Depoimento de Leonardo Chiappetta
Entrevistado por Valéria Barbosa e Marina D'Andrea
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 03 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Leonardo, eu queria que você começasse dizendo o seu nome, o local que você nasceu e a data do seu nascimento.
R - Meu nome é Leonardo Chiappetta, eu nasci no dia 1º de março de 1954 às 10 horas da manhã, no Hospital São José do Brás, no Bairro do Tatuapé, aqui em São Paulo.
P - Eu queria que você dissesse o nome de seus pais e de seus avós, e onde eles nasceram?
R - Tá. O nome do meu pai chama... é Carmine Chiappetta, o nome da minha mãe é Natalina Folegatti Chiappetta. Meu pai é da Itália, de Fiumefreddo Bruzio, uma região na Calábria, e minha mãe já é paulistana, ela é do Brás. Meu avô paterno é da Itália, né, chama-se Carlo Chiappetta e minha avó paterna é Giovanna Di Sante Chiappetta. Meu avô materno chama-se Umberto Folegatti, era paulistano, também. E a minha avó materna é Ana Labate Folegatti, era da região de Bari, na Itália.
P - Qual que era a atividade do avô paterno?
R - Ele era comerciante de gêneros alimentícios. Ele veio para São Paulo e começaram aqui, em 1908, a comercializar gêneros alimentícios.
P - E na Itália ele já era comerciante?
R - Ele era na campanha, né? Era no interior da... eram lavradores que tinham o comércio já na veia, né? Comercializavam a própria, a própria produção.
P - E que tipo de produtos?
R - Tinha peixe, tinha vinho, tinha... cereais, algum tipo, né, fava, por exemplo se dava pra... milho, não sei se era coisa, mas era... basicamente o vinho era a principal atividade daquela região, porque se fazia... a uva era a principal atividade daquela região porque se produzia o vinho. Vinho daquela região.
P - No caso do avô materno.
R - Do avô materno, ele já era aqui de São Paulo. Ele... a família dele já era do Norte da Itália, né, e ele já...
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Entrevistado por Valéria Barbosa e Marina D'Andrea
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 03 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado
P - Leonardo, eu queria que você começasse dizendo o seu nome, o local que você nasceu e a data do seu nascimento.
R - Meu nome é Leonardo Chiappetta, eu nasci no dia 1º de março de 1954 às 10 horas da manhã, no Hospital São José do Brás, no Bairro do Tatuapé, aqui em São Paulo.
P - Eu queria que você dissesse o nome de seus pais e de seus avós, e onde eles nasceram?
R - Tá. O nome do meu pai chama... é Carmine Chiappetta, o nome da minha mãe é Natalina Folegatti Chiappetta. Meu pai é da Itália, de Fiumefreddo Bruzio, uma região na Calábria, e minha mãe já é paulistana, ela é do Brás. Meu avô paterno é da Itália, né, chama-se Carlo Chiappetta e minha avó paterna é Giovanna Di Sante Chiappetta. Meu avô materno chama-se Umberto Folegatti, era paulistano, também. E a minha avó materna é Ana Labate Folegatti, era da região de Bari, na Itália.
P - Qual que era a atividade do avô paterno?
R - Ele era comerciante de gêneros alimentícios. Ele veio para São Paulo e começaram aqui, em 1908, a comercializar gêneros alimentícios.
P - E na Itália ele já era comerciante?
R - Ele era na campanha, né? Era no interior da... eram lavradores que tinham o comércio já na veia, né? Comercializavam a própria, a própria produção.
P - E que tipo de produtos?
R - Tinha peixe, tinha vinho, tinha... cereais, algum tipo, né, fava, por exemplo se dava pra... milho, não sei se era coisa, mas era... basicamente o vinho era a principal atividade daquela região, porque se fazia... a uva era a principal atividade daquela região porque se produzia o vinho. Vinho daquela região.
P - No caso do avô materno.
R - Do avô materno, ele já era aqui de São Paulo. Ele... a família dele já era do Norte da Itália, né, e ele já tinha uma profissão, aqui, ele... ele era carpinteiro. Tinha habilidade de mexer com carpintaria, ah... tinha um carro de aluguel, tinha várias atividades, atividades um pouquinho mais nobre para aquela época, tinha um pouquinho mais de cultura, que não era o caso do meu avô, que era vindo da campanha, vindo... interior da Calábria.
P - Quando que seu avô veio para o Brasil?
R - Em 1908.
P - E por que ele veio para o Brasil?
R - Bom, era o começo da... era um período pouquinho antes da Primeira Guerra Mundial, então se mandava os filhos, porque começava a crescer a população no local, e não tinha economia que desse para sobreviver, então tinha que procurar uma terra nova. Eles vieram para o Brasil porque a América era... era algum lugar novo para ser conquistado.
P - E já existia algum parente aqui, algum contato...
R - Não, pelo... veio o meu tio, meu tio-avô, tio do meu avô, ele veio trazer um jovem no seu braço para lhe dar força na idéia que ele tinha de desbravar um novo, uma nova terra, um novo local. Naquela época o conhecimento do Brasil era, era nada, São Paulo, antes dos anos de 1900, era um pequeno vilarejo, né, da economia de café, dos barões do café, era essa a economia naquela época. Então vieram tentar novos mundos, é isso que eles vieram fazer.
P - E aí, chegando aqui, onde que ele se estabeleceu, onde que ele foi morar?
R - Eles moravam em quartos, às vezes bem precários. Eles vieram, a primeira vez que ele veio, eles vieram no porão de um navio, não era uma viagem muito agradável, ele me contava. Ah... tiveram sérias dificuldades econômicas, de sobrevivência naquela época, aqui em São Paulo. Mas, com o passar do tempo estavam se adaptando à situação.
P - O senhor falou sobre o porão do navio, tem algum detalhe dessa passagem?
R - É, meu avô, ele fala que naquela época, eles vieram, era uma maneira bem precária, né?, as primeiras vezes. Eram navios cargueiros, não eram navios de passageiros, em que colocavam os imigrantes para vir pra... para o Brasil. Então, alimentação, era tudo bem precário, mesmo. A viagem era muito mais longa - acho, se não me engano, 40 dias para chegar no Brasil e...
P - Embarcaram em que porto, na Itália?
R - Acho que... eu acredito que Gênova, mas não tenho certeza. Ou era... vinha de Gênova ou vinha de Nápoli, não sei exatamente qual porto que saiu.
P - E aqui?
R - Aqui chegaram em Santos e vieram para a cidade de São Paulo, onde que já tinham algum... começava a necessidade de ter um comércio, né? Porque os primeiros imigrantes italianos vieram, vieram foram para o interior. Ah... existia sim, quando você me falou de um parente anterior, ele era pedreiro, tinha algum ofício, ia ajudar na Estação da Luz, na construção da Estação da Luz. Então, tendo esse parente aqui, eles conseguiram se fixar na cidade de São Paulo e não indo para o interior. Agora me lembrei.
P - E qual que foi a primeira atividade do avô?
R - Foi o comércio, na loja. Ah... eles montaram um comércio de gêneros alimentícios, compravam e vendiam produtos.
P - Que tipo de produtos?
R - Batata, cebola, azeitona, eram as coisas que tinham na época, né? O bacalhau era bem rudimentar ainda, vendido assim em barricas, né, mas era arroz, feijão, ovos, era um comércio bem, bem pequeno, né? Comparado com hoje.
P - E a procedência dessas azeitonas nessa época?
R - Vinha da Europa, azeitona sempre veio da Europa, da Itália. Argentina ainda não produzia nada. Hoje, principal fornecedor de azeitona no mercado nacional é a Argentina, mas naquela época vinha da Itália, da Espanha, de Portugal, vinha dessas regiões a... a azeitona.
P - Qual que é a data do primeiro Empório Chiappetta?
R - Eu diria começou, ah... tudo em 1908. Aí eles foram crescendo, foram para o mercado, querendo ampliar, e aí em 1934, com a inauguração do mercado, se fixou mesmo num lugar. Aí, é... em 36 veio o meu pai e conseguiram impulsionar mais com a vinda, porque não se tinha empregado naquela época, se dependia das próprias mãos. Então meu avô com o irmão dele, né, aí... foram seguindo. Em 36 veio o meu pai, o irmão do meu avô foi para a parte de restaurantes e eles continuaram até hoje, no mesmo lugar.
P - Bom, eu queria que você falasse um pouquinho antes de 34. Antes de ir para o mercado. Qual que era a localização desse empório do seu avô?
R - Sim. Eles estavam... chamava-se Mercadinho da Avenida São João, Mercadinho da São João. Ele estava onde que é hoje a Praça do Correio. Então, na parte de baixo, existia pequenos chacareiros, que é o Vale do Anhangabaú, em que tinha frutas, chá... verduras, o chá, alguma criação pequena e que eram comercializados num pequeno mercado, que era diferente dos mascates. Então o mercado deu origem aos empórios, os mascates, que pegavam aquela mercadoria e saíam vendendo de porta em porta, originou as feiras, né? Mais ou menos, vamos dizer que essa que é a separação. Então eles se estabeleceram num lugar fixo que era o mercado. Existia o mercado da São João, como existia o mercado de aves, animais vivos, coisas que eram mais para a Praça Fernando Costa, que era próximo da Ladeira Porto Geral. A Porto Geral, que era um porto de areia, na época, né, só para ver a dificuldade, o tamanho que era São Paulo naquela época.
P - Porto de areia? Podia explicar um pouquinho?
R - É, a parte da... do Rio Tamanduateí naquela época, ela se espalhava, era que nem uma pequena várzea. E aquela região, a Ladeira Porto Geral, era porque existia, era um porto de areia, então vinham canoas, vinham para aquela região, era navegável o Tamanduateí, ele se esparramava por toda a... pelo Parque Dom Pedro, né, estendendo até lá, o Páteo do Colégio. Então o Páteo estava na parte de cima e... chamava Porto Geral porque era um porto de areia e a... o mercado aparece... começou a surgir de lá porque começou a estrada de ferro Santos-Jundiaí, e a alfândega de São Paulo era feita na, aqui no Largo do Pari, né? Por isso hoje temos a Rua da Alfândega, era a rua onde que era feita a alfândega, onde que se despachava mercadoria, mas isso já em 1940, quase, né, que se expandiu isso.
P - E depois dessa, da Praça do Correio ele foi...
R - É, eles se deslocaram... ainda teve uma... mudaram do lado, porque o mercado, deslocaram para baixo de onde que é hoje o Viaduto da Santa Ifigênia, né, e depois... porque o projeto do mercado começou em 1914, Ramos de Azevedo, escritório do Ramos de Azevedo, começou a projetar, e... começaram a projetar em 1914 um mercado que seria central, porque começaram a aparecer em São Paulo pequenos mercados, e, então, eles pensaram: "Vamos fazer um mercado central, que vai centralizar todinhos os mercados que tem na região, ele vai ficar próximo da... de um rio, vai ficar próximo de uma estação ferroviária onde que desembarca as mercadorias." Então, era todinho um complexo, né? Vinha transporte do Porto de Santos até aqui em cima no planalto, e o primeiro, a parada era a... na Santos Jundiaí, então tinha a alfândega, lá. E fizeram um mercado próximo. Então o projeto começou em 1914, foi andando, foram construindo, foi só inaugurado em 36. Como também tiveram outros projetos. Então, essa período de 14 até 36 eles andaram mudando de lugar até chegar no Mercado Central.
P - Eu queria que você falasse um pouco a... a partir do Mercado Central, como é que eram as primeiras lojas, quer dizer, o seu avô foi um dos primeiros...
R - ...no Mercado.
P - No Mercado.
R - É. A... Desse mercadinho, então, se dava um box a título de, uma permissão de uso, né, como é até hoje. É uma permissão de uso a título precário. Ninguém pagava nada por aquele box, você vinha e era permitido você comercializar os seus produtos naquele lugar que a prefeitura lhe dava. Então, meu avô... era permitido para cada pessoa um box. Então meu avô pegou um box, aí foi... podia se agregar no máximo dois box e um pouquinho depois ele agregou mais um box. Nós começamos com um box número, seria na Rua G Box nº 8, e depois nós agregamos mais um box, que seria na Rua G Box nº10, e ficou o box G8 e G10. Prevaleceu o número menor, box G8, como que é até hoje.
P - Só um esclarecimento: para se instalar nesse então mercado inaugurado, era condição de que a pessoa já negociasse ou podia ser que não era... qualquer um... pudesse....
R - ...negociasse...
P - Já negociasse nos outros mercadinhos.
R - Foram... quando você vai montar qualquer empreendimento, né, você vai pegar primeiro as pessoas que são experientes...
P - ...já estão estabelecidas...
R - ...estabelecidas. Então, foram dado, para essas pessoas estabelecidas, pra produtores, era principalmente para que desse chance ao produtor comercializar seus próprios produtos; a parte de frutas, né, a parte de peixes, a parte de aves... tinha tudo, no mercado eram comercializadas aves vivas, né, as galinhas, os patos. O faisão não era, naquela época, mas marrecos eram comercializados. Peixes, se pescava na região e se vinha comercializar em São Paulo, tinha todinha a parte de peixes. A carne a mesma coisa, para cada segmento você tentou agrupar tudinho esses pequenos mercados que estavam aparecendo dentro de um mercado. Mas ele era muito, muito grande para o que a cidade precisava naquela época. Meu pai conta que às vezes às 10 horas da manhã dava para jogar futebol no meio das ruas porque não tinha clientes suficiente.
P - No caso dos produtos, desde a época do avô, e continuando no mercado, os produtos continuaram os mesmos, o que é que era comercializado, assim, com maior relevância?
R - Sim, era... o mercado, naquela época, fazia a função de ah... tuas necessidade básicas, você ia no mercado e comprava, por exemplo, o sabão em pedra, o papel higiênico, a azeitona, o litro de uísque, ia dessa variedade de tudo. Mas tua compra do dia-a-dia era feita no mercado. Então você ia, como o mercado era perto, você vinha e comprava sua lentilha, seu grão-de-bico, sua azeitona. As pessoas, que tinham esses costumes. E quem que tinha esses costumes de comer lentilha, grão-de-bico, feijão branco, arroz, azeitona? Eram os estrangeiros. Eles é que tinham o costume de comer esse tipo. Eram os alemães, os italianos, os portugueses, esses é que tinham. Então meu pai conta, né, que tinha uma freguesa que era alemã, que ensinava para ele todos os nomes dos cereais, em alemão. Então ela vinha e pedia os cereais em alemão para ele, ele sabia todos os nomes dos cereais em alemão, ele se orgulhava disso. Então os estrangeiros sempre... os fregueses, os clientes sempre gostavam de ensinar. Os árabes, que eu lembro quando que eu comecei no mercado, né, tinha clientes que eu começava a atender que foram clientes do meu avô Então ela sabia dentro da barraca onde estava a mercadoria que ela queria. Por exemplo, o sabão, ela queria aquele tipo de sabão que estava naquela posição na prateleira. Então ela me ensinou como que eu devia atender, como devia de fazer a conta, como devia de cobrar, entregar e agradecer o cliente, tá? Então, muitos, muitos dos nossos clientes ajudaram. Quando o meu pai chegou aqui no Brasil, logo a minha avó ficou doente, né, minha avó ficou muito doente; então, meu avô às vezes tinha que acompanhar minha avó no hospital e meu pai, com 14, 15, 16 anos, ficava sozinho na barraca. Então ele conta que tinha o comendador Assad Abdalla, que é conhecido, ele vinha na hora do almoço, tirava o paletó dele e vinha para ajudar o meu pai atender os fregueses, todinha a colônia árabe que vinha lá na barraca. Então os clientes ajudaram muito a gente, a gente tem uma eterna gratidão pra, pra eles.
P - A gente, vendo as fotografias com você, uma coisa que a gente observou era o uso de gravatas do seu avô e do seu pai, também, num determinado momento. Eu queria que você falasse um pouco sobre isso.
R - Ah... As pessoas quando iam no mercado, era normal as pessoas se vestirem bem. Elas podiam ser pobres, humildes, mas gostavam de se vestir bem. E o atendente, por costume naquela época, usavam gravata. E usavam um guarda-pó que tinha que ser impecavelmente branco. E tinha um gorrinho na cabeça. Então, minha avó sempre lavava tudo, mantinha aquilo lá sempre branco e asseado. E era difícil, porque as barricas de azeitona tinham seus aros de ferro, e esses aros de ferro, em contato com a salmoura, enferrujava, e, na verdade, onde encostava deixava um tom amarelo de ferrugem na sua... então para manter alguém tão limpo, você punha muita cândida, então ele ia embora muito rápido. Então... mas mesmo assim, com toda essa dificuldade, era normal se usar gravata pra atender. Meu avô, até quando que ele ficou no mercado ele atendia os clientes com gravata. Meu pai também. Nos anos 60 isso se deixou de ser usado. Foi um tom mais informal, vamos dizer assim.
R - No caso, você comentou das barricas de azeitona. Como eram embaladas essas mercadorias, como eram expostas? Pelas fotografias a gente pode observar algumas transformações.
P - Vamos falar primeiro da azeitona. Os empórios eram de secos e molhados; secos, porque eram grãos e molhados, porque conservas, e as azeitonas estariam dentro dessas conservas, dentro dessa classificação. As azeitonas vinham em tonéis de madeira, né, são tonéis de 150 quilos, com a salmoura chegavam a pesar 210 quilos, parece esses tonéis que hoje nós vemos de vinhos, quando você tira alguma fotografia na... então eram tonéis. Eram madeiras, né, ah... juntas por um aro de ferro que mantinha juntas, e quando elas inchavam travavam, não permitia o vazamento e aí dentro vinha a azeitona. Você armazenava e... fora, né, o importador tinha o depósito, aí quando vinha pra barraca você abria essas barricas, você baldeava, você punha em pequenos baldes, punha para dentro numa barrica vazia dentro do, do empório. A gente expunha, eram essas barricas cortadas o fundo dela, e que eram colocadas as azeitonas. Da mesma maneira que cortando uma barrica, mostrando a azeitona, o.... os grãos eram expostos em sacos, que você dobrava a boca dele, pra mostrar só a parte que você... porque são sacos de 60 quilos, você precisava mostrar vários sacos, então você... eram sacos pequenos. Pra que a borda não ficasse bamba, você engomava a borda dela.
P - O saco de quê?
R - De sisal, era normalmente esse. Então, por muito tempo se mostrou a mercadoria dessa maneira. Com o tempo, esse saco de sisal passou a ser substituído, para dar esse mesmo formato redondo, eram pequenas barricas de madeira.
P - No caso desses produtos, desde a época do seu avô, existia um produto que era o principal do empório?
R - Nós sempre tratamos com muito carinho, com muita coisa... o bacalhau. O bacalhau era alguma coisa que... desde a Itália o meu avô gostava de peixe, a minha avó... era... gostava de lidar com esse produto, e tinha um carinho, e sempre tinha uma receita diferente sobre isso. Então... o bacalhau sempre era tido... a menina dos olhos de ouro... sabe? Era sempre tratado com muito carinho, tá? Tendo sempre um peixe especial, ah... sempre querendo ter o melhor produto...
P - Mas não tinha peixe fresco?
R - Não, peixe fresco não tinha condições de lidar no mercado. Sempre era salgado ou seco, tipo stock-fish. Os peixes que se comercializava na época era o bacalhau e um pouquinho de arenque, às vezes. Eram... até nesse aspecto, ele fresco, nunca. Não existia congelado, hoje existe salmão, hadock, tudo congelado. Não existia naquela época isso.
P - A propósito das receitas da sua avó, tem alguma muito boa e muito popular que vocês dão para os clientes?
R - Ah... existe um livro, agora não me lembro de cabeça, tem bolinho de bacalhau, tem o bacalhau ao forno, tem o bacalhau feito da maneira da minha mãe, que ela chega, dessalga, depois cozinha um pouquinho, depois dá uma leve empanada e depois põe no forno com batata, cebola, pimentão, tudo isso e põe no forno. O nome eu não sei exatamente dessa receita.
P - Essa é a mais conhecida?
R - Essa é a que fazia-se mais em casa.
P - Bom, com quantos anos você começou a trabalhar no mercado?
R - Eu comecei no mercado, ia com meu avô, ah... desde pequeno. Fiquei mais assíduo após os dez anos de idade. Meu avô vinha, eu vinha ajudar no Natal, né, que é a época mais, que tinha mais movimento, eu ficava com ele dentro do caixa pra ajudar ele a fazer o troco e atender alguns fregueses. No decorrer do tempo, né, com 12, 13, eu estudava, já era o ginásio, estudava de manhã e vinha trazer o almoço pro meu pai. Aí eu passava a tarde e voltava com o meu pai pra... pra casa.
P - Vocês moravam perto?
R - Não, morava no Ipiranga. Tinha que tomar uma condução e descia na... tinha uma ponte, na Rangel Pestana, e atravessava o Parque Dom Pedro todinho a pé.
P - Sozinho?
R - Sozinho, com dez anos, dez, 11 anos de idade.
P - E não tinha perigo naquela época?
R - Não, não tinha perigo, pelo menos naquela época não via perigo. Atravessar o Parque Dom Pedro em dia de chuva era bem difícil atravessar. A gente pisava em bastante lama. (riso)
P - Bom, antes dos dez anos, eu queria que você falasse um pouquinho da infância, das brincadeiras, da casa...
R - É, ah... eu nasci, eu nasci numa vila numa, numa casa aqui na... Vila Queroga, era uma travessinha aqui da Rangel Pestana. Mas com seis anos... com seis meses de idade, fomos pro Ipiranga. O Ipiranga era um bairro distante, próximo do Museu do Ipiranga, era uma viagem, né? O bonde chegava a um quilômetro da (tosse) minha casa. Então, a avenida principal ainda não era asfaltada, mas era uma casa grande, então teve bastante brincadeira de rua, a gente conseguia brincar. Meu pai, vinha meus irmãos, com dez anos, eles era quatro, cinco anos mais velhos que eu, então eles vinham para o mercado, eu ficava com a minha mãe. Quando que eles começaram a ficar, eu queria vir junto com meus irmãos, então eu acabava vindo no mercado também.
P - Que tipo de brincadeira que tinha entre os irmãos?
R - Jogar bola, e... nós jogávamos tênis de mesa, ping-pong. E... dessa meu pai também gostava muito, nós fomos jogar no Palmeiras, então, quer dizer, eu participava da equipe mirim, com seis anos. Naquela época tinha sido campeão mirim de tênis de mesa, era uma façanha né, uma pessoa de seis anos conseguir isso. Meus irmãos acabaram indo mais longe, eu, por causa do mercado, num, num continuei a carreira de jogador de tênis de mesa, tive que... ou eu trabalhava e estudava ou seguia a carreira.
P - Você é o caçula?
R - Não, eu sou o terceiro, nós somos em seis irmãos eu sou o terceiro, tem duas irmãs e quatro homens.
P - Mas o mais chegado, o que mais assumiu o negócio é você?
R - Na família nunca teve muito o que mais fez nem o que menos fez. Uma coisa gozada, eu dividia as coisas com meus irmãos, não tinha essa preocupação de quem mais fez, de quem menos fez.
P - Não, sim... no sentido de que eles tenham se dedicado a outras atividades.
R - Todos nós começamos no empório, ele foi o ponto inicial de nossas atividades. Meu irmão, com 15 anos, meu irmão mais velho foi fazer um curso técnico, com 18 prestou pra ir para um curso na Alemanha e ficou na Alemanha.
P - De que o curso técnico?
R - Curso técnico mecânico, foi na ETI - Escola Técnica Industrial, era... entre o governo federal e o governo alemão, e ele foi para essa escola técnica em São Bernardo, depois prestou para ir para a Alemanha. Meu outro irmão, ah... aí nós ficamos mais tempo com ele, foi fazer também escola, fez engenharia, foi trabalhar fora e um dia voltou para o empório; como eu também me formei... minha formação acadêmica, fui exercer a minha função, a minha profissão que eu estudei, e um dia também retornei ao mercado.
P - Qual foi a profissão?
R - Eu me formei em engenharia mecânica.
P - E os outros irmãos?
R - Ah... o Alfredo foi engenheiro eletrônico, o Eduardo foi engenheiro químico, minha irmã Ângela é administradora de empresas e minha irmã Angélica é... professora de latim na USP.
P - Eu queria que você falasse um pouquinho do... da época de ginásio, que a gente... de escola também do primário.... se você tem alguma lembrança, que lembrança...?
R - Sim, eu lembro do primário era... aos seis anos de idade eu comecei com... como meus irmãos iam para a escola eu também ia junto. Ia como ouvinte pra, só para ficar junto com meus irmãos. Então, minha avó me levava, todinho nós até a escola, né, e voltava comendo, ela colocava um saquinho de pipoca para a gente ficar perto dela para não fugir de perto dela para não... (riso) e, com o passar do tempo, eu fui no primário, tinha as... aí no ginásio, eu ia no ginásio de manhã, voltava para casa, almoçava, pegava a comida, as marmitas, e ia levar para o meu pai no mercado. Isso, o ginásio basicamente foi, boa parte dele, assim. O colegial eu fazia à noite. Eu trabalhava, com 15 anos fui para o primeiro científico, eu trabalhava de manhã no mercado, entrávamos às seis horas, né, às 5 e meia fechava o mercado, às 7 e meia eu entrava na escola e voltava às 10 e meia, onze horas. Isso daí foi o primeiro e segundo colegial. O terceiro colegial eu fazia de manhã, fazia de manhã o cursinho, né, de tarde trabalhava no mercado e de noite fazia o terceiro colegial. Aí a faculdade foi, sempre, a faculdade junto com o mercado, trabalhando. O mercado, eu pegava as entregas pra... pra fazer as entregas à noite. Essa foi basicamente a...
P - Você fazia as entregas?
R - Sim. Na faculdade então, eu... a faculdade, a Mauá, era tempo integral, então não dava para ajudar meu pai. Então, tinha alguns dias que eram vagos, então que eram reservados para você ir na indústria, mas eu não ia na indústria, acabava indo no mercado. Então eu... tinha as aulas, no dia que não tinha as aulas meu pai preenchia a perua, levava para casa, quando eu voltava para casa eu ia fazer as entregas nos restaurantes que a gente fornecia. Ia sozinho sem ajudante.
P - Lembra de algum restaurante, pode citar algum que vocês forneciam?
R - Bridge Club era outro, tinha um restaurante aqui na... perto da estação rodoviária, quando que ela estava bem ativa, tinha um restaurante que agora estava tentando recordar o nome mas não recordo, mas era o Bridge Clube, São Paulo Clube, eram os principais, que eu me recordo no momento. A Chave de Ouro era outro, Restaurante Presidente era outro, alguns dos restaurantes.
P - No caso do trabalho dentro do mercado, Leonardo, o que é que você mais gosta de fazer... ou gostava de fazer, enfim, o trabalho do cotidiano, mesmo.
R - É, cada pessoa tem uma característica, vamos dizer assim. A minha característica é mais de observador, eu sempre gostei de conversar muito. Meu pai, eu digo que ele é um comerciante nato. Se eu falasse quem é meu pai: "Ah, meu pai é um comerciante." A característica dele... ele está o tempo inteiro escutando e fazendo um negócio, comercializando alguma coisa. Então eu gostava muito de escutar as pessoas. Vinha os amigos de meu pai e contava, vinha o... seu Vítor Fazanella, que ele voltava das fazendas sábado à tarde, então ele vinha e me contava como tinha sido a semana dele dentro da fazenda, o que é que ele tinha feito, tinha enxertado aquele pé de laranja, então... as lembranças que eu tenho dos clientes são muito boa. Eles me ensinaram muito Me ensinaram como que a gente tem que se posicionar na vida, como que... os problemas devem ser, como são solucionados alguns problemas, como se encarar outros. Eles me ensinaram. Não era simplesmente comercializar o produto, isso... é uma das fases, mas você conquistar a confiança de um cliente, quando você conquista a confiança de uma pessoa, ela se sente na liberdade de te contar algumas características que são só dela, então ela acaba se extravasando, sendo seu confidente, vamos dizer assim. Então tinha muitos assuntos que a gente trocava idéias e tinha opiniões, eles me ajudaram bastante.
P - No caso do, da relação com os fornecedores, como é que era?
R - Isso sempre meu pai que tratou mais com os fornecedores, ah... ele comprava, sempre a compra ficava mais na mão dele e nós ficávamos mais comercializando. Mas, com o passar do tempo nós fomos absorvendo essa função, chegou ao ponto de ter que ir na Noruega escolher bacalhau que você vai precisar comprar, ah... escolher o vinho que você vai ter, ou a azeitona que você vai querer. Então, os fornecedores estrangeiros, ou os fornecedores nacional, você ia conhecer a fábrica, ou ver o produto que ele quer introduzir, como que nós vamos introduzir aquele produto, e... é uma relação não... é um pouquinho diferente da relação com o cliente. Eu diria que o cliente, tem dois tipos de cliente: um cliente que, que quer tua opinião do prato que quer fazer, o cliente que é o gourmet. E um cliente que sabe exatamente o que ele vai precisar, que ele quer preço e qualidade e constância no... no abastecimento. Então... e o fornecedor, e pro fornecedor você se encaixa bem nesse segundo cliente, então é uma relação desse tipo, com o fornecedor.
P - Aproveita para contar para nós como é que foi essa pesquisa de produtos na Noruega, o vinho, a azeitona... como é que é, você foi à Noruega, como é que é, conta...
R - É. Conforme foi se crescendo a necessidade de você participar mais do mercado, você vai precisando de ter novidades diferentes. Então, você vai precisar ir nas fontes pra você falar com mais certeza de como que é o processo produtivo, como que é aquele fornecedor, o que tem de novidade naquele país, o que é você poderia trazer, não só através de revistas, de... mas ir visitar. Por exemplo, em Portugal eu fui ver como que se secava bacalhau da maneira tradicional, em Portugal.
P - Como é?
R - Bom, o bacalhau vem fresco, vem congelado, que - não é uma aula, mas... (riso) - ele... vem, ah... os navios vêm - vamos primeiro para onde ele é pescado. Os navios hoje são perfeitas fábrica ambulantes, né? Então eles detectam o cardume e pescam. Já limpam e congelam dentro do navio, então vêm palets fechados, esse peixe já é o bacalhau congelado. Aí vem para a terra, onde que ele é salgado, sofre o processo de sal e seco. A diferença de Portugal é basicamente nessa, no sal que é usado e na seca que é feita. Nos primórdios tempos era feito só no sol, hoje já é um processo misto em Portugal, ele é seco no sol e seco na estufa, dois terços no sol e um terço na estufa, ou dois terços na estufa e um terço no sol do tempo que é para secar. No sol, são varais, que nem varal de roupa, antigos, lembram-se dos varais de roupa antigos? Você coloca o bacalhau em cima do... desses varais e ele vai secando no sol. A textura do bacalhau nessa característica, ela fica uma textura mais escura, porque os raios ultra-violeta escurecem mais o bacalhau, ele vai para um tom mais amarelado. E de um aroma mais intenso, mais forte, porque a salga é que dá o aroma no bacalhau. Enquanto que na Noruega o sal é um sal um pouquinho diferente, mais... que seca mais o produto e é... ele é todinho seco em estufa. Não tem esse processo de varais, na... na Noruega. São estufas tipo (bert?), que você entra com engradados, né, esses varais, imagina um varal feito em camadas, um em cima do outro, né, um varal em cima do outro e coloca dentro de uma estufa onde que circula ar e... é feito esse processo em três etapas. Basicamente esse é o processo de fabricação. Daí você tira e coloca numa geladeira, de dois a cinco grau celsius, num frio seco, e por isso, e com essa condição você pode armazenar o bacalhau por um ano, tá certo, sem ele se deteriorar, porque quem que vai proteger o peixe são os cristais de sal que se formam em volta de todinha a carne do peixe. Então, ele não se estraga.
P - Seu avô já importava bacalhau?
R - Ah... nós não tínhamos capital suficiente para ser um grande importador. Nós éramos bem pequenos, nós sempre compramos bacalhau, importar, não sei se ele mesmo tirou guia de importação. Nós comercializávamos bacalhau.
P - Da Noruega?
R - Da Noruega, de Portugal, da Inglaterra, de vários países que vinha bacalhau. Noruega já era um tradicional, Portugal também era bem tradicional, desde aquela época. Os ingleses também.
P - No caso...
P - Desculpe, só uma curiosidade: a pesca é na Noruega?
R - O bacalhau é um peixe natural do Mar do Norte, Mar do Norte. Ele vive lá no Mar do Norte. Ficou português porque os portugueses tradicional, eles, eles eram ótimos navegadores, não tinham embarcações mas eram ótimos navegadores. E sabiam a maneira... o bacalhau é um peixe sem muito gosto, é... vai, que nem peito de frango, vamos dizer assim. Quem dá gosto e aroma no... nesse peixe é a salga, o processo de cura em que os portugueses desenvolveram. Por isso é tão famoso. Outras partes do mundo não costumam comer bacalhau assim. No Japão se come bacalhau ele bem pequenininho e fresco e congelado.
P - Seria um legado da colônia... da matriz de Portugal?
R - Da colônia portuguesa, bem típica da colônia portuguesa. Esse tipo de bacalhau é comercializado, Portugal, Espanha, e pra Itália. Salgado assim é bem... Pra África, por causa da colonização e pra... República Dominicana, hoje parece que é um belo mercado... mas já por causa da colonização os portugueses...
P - E o seu consumidor, aqui em São Paulo, qual é a preferência, bacalhau da Noruega ou de Portugal?
R - Eles não conseguem...
P - Não distingue...
R - Não conseguem distinguir, é muito difícil, porque o bacalhau vem todo do Mar do Norte, pode ser pescado por embarcações canadenses, norueguesas, russas, não é bem o...
P - ...só o preparo...
R - O preparo é que distingue um pouco. O bacalhau preparado em terras portuguesas, ele é um pouquinho... ele é mais amarelado, não agüenta tanto a temperatura e umidade como nós temos, como que é o clima típico de São Paulo. Ele é um pouquinho menos resistente nesse aspecto. Então tinha ido pra Portugal pra, pra ver o que é que a gente poderia fazer pra melhorar essa, essa característica. Porque antes era mais ventilado, era normal você pegar o bacalhau e deixar ele pendurado, secando, hoje já não tem esse costume, não tem na sua casa, no seu apartamento um lugar para pendurar o bacalhau. Naquela época eram lugares arejados que se tinha esse lugar.
P - No caso dos outros produtos importados, de onde que vinham? O vinho...?
R - Vinho, vinha muito da Itália, logo depois da guerra o meu pai conta que era normal você importar garrafões de vinho da Itália e distribuir aqui em São Paulo. Então vinho sempre veio um vinho estrangeiro. A indústria de vinho nacional, vou dizer assim, começou nos anos 60 a se... se tornar competitivo, ou alguma coisa mais. Antes disso era, diria que no comércio era tipicamente pra vinhos importados. Vinho nacional quase não tinha. Como não tinha extrato de tomate, eles importavam extrato de tomate de barrica da Itália.
P - Da Itália?
R - É.
P - Não tinha extrato de tomate mais ou menos por volta de que ano, lembra?
R - A Cica, não sei quando que apareceu, mas é mais ou menos, a Cica foi uma das pioneiras nesse aspecto.
P - Ah, sim.
P - No caso da, da zona cerealista ali da Santa Rosa, como é que era a relação com vocês, ali, em termos de fornecimento...?
R - É, era bem gozado, porque minha mãe nasceu na Rua Benjamim, Rua Benjamim de Oliveira. Então tinha a colônia italiana, principalmente os bareses, que o meu pai se aproximou muito, dessa colônia era... eram amigos, o meu pai brincava muito com as pessoas e eles foram crescendo junto com eles, né? Então tem um relacionamento muito de confiança, uma pessoa nova que entrasse tinha uma dificuldade muito grande por não ter esse relacionamento de confiança e respeito que era necessário pra se desenvolver. Eles ajudaram também bastante. Então, são pessoas que começaram bem simples, né? Um veio pra ser empregado numa loja, foi evoluindo, construiu sua própria importadora... então o Andrea é um tipo, La Pastine é outro tipo, todos eles que tem lá - o Tucci é outro tipo, cada um deles tem a sua história e começou num balcão do lado de uma pessoa mais antiga, e aí foi... fez o seu próprio armazém. O mercado sempre foi, o mercado foi um... um conjunto de pequenos comerciantes, em que esse tratamento com o público, ah... não possibilitava... não era de grandes volumes, e sim de muitas pessoas, de um relacionamento pessoal grande, intenso. Esse gourmet sempre foi o típico cliente nosso, do mercado. Que é diferente do cerealista da Santa Rosa, em que eles negociavam grandes volumes.
P - Eu queria que você falasse um pouco sobre o desenvolvimento mesmo do comércio de vocês, assim, em relação ao mercado, o crescimento da atividade, contasse um pouco a história.
R - Nós, uh... da época do meu avô, nós viemos, era um comércio bem pequeno, não era... você vinha fazer tua compra do dia-a-dia, então era, era de sabão em pedra, sabão em pó, latarias, conservas. Com o passar do tempo foi se... por causa desse relacionamento precisou se dar mais atenção na... receita, naquela... evento especial, da... característica e o produto também foi mudando com o passar do tempo pra... pra isso. Então, por exemplo, começou a ter uma azeitona, um cereal, cada vez mais nobre, mais diversificação, e os produtos, para esse tipo, para essa faixa de... para essa faixa de produto foi se ampliando. Ah... hoje, na barraca, só para você ter o número da evolução, eu diria que naquela época tinha uns 300, 400 itens, hoje está com uns 1.200, 1.500 itens e no shopping está de 3.000, 3.500 itens. Então só para se ter uma idéia. E não são itens ah... foram saindo da linha completamente, ah... essa parte de limpeza, essa parte de... todinha que é associada... por exemplo, nós chegamos a ter 11 tipos de arroz, hoje não temos nem arroz na barraca. Porque, na verdade, precisou de uma coisa mais nobre, nós precisamos de uma fava, precisamos de um grão-de-bico, porque nas receitas a pessoa vai atrás de cereais um pouquinho mais nobres, saindo um pouquinho do cotidiano, tá. Eu diria que seria um fornecedor para aquele evento, ou para aquela receita especial, para aquele... os naturalistas com suas frutas secas, é... alguma coisa mais específica para atender o cliente.
P - Não seria a existência dos supermercados que fez com que no Mercado Central se vendesse coisas exatamente pra gourmets?
R - É, claro que foi Eu acho que... eu diria que o mercado até os anos... você vai indo... os anos 30 não tinha, veio a guerra, era uma recessão violenta, anos 40, anos 50, São Paulo, ah... o Mercado Central era a única fonte de distribuição de produtos, anos 50. Então a pessoa ia fazer o Natal e o dia-a-dia, era o mercado, a pessoa ia todo o dia no mercado. Ah... com o passar do tempo, vindo as enchentes e as dificuldades e se querendo otimizar o fornecimento surgido nos supermercados final dos anos 60, final dos anos 50 começo dos anos 60. Então, o aparecimento dos supermercados, com as enchentes o mercado entrou num declínio muito forte, então se precisou procurar um novo espaço pra ele. Então o espaço foi para esse gourmet, essa variedade, esse atendimento e essa qualidade, não se procurando tanto no... no racionalização, e sim na informação que se precisa, pra como se usar o produto. Então, os anos 70 se começou a sentir mais isso, os 80 se culminaram, os 90, hoje, os shoppings, os mercados, supermercados todos, os grandes magazines de alimento, ah... cresceram e estão se... ah... diminuindo. Não diminuindo em tamanho, mas se subempreitando os pedaços dentro dele para se ter um atendimento. Então, pequenos quiosques dentro de grandes magazines. Isso é uma tendência que se vê até fora do Brasil, principalmente fora do Brasil. Então os grandes supermercados de ter esses Jumbos, Superjumbos, ah... se viu que isso daí era uma característica dos anos 70, os anos 80 já não se sentiu tanto e... oitenta e pouco, 90, quando tive na Europa... quer dizer, tem importados, o específico está indo para um pequeno comerciante, voltando para um pequeno comerciante. Uma característica aqui. E nós fomos para o shopping exatamente com a idéia de levar um empório para dentro do shopping center. Nós tentamos levar o primeiro empório, as características de um empório, dentro de um shopping center.
P - Como é que o senhor descreveria, definiria qual é a característica de um empório?
R - Um empório é dado pela... diversidade do produto, pelo atendimento, um atendimento pessoal, você não discute com uma prateleira, você tem um atendente que vai lá e te atende e te explica, como deve ser o produto, como conservar o produto, como se serve o produto. Essa é... atendimento é a principal característica de um empório. A diversidade e o atendimento, são as duas principais.
P - Queria que você desse, assim, umas pinceladas o panorama do problema das enchentes. Aquilo que houve de mais importante e como se transformou aquilo, como reverteu essa situação, ou quais foram os prejuízos?
R - Bom , o mercado nos anos 60 era um enxame de pessoas, tinha muita gente Você não conseguia andar dentro do mercado de tanta gente que tinha o mercado. Não existiam quase supermercados então o mercado era o principal. Nos anos 60 começou a se ter enchentes, então começou a diminuir o nível, o número de pessoas. Diminuindo o número de clientes e aumentando os prejuízos que tinha de cada enchente que ocasionava, então foi ficando mais difícil se sobreviver, começou a se gerar aquele... panorama de crescimento, de que tá indo tudo bem, já não se via isso. Então começou a se ver empresas que não conseguiam passar, abriam e fechavam, quer dizer... apareciam como novidade mas não davam seqüência, então, com isso, os anos 60 foram... imagine um final de ano em que no dia 23 de dezembro, você comprou todinha tua mercadoria, castanha que é perecível, tudo o que é perecível, você com um mercado inteiro rodeado por água, não podendo chegar um cliente E o que você faz com todo o movimento, com todos os empregados, com todo... aí gerava prejuízos enormes Então, começou a decadência, por causa principalmente disso. A maneira, também, de se manusear os produtos teve que se... teve que se ajustar, teve que se gerar... teve que se preocupar na armazenagem dos produtos, melhor acondicionamento, então tivemos que ter armazém fora do mercado para poder nos destacar, senão não conseguíamos evoluir.
P - Antes não existia o depósito?
R - Não era necessário, se conseguia comprar na praça e girar aquilo. Já na outra situação você já não... existia, também, funcionava - quando vai tudo bem... - o frigorífico do mercado funcionava, nos anos 60 já não começou a funcionar mais, até que foi interditado.
P - Por quê?
R - Porque não tinha mais condições A reforma ficaria tão onerosa que deu para reformar o frigorífico. Aí na administração Jânio Quadros isso foi, ele não tinha condições, e ele... sem condições era preferível fechar a contaminar os produtos. Então, foi fechado. No dia seguinte nós tivemos que pôr todinha a mercadoria que nós tínhamos no frigorífico num armazém fora. E armazenagem custa dinheiro. Você admite que você vai trazer uma mercadoria e aquilo vai ficar seis meses cotado. Você... tem frutas que a gente... a função nossa no mercado é de um regulador, um fornecimento regulador. Eu te dou um exemplo: você vai abrir um restaurante, eu te falo: "Ótima idéia, você escolhe a receita que você vai fazer, só que você tem uma única responsabilidade, fazer a mesma receita com o mesmo gosto o ano inteiro. Aí já começa a te complicar, porque tem frutas que tem no Natal e depois não tem Então você vai ter que ser fornecedor desse restaurante, então é um compromisso bem difícil, tá certo? Então a armazenagem começou a... pesar nesse aspecto. Então nós tivemos que nos organizar. E quem não se organizou não conseguiu sobreviver. Todos eles hoje estão de uma maneira ou de outra tentando se organizar.
P - No caso do primeiro depósito de vocês, é dessa época?
R - É, ele já vem de 1980, exatamente se ajustando a essa nova realidade, porque não conseguiríamos dar o passo. Meu pai... Então, para administrar um outro lugar precisa ter mais gente. Meu pai falou, vendo isso, ele falou: "Ou vocês retornam ou eu paro."
P - Falou para os filhos?
R - Para os filhos. Aí foi o momento em que nós tivemos que retornar. Tínhamos experiência fora do mercado, fomos aprender a ser funcionários, achando que um dia ia voltar, não sabia quando, mas um dia existiria um momento que nós iríamos voltar. Esse foi o momento que começamos a voltar.
P - Só para não pular essa fase de recuperação do mercado. Não houve um período de restauração do mercado?
R - O mercado já passou, vamos dizer assim... já passou por alguns... algumas restaurações. O Faria Lima, quando em 1960 chovia mais dentro do mercado do que fora, ele reformou o mercado inteiro. Ah... depois foi feita uma reforma, foi trocado o piso em 1980; já foi feita uma outra reforma, nos anos 80, com Jânio... mas sem manutenção, fazer uma reforma depois se deteriorava muito. Os vitrais do mercado serviram por muito tempo de, de... placa de tiro ao alvo de guerra de laranja. Vamos dizer assim, ele só hoje estão, permanecem sem estar com o vidro quebrado porque existem telas, está entre telas de arame. Se não eles já estariam quebrado. A cultura que existe em volta do mercado é uma cultura... pessoas pobres, simples e que às vezes... depredar um patrimônio histórico...
P - Mas ele se mantém restaurado? Aqueles vitrais tão famosos...
R - Sim, o Jânio Quadros, o escritório... Conrado, se não me engano, restauraram eles e hoje estão em perfeito estado por causa disso.
P - Mas essa é a parte artística. E a parte funcional do mercado?
R - O mercado dos anos 60 se mostrou que ele não seria uma solução de abastecimento para a cidade de São Paulo. Ele deixou de ser... era um projeto... deixou de ser uma solução de abastecimento para a cidade de São Paulo no meio dos anos 60. Então foram aparecendo supermercados, se criou o Ceasa, que seria o grande pólo da coisa. Então, como solução de abastecimento, São Paulo viu um vazio, o mercado se viu num vazio. Ela não é uma solução de abastecimento. Se você vê o movimento de mercadoria no mercado, é muito pouco para uma cidade como São Paulo. Era grande para um vilarejo, para uma cidade, São Paulo dos anos 30, dos anos 40. Mas São Paulo dos anos 70, 60-70, já é muito pequeno.
P - Agora, para ele continuar existindo, de que maneira vocês bolaram uma adaptação aos novos tempos?
R - Ele, eu acho que é muito mais ah... um patrimônio da nossa história. Da nossa história, de como atender um cliente, de como se mostram as mercadorias. O mercado sempre foi uma amostra do que é uma sociedade, a sociedade em que vivemos, e assim ele deve permanecer. Como solução de abastecimento não vejo... um grande... grande evolução nesse aspecto. Porque a estrutura dele é uma estrutura...
P - ...já é inadequada?
R - ...inadequada, você já não consegue armazenar os produtos na maneira que você teria que armazenar... é difícil
P - Problema de estacionamento...
R - Estacionamento é grave, circulação... Você hoje num supermercado, ah... qualquer shopping, você tem a área de estacionamento é quase três vezes a área do shopping. Você tem áreas de circulação de maneira diferente, várias características. Então o mercado vai funcionar, eu acredito, mais como um patrimônio da nossa história...
P - Histórico?
R - Histórico.
P - E aí, a vida dos comerciantes lá dentro então tem a tendência de ir para fora? Como exemplo o seu negócio no shopping.
R - É... nos anos 90 nós estávamos pensando como nós deveríamos se ampliar na parte do varejo. O atacado já estava definido como que ia, tinha um armazém, foi pro segundo armazém, mas... a parte do varejo precisava... precisa saber como que nós íamos evoluir. Ampliar no mercado? Mas o mercado, ampliar no mercado descaracteriza a função do mercado. Mercado é um lugar de pequenos comerciantes Você chega, compra o vizinho, juntar com o vizinho, mesmo que desse, você descaracterizaria o mercado. Então pensamos como nós íamos fazer. Ao mesmo momento estava aparecendo um movimento de levar um mercado para dentro do shopping. Então a idéia de ampliação com o momento que apareceu... nós fomos pesquisar fora, viajamos pra fora, meu irmão viajou para a Alemanha, para a Itália, para ver como eram essas lojas fora do mercado, e fizemos um projeto. Não um projeto de uma loja de importados no shopping, não era essa a idéia. Era a idéia de um empório dentro do shopping. Então, foi isso que nós quisemos fazer.
P - Quando você diz nós, você se refere à sua empresa, ou à coletividade dos, dos outros comerciantes?
R - Eu, quando eu falo nós, eu digo a nossa empresa, eu e meus irmãos.
P - E os demais? Estão tendo esta visão? Estão se unindo para alguma outra coisa que vise uma projeção para o futuro?
R - É difícil, é bem difícil.
P - Você tem informações?
R - Não, é bem difícil. A pessoa... um dos méritos do meu pai, eu acredito que eu tenho que enaltecer, é você estar fora do mercado, ter vivido fora, ter ganhado a vida fora, para conseguir trazer essa experiência para dentro do mercado. As pessoas no mercado, se estão ganhando dinheiro do jeito que está, tá bom.
P - É uma característica sua, essa, esse tipo de previsão do futuro e encaminhamento?
R - Sim, nós sempre gostamos de nos planejar, no futuro, como que nós vamos atingir... agora, no momento nós estamos pensando como que vai ser o próximo passo, o ano que vem como que nós vamos pensar no varejo, como que nós vamos evoluir. Tem algumas opções, estamos testando, equacionando, discutindo, para sabermos como que vamos... Hoje existem técnicas, então estamos vendo como que as pessoas... por exemplo, franchising é uma das técnicas, estamos pesquisando se essa é a maneira correta.
P - Vocês têm alguma franquia ou não?
R - Não, quem teve, da maneira que foi feita não teve grande sucesso. Então nós estamos pesquisando a maneira que precisa ser feita pra que se tenha sucesso. Por quê? Você num empório, você tem que ter uma diversidade muito grande de artigos; segunda característica que você precisa ganhar: é que você tem que ter atendimento, e para você ter atendimento, você precisa treinar as pessoas. Para você treinar as pessoas você precisa ter bons professores. Essa é a característica que eu vejo, e aí é que é difícil, você treinar as pessoas. Nós estamos treinando, criando um grupo de pessoas que possam um dia vir a ser, ah... ter seu próprio negócio e evoluir, como os imigrantes que vieram; meu pai, meu avô, eles tinham uma cultura diferente da que tem. Hoje, nós com esses momentos de crise não formamos comerciantes. A necessidade não fez formar comerciantes. Nós somos administradores de crise.
P - Bom, além dessas pesquisas pro futuro, o que é que vocês estão pensando a nível de futuro, mesmo?
R - Bom, primeiro hoje, a grande maneira de, de relacionamento é... são de parcerias, né? Tanto a nível de fornecedores, né, como a nível de clientes, em que você forma uma parceria, você vai ser ah... como eu tenho certos privilégios com os meus fornecedores, vão ter clientes que vão ter certos privilégios como meus clientes, né, e eu vou poder fornecer ele de uma maneira mais preferencial, que ele pode dar o atendimento e revender essa mercadoria, estar dando atendimento na loja dele.
P - Um exemplo, por favor.
R - Exemplo: Mangia che te fa benne, no Shopping Morumbi; Grão em Grão no Barra Shopping do Rio de Janeiro. Alguns dos exemplos, tá? Ah... nós, com a Geninni na Itália; nós com a Fucs no Brasil, são temperos. São essas parcerias que têm que ser fortalecidas. Que você tem um relacionamento mais... mais íntimo com esse fornecedor, que você consegue transferir mais rápido as alterações que tenha no mercado, e você se mantenha mais rapidamente informado. Hoje, com a revolução que nós temos de informação, a rapidez nessa... desse ajuste é a coisa mais importante. Você não pode inchar, você tem que crescer, e a maneira de você crescer, você tem que ter um corpo na tua empresa que seja ágil, ela tem que responder rapidamente às mudanças que ocorrem no mercado, aí é que vai fazer sucesso na tua empresa. Hoje, para você ver, a nossa loja dentro do shopping, ela está totalmente informatizada, ninguém faz conta. Enquanto no mercado, o cara copia o valor, ele tem que saber pelo menos somar e multiplicar. No shopping, nem isso o atendente precisa. Mas precisa saber como que se usa o produto, isso daí sempre vai precisar saber.
P - Qual está sendo a receptividade lá no shopping e há quanto tempo está funcionando lá?
R - O shopping hoje, já está... começou em 93...
P - ...qual shopping?
R - Shopping Eldorado, da Rebouças, né? O Shopping Eldorado é bem um exemplo disso que eu estou te falando. Nos anos 60 apareceram os shoppings, os shoppings foram crescendo, até se formar os jumbos e isso, até um chegar e construir um shopping que era um shopping da loja dele Aí se mostrou que isso num... não dava certo, porque o que se precisava, a grande arma de tudo é essa diversidade. E a concorrência, isso é que faz crescer qualquer negócio. Então o Shopping Eldorado chegou e viu o sucesso do Shopping Norte, chegou e falou: "Vem cá, vamos remodelar nosso shopping. Então, nós vamos diminuir a nossa loja e vamos crescer em pequenos comerciantes." Então foi feito a Praça de Alimentação, que foi o primeiro... etapa desse projeto, e que nós estávamos com a nossa loja com essa diversidade que deveria de ter no shopping. Como um shopping queria ter um concorrente em cima? Na verdade não é... isso só cresceu para ele e cresceu para nós.
P - Porque a loja de alimentação, se eu não estou enganada, lá são comidas já pros fregueses chegarem, sentarem e comerem. O seu já não, é um empório?
R - A primeira idéia era ter vários comerciantes lá em cima. Mas como era uma idéia muito nova, num... não cresceu, essa idéia; não floriu essa idéia, ninguém achava que ia dar certo. Então nós fomos para lá e montamos uma loja. Nós já estávamos procurando, com o seu... Veríssimo dando um apoio muito grande. Nós não tínhamos conhecimento de como seria, então ele nos dando um apoio muito grande, nós conseguimos montar nossa loja lá. E ela teria que ter a função, dentro da Praça de... você comercializar com atendimento, com a diversidade que deveria de ter, aquele gourmet que vai passar por lá.
P - E a freguesia está florescente, promissora...
R - Sim O mercado antes de aparecer... o mercado no começo é sempre 100%, né, ele foi crescendo e... era 100%, aí, quando fizeram o primeiro depósito era 100% mercado e 0% o depósito, depois foi crescendo ficou 20%, 50. Ah... hoje, no varejo, o varejo representa, vamos dizer, 20% do total movimento que nós temos; no shopping, em 93, mesmo com três, três vezes a área, o mercado era muito maior que... foi indo, foi indo, hoje ele já é cerca de duas vezes o que é o mercado.
P - Mas quando o senhor vai comercializar esse produto, o senhor compra de seus fornecedores, eu imagino que o senhor tenha muito mais despesa de manutenção do negócio no Eldorado do que no mercado. Como é que fica a relação do seu preço ao consumidor?
R - Nós, por uma política de instalação dessa idéia, nós... mantemos o mesmo preço no shopping com o mercado. Com um volume maior, você tem uma questão de custo: se você não precisa prestar, fazer a conta, se você roda mais rápido a mercadoria, você tendo tudinho esses custos fixos menores, obviamente teu custo cai. Você consegue ser competitivo. Mesmo tendo um outro com despesas menores, mas que não é tão eficiente. Então...
P - E quando... desculpe.
R - Então, você consegue, de uma maneira, bem... praticar os mesmos preços, no mercado e no shopping.
P - E a diversidade de produtos, são similares os oferecidos lá, ainda que em menor quantidade, e aqui no Eldorado?
R - O do mercado ah... o mercado tem os clientes que são tradicionais. A linha institucional ainda é grande. Tem restaurantes que se abastecem no mercado, gostam de ir no mercado, tem pequenos comerciantes que se abastecem no mercado... então a linha institucional no mercado é muito maior do que... não existe essa linha no shopping, tá? No shopping é gourmet e de pequena quantidade. Enquanto no shopping... no mercado, não. Existe fornecimento para pequenos comerciantes, que vêm de outras cidades e se abastecem do mercado. Tem... restaurantes que se abastecem no mercado, não é comum restaurante se abastecer num shopping. Então a loja no mercado é bem típica para esse tipo de...
P - ...é meio atacado, então?
R - É meio atacado.
P - Mas o produto é...
R - ...e funcionando quase como um, no final, quase como um show-room pro atacado, então ela vai ficando, cada vez indo mais pra essa função. Você vê que é difícil você, nós estamos pensando como nós vamos automatizar, como nós vamos dar o próximo passo no mercado. É uma questão de como é que nós vamos... E para o próximo ano nós temos que tomar a decisão. Porque se não tomarmos a decisão, talvez seja... passe o momento de tomar.
P - E tem também um depósito. O senhor podia falar um pouco sobre o depósito?
R - Quando nós fomos para a Cantareira, a função do depósito na Rua Cantareira era uma função de abastecer o mercado, de ser um depósito externo pra abastecer o mercado, porque o mercado era 100% das nossas vendas. Era um depósito fechado do mercado. Com o crescimento do volume do atacado, nós começamos a vender no depósito. Sempre por telefone, hoje nós temos representantes autônomos que vão para o Brasil inteiro. Aí, pra descarregar uma carreta, dentro do depósito na Cantareira, o acesso é muito difícil. Mesmo tendo 600, 600 m2, duas câmaras frigoríficas, tudo, o manuseio não era otimizado, não era muito racional. Então nós tivemos que ir pra um depósito perto da marginal que entra uma carreta, você consegue trazer uma empilhadeira, mecanizar, então você consegue racionalizar o teu manuseio da tua mercadoria. Então, foi-se pra um depósito.
P - Atualmente quantos funcionários da empresa?
R - Internos da empresa é por volta de 50 funcionários. 50, pode ir pra um pico de 60, mais ou menos eu diria por 50. Nós temos representantes autônomos em todas as grandes capitais do Brasil...
P - ...eu queria que o senhor falasse mais profundamente sobre isso, sobre essa representação autônoma.
R - Isso. Ah... como é uma linha muito grande de produtos, né, e a pessoa compra muito pouco, o que importa é o leque total, do que você vai... você vai... vai visitar um cliente, então a pessoa tem que ter, quanto mais variedades você tem melhor é pra pessoa que vai vender. Porque ele vai lá trata o assunto da azeitona, do grão-de-bico, do sabão em pó, da panela, então... quer dizer, não existe uma empresa que trate de tudo isso, e também não é interesse de ter uma empresa que trate de tudo isso... então ela pega a representação de você, pega a representação de outro e naquela cidade ela trata do interesse de várias empresas. Então essa é uma maneira de comercializar produtos, de ter representantes. Dessa maneira nós temos representantes em Porto Alegre, em Curitiba, em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro, em Vitória, em Salvador, em Fortaleza, em Recife, em Manaus, no interior de São Paulo na região de Campinas, Ribeirão Preto... então temos uns 20, 25 representantes dessa maneira operando; fora os vendedores que tem aqui em São Paulo, né, que também cuidam da... da maneira. E, nós fornecemos muito... nós funcionamos muito hoje com nosso telemarketing.
P - Conta um pouquinho pra a gente, como é que é esse telemarketing?
R - Vamos ver as necessidade, primeiro: que é que é o... a diferença... que tipo de público nós atendemos? Um que não sabe o que quer, vai lá para ter uma idéia do que vai comprar; e o outro que sabe exatamente o que ele quer. É aquele cliente que sabe exatamente a receita que ele tem e quer aquele produto o ano inteiro, na mesma qualidade e com o mesmo sabor. Então esse daqui, ele sabe a qualidade que ele quer, sabe especificar o produto. Ele só precisa saber rapidamente qual é o preço e, que da necessidade dele, lá, o mais rápido possível eu entregue. Então, com o telefone, esse tipo de atividade foi crescendo. Você fazer a concorrência, a cotação dos teus produtos, da tua lista de faltas, fazer por telefone, sem sair da tua sala. Você estando com a especificação correta do teu produto, e com os fornecedores definidos, você faz a cotação da... da sua sala. Então foi crescendo esse tipo de cliente. Hoje todinho os restaurantes trabalham dessa maneira, não vão pessoalmente em cada loja pedir qual é o preço daquela mercadoria. São todos por telefone. Então o telemarketing foi crescendo dessa maneira. E hoje é uma tendência pra fornecimento de restaurantes pequenos, varejo, ser tudo por telemarketing. Então fica a pessoa, com um terminal de computador, uma lista de preços, com instrução de como são os produtos, ela atende o cliente e faz a cotação. De lá nós pegamos o pedido, transformamos em nota fiscal e entregamos. Normalmente da, do pedido que é feito, em 48 hora a gente entrega em qualquer lugar aqui de São Paulo ou coloca na transportadora, se é fora de São Paulo, coloca na transportadora que o cliente escolher.
P - Esse tipo de cliente, que é o cliente do restaurante, não é a dona-de-casa, ele se dirige a qual, a qual dos seus negócios?
R - No atacado.
P - No depósito?
R - No depósito. Agora, tem aqueles mais tradicionais que sempre trataram ou comigo ou com meu irmão e continuam tratando.
P - Pessoalmente?
R - Pessoalmente.
P - Quer dizer, os clientes donos-de-casa?
R - Sim, por exemplo, tem um cliente de Maringá que só trata o assunto do bacalhau comigo, tem outro cliente também, são típicos clientes que querem aquele atendimento pessoal...
P - Apesar da mudança...
R - ...ainda preferem dessa maneira. E na verdade, quem manda na sua casa é sempre o cliente. Você pode achar qual é a tendência, mas quem define a maneira de você trabalhar é o cliente, então, nós atendemos.
P - No caso, a... bom, você gosta de fazer compras no mercado?
R - Eu? Gosto Eu acho que... quando eu estava fora do mercado, às vezes eu ia no mercado fazer minhas compras, é agradável você conversar com as pessoas, esse relacionamento. Mas eu acho que a tendência hoje, cada vez mais forte, é você ter esses lugares um pouquinho mais organizados, no mercado ainda falta um pouquinho isso, eu acho que nós estamos tentando. O primeiro trabalho que nós estamos fazendo é dentro do mercado - agora falando nós, quer dizer, é a classe, a comunidade - é um trabalho de... de conservação. O segundo trabalho seria de preservar os costumes e... esse é o segundo trabalho; nós temos que ter um de reconstrução, de restauração do mercado, da arquitetura, do patrimônio histórico e tudo o que o mercado precisa. O segundo é o trabalho de preservar, de manter aquilo como uma amostra da nossa sociedade, em que esses pequenos comerciantes sobrevivam e continuem funcionando lá, instruindo... das novas alterações que tiveram no mercado, com as novas... os produtos como que... qual é a evolução dos produtos que vão ter, que o mercado vai exigindo, dando essas condições de organização na parte administrativa, na conservação das mercadorias, na parte de higiene e... higiene e saúde e... na parte de comercialização, com novas idéias de marketing e divulgação dos produtos que tem.
P - No caso, isso está sendo pensado em conjunto? Existe alguma associação?
R - Tem o sindicato do comércio... dos comerciantes do mercado, mas isso... incutir na cabeça das pessoas é muito difícil, né? Tem pessoas que vendem muito pouco, têm aquilo num universo bem pequeno, tem pessoas que pensam maior. Nós, desde 86, nós fazemos propaganda, desenvolvemos um... patrocinamos um programa de culinária, alguma coisa na mídia escrita, rádio, sempre procurando alguma coisa de como divulgar o seu produto. Outros não pensaram dessa maneira. O cliente vem... se o cliente vem ele atende, se não vem, ele não está motivando como trazer.
P - Falando de preservação, eu só teria uma perguntinha: essa preservação não deveria estar a cargo do poder público?
R - Preservação... eu...
P - Restauração...
R - A restauração no mercado, sim. Isso daí está sendo feito. Começaram com o telhado, começaram com o Jânio na época dos vitrais, Maluf já reconstruiu o telhado, agora a licitação está pronta, vão começar as fachadas - pelo menos é isso que nos dizem - a partir de janeiro. Mas eu acho que nós temos que fazer um trabalho, uma mobilização, uma divulgação dentro do mercado, com os permissionários, em que uma maneira de modernizar sem perder a característica do mercado. Mas esse que é o grande trabalho, e eu acho que dá para ser feito. Não sei de que maneira, temos que pensar como que nós vamos fazer, mas teríamos que preservar. Como que passar do passado, para o presente, indo para o futuro. Como que nós vamos fazer isso dentro do mercado? Existe uma evolução. Não sei se... mas precisa ser feito. Não sei que órgão precisa ser mobilizado para isso, mas primeiro tem que ser uma necessidade.
P - Qual é o índice de ocupação da área lá dentro, hoje?
R - Como assim?
P - Mais ou menos, em termos de porcentagem. Existem boxes desocupados... quer dizer, qual é a porcentagem de ocupação?
R - Todos eles estão trabalhando e vendendo.
P - Total?
R - Total. Só que... uns mais motivados, motivando a venda, outros muito precários...
P - Não existem espaços vazios?
R - Dentro do mercado? Não. Existem produtores que descarregam a sua mercadoria, vendem, acabou, às 10 horas da manhã vão embora e só fica as caixas vazias dentro do... então existe um investimento muito pequeno. A parte de empórios, a parte de carne, a parte de peixe, o investimento dentro do box tem que ser muito grande, porque a instalação é muito... muito onerosa.
P - Qual é o horário de funcionamento do mercado?
R - O mercado na parte do varejo vai das 6 às 4. Na parte do atacado, começa às 2 da manhã, 2 da manhã. Na parte do varejo começa às 6. Eu diria que não é um horário para o público, essa parte do horário seria alguma coisa. Deveria ser estudado, melhorada, deveria ser feito um plano de marketing pra ver qual, qual é o objetivo do mercado mesmo, né? Porque senão, não consegue dar o próximo passo.
P - Parece que aí, o mercado teria como concorrentes, a feira e os supermercados, né?
R - A feira, cada vez menos, eu acredito que seja... ela é tão folclórica quanto o mercado, no meu aspecto, é bem parte da história da cidade. Ela é tão folclórica, vai sempre existir, e você não vai querer de uma forma mais ordenada e mais organizada senão não vai ser feira.
P - (riso) Deixa de ser feira...
R - Deixa de ser feira.
P - Teria também outro concorrente, num tripé, o Ceasa...
R - Ceasa seria a parte do... ligação do produtor com o fornece... com o cliente final. Está certo? Que... o mercado está vendo que restaurantes com telemarketing, hoje já num... não é mais função. Você vê que o Ceasa, as pessoas vêm no Ceasa, as pessoas de Mato Grosso, de... do Brasil inteiro se abastece de fruta no Ceasa e levam pra... Isso vai muito nas frutas secas, nas frutas frescas, no pescado, mas em quantidades muito grandes. Num alto atacado. No atacado mesmo. Pro consumidor final, você não vai se abastecer no Ceasa, então teria que ser num mercado, ou num supermercado, ou num... nesses shoppings de gourmet. Essas praças de mercado, essas sim eu acho que tem de ser a evolução do mercado.
P - Bom, saindo um pouco do comércio, do mercado, eu queria que você falasse sobre a sua esposa, com quem você mora atualmente...
R - Hoje, sou casado, tenho dois filhos, ah... minha esposa trabalha conosco, ela fica na...
P - Como ela chama?
R - Claudete Maria Chiappetta, o nome da minha esposa, meus filhos, Gustavo e Vinícius, né? A minha esposa trabalha junto com nós lá na nossa loja do Shopping Eldorado, e os meus filhos estão estudando e estão começando a vir ajudar no mercado, comigo.
P - Ah, é?
R - É. Então no sábado o Vinícius já vem ajudar junto com os primos dele, o Adriano, o Guilherme, o Renato, que são filhos do meu outro irmão, já estão vindo ajudar. Normalmente a data, tamanho aos dez, 12 anos, vão começando a ter a noção do que é que é o comércio. Eles vão estudar, vão ter as profissões deles, se um dia achar que tem que voltar... Meu pai sempre falava que não deixava nada, só deixava a instrução, e o que ia se fazer ia depender de nós. E é o que nós estamos tentando fazer.
P - Bom, pra gente concluir, eu queria que você falasse o que é que você acha de deixar aqui gravado o depoimento da sua história, sua história de vida, a história do Empório Chiappetta e... enfim, deixar isso aqui gravado para o Museu da Pessoa. O que é que você acha disso?
R - Eu acho muito importante. Ah... desde o convite que foi nos feito eu peguei isso com... deixando as outras tarefas que tinha que fazer meio de lado e vim fazer com carinho e tentar me preparar para atendê-las, porque eu acho muito importante. Ah... aqui no Brasil, a nossa cultura não é uma cultura que aprende a preservar alguma coisa. Se ela é útil se usa, se não é útil, se descarta e se aposenta. E... uma coisa que eu aprendi no mercado: as pessoas mais antigas sempre tinham alguma coisa para te ensinar. Alguma coisa que... dependia de você observar, concluir e tirar de lá alguma coisa para o teu projeto futuro. Então, depende muito da observação de cada um. Mas é fundamental, fundamental que se tenha onde pesquisar. Então, que esse depoimento, essa história, sirva pra alguém que queira começar a vida dele. Saber como é a história, como foi a história de um imigrante que veio, que treinou um filho, que foi pra fora do empório e pôde voltar pra dar continuidade a um serviço. Hoje, pra mostrar como eu acho isso importante, nós temos dentro da empresa pessoas novas, pessoas com seus 15, 16 anos, que tentamos mostrar isso, como é importante. Então eles fazem a escola, e tentamos mostrar como que é importante nessa fase da vida ter esse tipo de treinamento. Em que eles vão se formar, vão talvez praticar uma profissão completamente diferente do empório, mas que... alguma experiência de lá você vai usar pra... na sua atividade profissional. Sempre me lembro quando eu sentava numa mesa de reunião, quando estava na empresa de engenharia, que eu sentia com 20 pessoas na minha frente como que eu ia vender o meu projeto. Como que... aquela experiência no mercado me auxiliou naquele momento.
P - O senhor tem algum sonho ainda para realizar? Quais são as perspectivas a realizar?
R - Bom. Ah... Vamos... primeira parte disso daí é como que foi, eu precisava... vamos primeiro saber como que foi antes para ver aonde que eu vou querer chegar. Ah... quando eu vinha com o meu pai no mercado, eu precisava provar que eu conseguia sair sozinho, com as minhas próprias forças, eu conseguia conquistar o caminho. Então eu fui, me formei engenheiro e de engenheiro eu comecei estagiário, fui ser gerente, até dono de uma indústria. Dentro da indústria, fui lá e fiz um projeto de um ventilador pra uma auto-peças, que ele pôde ser reconhecido, que no mundo tinha dois lugares onde que ele podia fazer, então nós concorremos com aquele projeto de ventilador entre um aqui no Brasil, que nós fizemos, e um na Alemanha, que era feito lá. Então, quer dizer, no final, o projeto que nós fizemos, que eu participava - na verdade fui eu que fiz o projeto -, mas o projeto que nós participamos, no final foi eleito pra hoje ter nos caminhões Mercedes. Então esse era um orgulho. Então, quando eu tive que sair pra voltar para o mercado, foi alguma coisa que eu já tinha conquistado Essa auto-afirmação já veio. A próxima fase era uma fase que eu diria, um sonho de continuidade, do que eu esteja plantando, que as pessoas de trás, um dia me passem e me falem que conseguiram fazer uma árvore maior que a minha Essa talvez seja o melhor sonho.
P - Obrigada
P - Muito obrigada.
R - Obrigado vocês e que tenham um belo sucesso com vosso empreendimento.
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