Farid Madi.
R1- Oi?
P1- Farid Madi.
R1- Farid?
P1- Madi.
R1- Não. Farid Abdul-ali.
P1- Ah, não.
R1- É. Se eu não me engano, ele foi secretário de cultura de Ribeirão… de Bauru.
P1- Eu acho que sim. Ele trabalhou na Casa de Cultura, né?
R1- Sim, sim. Bom, enfim, fiz um espetáculo com ele, né? E, nessa mesma época, eu conheci através da igreja, desse grupo que eu tinha feito esse espetáculo com o Farid, conheci o Sílvio Eduardo de Rosa Ramos, que era irmão do Renato Fabiano. Oh, meu Deus, do Renato Ramos, que depois eu acho que dançava com a Dalva, no Vitória Régia. E aí estávamos numa reuniãozinha de igreja, o Silvio comentou que ele estava fazendo balé. E eu não sei, eu acho que eu tinha uma recordação de balé, assim, eu vi o Baryshnikov na TV, numa chamada, quando ele veio, em 1977, pro Brasil, né? Tinha visto aquilo, eu fiquei encantado. E era uma abertura de comercial com Tchaikovsky, com um trecho do Tchaikovsky, do Quebra Nozes, e ele dançava num fundo infinito e eu achei aquilo lindo. Mas ficou guardado na minha memória. Depois a Kenia, que era daqui de Ribeirão, foi pra Bauru, dançou um ano, né, com vocês do Imagem, lá da Iola. E a minha mãe e a mãe dela ficaram muito amigas. E nós também ficamos muito amigos. Foi uma relação muito próxima, que aconteceu assim, em um ano a gente virou muito amigo. Tanto que nós nos correspondíamos depois por cartas, a gente mandava carta um pro outro e tudo o mais. E eu fui assistir um espetáculo de vocês lá no Luso. Foi um espetáculo que teve algumas coisas de Natal, teve Realce do Gilberto Gil, teve Horizonte Perdido. Foi muito legal. Vocês dançaram com o Ricardo Gomes, que era do Stagium. Eu me lembro de tudo, Claudia.
P/1- Nossa! Gente!
R1- Eu acho que eu fecho o olho, eu consigo ver o espetáculo na quadra do Luso. Foi muito mágico pra mim.
P1- Realce do Gilberto Gil. Realce do Gilberto Gil.
R1- E aí... Sim. Sim. Com umas roupas que tinham uns babados coloridos. Uma roupa branca, com uns babados coloridos.
P1- Macacão branco.
R1- Exatamente. De uma perna só e de um braço só. E tudo isso foi ficando na minha memória, né? Aí a Kenia foi embora, a gente continuou em contato por cartas. E, nessa época, eu conheci o Silvio na comunidade lá, na igreja e tudo o mais. E ele me falou que estava fazendo balé no BTC, no Tênis. E eu falei assim: “Ah, eu acho que eu gostaria de fazer. Mas eu tenho um pouco de vergonha, né, se eu tivesse alguém pra ir junto, eu iria”. E aí ele falou assim: “Ah, eu tenho aula segunda-feira. Se você quiser ir comigo, né?...”. E fui. E aí, fui segunda, terça, quarta, quinta… E não parei mais, né? Eu fazia todas as aulas do dia. Eu fazia aula com adulto, fazia aula com criancinha. Fui fazendo, né? Não parei mais. Dancei durante dois anos com a Dona Rute e foi uma grande mestra pra mim, porque assim...
P1- Dona Rutinha, né?
R1- Isso. Dona Rutinha. Ela me ensinou muito mais do que a dança, assim. Ela me ensinou a gostar da dança. Ela me chamava pra ir aos finais de semana na casa dela e escutar música clássica. Então, ela foi meio que alimentando aquela coisa em mim. Aí, depois de alguns anos, eu… acho que dois ou três anos eu dancei com ela. Acho que três anos. Aí um dia eu me lembro que eu tinha alguma coisa, tipo assim, eu tinha alguma festa e eu sabia que estava tendo um espetáculo do Imagem, na USC. E aí eu saí correndo, cheguei no meio do espetáculo e vi Tropical, do Marco Antonio.
P1- Marco Antônio, também, com música do Gilberto Gil.
R1- Exatamente. E eu fiquei maravilhado com Tropical. Eu falei assim: “Ah, eu quero dançar com eles”. E aí foi muito triste, assim, conversar com a Dona Rute, porque ela era uma mãezona pra mim, né? Mas aí eu falei assim: “Olha, Dona Rute, eu queria conhecer coisas diferentes. Então, eu estou indo lá pro balé da Iola”. Aí fui pro balé da Iola. Fui muito bem recebido por ela, né, que é uma pessoa maravilhosa também. O grupo também me recebeu muito bem. Aí dancei mais um bom tempo com o Imagem. Nesse meio tempo de Imagem eu tive um ano que eu fui pra São Paulo, né? Dancei com o Passo a Passo, que funcionava na escola do Cisne Negro. E depois, quando eu voltei, voltei pro Imagem, que nós dançamos Danças Provincianas, né, fomos pra Joinville. E, inclusive, dançamos um afro que você fazia uma entidade, né, que recebia toda a informação ali do que estava acontecendo, (risos) era muito boa aquela coreografia. Eu acho que foi nessa época que a gente teve até uma aproximação maior, né?
P1- Foi. Foi.
R1- Você sabe que eu estava falando um negócio, me perdi. Eu estava conversando com...
P1- Eu vou pedir... desculpa.
R1- Pode falar.
P1- Você estava conversando… Não, eu vou pedir pra você recuperar um pouco. A gente fez o afro, fez o Coppélia. E aí você foi pra São Paulo, no Passo a Passo. É isso?
R1- Isso. Isso.
P1- Eu queria que você recuperasse um pouco, assim, essa passagem, né, do Coppélia, que você tem um papel importante no Coppélia, que você já trabalha também com o seu figurino, né? E aí, como é que se dá esse convite pra ir pra São Paulo, no Passo a Passo?
R1- Então, na verdade, voltando na questão do figurino, quando eu comecei a dançar, eu tinha um pouco de receio de, por exemplo, chegar pro meu pai e falar assim: “Pai, eu preciso comprar uma sapatilha”. Então, durante um tempo, eu fiz as minhas sapatilhas, porque a minha avó costurava, né? Eu sempre admirei muito o trabalho dela, ali costurando. Então, eu falava assim: “Vó, vamos fazer essa sapatilha”. A gente cortava o courvin, fazia a sapatilha. Durava, assim, uma semana, porque não tinha a mesma estrutura de uma sapatilha normal de dança. E a primeira sapatilha que eu comprei, realmente, né, que aí eu calcei a cara e falei assim: “Olha, eu estava precisando comprar uma sapatilha”, foi pra dançar, né, pra dançar num espetáculo de final de ano. Então, a minha coisa com a costura já começou a surgir por aí, né? Eu fiz as minhas sapatilhas. Aí, às vezes, eu queria fazer algum figurino, eu também não pedia dinheiro pra comprar figurino porque, como a minha avó costurava e aqui... lá em Bauru tinha uma certa liberdade maior de cada um fazer o seu figurino, se tivesse essa possibilidade, né? E então, eu pedia pra minha avó fazer. E às vezes ela estava muito ocupada, eu cansava de esperar, eu mesmo já ia fazendo as coisas, já ia costurando, né, ia mandando ver. E com isso foi surgindo essa coisa do construir o figurino também, né. Eu me lembro que aí, depois, eu fui pra Iola, comecei a dançar lá na Iola. Quando teve a Coppélia, a minha vó fez as roupas e eu bordei, fiz todo o bordado e tudo o mais. E aí o povo do Cisne Negro tinha umas roupas meio estranhas, assim, né, (risos) aquelas roupas meio velhonas. E eles ficavam de cara porque, além de mim, também tinha o Edilson. Que aí, o Edilson bordava, assim, quase que com diamante, a roupa dele né? (risos) Então, o pessoal ficava meio assim: “Quero essa roupa pra mim. Deixa levar embora, né, (risos) pra fazer parte do nosso espetáculo”.
P1- Porque no Coppélia você dançou a prece com a Adriana Roda, né?
R1- Isso. Dancei a prece.
P1- Um papel de destaque, né?
R1- Sim. E fiz aquele boneco.
P1- O Polichinelo.
R1 - O Mouro, né?
P1 – O Mouro.
R1- O Mouro. Que eu dançava, eu ficava dez minutos coberto, né, aí dançava um minuto de coreografia e mais vinte minutos sentado, parado, esperando o ato acabar, porque era um boneco. (riso) E eu me lembro que eu gostei muito daquela oportunidade. Eu acho que eu me dei muito, porque eu falei assim: “Não importa que é um boneco, que eu vou ficar parado. Eu quero fazer bem feito, né?”. E aí, a Dona Hulda gostou. A Dona Hulda Bittencourt, diretora do Cisne Negro, ela gostou do meu desempenho do boneco e falou assim: “Ah, se vocês quiserem ir dançar lá, no espetáculo, em São Paulo, vocês podem dançar na matinê”. Eu e a Adriana dançamos a prece na matinê. Eu não lembro se a Márcia também foi com o Edilson. Não? Mas nós dançamos também as outras coisas. Dançamos a mazurca, czardas. A gente dançou na matinê do espetáculo. Mas o boneco, ela falou assim...
P1- Porque à noite, quem fazia o papel principal, era o Fernando Burronis, né?
R1- É. O papel principal do espetáculo da noite, era a Nora Esteves, do Rio e o Fernando Burronis, que também dançava no Rio. Na matinê foram os bailarinos lá do Cisne, mas os… tipo Doutor Coppelius, as amigas, eram todos do Cisne Negro mesmo, né…
P1- Sim.
R1- … os bailarinos do Cisne Negro. À noite, era só o Passo a Passo que dançava, como um espetáculo normal de companhia e alguns alunos da escola. Na matinê, aí tinha criança, cachorro, gato, periquito e tudo o mais. E aí, quando a dona… quando nós chegamos lá, a Dona Hulda pegou e falou assim: “Ah, você vai fazer o boneco à noite, também, né no espetáculo principal”. (risos) Até a Iola comenta que até o Burronis elogiou o meu desempenho lá do bonequinho. E aí, quando nós estávamos lá, durante a semana do espetáculo, teve a audição pro Cisne Negro. Então, nós fizemos. Fez eu, o Edilson e a Adriana Roda, fizemos a audição do Cisne. Só que não passei. Eu acho que eu... eu acho, não. Eu fui até muito além na audição, eu cheguei até o final da aula. Eu só não peguei o trecho de coreografias. E eu acho que muito disso, foi porque… não porque eu fosse tão bom quantos os outros que estavam lá prestando audição, né, mas porque ela viu, ela sentiu aquela confiança, falou: “Ah, eu vou dar esse crédito pra esse menino, porque eu vi que ele se empenha, né?”, que é uma coisa que eu acho que rola muito, hoje em dia, na questão de trabalho da dança, né? Você vê muito nas competições. É muito mais fácil você conseguir uma premiação, se você está lá, assim, fazendo todas as aulas, se você está sendo visto pelos professores que vão te avaliar, do que se você for um desconhecido, né? Se você for um desconhecido, você precisa ser, assim, o top cem pra você se realçar na frente daqueles que já estão sendo vistos, que você vê como trabalha, como faz aula. E eu acho que rolou isso, né? Mas aí não passei. E peguei e pedi pra ela, eu falei assim: “Posso continuar no Passo a Passo, durante a minha estada aqui, né?” Ela permitiu, fiquei lá. E aí dancei durante um ano com eles, com o Passo a Passo, que era um grupo ali, amador, do Cisne Negro. Só que eu não levei à frente, assim, não fiz tanta aula como eu deveria fazer. Acabei me perdendo meio naquela coisa de São Paulo, né, naquela coisa grande de São Paulo e tudo o mais. E aí fiquei meio decepcionado. No final do ano voltei. Quando eu voltei, que nós dançamos o afro, que aí a Iola trouxe o Pompeu pra montar o afro e também trouxe o maestro Erdonis, que montou Danças Polovtsianas. Então, foram duas coreografias que nós levamos pra Joinville.
P1- Esse afro foi o Pitanga. Esse segundo afro foi o Pitanga, não foi?
R1- Não, amiga. Eu não dancei o segundo afro. (risos) Eu só dancei o primeiro, que foi o José Augusto Pompeu, que era louquíssimo, né? Ele chegava na sala, ele começava a dançar, assim, ele falava: “É guguguguê cucucucuque”, né? Ele ia meio que se comunicando com a gente, com uma linguagem que você não sabia o que ele estava falando. E aí ele montou aquele trabalho maravilhoso. Quando veio o Pitanga, eu já não estava mais em...
P1- Uhum... em Bauru.
R1- ... em Bauru. Eu estava em… Ah, eu estava em São Paulo. Perdão, foi antes. Eu já me confundi.
P1- Não. Tudo bem. Acontece.
P2- Ô Ricardo, eu gostaria de pedir, assim, porque você já está na sua carreira artística, né, antes que ela continue, até onde chegou, eu queria retomar um pouquinho no passado. Quando você… Todo mundo… Você foi pra carreira artística. Mas antes, você frequentou escola, tal né? Como é que foi essa época da escola? Você chegou a pensar em outra carreira que não fosse a carreira artística, né? Antes disso, que disciplinas você se dava melhor na escola? Como foi a época de escola?
R1- Olha, eu era um aluno normal. Assim, nunca fui um aluno super, né? Eu acho que, na verdade, eu fiz… eu estudei pra, realmente, (risos) estudar. Mas a escola, não assim que não tenha sido uma paixão, né? Mas não era o meu primeiro plano. Eu tinha mesmo, em mente, que eu gostaria de ter alguma coisa assim. Eu queria ser o Baryshnikov, na verdade. (risos) Eu queria dançar. Mas, com muito custo eu fui aprendendo que o meu corpo não era pro balé, né? Então, aí, eu fui trabalhando outros tipos de dança e fui virando professor, nesse caminho, assim. Mas no colegial, quando eu passei pro primeiro colegial, a minha mãe, ela falou assim: “Olha, seria legal você fazer alguma coisa que te desse, pelo menos, algum diploma que, num plano B, você possa utilizar”. E aí eu fiz Magistério no Christino Cabral. É. Fiz Magistério, completei, tudo o mais. Fiz o curso todo. Mas aí, terminando o magistério, eu falei: “Agora eu vou ser bailarino. Agora eu vou dançar”, que foi quando eu fui pra São Paulo. Aí eu já tinha dezenove anos, né? Mas, assim, o que eu me dava bem na escola? Educação Artística. Fazia bem Matemática, Português, mas não gostava assim de coisas decorativas tipo Geografia, que a gente tinha que decorar, né? Embora, História a Claudia vai querer me matar, não era uma coisa decorativa, (risos) mas pra mim era. Odiava História. Odiava, assim, OSPB, que tinha, né? Organização Social dos Programas Brasileiros. Acho que nem existe mais isso, hoje em dia, né? (risos)
P2- E houve alguma resistência, assim, aqui em Bauru, tanto da sua família - eu acho que não, né, pelo o que você está falando – e da sociedade, por você querer ir pro mundo da dança? Não era muito usual, né, na época.
R1- É, ó a minha família sempre me apoiou muito. Assim, a minha mãe sempre me apoiou muito. Ela não… A única exigência, quando eu falei que eu queria fazer balé, ela falou assim: “Mas você continua fazendo natação. Por acusa de problema de escoliose”, que o meu irmão já tinha usado colete e tudo o mais. Mas eu continuei, assim, mais uns meses e parei. (risos) Mas ela sempre me apoiou muito, assim, sempre esteve muito do meu lado, me ajudou nessa questão de ir pra São Paulo e tudo o mais. O meu pai, eu fiquei sabendo muito depois, que teve um pouco de resistência, um preconceito meio velado, né, aquela coisa que não se expôs, mas fiquei sabendo depois. Mas fiquei sabendo depois, porque na época eu não percebi, né, que teve isso. Mas também teve uma vez que ele foi assistir um espetáculo e fotografou o espetáculo e aí, ele também achou lindo. Aí, sempre me acompanharam. Não tive muita resistência. Na escola tinha aquela zoeira de sempre, né, porque “ah, é o bailarino”. Sempre houve esse preconceito, mesmo a gente estando em 1980. Mas eu acho que eu nunca me liguei muito nessas pessoas, assim. Pra mim, eu pensava assim: “Ah, problema deles, se eles não estão satisfeitos. Eu acho que eu que tenho que me satisfazer com aquilo que eu estou fazendo, com aquilo que eu gosto”. Então, por exemplo, no colegial, quando se juntou eu, Carlos Hortelã e Celso, tudo fazendo Magistério, na mesma sala - era uma sala de, eu acho que de trinta e cinco meninas e nós três - a gente pôs fogo naquela escola, né? Nós pusemos fogo naquela escola. Eu era ainda um dos mais comportadinhos da turma. Mas Celso, principalmente, nossa! Uma loucura, assim. Eu me lembro que teve uma vez que tinha o Centro Cívico, né, aquele grupo de pessoas que administrava as coisas da escola, tal e tudo o mais e eles entraram com uma moda que, no intervalo, você podia levar a música que você queria tocar no intervalo. E aí tinha acontecido o Fama, aquele filme, né? o Fame e tinha uma música que acontece no refeitório, que eles começam bater caixinha e começam a bater mesa e aí um começa a dançar e aí vira uma loucura dentro do refeitório. Eles falaram: “Vamos fazer igual na escola”. Levaram a fitinha cassete (risos) com a música. E a música é longa, ela durou mais do que o intervalo. E, assim, eu não participei disso, (risos) eu acho que eu morria de vontade de ter participado, mas eu não participei, porque eu fiquei com vergonha. Mas Celso, Carlos e Alexandra Aielo, que é daí de Bauru também, que estava na época, estudando também no mesmo colégio, eles pegaram fogo naquela quadra. As pessoas se reuniram em baixo, se reuniram em cima. E foi uma loucura, da servente ir lá apertar o sinal pra terminar o intervalo e eles não pararem. E as pessoas começarem a vaiá ela, porque ela estava apertando o sinal e não queriam. E aí teve um momento que ela falou: “Não dá mais. Tem que parar”. E eles começaram a jogar moedas pra eles. Foi uma coisa muito louca. O Celso andava com um chapeuzinho coco, catou todas as moedas, foi lá e despejou, assim, na sala da diretora e falou assim: “Tó. Isso daí é pra a APM”, né? Que era uma coisa que você tinha que pagar, né? Tipo uma contribuição que você tinha que pagar. Então, foi isso, assim. Mas eu acho que eu não ligava muito pras pessoas, não. Mas o preconceito sempre existiu, lógico. Era… ah, eram as garotinhas, né, as borboletas do colégio. E a gente voava assim mesmo. (risos) Eu falava pra eles se virarem, ficarem na deles: “Porque nós não estamos nem aí com vocês”.
P2- Está certo. Legal. Eu vou passar pra Claudia, mas antes eu queria falar que o Giafferi que você citou é um grande artista aqui, né, em Bauru.
R1- Sim.
P2- A Claudia assistiu comigo o filme Relógios Adiantados, ele é o prefeito. Lembra do filme, Claudia? Ele é o prefeito.
R1- Eu achei que a Claudia conhecesse bem o Marcos.
P1- Não.
R1- Porque a gente teve uma relação conjunta, assim, muito grande. E já que você falou do Marcos, né, uma coisa que ficou lá pra trás que eu ia falar: eu tive muita sorte de conviver com muita gente louca, muita gente assim, que sempre deu asas pra imaginação, né? E o Marcos foi uma pessoa que contribuiu muito pra gente, com isso, porque nós fizemos um espetáculo que ele faz até hoje, que é O Segredo de Tempestade. E ele conduzia nós, como elenco, muito bem. Ele fazia a gente sonhar com isso. E não só o Marcos, como muita gente, né? E hoje em dia eu penso assim: eu acho a juventude, hoje, né, a galerinha adolescente, muito alienada no celular, né, aquela coisa assim: muito Instragam, muito Facebook. Nós também temos ficado com essa imposição da rede social. Mas, naquela época, quando a gente era ado
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