MCHV_044_PAULO CESAR GARCIA LOPES
Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto
Entrevista de Paulo César Garcia Lopes
Entrevistado por Claudia Leonor e Daiana Terra
Ribeirão Preto, 26 de março de 2021
Entrevista História de Vida 044
Transcrita por Selma Paiva
P1- Então, Paulo, obrigada por você ter aceito o convite nosso de estar aqui, no nosso estúdio virtual, relatando um pouco da sua trajetória frente ao comércio e frente ao Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto. Em nome do Sesc e do Museu da Pessoa, eu agradeço muito a sua presença aqui, hoje.
R- Eu que agradeço a oportunidade de contribuir. De fato, eu, desde criança, estou no comércio. Então, eu tenho muita história pra compartilhar com vocês, dentro daquilo que a memória for, o arquivo for sendo puxado lá, né? (riso)
P1- Isso, então pra gente começar, eu vou pedir pra você falar novamente o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R- Ok. Olá, Paulo Cesar Garcia... pode começar?
P1- Pode.
R- Então, vamos lá. Um, dois, três. Olá! Paulo Cesar Garcia Lopes, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto e região. Nascido em Ribeirão Preto, em primeiro de fevereiro de 1960.
P1- Maravilha. E o nome dos seus pais, Paulo? E em que eles trabalhavam? O que eles faziam, assim?
R- Os meus pais, Antônia e Benedito. Os dois montaram a loja aqui, que eu acabei sucedendo, né. Uma loja de armarinhos, há cinquenta e quatro anos. Começou, na verdade, em 1966. Meu pai começou com um sócio. E, depois de dois, três anos, resolveu chamar a esposa pra ser sócia dele. E eles trabalharam com a loja até os filhos formarem, né e a gente escolher sucedê-los. E foi o que acabou acontecendo, né? A gente montou uma outra loja, abrimos duas lojas, dois irmãos. Infelizmente, hoje eu estou com uma só, porque o meu irmão faleceu recentemente. E a gente, então, é a segunda geração de uma loja de armarinhos, aqui na região central de Ribeirão Preto.
P1- A gente vai falar mais da loja, daqui a pouco. Agora eu queria que você falasse assim, os nomes dos seus avós, se você se recorda. E qual a origem deles? Garcia Lopez é bem espanhol, né?
R- É português, na verdade. (riso)
P1- É português?
R- É. O meu avô veio naturalizado, veio pra Ribeirão… veio pro Brasil com cinco anos de idade, criado por irmãs portuguesas. Depois foi trabalhar, uma parte da família portuguesa foi pra Campo Mourão, em Minas Gerais, uma parte pro Rio de Janeiro e veio uma parte aqui para o interior do estado. Então, meu avô cresceu, morou em Luís Antônio, aqui próximo a Ribeirão Preto, do lado materno. Do lado paterno, do lado do meu pai, eles são oriundos aqui mesmo do Brasil, são de Cajuru e Cássia dos Coqueiros, são cidades muito próximas aqui de Ribeirão Preto, né? Tanto a minha avó e o meu avô. Então, do lado do meu pai é Marfisa e José. E do lado da minha mãe é Antonio e Rosalina.
P1- Maravilha. E, Paulo, você falou que você nasceu em Ribeirão Preto. E cresceu também, né?
R- Sim.
P1- Como é essa Ribeirão Preto da sua infância e adolescência? Assim, o que você se recorda do bairro que você viveu?
R- Ah… Ribeirão Preto foi uma cidade que era muito pequena, né? Nos anos sessenta, ela tinha poucos prédios altos. A cidade era muito reduzida, né? Tinha... foram os primeiros bairros, as Cohabs, né, que começaram a aparecer naquela época, né, no final dos anos sessenta, início dos anos setenta. Então, era uma cidade provinciana, pequena. Era um meio caminho entre Minas Gerais e São Paulo. Realmente, era uma cidade que tinha uma localização privilegiada. Então, a gente percebia que já tínhamos o aeroporto, já tínhamos a Anhanguera, que era uma das vias de maior escoamento de todo o sul de Minas, passava por aqui. E ela tinha uma forte tendência, desde aquela época, de ser um centro de saúde, de excelência em saúde, né? Então, nós temos uma história de Ribeirão Preto, muito ligada à área da saúde, principalmente com a vinda da faculdade de Medicina aqui pra Ribeirão Preto e posteriormente o Hospital das Clínicas, né? Isso alavancou muito a cidade. Criamos, tivemos novos… outros grandes grupos da área da saúde, com hospitais. E a gente… Ribeirão Preto cresceu, então, com base em comércio e serviços. Lá atrás, ela começou com a história do café, né? Mas, de anos recentes, né, agente... houve, tem uma tendência natural, tem o agronegócio na... toda a região, que alavanca muito a cidade, né? Mas como o agronegócio ainda é um setor um pouco de concentração de renda, o que fez a cidade crescer foi a prestação de serviço e o comércio. Então, o comércio tem um peso muito grande na vida da cidade, desde o início, né e mesmo hoje. E serviços também, que também cresceu exponencialmente nos últimos anos, em função, justamente, dessa tendência, essa vocação de Ribeirão Preto, de prestar excelência em serviços na área da saúde. Então, vários serviços ligados à área da saúde e não necessariamente a ela, alavancaram muito Ribeirão Preto. Então, hoje é uma cidade de comércio e serviços, sobretudo. Tem a indústria, mas ela é no terceiro plano.
P1- Entendi. E, assim, na sua família, você falou da loja de armarinhos, né? Como é que começou? Você tem ideia, assim, de como começou a loja? Onde era inicialmente? O que você pode contar pra gente?
R- Olha, a loja começou onde ela, hoje, está. Incrível isso, né? A gente está no mesmo imóvel desde o início. Depois a gente mudou pra um prédio maior. A gente cresceu. Eu tinha o meu irmão, que era sócio. O meu pai se empolgou, continuou… aposentou e continuou trabalhando, né? Então, eu fiquei sempre sediado no ponto onde começou. Eu sempre dei muito valor a esse ponto importante do comércio, que é na Rua Duque de Caxias, né? Que chegou a ser comparada como uma Vinte e Cinco de Março de Ribeirão Preto, guardadas as devidas proporções. Então, é claro que a cidade cresceu muito. Nós temos hoje vários centros comerciais, né, e os armarinhos também foram pra essa área. O que a gente pode dizer é que o comércio, em geral, houve uma mudança muito, muito grande. Houve uma evolução muito grande do comércio. A gente teve, no final dos anos setenta, mesmo no início dos anos oitenta, tinha concurso de vitrines. A gente tinha ruas em Ribeirão Preto que as pessoas saiam à noite, pra ir nas lojas. Foi antes dos shoppings, isso, né? Então, na época anterior ao shopping, o comércio de rua, ele era muito vitalizado, né? Tinha decoração de Natal também, que tinha concurso de vitrine de Natal. Tinham decoradores que iam nas lojas da Batista, sobretudo na Barão da Amazonas, na São Sebastião, a General Osório antes do calçadão. Eu me lembro exatamente dessa época, né, que tinha o comércio à noite, muito forte, algumas lojas ficavam até mais de dez horas da noite, naquela época. Quando eu era criança, eu ficava na loja com os meus pais e ficava até esse horário, né? Na época de dezembro, era um comércio que, lógico, alongava o horário, as pessoas se acostumavam a ter o horário mais alongado pra fazer as suas compras. Mas, mesmo assim, a cidade tinha já centros comerciais fortes como a Avenida da Saudade, depois veio a Dom Pedro. Então, o comércio, ele foi... ele cresceu muito nesse período aí. E, com a vinda dos shoppings, aí explodiu, né? Porque aí a região começou a vir a Ribeirão Preto com mais intensidade ainda. Pelo motivo do comércio, que é muito forte. E pelo motivo da excelência na área de serviços de saúde, que também nós temos aqui muitos hospitais e muitas clínicas especializadas de excelência, que atrai toda a região de Ribeirão Preto.
P1- Isso. Vamos falar mais um pouquinho do Centro ainda, né? Como é que chamava a loja de armarinhos? E, já que é uma entrevista de história, que que tem numa loja de armarinhos, assim? (risos)
R- É, a loja de armarinhos, ela foi se modificando ao longo do tempo, né? Quando o meu pai montou a loja, era uma loja estritamente de público feminino. Ela ainda hoje é predominante feminino, são mulheres que frequentam. Sempre teve o ramo da costura, só que o armarinho era um tipo de bazar mesmo, no sentido de ter de tudo, né? Não havia tanta especialização como há hoje. Então, o armarinho vendia de cosméticos, esmalte, bob de cabelo, grampo de cabelo, coisa que muita gente nem sabe o que é. (riso) As meninas novas eu acho que não sabem, as mais novinhas.
P1- Grampo, né? Grampo de cabelo.
R- É. E vendia material escolar, entendeu? Vendia brinquedo. Vendia bolsas pro feminino, quando tinha lenços, né? Então, são coisas assim, que... houve uma mudança muito grande nos hábitos das pessoas. E houve uma especialização muito grande no comércio. Então, hoje você tem, um armarinho, ele têm hoje, umas quatro, cinco lojas dentro dele. Tinha, né, tem quatro ou cinco lojas dentro dela. E eles... houve uma tendência, então, de partir mais pro lado da costura mesmo e dos trabalhos manuais, artesanato. Então, hoje, o forte do armarinho é o artesanato, são produtos pra fazer trabalhos manuais, como ter uma fonte de renda. Então, a pessoa compra um barbante e faz um tapete e faz produtos nessa linha. E compra tintas de tecido. E compra panos e panos de prato e bordam e têm uma atividade também. Tem as linhas de bordado e crochê, né e de tricô, os biquinhos de pano de prato. Então, depois veio a moda também do tecido patchwork, né, que você faz tipo uma colagem com tecidos.
P1- Uhum.
R - Então, você tem hoje uma quantidade de atividades de artesanato ligado a armarinho, muito grande, né? O armarinho, então, hoje, especializou muito mais nessa área de trabalhos manuais, artesanato. Continua com a parte de costura, embora os alfaiates estejam em extinção, né? Quando eu era criança tinha... as costureiras chegavam na loja com listas enormes de compra de produto. As pessoas faziam camisa, faziam calça. Então, houve uma mudança muito grande na parte da costura, né? Hoje, mais você reforma uma roupa, você customiza uma roupa. Porque hoje as roupas são feitas em série, então há uma tendência natural das pessoas quererem se diferenciar. Então hoje, o forte da costura é justamente, a pessoa comprar uma roupa, ajustar essa roupa e fazer alguma personalização. Hoje há uma tendência muito grande da personalização. Inclusive, a gente está vendo fora do Brasil, lojas grandes de tecidos, de roupas, que têm um cantinho lá pra fazer uma personalização. Seja uma loja de tênis, como eu vi na Nike, na Adidas, nos Estados Unidos. Ou seja, até a Levi’s, que coloca lá um cantinho, também. O que a Havaianas faz aqui no Brasil, de personalizar uma Havaiana, está tendo um uma tendência em todos os segmentos do comércio. A personalização, hoje, é muito forte.
P1- Que interessante… Agora, assim, você falou nessa lista, né, das costureiras. O que tinha nessa lista das costureiras e dos alfaiates, assim, que elas compravam tanto, que mobilizava tanto?
R- Como eu disse, a indústria da confecção ela estava ainda engatinhando. As pessoas tinham o hábito de fazer a roupa mais ajustada, de acordo com o corpo delas. Então, tinham estilistas, como tem ainda hoje, mas era um volume muito grande. Tinha muitas lojas de tecido. As Lojas Pernambucanas, que hoje é um mix de produtos eletrodomésticos com outras coisas, eram especializadas só em tecido, né? Então, a gente tinha, em Ribeirão Preto, um conjunto de lojas de tecidos muito grande, em diversos pontos da cidade. Então, as listinhas vinham nessa linha, aí compravam o tecido e compravam linha, zíper, botão, algum enfeite, se fosse roupa feminina, né? Roupa masculina era mais simples, como sempre foi, né? Embora hoje o homem seja muito mais vaidoso, né? E hoje a gente tem observado também que o homem quer, também, ser diferenciado. Mas, basicamente, o público que frequentava as lojas de armarinhos era um público feminino. E fazia-se muito vestido, tinha estilista dentro das lojas de tecidos. E os armarinhos, então, tinham esse público muito grande. A esposa fazia o vestido, mas fazia as camisas do marido, né? Então… E pras crianças também. Então, não existia essa oferta de roupas que tem hoje. Hoje a gente tem magazines na cidade com preço, com custo-benefício extremamente baixo, né? Então, a industrialização da roupa, ela diminuiu muito o custo da roupa, né? Então, naquela época, existia um público, uma atividade também muito forte, que eram as costureiras, né? Muitas criaram os seus filhos, formaram os seus filhos, com uma máquina de costura, né?
P1- É. E tinha essa parte assim de renda, sianinha, esses acabamentos assim, todos?
R- Sim. Desde criança eu convivo com isso, né? Que a gente tinha em Ribeirão Preto, além das lojas de armarinhos que vendia pro varejo, tinha alguns atacadistas também, sabe? Mesmo na região central os Irmãos Cissa, aqui na Saldanha Marinho; os Luca Cabariti, lá embaixo, na José Bonifácio. Então, ali tinha os Irmãos Fukayama, que eram japoneses, mas tinham papelaria e armarinhos também. Então, desde criança eu convivo com passamanaria, com sianinha. (riso) Esses produtos que vão e voltam, né? Porque são produtos da moda. E a moda vai e volta. É interessante isso.
P1- É. Agora o senhor falou uma coisa interessante também, assim... Quando a gente estava no momento de mapeamento, a gente só localizou uma loja de tecido, que é o Palácio das Sedas, né?
R- Isso. O Paraíso da Seda.
P1- O Paraíso da Seda. Isso.
R- É bem em frente à minha loja.
P1- Ah é?
R- É. Bem em frente.
P1- Ah, então foi aí que a gente localizou o senhor também. E aí o que eu queria que o senhor falasse é assim: quais eram as outras lojas de tecido, assim, desse auge, assim? E de que ano a gente está falando? Anos setenta?
R- Final dos anos setenta e começo dos anos oitenta. Foi a época que eu fiz faculdade. Eu fui morar em São Carlos. Eu fiz Engenharia em São Carlos. Naquela época, os meus pais ficavam na loja. Eu, nas férias, vinha ajudá-los, né? A gente tinha... o sistema monetário era diferente. Você lembra que tinha o cruzeiro. Depois teve o cruzeiro novo, o cruzado, tudo. Você, pra comprar uma linha, você ia com um monte de nota, cédulas de dinheiro. Então, os lojistas tinham um trabalho muito grande de, diariamente, ir no Banco, depositar aquele monte de papel-moeda. Então, eu guardo isso porque, realmente, era muito interessante. E a grande dificuldade também era a do troco. Então, geralmente, o lojista, toda semana, tinha que ir nos Bancos buscar troco, pra poder trabalhar com aquele monte de papel-moeda que circulava, né? Naquela época existia, então, a Feltrin, existia a Boa Compra. As Lojas Pernambucanas, como eu disse, era uma loja praticamente só de tecidos. Como que eu vou lembrar mais? Tinha uma loja na General Osório... tinha muitas lojas de cortinas né? Especializadas em cortinas. Tinha várias lojas de cortinas. A persiana foi uma coisa que foi evoluindo depois, né? A moda sempre foram cortinas. Os clubes faziam cortinas, os buffets faziam cortinas, os apartamentos, as casas todas tinham decoração muito à base de cortina. Então, tinha muita loja de cortinas em Ribeirão Preto, além de lojas de tecidos.
P1- Entendi. E me fala uma coisa: na época do carnaval, antes, né? Era fantasia, essas coisas que o pessoal saía na rua, clubes.
R- Sim. É. O armarinho sempre esteve muito intimamente ligado ao carnaval. Seja porque as pessoas pegavam, às vezes uma roupa, uma bermuda, uma camiseta, seja pra criança ou pra adulto e sempre faziam uma decoração extravagante, né? Sempre houve uma tendência natural disso. Então, o carnaval sempre movimentou muito o comércio, sobretudo de armarinhos. Era uma época que as costureiras trabalhavam muito. E mesmo as mães, né, as donas de casa, geralmente,elas tinham uma formação de corte e costura básico, né? E todo mundo se aventurava a fazer uma fantasia, mesmo simples que fosse, havia uma quantidade de pessoas muito grande envolvida no carnaval, né? O carnaval era uma festa, realmente, popular. Ela foi, com o passar dos anos, perdendo a força. Infelizmente, né, houve uma mudança muito grande. As crianças, hoje, existe um trabalho das escolas fazerem as crianças curtirem o carnaval. Mas, realmente, o carnaval não é como antes.
P1- Ô, “seu” Paulo, tinha assim, essas lantejoula, brocal, essas coisas todas?
R- Sim. Isso é um produto muito antigo, né? O brilho sempre foi uma alternativa pra se diferenciar, né? Nós tivemos ao longo do tempo, a moda, né? Todo produto brilhante teve algumas fases mais áureas assim, vamos dizer assim, né? Então, é interessante isso que você falou. Além de… Mesmo uma roupa fina, né, tinha bordado com lantejoula, com pedraria. Até hoje ainda existe isso, os vestidos de festas usam ainda muita pedraria, né? Diminuiu um pouco o brilho no sentido da lantejoula, né? Mas o brocal, que é um pó metálico, né, pra trabalhos manuais também, das crianças, trabalhos escolares, né, os artigos de festa, sempre utilizavam muito brilho através desse material. Mas a confecção, até hoje, usa muito, sobretudo o bordado. Mesmo a noiva, hoje. Os vestidos de noiva ainda usam muita pedraria. E... mas são… Você vê na TV, por exemplo, algumas artistas, né, que usam roupas brilhantes. Hoje o homem também está usando roupa brilhante, que é interessante. Houve uma mudança muito do perfil, né, das pessoas, né? Das pessoas, né?... Hoje o homem é chamado metrossexual. (risos)
P1: É (risos).
R - Então, nesse sentido, é muito mais vaidoso, no sentido não só de aparência de cortar cabelo, de limpeza, de aparência, né, mas da roupa mesmo. A gente percebe uma tendência do homem ser muito mais vaidoso do que ele foi. E a gente está vendo esse mercado novo, né,que é o homem vaidoso.
P1- Perfeito. O senhor não falou o nome da loja ainda, “seu” Paulo.
R- (riso) Eu vou falar. A loja é Jobel Armarinhos. Foi uma ideia do primeiro sócio do meu pai, que juntou as iniciais dos nomes dos dois sócios: José e Benedito, o L é de Lopes, que é o sobrenome. Então foi uma ideia, assim, Jobel. Por coincidência, a palavra job, em inglês, é trabalho. Então, a logomarca que a Jobel, que eu desenvolvi isso depois de muitos anos, eu comecei a enxergar que, no nome da loja, tinha a ver com trabalhos manuais. Então, eu fiz uma logomarca com a palavra job, um carretel de linha, um j, o, b, e l saindo, né? Então, a logomarca ficou… Foi muito feliz… Foi uma feliz coincidência, né, da palavra Jobel ter a palavra job, que significa trabalho, né, e, colocando uma linha, ficou trabalhos manuais. Então, foi um desenvolvimento de um amigo meu, que é arquiteto, que pensa muito nessa linha e que foi muito feliz da criação da minha logomarca.
P1- Fantástico!
R- Então, Jobel Armarinhos desde 1966. (risos)
P1- Fantástico(risos)! E o senhor começou a trabalhar cedo, na loja?
R- Sim, como eu te disse. Todas as férias...
P1- Ajudando?
R- Eu ajudava. Eu ia no Banco pro meu pai, pagava sempre as contas. Arrumava sempre o estoque. Ajudava na arrumação da loja. Como eu disse no início, as lojas precisavam ser mais arrumadas. A gente sempre estava de olho, de forma a deixar a loja mais… Com um ambiente mais acolhedor, né? E eu sempre, desde criança, fazia isso. Depois, com o passar do tempo, depois eu me formei em Engenharia. Tentei trabalhar na minha área, que é engenharia de produção, num Banco. Quando eu vi que o comércio tinha a ver comigo, por causa... desde criança, eu abandonei essa profissão. Embarquei com o meu irmão, que era engenheiro civil também e montamos duas lojas. Então, a Jobel, eu acredito que a gente não sabe o que os filhos vão fazer, hoje. Os filhos, eu tenho uma filha professora e um filho engenheiro, também. Mas a minha ideia é eu ficar com a loja até quando eu puder. (risos) Porque, realmente, quem nasce com uma loja de armarinhos, morre com uma loja de armarinhos. É difícil a pessoa fechar uma loja de armarinhos. Porque é uma coisa que nasce com a gente, a gente se apega demais àquilo. E fica no sangue da gente essa vontade de fazer, de comercializar, de você estar sempre comprando novidade, indo em São Paulo, indo… participando de feiras, tem as tendências. Então, é muito interessante. Realmente, é uma loja de artigos agregado de valor relativamente pequeno. Mas que é muito rico em detalhes, né? O armarinho tem muito detalhe. Então, eu acho que, pra mim, foi um aprendizado muito grande de eu, desde criança, estar sempre junto disso. Tanto que eu acabei ficando com a loja, né? Depois que, posteriormente, eu assumi o sindicato, né? Mas até hoje eu trabalho com a loja e o sindicato, paralelo, né? A minha esposa também formou, é professora. E fica na loja o tempo inteiro. E a gente vê, então, uma possibilidade da loja ficar muito mais tempo ainda no ar, aí, se Deus quiser.
P1- Maravilha! (risos) Deixa eu perguntar uma coisa pro senhor: como o senhor começou a se envolver com as atividades do Sindicato do Comércio?
R- Então, o comércio ele é muito escravizante, no sentido de que a gente tem muito pouco tempo pra viajar, pra tirar férias. A gente se empolga muito. A gente sempre teve uma necessidade de abrir o máximo tempo possível. Então, eu participava das convenções, quando era a chamada de reajuste de salário. Eu participava da Associação Comercial, participava do sindicato. Aí, nessa época que eu já estava com as lojas, tudo, eu fui convidado por amigos que já participavam das entidades, a participar das entidades. E comecei a ir nas assembleias, todo ano, do reajuste de salário no Sincovarp. Na ACI também eu fui convidado, eu fui vice superintendente da distrital Centro durante doze anos. Pra mim foi um aprendizado muito grande que eu tive, na Associação Comercial. E aí o Pedro Alem, que era o presidente do sindicato, me enxergou ali, mal aproveitado na associação, me convidou pra participar mais do sindicato. E eu aí, então, embarquei e acabei virando presidente do sindicato, do qual estou, hoje, há oito anos, né?
P1- Faz oito anos?
R- Foi.
P1- E, nesses oito anos, assim, quais foram as principais lutas? Sem falar na atualidade. Mas vamos… Os avanços, os desafios, “seu” Paulo?
R- Olha, os últimos dez anos, a gente teve uma revolução enorme no comércio, né? Seja pelas tendências de mudança de hábito do consumidor, seja a participação dos lojistas também. O desafio grande das entidades era trazer o lojista pra mais próximo, se sentir representado, né? O Sincovarp tinha uma força muito grande, que era a contribuição sindical, que era obrigatória. Nós percebemos que ela ia acabar e a gente, inclusive, apoiou o fim da contribuição obrigatória. Mas, em função disso, nós começamos a investir muito no sindicato, na prestação de serviços para os associados, para os afiliados. Então, hoje, o sindicato tem uma gama de benefícios para o associado, muito grande. Seja através de convênios de saúde, assim, com condição muito superior ao mercado, né, a gente tem o convênio de saúde. E fazemos também muita capacitação. A gente tem parceria com várias entidades como o próprio Sesc, o Senac, o Sebrae, sobretudo. A gente participa de missões nacionais e internacionais. A gente se aproximou... tem um comitê de comércio eletrônico que está capacitando essa tendência de digitalização do varejo, que é uma coisa que já está ocorrendo, que veio goela abaixo, pela pandemia, né? Então, o sindicato, ele foi ‘obrigado’, né, obrigado entre aspas, né, no sentido de acompanhar as tendências do varejo, né? E esse trabalho a gente tem feito com bastante força, a gente está sendo muito respeitado. O nosso papel também, de elo de ligação entre os associados e o poder público, aumentou muito. Hoje nós somos muito respeitados na cidade, através de, seja o Ministério Público, Câmara Municipal, prefeitura, diversas secretarias, mesmo no estado, né? Então, as entidades têm uma força importante, né,de fazer essa ligação e leva os pleitos dos lojistas. Então, a gente faz esse trabalho quase que diariamente, está sempre em contato com as necessidades dos lojistas, né, e levar às instâncias superiores. Então, nós somos essa ponte de ligação entre os lojistas e o poder público.
P1- Agora, o senhor falou uma coisa que eu considero, assim, superimportante, que eu queria que o senhor falasse mais: quando começou, na visão do senhor, né, a questão da digitalização do comércio? Agora deslanchou, né? Mas quando vem isso, no horizonte do Sincovarp?
R- Olha, já faz mais de cinco anos. A partir de uma missão que eu fui. Eu sempre tinha intenção de ir em Nova Iorque, na NRF, que o Sebrae anualmente realiza essa missão pra lá. A NRF, National Retail Federation, esse é o termo ao pé da letra, né? É uma convenção anual do mercado americano e mundial, das tendências do varejo e do comércio em geral. Quando eu fui, em 2017, a primeira vez, eu fiquei, assim, entusiasmadíssimo, porque o comércio eletrônico já tinha alavancado muito. Havia uma certa euforia com a tecnologia, porque a velocidade do avanço tecnológico nessa área estava muito grande, né, das lojas automatizadas, o self service, o check out nas lojas, a loja inteligente com câmeras, com áreas de inteligência artificial. Aí, o que a gente percebeu ao longo... eu participei depois de 2017, mais três viagens pra lá com o Sebrae. Sempre junto com o Sebrae Ribeirão Preto e o Sebrae São Paulo. Então, eles incentivavam os lojistas a irem pra lá. E a gente, então, o Sincovarp está desenvolvendo um projeto muito interessante, de um marketplace para os lojistas, pra incentivar a produção, o comércio local e digitalizar as empresas. É uma tendência natural, o celular explodiu. As pessoas, hoje, é difícil alguém que não olhe no celular pra consultar sobre qualquer compra, sobre qualquer necessidade que você vai fazer. Então, as mídias sociais explodiram também. Então, hoje, o comércio, ele tem, ainda hoje a atividade do comércio presencial, o comércio físico, é muito maior do que o digital. Mas a pandemia exigiu isso, né? Que ficasse muita... alguns períodos ficaram fechados e havia a oportunidade de você substituir essas vendas que você estava perdendo com o comércio fechado, com as vendas do digital. Só que o digital não é somente um site, uma loja eletrônica. O digital é você atender por telefone, por whatsapp, você fazer live nas mídias sociais e fazer, por exemplo, um desfile, uma oferta, venda mesmo de produto pelo Instagram, pelo Facebook. Então, nós percebemos que houve uma convergência de caminhos alternativos, que o cliente tinha a experiência da compra, não necessariamente na loja física. Mas ele tinha essa experiência pós-venda e antes da venda. Então, hoje a venda é “figital”, que é uma mistura do físico com o digital. As coisas se complementam.
P1- “Figital”.
R- É. Então, no início houve uma certa euforia, as pessoas achavam que o comércio físico que ia acabar, que tudo ia ser automatizado. Não é bem assim. Hoje, a última missão que eu estive, em 2020, em Nova Iorque, na NRF, o centro ainda continua sendo o ser humano, as pessoas. Então, foi interessante eu acompanhar de 2017 pra cá, porque foi justamente essa mudança de foco, né, que a gente tinha muita tecnologia, no início e hoje nós temos as pessoas no centro das coisas. Porque sem as pessoas, se não houver uma experiência, se não houver uma satisfação, se você não ouvir o cliente, se você não acompanhar as necessidades e criar novas necessidades, o cliente, ele vai sempre se acomodar, né? E hoje, com a facilidade da internet, das pessoas saberem quanto custa as coisas, pra você ir numa loja somente pelo preço, é muito difícil. Você tem que ter um ótimo atendimento. Você tem que colocar um grupo de funcionários capacitados, pra poder informar. Hoje o cliente sabe muito mais do que os vendedores, é isso o que está acontecendo. Então, hoje os vendedores têm que ser, efetivamente, consultores naquele assunto. Então, hoje é muito importante o lojista ter essa consciência. E nós aqui, como entidade, a Sincovarp e a CDL, que estamos juntos em Ribeirão Preto, a Câmara de Dirigentes Lojistas, estamos no mesmo prédio, duas entidades, uma mais focada em serviço, outra mais em comércio, como é o Sincovarp, a gente oferece pros lojistas de ambas as áreas, capacitações. Então, a gente tem o Sesc, tem o Senac, tem o Sebrae, como eu lhe disse. E tem outros parceiros de comércio eletrônico, que pode ajudar o lojista a capacitar o seu funcionário e a capacitar o seu próprio lojista. Porque o lojista também precisa ter a sua autoestima em alta, né, precisa reciclar, né, observar as tendências. É importante tirar um tempo só pra ele, pra ele ver mesmo se o negócio está dando certo, se ele pode dar mais certo ainda. Então, esse é o objetivo maior das entidades, né, trabalhar o comércio de todas as frentes, né? A gente sabe que tem um caminho muito longo ainda a ser percorrido, de venda digital, porque as pessoas ainda têm uma certa... o jovem é muito natural, mas a pessoa de uma certa idade, tem um pouco de restrição, ela ainda prefere o contato físico com as coisas. Mas gente tem outras alternativas, como o drive thru, que é você parar o carro. Ninguém imaginava uma coisa dessa, há uns anos atrás. O drive thru era associado a uma loja de lanche, né, muito conhecida. (risos) Hoje não. Hoje você vai, né? Os lojistas estão se organizando em pontos de drive thru, fazem parceria com o estacionamento de drive thru. Quando o comércio não pode abrir, ele vai até o veículo e entrega a mercadoria lá. Então, você percebe que tem várias saídas, né? Hoje, no momento de fase emergencial, que não pode nem vender na porta, né, tem delivery, que o pessoal leva na casa da pessoa. Então, são várias alternativas que o lojista hoje tem que ter em mente, que ele tem que trabalhar com todos os canais de venda. Então, isso que foi o grande diferencial que a tecnologia e a pandemia evidenciou: o lojista, hoje, tem que trabalhar todos os canais de venda. O que é o canal de venda? O canal de venda é a forma como você aproxima o consumidor do lojista e você entregar pra ele as necessidades dele. Então, seja um simples telefonema, um whatsapp, como eu disse, ou seja através das mídias sociais, em que a pessoa pode ver uma oferta lá e depois acionar o telefone. Ou você entrar no site da loja. Tem um marketplace, que as pessoas... é um grande shopping virtual, que você coloca a sua loja lá e coloca os seus produtos lá. Então, você vê que tem, hoje, uma série grande de frentes de venda, que o lojista tem que pensar. Dá trabalho? Dá. Realmente, dá trabalho. Nós não estamos mais naquela situação confortável, que nós estávamos anos atrás, de ficar esperando o cliente num balcão, essa época já acabou. O tirador de pedido, como a gente brincava, né, está com os dias contados, mesmo.
P1- E deixa eu perguntar uma coisa: o senhor falou que o Sincovarp estava desenvolvendo um marketplace...
R- Sim.
P1- ... pra oferecer pros associados. É o aplicativo que o pessoal me falou?
R- Isso. Nós desenvolvemos, numa primeira fase, um aplicativo que está no ar, né, que é o Varejo +. Esse Varejo +, os lojistas, gratuitamente, põem o seu cupom de desconto lá. Nós não ganhamos nada com isso. É simplesmente uma forma de incentivar o lojista a ter um espaço pra colocar os seus produtos de oferta, ele já tem as ofertas dele. Então, ele emite o cupom. E o consumidor, hoje, pega o celular: “Eu vou comprar uma pizza. Eu vou comprar um terno. Vou comprar uma camiseta. Vou comprar uma sandália”. Ele vai lá, diversos segmentos do aplicativo, vê os cupons de desconto. Se for interessante, ele vai na loja ou pelo site, ou pela internet, compra o produto, usa aquele desconto lá. Então, é um “vidrinismo”, né? Essa é a primeira fase. Agora nós estamos finalizando a segunda etapa do Varejo +, que é um marketplace, que é um shopping virtual. Aí, sim, o lojista vai ter a sua loja nesse marketplace, né, que é um shopping virtual. E vai poder efetuar a venda por lá. Quer dizer, é mais um canal. Porque o lojista, hoje, não pode vender só na loja física dele, não pode vender só no site dele, ele tem que vender em marketplace. O marketplace, hoje, é a palavra do momento, né, está todo mundo atrás. Por quê? Ele ganha em volume, né? E hoje atinge uma região muito maior que a região local. Você pode vender através do marketplace, no Amazonas, fora do Brasil, depende de sua capacidade de poder atender, precisa ter esse cuidado. Mas, de qualquer forma, o marketplace é um caminho sem volta, é uma tendência natural. As grandes lojas estão oferecendo aos pequenos lojistas, espaço pra colocar a sua loja lá, a gente observou isso. Então, a gente observou também que nós temos espaços pra marketplaces locais. Os shoppings perceberam isso, já. A maioria dos shoppings, hoje, tem o marketplace deles, né. Mas o que a gente, o Sincovarp e o CDL Ribeirão Preto organizaram, é um marketplace pra estimular, sobretudo, o comércio local, regional, sabe? Isso é muito importante.
P1- Agora, o senhor falou uma coisa que eu acho que é importante a gente estar registrando também, no caso, desse “figital”, que o senhor está falando, né? Essa capacidade de atendimento, né? Assim, o consumidor, ele quer ter uma boa experiência de compra, né? Porque comprar é bom, né? Comprar é bom. Poder, se a gente está triste... mulher é muito assim: está triste, vai lá e compra alguma coisa, compra um batom, né?
R- Sim.
P1- Então, assim, a gente quer ter uma experiência boa também, né?
R- Exatamente. A experiência de compra sempre foi um fator determinante pra você… pro cliente voltar na loja, né? Então, não basta você vender uma vez só, você tem que vender recorrência, né? Então, pra você... antigamente você só fazia a venda. E algumas empresas faziam o pós-venda, ligavam pra pessoa, se estava satisfeita, se não queria comprar outra coisa. Então, o que acontece hoje? Essa experiência de compra tem que ser trabalhada desde quando o cliente tem o primeiro contato, né? Você tem que, sempre, oferecer alternativas. Você tem que ver o caminho mais fácil que ele quer comprar. Tem cliente que não quer ir na loja, quer receber em casa. A comodidade, hoje, é um fator muito importante, pra muita gente, porque a vida moderna exigiu isso e a pandemia, então, nem se fala, né? Então, a gente tem observado que a experiência de compra hoje é muito mais complexa, né? Então, você tem que tentar sempre se aproximar do cliente, ver as necessidades que ele tem e atender, dentro do possível, todas as necessidades dele. Então, a experiência de compra é isso: é você... que cada compra seja marcada, né, que a pessoa sinta satisfação, né? Isso é muito importante. O preço nem sempre é o mais importante. Se você tem um bom atendimento, se você oferece alternativas, se você preenche a necessidade do cliente, se você trata bem o cliente, ouve o cliente... tem cliente que, às vezes, tem uma necessidade de ser ouvido, então, isso é muito importante. Por isso que o centro das coisas, hoje, está no consumidor, né? Hoje você tem que analisar muito os negócios, do ponto de vista do consumidor. O centro é o consumidor, são as pessoas. O comércio envolve relacionamento de pessoas, né? Quem compra e quem vende. E não é tão frio assim. Então, o que está sendo, assim, muito evidenciado, é que a simples atividade comercial, fria, de você entrar no site, clicar lá e comprar, não é a mesma coisa de você ser atendido por uma pessoa, seja através da conversa do chat ou do whatsapp. É muito diferente. Então, a gente tem observado que esse é um caminho sem volta.
P1- É. O senhor falou uma coisa que eu gostaria que o senhor explanasse mais, assim: esse consumidor, quando está satisfeito, maravilha, né? Ele volta. É uma experiência boa, ele volta, tudo. Agora, o consumidor que não está satisfeito tem a voz, agora, nas redes sociais, né?
R- Exato.
P1- E isso, muitas vezes, mancha demais a categoria, o nome da loja. Vai lá no Reclame Aqui, aí uma reclamação vira cento e cinquenta comentários, né? Às vezes perde... até um comentário infeliz de um colaborador, de um funcionário, né, resvala no nome da loja, no nome da organização.
R- Sem dúvida. Isso é muito importante. Hoje, a velocidade de propagar más notícias é muito rápida, né? (risos) As fake news estão aí, é difícil administrar isso. E, mesmo não sendo fake news, como você colocou, uma opinião negativa da sua empresa, seja pelo atendimento, seja pela falta de cuidado quando foi entregue, seja pelos atrasos, seja por não dar a atenção devida ao cliente, tudo isso mancha uma relação comercial e mancha o nome da empresa. Então, você tem hoje a reputação, que alguns sites colocam lá, do lojista, mas muito mais que isso. É o que você colocou: a possibilidade, hoje, de você ter a sua experiência manchada por um erro assim, básico, né, de você, às vezes, mandar uma mercadoria amassada, de você não dar atenção pro cliente, no sentido de ouvir a reclamação dele e levar pra uma instância superior e tentar resolver, isso é importantíssimo hoje, entendeu? Então, a experiência de compra envolve tudo isso, né? Envolve você ser bem atendido antes, durante e depois. E também construir essa imagem. Porque é o que você falou: às vezes, uma pessoa só, com um comentário muito forte, ela pode abalar todos os bons conceitos de dez clientes que tiveram, que ficaram satisfeitos com a compra. Então, tem que ter muito cuidado com as pessoas que querem... porque, às vezes, a pessoa reclama pra ajudar você, lojista, pra melhorar o seu atendimento, melhorar a sua venda. Então, hoje é muito importante estar antenado com isso, acompanhar as reclamações e os elogios também, dos clientes.
P1- Maravilha! Eu estou vendo aqui se a Daiana quer fazer uma pergunta.
P2- Sim. Eu estava esperando um momento. Porque você está falando tão bem, Paulo. Eu gostaria de perguntar, retomar um pouquinho na sua infância, que você me contasse, por gentileza, onde você passou a sua infância e como foi a sua infância? Se você brincou em sítio, em casa? Como que foi? Conta um pouco pra gente, por favor.
R- É, como eu disse, eu sou filho de lojista, né? Então, eu demorei pra conhecer o mar, né? Foi um período, de um começo da loja, que os meus pais trabalharam, que era muito difícil, né? A gente não viajava. Mas eu fui uma pessoa, como se diz, normal, né? Que brincava de bicicleta, que tinha as brincadeiras... eu tenho sessenta e um anos, né? Então, eu sou de uma geração que... muito diferente da geração atual dos meus filhos e provavelmente, se eu tiver netos, né, (risos) tenha essa diferença. Então, de criança, os meus pais já eram lojistas. Desde criança, como eu disse, eu frequentava a loja. O meu pai nunca criou dificuldade de eu querer ficar na loja, por simples curiosidade. Eu ficava lá, comia pipoca no pipoqueiro; sorvete, no sorveteiro. Eu não saía (risos) das coisas lá próximas à loja, né? Mas isso foi importante, né, foi importante porque eu cresci valorizando o trabalho dos meus pais. Eu percebi que o comércio trouxe toda essa formação pra mim. Eu também dei esse exemplo pros meus filhos. Eu concentrei tudo na formação, na educação dos dois, dos meus dois filhos. Então, o que eu aprendi com os meus pais, eu passei pra frente. Eu acho que isso é muito importante. Como eu disse, eu tive uma infância num período que as coisas eram muito diferentes. A escola pública tinha uma força muito grande. Havia professores de excelente qualidade nas escolas públicas. Eu só fui estudar em escola particular praticamente no cursinho, né, pra prestar vestibular. Então, houve uma mudança muito grande no sistema educacional. E eu tive uma infância, como eu disse, como a maioria das pessoas teve, né? O cinema, os brinquedos. Não havia internet, nessa época, né, nem sonhava com isso. Então, eram os brinquedos naturais que a gente fazia, né, que eram as reuniões de família, as festas importantes de final de ano, de encontros da família, os aniversários, sempre tivemos isso. Eu acho que a família é muito importante, né? Eu acho que o fato de você estar inserido numa família e participar das atividades da família é muito importante. Daí eu fui uma pessoa que sempre prezou a família e com esses valores eu cresci. E estou tentando passar isso pros filhos, agora.
P2- Legal. E a sua família é muito grande, Paulo? Como que é?
R- Não. Pelo contrário. Eu só tinha um irmão, que eu perdi faz cinco anos, por uma doença. E eu tenho dois filhos também. Os dois filhos estão praticamente pra casar, os dois. Idade já de vinte e sete e vinte e nove anos. Estão bem crescidinhos, já estão independentes, graças a Deus, dei essa formação que eu falei, que eu preguei ao longo de toda a minha vida e eles estão bem encaminhados. A professora fez mestrado na USP, estudou na USP, está numa escola muito boa, que é os Irmãos Maristas, né, a Ana Paula. E o meu filho também seguiu o meu caminho. Fez Engenharia em São Carlos, do mesmo jeito que eu fiz, na Universidade Federal de São Carlos. Está numa grande construtora. Começou como trainee e hoje já é coordenador de obras e de projetos. Trabalha, com vinte e sete anos, tem um cargo muito elevado, de muita responsabilidade. É um meninão ainda e que administra um monte de pessoas. Eu me surpreendo quando eu vejo isso. Pra mim, ele é sempre um menino, né? Então, é essa fase que a gente está vivendo agora, de ver os filhos independentes. Isso é muito gostoso.
P2- Bacana. É fruto de muito trabalho, no caso, seu e da sua esposa, né, Paulo?
R- Ahn? Como?
P2- É fruto de muito trabalho da sua parte.
R- Sim. Sim. É um fruto de um pensar igual, né? Nós dois nos dedicamos muito aos filhos, à formação deles. Desde o início, a gente concentrou todos os esforços no sentido de dar a melhor a educação pra eles, pra eles serem independentes. E a loja está aí, se precisar da loja, está aqui como uma alternativa, né? Mas eles têm uma excelente formação, estudaram em escolas excelentes. Eles estão indo muito bem, graças a Deus.
P2- Paulo, eu gostaria de perguntar sobre, no caso, né, o seu casamento. Você comentou que a sua mãe ajudou o seu pai, né, era sócia do seu pai na loja. A sua esposa trabalha com você também? Como é?
R- Acabou seguindo a mesma linha, né? Quando a Márcia ficou grávida, né, a minha esposa, ela era professora numa escola boa, que chama Vita et Pax, né? E foi um período que estava fechado muita sala de aula, tudo. Eu falei: “Márcia, vem trabalhar comigo” . E ela entrou na loja como uma funcionária normal, sabe? E, trabalhando junto, ela aprendeu a trabalhar. E isso foi muito importante pra mim, eu tinha segurança, sabe? Então, quando eu, meu pai e o meu irmão montamos uma segunda loja, a gente focou muito nessa outra loja, que era uma loja bem maior, que mexia com atacado por licitação. E eu deixei a Márcia na loja, nesse período, né? Então, ela aprendeu, mesmo sendo professora, ela aprendeu a virar uma lojista, meio que goela abaixo também, (risos) como a pandemia, né? Mas foi interessante pra ela, porque ela começou a ter uma outra profissão. E ela me ajudou demais, eu acho que o principal foi isso, né? Porque realmente, o lojista, hoje, ele é muito sobrecarregado. E a gente precisa ter o apoio da família nesse sentido, né? De, quando for necessário, a família ajudar. Afinal, nós estamos aí pra que a família inteira cresça como um todo, né? Então, são os ônus que a família tem quando é lojista, né? Quando precisa... mas a Márcia está satisfeita. Ela me ajuda muito. Nós estamos há trinta e três anos, casados. A gente casou numa idade boa, de vinte e nove anos, tal. Então, a gente está aí junto nesse período aí, construindo, ajudando a perpetuar a Jobel Armarinhos, que desde 1966 está na Duque de Caxias, 356. (risos)
P2- Eu gostaria de perguntar, já pegando o gancho, Paulo, conta, por gentileza, como foi que vocês se conheceram. Porque trinta e três anos é um tempo, hein? Como que foi? Conta, por favor.
R- É… é uma época bem, é uma época bem diferente da... Bom, não é muito diferente, não, né? A gente se conheceu nos barzinhos de Ribeirão, né? Ribeirão sempre teve vocação pros barzinhos da moda aí, que sempre abre um barzinho, vai todo mundo, por moda, frequenta aquele barzinho. A gente se conheceu num barzinho. Eu estava formando, ela também, né? Eu acho que foi questão de... é o que você falou, foi oportunidade, né? Eu estava numa idade que eu tinha que pensar já em estabilizar, ela também. E a gente começou a namorar. Namoramos três anos, ficamos noivos e casamos.
P1- Maravilha!
R- Uma coisa que eu esqueci de contar é o seguinte: quando eu formei, eu fui trabalhar no Bamerindus, em Curitiba. Alguns amigos tinham ido pra lá, né? Mas eu ficava com aquele negócio na cabeça: “Caramba”. Eu ia pra lá, conversava com os amigos, todo mundo querendo abrir um negócio. Era impressionante, né? Então, eu falava: “Poxa, eu tenho um negócio na minha mão. Eu posso crescer esse negócio, né? Então, pra que eu vou começar uma outra atividade, se eu tenho uma coisa que já está há mais de trinta anos no mercado, com um nome muito grande”, que a Jobel tinha. Então, foi isso que eu pensei. Então, eu resolvi abandonar o Bamerindus. Voltei pra Ribeirão, pra ficar na loja. O meu irmão era engenheiro civil, também pensava igual. Então, a gente montou uma segunda loja e a gente, então, encontrou esse caminho aí do comércio, entendeu? A gente viu os pais numa situação muito melhor do que a gente estava começando, né? Porque, quando você forma, você parte do zero, né? Você parte do zero. Então, a gente falou assim: “Poxa, por que vamos jogar fora uma coisa que todo mundo gostaria de ter, né?”. Então, a gente que fez certo, sabe? Eu acho que é difícil. A vida profissional tem as idas e vindas, como em todos os segmentos, né? Então, a gente também teve dificuldades, tem dificuldades. Mas quem não as tem, né? Quem não as tem? Então, eu acho que foi uma questão de oportunidade. E, realmente, filho de lojista, como eu falei, fica meio predestinado, né? Então, a gente sempre deixou a loja como uma alternativa. E eu corri rápido pra essa alternativa, né? Agora vamos ver os filhos, como é que vai ser o caminho.
P1- Ô Paulo, e você teve essa percepção, que foi mudando, assim, desse setor de aviamento, de finalização de costura, pra esse setor de artesanato, né? Como é que você foi percebendo isso, assim? Foi mudando o perfil da clientela? Porque assim, eu tenho milhares de amigas, milhares, não, mas umas dezenas de amigas, assim, que fazem mil coisas nas horas vagas, assim e tudo artesanato, né?
R- É, essa mudança... na verdade, sempre existiu. O armarinho, ele tem algumas vertentes. Tem o ramo da costura. Tem o ramo do artesanato. Tem o ramo pros lojistas menores, que compram da gente, pra revender. Tem as costureiras, como eu falei, né, costura. Trabalhos manuais e o artesanato. Trabalhos manuais também é muito forte, né? Então, o que eu percebi? Como a gente sempre trabalhou com todos esses canais aí, de alternativas do armarinhos, algumas foram diminuindo muito. Então, as costureiras foram diminuindo. Os alfaiates foram diminuindo. A gente percebeu. E as próprias fabricantes de linha foram lançando os produtos. Os tecidos, né, as lojas de tecidos começaram a nos procurar, porque fechou muita loja de tecido, então o armarinho era um canal de venda de tecido, né, sobretudo essa parte de patchwork, esses trabalhos aí. Então, houve uma tendência natural disso, a gente foi observando. Além das feiras, que eu participava também. Sempre participei de feiras. Eu acho importante você acompanhar o mercado, ver os fabricantes, o que eles estão enxergando, o que eles estão divulgando, o que eles estão incentivando, né? Eu sempre... eu ia por conta própria em feiras ligadas ao setor de aviamentos e de artesanato, entendeu? Então eu ia nas feiras em São Paulo. E acompanhei essas mudanças no perfil do consumidor. E aí eu também, a minha loja também foi mudando, né? Então, eu coloquei tinta de tecido, que eu não tinha. Tecido, como eu falei. No começo era só tecido pra bordar, só toalha pra bordar. Hoje não. É pra pintar, pra bordar, pro você costurar mesmo. Então, hoje você tem muitas opções, né, de alternativas. Além do que, é o que você falou: houve uma mudança de necessidade das pessoas terem uma fonte de renda, né? Então, é muito comum isso. A própria prefeitura, ela tem os centros de qualificação profissional, que ela dá, constantemente, cursos pras pessoas terem uma atividade de renda, seja através do artesanato, do bordado, da pintura, o trabalho artesanal como um todo. São vários outros ramos de artesanato que tem, né, não só ligado estritamente a armarinhos. Tem a parte de madeira, então, de aglomerados. Existem vários caminhos de artesanato, ele é muito rico. E está sempre em evidência, né? Uma coisa começa, uma moda de uma coisa, depois começa moda de outra. A gente teve um período do artesanato natalino, foi muito forte. Porque nós não tínhamos muita coisa importada. Então, no início dos anos noventa, quando começou a vir coisa importada pra cá, houve uma explosão de artesanato no setor de produtos natalinos. Mesmo nas decorações, utilizando reciclados. Ainda existe isso hoje, né? Houve uma mudança muito grande também nos enfeites natalinos, que é um setor também interessante. E todo ano, principalmente em Ribeirão Preto, nós das entidades sempre fortalecemos porque, realmente, o espírito de Natal e o enfeite de Natal mexe com as pessoas, né? Eu acho que é um período muito rico pro marketing poder trabalhar, estimular as pessoas a refletir, ser mais solidária, né? Então, a gente... você vê esse ano, mesmo com todas as dificuldades, a gente fez, o Sincovarp fez a decoração aqui da praça da catedral. Então, a gente tem a parceria com as entidades como o Sesc, que a gente participou no ano retrasado do concerto nas escadarias do Pedro II, as da catedral, da orquestra sinfônica. Então, as entidades estão sempre ligadas nas atividades culturais também, que estimulem, né, as pessoas, né? Porque a vida não é só dinheiro, né? Tem muito mais coisa pra viver, né? Então, é importante esse equilíbrio aí, né?
P1- É. Agora, assim, os fornecedores, como é que vocês... tem muito... antes, né... uns quinze, vinte... era muito importante a figura do viajante, do vendedor.
R- Sim. Isso mudou muito. Mudou muito. Hoje a gente tem... e está mudando muito. Tem muitas grandes empresas que estão colocando, você tirar pedido por conta própria, sabe? Você só liga pro vendedor pra saber desconto, pra ele conferir o seu pedido. Está havendo também uma digitalização nesse sentido de atendimento. O custo, hoje, do vendedor sair na rua, é muito elevado. Então, as pessoas só saem na certeza, né de que vai efetuar uma venda. Então, houve uma profissionalização muito grande. E a indústria também facilitou muito. Antigamente a gente não tinha grande facilidade de comprar da indústria, direto. E a indústria percebeu que ela tem muito mais segurança vendendo pra vários pequenos, do que vender pra um grande, que depois dá um tombo nela. Então, houve uma mudança, né, uma pulverização das vendas das indústrias. As indústrias também estão montando lojas próprias, né? Então, esse é um grande desafio, que as indústrias têm que ter, pra canalizar o seu distribuidor. Então, nós estamos passando por esse momento de mudanças muito grandes, né? E, como você disse: o vendedor, hoje, tem que ser um consultor.
P1- E é tão importante, que aí em Ribeirão tem a Sociedade União dos Viajantes. É isso?
R- É. Então, você vê? Isso é uma coisa muito antiga, né? Uma entidade muito antiga. E você vê como que mudou o perfil, né? Em São Carlos tinha a Associação dos Alfaiates. Pensa bem, um clube que era uma associação de alfaiates. Então, você percebe que está havendo uma mudança muito grande no perfil das profissões, né? Eu acredito que muitas profissões, não é que vão deixar de existir, elas vão deixar de existir da forma como são… como eram ontem, né? Hoje a profissão tem que se adaptar. Lógico que algumas coisas têm uma tendência de acabar, né, que a tecnologia substitui, o robô, a inteligência artificial vai substituir. Então, nisso precisa tomar muito cuidado. Mas, mesmo assim, o ser humano é sempre imprescindível, né? É imprescindível e a gente tem que estar antenado pra isso, né? Perceber que nada funciona sem a pessoa, né? Por melhor sistema que tenha, sempre vai ter falhas e você tem que recorrer. E a quem você vai recorrer? Não é à máquina. É a uma pessoa, né? Então, eu acho que a gente tem que ter em mente sempre isso, né? que o ser humano é sempre o centro das coisas. E é muito importante valorizar o funcionário, dar a capacitação pra ele. Não ter aquela consciência egoísta que antigamente o lojista tinha, de não querer formar um funcionário, que depois vai sair e vai trabalhar pra outro. Esse é um pensamento retrógrado que, graças a Deus, está diminuindo muito, né? Então, a gente tem percebido que é uma tendência natural. E incentiva as pessoas a se a capacitarem. Porque a dinâmica das coisas está muito grande, né? O que demorou vinte anos pra mudar, da fita cassete pro CD, a velocidade da tecnologia, da mídia, hoje... nem existe mais mídia, né? Hoje está na Youtube, você assiste a hora que você quer. Então, você percebe como a tecnologia está mudando muito. E o sentido de posse também, né? Eu observei, muito interessante: nos Estados Unidos, a pessoa não compra o carro, ela tipo: aluga o carro. Ela aluga. Já tem isso. Já tem empresa de automóveis que está licenciando, pra você utilizar o automóvel um certo tempo, depois você devolve e pega outro. Então… E o jovem tem muito essa... principalmente o jovem, está muito nítida essa mudança de valores pra ele. Ele não quer ter posse sobre aquilo. O pessoal mais velho sempre tinha aquela necessidade de ser dono da coisa, de comprar a coisa. Hoje não. É você utilizar as coisas. As coisas estão aí pra serem utilizadas, não tem sentido a posse. Então, o compartilhamento, a palavra compartilhar, hoje, é muito interessante, né? Você imaginava que o Uber fosse ser o que é? Ninguém imaginava, né, que o UberEats, que começou vendendo alimentos, hoje ele entrega de tudo, né? A pandemia fez com que as motos proliferassem. Hoje não tem nem como vender moto, não tem moto pra vender no Brasil, falta peça. Bicicleta está faltando. Então, nós estamos passando por um processo... a pandemia e essas mudanças trouxeram uma revolução que vai ser sentida nos próximos anos, sabe? Eu acho que nós estamos passando por um processo muito impactante, né? A pandemia é uma coisa mundial, deixou muita insegurança. Ainda tem muita insegurança. Mas, mesmo assim, está mudando as relações das coisas, os valores das coisas. As pessoas estão muito reflexivas, né, isso é importante. E as empresas têm também que fazer essa reflexão, né? Por isso que a empresa tem que se capacitar, participar de entidades e estar sempre atenta às tendências e às mudanças no mercado.
P1- Você tocou num assunto, assim, que a gente tem falado em todas as entrevistas, Paulo. Mas eu queria saber assim: no seu olhar, né, a gente está fazendo um ano de isolamento, né, agora em março, né? Então, eu queria, assim, que você recuperasse pra gente, assim, como é que foi a chegada dessas notícias em Ribeirão, pra questão do comércio? Como que que o comércio foi se estruturando com as normas de bio-segurança, abre, fecha? Como o comércio foi se organizando, em função da pandemia e com a ajuda do sindicato, também?
R- Olha, com certeza. A gente sabe que não acabou a pandemia, ainda. A gente sabe da inseguranças que a gente tem aí, pode ser que ocorra uma terceira onda. A gente não sabe como vai ser a eficácia das vacinas. A gente anseia para que as vacinas sejam colocadas à disposição, no mais curto tempo possível. Mas o que aconteceu lá atrás foi o seguinte: quando chegou março de 2020, que o prefeito viu que havia uma grande possibilidade da estrutura hospitalar, da saúde, poderia pôr em risco, né, as pessoas e não ser atendido, ele propôs um fechamento, na época, que nós achamos muito corajoso. Eu fui chamado pela prefeitura, pra participar desse processo. Isso foi muito importante: a gente se sentir incluído, né, na tomada de decisão. Foi uma decisão da prefeitura e dos órgãos da saúde. Eles estavam muito perplexos com o que estava ocorrendo no mundo e achavam que poderia chegar aqui numa velocidade muito grande, como foi, como de fato, chegou. Mas o que ocorreu foi o seguinte: o prefeito, assim que decretou as primeiras medidas restritivas e as primeiras campanhas de conscientização, percebeu que, se ele não contasse com as entidades, não ajudaria muito. Por quê? Era um problema, também, cultural das pessoas, né? Não é só em Ribeirão, não é só em São Paulo, não é só no Brasil, é no mundo inteiro. Então, o que eu vi essa semana, a Angela Merkel pedindo, implorando pro povo alemão, cada um fazer a sua parte, você imaginou que um dia você fosse ouvir uma coisa dessa? Então, esse trabalho nós fizemos ao longo de todo esse ano. A partir do momento que as entidades começaram a participar do chamado Grupo de Transição da Retomada, o prefeito achou que a retomada ia ser rápida. Criou um nome até de uma coisa, a gente achou que a pandemia...
P1- Todos nós achávamos, né?
R- ... que ia ser curto, né? A gente não tinha a dimensão de onde iria parar, né? Então, eu acho que houve, está havendo um aprendizado de todos nós. Eu acho que, assim como nós, lojistas, não tínhamos a expectativa de onde iria parar, os lojistas… os gestores da política não tinham, o setor da saúde, então, muito menos, né? E está sendo um aprendizado. Pra todos, em todos os níveis, em todos os locais do mundo. Então, as entidades fizeram a sua parte, no sentido de conscientização. O Sincovarp e a CDL fizeram campanha em todos os ônibus, com cartaz estimulando o uso de máscara, desde o início. A gente fez três ou quatro frases de campanha substituindo por novas frases, pra trocar dentro dos ônibus. A gente já bem sabia que era um canal da doença, que era o transporte coletivo. A gente percebeu que o governo municipal não tinha braço pra fiscalizar isso. As festas clandestinas que estavam havendo, que ainda existem, lamentavelmente, por mais campanha que você faça. Então, a comunicação tinha que ser no sentido de repetição, repetição, repetição. Então, isso nós fizemos ao longo desse ano. É um trabalho de formiga porque, realmente, depende de conscientização, de tomada de consciência das pessoas. Só quem teve muito próximo é que sentiu na pele e aí se sensibilizou. Muita gente duvidava, sabe? Isso foi muito ruim, né? Muito ruim. E o fato da doença, no início, atacar sobretudo oitenta e quatro por cento acima de sessenta anos, deixou, principalmente a população jovem, muito acomodada, né? Eles achavam que não ia chegar lá, não ia chegar neles, né? Então, já houve essa inversão que ainda está ocorrendo, né? Diminuiu pouco, ainda: cinco por cento da idade, que caiu. Mas pode chegar a mais, né? Então, a gente tem observado aí. Eu passei por uma experiência pessoal, recentemente. Eu e a minha esposa tivemos o Covid, graças a Deus numa quantidade de nível de vírus muito baixa. Então, eu consegui ficar quinze dias em casa, isolado, só tratando os sintomas. Nem tomei o precoce, que é muito polêmico, tem uns que falam que deve tomar, outros que não devem. Mas eu tomei, eu segui o que a Unimed me passou, o meu convênio me passou e eu consegui sair dessa numa boa. Tive a sorte de ter a carga viral baixa. Mas teve amigos meus que, com menos idade que eu, que estavam bem, de repente foram parar na UTI, que tiveram sequelas graves. Pessoas jovens, de quarenta anos, quarenta e cinco anos, que tiveram trombo nos pulmões, que chegou a afetar a membrana do coração, que hoje têm que ficar tomando anticoagulante. Então, essa doença é muito traiçoeira, né? E, infelizmente, mesmo o pessoal da saúde não tem muita segurança do que aonde vai chegar isso, ainda. Então, essa é a grande preocupação nossa. Passado um ano, igual você disse, Claudia, mas nós ainda não temos uma certa segurança até onde pode chegar, né? Então, convém a gente repetir, repetir e repetir todos os protocolos que a gente tem colocado ao longo de todo esse período. Mesmo a gente que já pegou, usar a máscara. Porque a gente não sabe: “Ah, a chance é pequena, de pegar”, mas pode pegar. E quem pega pela segunda vez, pode pegar numa situação muito mais grave.
P1- Porque tem as variantes, agora, né?
R- Exato. Exato. Tem o efeito memória no organismo, que deixa o anticorpo aparecer? Tem. Mas não é pra todo mundo que é igual. A gente percebe que cada pessoa que você conversa, que teve o Covid, teve sintomas completamente diferentes. Tem algumas coisas comuns, mas a minha mulher, por exemplo, ficou só resfriada, ela espirrava que nem uma doida, entendeu? (risos) E ficou muito resfriada. Eu não. Eu tive só um enjôo pra caramba e desarranjo intestinal. Cada um teve de uma forma.
P1- Os sintomas são diferentes, né?
R- O meu filho, que cuidou da gente, não pegou. Incrível isso, né? Ele viajou comigo de São Paulo até aqui. Não pegou. E a esposa dele, que nós ficamos lá meia hora pra almoçar com ele, pegou. Então… e é jovem, entendeu? Tem vinte e sete anos. Então, quer dizer, você vê que não existe um comportamento assim muito claro dessa doença. Então, nós temos que analisar que isso pode ocorrer com qualquer pessoa, em qualquer idade. Está diminuindo muito a faixa de idade. Eu acho que o único caminho é a vacina. Sempre foi assim. Porque quando a gente era criança, lembra que tinha que tomar o reforço da vacina? Então, a vacina é importante, né? Eu acho que as outras vacinas também serão tão importantes quanto. Eu acho que a vacina da gripe, também, nós temos que tê-la. Ontem eu vi o secretário da saúde falando que tem que ter quinze dias de distância entre a da covid e da gripe. E isso aí é um caminho que a gente tem que lutar, pra conseguir pra um maior número de pessoas possível, né? Agora, a pergunta inicial que você me fez, das entidades participarem, nós estamos participando ativamente. Nós temos o canal aberto com a promotoria. Nós nunca estivemos tão próximos dos shoppings centers. Porque a gente, como representante do varejo, no grupo de contingência, a gente foi obrigado a ouvir todos os segmentos, até segmentos que a gente não tinha muita proximidade, como o setor de cabeleireiro, né, as academias, sabe? A gente percebeu que o prefeito constituiu, num primeiro momento, um grupo de pessoas para ouvir. Então, ele pôs uma pessoa do agronegócio, pôs uma pessoa na área financeira do Banco, pôs do comércio, serviço, indústria. Só que o serviço, a pessoa… serviço é muito complexo, é muito amplo, né?
P1- É amplo né?
R- É amplo demais, né? Então, você tem serviços de vários tipos de serviços. Então, está sendo um aprendizado muito grande. E está sendo uma tomada de consciência muito grande, da gente estar participando. Está tendo um enriquecimento pessoal e profissional das entidades que estão participando do processo da pandemia, porque está acompanhando diariamente. A gente está sempre sendo ouvido, isso é muito importante. E os canais, como eu falei: com o Ministério Público, com os vereadores, com a Câmara Municipal, com o próprio prefeito, com os secretários do prefeito e com as outras entidades. Há uma aproximação com as outras entidades, pra perceber que todo mundo tem que trabalhar unido, tem que trabalhar junto. O próprio prefeito viu que só Ribeirão Preto, sozinha, também não resolve. As cidades todas em volta influenciam, impacta demais. Nós temos uma região rica, que tem um movimento, um pêndulo de ida e volta, todos os dias. Pessoas que vão e voltam, que moram nas cidades vizinhas. Então, você percebe? É muito complexo o assunto da pandemia. Muito. E a gente tem que ter muita serenidade nessa hora. Ficar tirando as calças e bater o pé, também não adianta. Ficar reclamando, não adianta. Fazer bravata, não adianta. O que precisa é você procurar soluções. E nós, das entidades, enxergamos isso. E a gente sempre se coloca à disposição do poder público, naquilo que for possível de conscientizar e fazer as pessoas seguirem uma só direção. Porque, se todo mundo quiser seguir a sua direção, também não dá certo.
P1- E o comércio se adaptou rapidamente, né, Paulo?
R- Sim. A gente teve a oportunidade de ajudar no drive thru, que é um caminho também, importante e alternativo, de venda. Aqui no Centro, sobretudo no calçadão, que as lojas ficaram fechadas, o drive thru, que nós organizamos aqui, o Sincovarp e a CDL, ajudou muito o comércio. Estimulou os lojistas dos bairros a colocarem em frente da sua loja, quando é área recuada, a fazer parcerias com estacionamentos, utilizar o drive thru. Então, o delivery é importante e o drive thru também. O Sincovarp ajudou, inclusive, na construção da lei. Nós fomos buscar na Fecomércio, uma cidade que tinha proposto a lei aqui em Ribeirão Preto. Convencemos o setor, o pessoal da saúde, que o drive thru não prejudicaria em nada, a pessoa ficaria dentro do veículo, a pessoa levaria até dentro do veículo, com toda a higienização. Então, graças a Deus, foi um trabalho que nós acreditamos desde o início. E a gente ajudou o prefeito, fomos a primeira cidade a regulamentar o drive thru. Essa semana eu tive uma informação que Sorocaba, depois de um ano, estão começando a fazer o que a gente faz aqui, pra você ter uma ideia.
P1- É uma lei, Paulo? O drive thru é uma lei?
R- É uma lei. Uma lei municipal que a gente conseguiu um projeto, encaminhou, deu prontinha pro prefeito Nogueira. Ele assustou quando ele viu aquilo na mão: “De onde apareceu isso?”. Eu falei: “Ó, está aqui ó. É o caminho que nós estamos achando”. Então, a gente foi muito feliz nisso. E a gente se sentiu realizado, no sentido de ter feito uma obra importante, pra ajudar a comunidade.
P1- Maravilha! E você falou uma coisa assim: que o digital, então, assim, extrapolou, né, com a pandemia, assim... Você falou que é um caminho, também.
R- Sim. O presencial ainda é o predominante. Isso aí vai demorar pra realizar, eu acho que... Mas o importante é que é uma alternativa. Eu sei que o setor de restaurante é muito difícil você equilibrar custos,né, somente com delivery e mesmo o drive thru, é muito complicado. Mas é um caminho paras pessoas, pelo menos, terem o mínimo, né? Alguns falam: “Ah, mas nem compensa”. Eu falo: “Pensa. Revê esse seu conceito, porque você parar é muito pior do que você pingar, né?”. Eu acho que pingar é importante, porque a gente sabe que são caminhos que são alternativos, né e que eles vão conviver. Inclusive, quem imaginava que o shopping ia deixar o drive thru lá, de forma permanente? Nem eles sabiam disso. Hoje está fechado, ele está usando o drive thru. Mas tenho certeza que, depois que ficar aberto, muita gente ainda vai ter reticência de entrar num lugar fechado, num ambiente fechado como um shopping, por mais controlado que seja, por mais asseado que seja.
P1- Ainda vai ter um lado psicológico ali a ser tratado, né?
R- Exato.
P1- De estar em público, de voltar a conviver, né? Uma coisa que… uma consequência a ser tratada ainda.
R- Então, esses caminhos alternativos digitais não são só alternativas. Hoje é exigência da empresa, pra sobreviver, ter esses caminhos também, alternativos, de venda, que não seja só presencial. É questão de sobrevivência, mesmo.
P1- Literalmente, né? (risos) Paulo, tem alguma coisa que a gente não conversou, que você gostaria de deixar registrado?
R- É, eu falei sobre o Varejo +, né, hoje é o projeto nosso que está um pouquinho atrasado, pela pandemia. Mas eu acho que eu falei bastante sobre ele.
P1- Quer falar um pouco mais do Varejo +?
R- O Varejo + tem o apoio do Sebrae São Paulo. A gente, desde o início, nós despertamos pra essa ideia lá em 2017, na primeira vez que eu e o André, que é o superintendente da CDL, foi junto pra Nova Iorque, lá na feira lá e percebemos que o marketplace era um caminho muito bom, alternativa pra alavancar as vendas, sobretudo do pequeno, que não tem possibilidade de ter uma pessoa própria pra montar o seu site. O custo pra montar o site é muito elevado, então ele precisa ser orientado, né? Então, essa parceria com o Sebrae está sendo muito importante. A gente tem lives constantemente. Tão importante, que as pessoas acompanham o trabalho que o Sincovarp e o CDL colocam nas suas páginas, nos seus sites, no Instagram, no Facebook. A gente tem comunicado, toda a mudança que há a gente orienta os lojistas. A gente tem a central do lojista, que a gente divulga, que cadastra no whatsapp, o lojista que queira saber das novidades. Então, isso é um trabalho que a gente realizou desde o início e está dado muito certo. Semanalmente, a gente recebe várias ligações de lojistas, tirando dúvidas. Você sabe que o brasileiro não gosta de ler, né? (risos) Então, esse é um trabalho que nós temos que fazer, de ouvir o lojista, de orientá-lo no sentido do que está escrito ali, de tirar essa dúvida. A gente tem uma central de atendimento que nós montamos aqui desde o início, a Sincovarp e CDL, através do 3625-6924, que é um telefone que a gente coloca à disposição do lojista. A semana inteira ele toca. E no período, então, que tem essas reclassificações, essas mudanças, chove ligações e chove mensagens de whatsapp. Então, a gente está se sentindo prestigiado pelos lojistas. Eu acho que a pandemia trouxe essa aproximação, como eu disse, com os shoppings, com os lojistas de forma geral. E a gente está se sentindo realizado por esse trabalho que a gente está fazendo de conscientização, de ajudar na construção de uma saída da pandemia, que a gente sabe que uma hora dessas vamos sair disso, vai passar.
P1- Vai passar né? (riso) Daiana, você quer fazer mais alguma pergunta, pra gente finalizar?
P2- Não. Não. Eu estou satisfeita.
P1- Está joia. Então, Paulo, a última pergunta pra gente finalizar, mesmo, né. A gente passou aqui quase duas horas, conversando sobre a sua trajetória no comércio, sobre a Jobel e todo o seu trabalho referente ao sindicato, né? E, assim, não é uma entrevista jornalística, é uma entrevista de vida. O que você achou, assim, dessa experiência de ter falado da tua trajetória pessoal, dentro da família, dentro da loja, dentro do sindicato? Qual é a importância dessa entrevista hoje, pro projeto Memórias do Comércio?
R- Ah, eu acho o projeto Memórias do Comércio fantástico, né? Eu acho que é o que você colocou, né? A gente tem uma história de vida pra contar, né? E quando você envolve a história de vida da pessoa, ela ganha uma outra conotação, né? Não é um simples trabalho jornalístico, é um trabalho mais completo, né? Então, eu me sinto muito lisonjeado de ter sido convidado pra participar desse projeto. É um momento de reflexão que todos nós estamos passando, né, a maioria das pessoas, seja a nível da empresa, seja a nível pessoal, de trajetória de vida, a pandemia trouxe essa reflexão na ordem do dia. Eu acho que, por coincidência, esse projeto já estava em andamento antes da pandemia. Eu acho que, Claudia, isso aí vai só valorizar ainda mais esse trabalho de vocês. Eu tenho certeza, quando for colocado esse trabalho à disposição da maioria das pessoas, as pessoas vão sentir prazer de ler, de ouvir, de acompanhar todo esse trabalho, essas histórias. E principalmente por esse período ‘rico’, entre aspas, né, porque a gente está num período crítico, né? Rico e crítico, né? São dois momentos difíceis da história da humanidade, né, pelo qual nós estamos passando. Nunca tivemos algo assim, de impacto mundial, que afetasse comportamento, negócio, saúde, perspectiva de vida. Realmente, nós estamos passando por um processo ímpar na história recente da humanidade. E eu tenho certeza que esse trabalho que vocês estão fazendo vai ser muito enriquecido, de ter atravessado esse processo aí e dando oportunidade da gente tentar expor aqui o que a gente prevê, né, com base no passado, prevê o futuro de dias melhores. Não é isso, Claudia?
P1- Perfeito. Eu também concordo que a gente está, assim, num momento privilegiado do projeto. A gente está fazendo a história do tempo presente. Eu fico emocionada com as tuas palavras. Estou muito emocionada.
R- Obrigado.
P1- Então, eu agradeço demais, viu, Paulo? Porque eu acho que é um momento único. E é um privilégio, de fato, a gente poder registrar essas histórias, inclusive trabalhando também, né? Mas é um momento único poder registrar essas trajetórias, né? De adaptação, de desafio, né? É um momento crítico, mas é um momento de aprendizado também, né? Pras gerações futuras, eu acho. Acho mesmo.
R- Sem dúvida. Sem dúvida.
P1- Então assim, em nome do Sesc, do Museu da Pessoa, agradeço demais a sua participação. Foi belíssima a sua entrevista. Eu agradeço muito, viu, Paulo?
R- Obrigado, Claudia. Eu sou uma pessoa que coloco muito, às vezes, o coração na ponta dos dedos. Então, às vezes eu fico preocupado. (risos) Porque a gente acaba se emocionando também. E a experiência de vida da gente pesa muito nesse momento, né?
P1- É.
R- Mas eu te agradeço, Claudia, pela sua sensibilidade, pela sua… pela reação, tá? Fiquei, também, muito contente. E obrigado Daiana pelas perguntas, tá? E a gente está aqui, à disposição de vocês, tá? O que precisar aí, está bom?
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