Retiro dos Artistas
Depoimento de Waldir da Cunha Pinheiro
Entrevistado por Rosana Miziara
São Paulo, 13/04/2016
Realização Museu da Pessoa
RDA_HV06_Waldir da Cunha Pinheiro
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Waldir, você pode falar o seu nome completo?
R – Waldir com W, I e R, da Cunha Pinheiro, sabe por quê que eu digo isso? Porque tem Waldir com Y e muita gente escreve com Y e eu gosto que escreva o meu nome certo, gente jovem é assim, mesmo, é chato. Por exemplo, a minha dentista falou para mim: “Engraçado, toda vez que você fala na sua filha, você fala Katia Rosana”. “Ué, tenho que falar, é o nome dela”. “Mas eu sou Sandra Sueli e ninguém me chama”. “Porque não acostumaram, mas eu não”, quando falo o nome da minha filha, Katia Rosana.
P/1 – Waldir, qual a data do seu nascimento?
R – Vinte e oito de novembro de 25. Eu fui registrado dia 28.
PAUSA
P/1 – Waldir, você pode repetir a data do seu nascimento?
R – Vinte e oito de novembro de 25.
P/1 – Em que cidade você nasceu?
R – Nasci em Niterói, São Gonçalo.
P/1 – E seus pais, seu pai e sua mãe nasceram onde?
R – Meu pai e minha mãe eu não sei, eu sei o nome deles, mas onde nasceram…
P/1 – Qual o nome deles?
R – Meu pai, Dionísio da Cunha Pinheiro Júnior.
P/1 – E sua mãe?
R – Eponina Rodrigues Pinheiro.
P/1 – E aí, quando você nasceu, você nasceu em Niterói, já?
R – Já.
P/1 – Quantos irmãos você tem?
R – Teve mais, mas eu conheci quatro. Era eu e um irmão mais velho e duas irmãs.
P/1 – As irmãs eram mais velhas, também?
R – Eram. Quem tomou conta de mim foi a minha irmã mais velha.
P/1 – E você morou quanto tempo nessa casa em Niterói?
R – Eu morei lá em Niterói até uns 16 anos, depois vim para o Rio, né?
P/1 – Seu pai fazia o quê?
R – Meu pai trabalhava no __00:02:58__ brasileiro.
P/1 – O quê que ele fazia?
R – Ele era caldeirão… uma coisa assim.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe era doméstica.
P/1 – Você tem lembranças da sua mãe?
R – Não, não posso ter lembrança, porque… a única lembrança que eu tenho que ela tava em cima da mesa, no dia que eu fiz quatro anos, né, eu tava brincando embaixo da mesa, rodando para lá, rodando para cá, essa é a única coisa que eu guardei, mas de fisionomia, não tem retrato da minha mãe.
P/1 – Mas você lembra dessa imagem dela morta, que você disse que ela tava em cima da mesa?
R – Isso eu lembro. Eu criança, né, embaixo da mesa para cá e para lá, né? Isso é o que eu me lembro, mais nada. Não tenho retrato, nunca sonhei com ela, até uns 50 anos, sofri muito, né, mãe faz muita falta. Então, uma vez eu entrei no ônibus e eu não tenho nada com isso, né, aí eu vi uma senhora, a netinha querendo beijar ela, ela empurrando e querendo fazer carinho nela, ela empurrando, eu não aguentei. Aí eu levantei e disse para ela assim: “A senhora me desculpe, eu não tenho nada com isso, eu querendo tanto e a senhora jogando fora”. É tão bom ter um carinho, né? Quem não gosta de um carinho?
P/1 – Aí você foi criado por quem? Pelo seu pai?
R – Não. Eu fui criado pela minha irmã mais velha.
P/1 – E seu pai? Ele saiu de casa?
R – Meu pai sempre teve a vida dele, nos procurava uma vez no ano, né? Mas depois que ele ficou idoso, ajudou todos nós, não foi extravagante, não. Só que ele arrumava lá a vida dele, não contava para nós. Teve uma ocasião em que eu e as minhas duas irmãs viemos no Rio procurar onde ele morava, ele morava na rua Barão São Felix, era uma avenida de dez quartos e ele morava no quarto dez e nós passamos o dia todo na porta dele sem saber, procurando por ele, mas nós não achamos.
P/1 – E vocês ficaram morando na casa que vocês moravam e a sua irmã…
R – Não, era casa alugada.
P/1 – Mas essa sua irmã tinha quantos anos?
R – Daí pra cá, depois que a minha mãe morreu, infelizmente, cada um foi para um lugar, foi para casa de um, para casa de outro, né?
P/1 – E você foi para onde?
R – Aí, não dava bem, aí trocava, ia para casa de outro parente, sempre parente, né, mas graças a Deus, não é que… eu não sou vaidoso em dizer que eu era comportado, foi por Deus, né, que eu não dei para coisa ruim, porque no meu tempo, se obedecia, né, e eu sentia que eu tava na casa dos outros…
P/1 – Você foi para a casa de quem?
R – Eu fui para a casa de um tio meu.
P/1 – Como é o nome dele?
R – Era Juca.
P/1 – Você ficou quanto tempo lá?
R – Primeiro, eu estava com a minha avó. Até uns sete anos, eu estava com a minha avó e a minha avó era maravilhosa também. A minha avó morava numa suíte que tinha uma escada para o lado de fora e um dia, ela tropeçou, caiu lá embaixo e quebrou o braço. Aí, fui para a casa do meu tio, esse tio Juca e ela me levou, né, só que já que vocês querem saber de tudo, né, sabe vó como é que é, né, então, até uns sete anos, quando eu estava com a minha avó, eu fazia xixi na cama. Aí eu fui para a casa da minha tia, aí quando eu fiz xixi na cama, foi aquele escândalo, nunca apanhei até hoje, né, nunca bati e nunca apanhei, ajudei a criar dois sobrinhos, criei minha filha sem dar um peteleco, também não gosto de ver ninguém apanhar.
P/1 – Mas você apanhou na casa do seu tio?
R – Não, eu nunca apanhei. Minhas irmãs… minha tia, ele que era o tio, né, mas a mulher sempre é a dona da casa, né, ela dava nas minhas irmãs, ela não dava, ela espancava, ela dava no rosto das minhas irmãs de tamanco e eu via aquilo tudo, tinha pavor. Se ela me ameaçasse, eu já saía me pingando de medo de ver as minhas irmãs apanharem. Eu não, nunca apanhei. Mas mesmo assim…
P/1 – E essa irmã que tomou conta de você morava também com esse seu tio?
R – Morava, nós três. Aí um dia, meu pai foi lá em casa e aí, eu já tinha 12 anos. Aí, o meu pai foi lá em casa: “Vamos lá fora que eu quero conversar com vocês. Eu tô sabendo que vocês aqui não vão indo bem, que vocês apanham”, eu disse: “Eu não, não vou mentir. Minhas irmãs que apanham, minhas irmãs não apanham, elas são espancadas”, a caçula então, fazia um escândalo que vinha todo mundo da rua assistir o espetáculo. A mais velha, não. A mais velha não corria de nada. “Vira para cá”, ela virava. “Vira para o outo lado”, ela virava. “Vira a traseira”, ela virava. Não precisava segurar ela. Depois, ela ia procurar um canto, me lembro como se fosse hoje, para chorar, botar as mágoas para fora. Eu via tudo isso, né? Eu sofria com isso…
P/1 – Vocês brincavam?
R – Eu brincava muito, cuidar de cabrito, cuidar de porco, levar cabrito no pasto. Aí teve um dia que eu levei a cabrita no pasto e a cabrita me arrastou, eu fiquei com tanta raiva, ela me arrastando, olha aqui, foi ela. Aí, até que eu encontrei um toco, estancou, né, quando estancou, fiquei com tanta raiva, fui no queixo dela e puxei o queixo dela, mordia e dava tapa, eu mordia e dava tapa e a minha tia vendo, era no morro, né? A gente faz muita bobagem quando é criança, né? Porque muita gente não sabe que eu já fui criança, que eu já mamei, que eu já engatinhei, só pensa que são só eles. Não precisa dizer, né, que eu já… aí muita gente diz: “Eu faço isso, eu faço aquilo…”, eu também já fiz, agora eu quero ver ter 90 anos e fazer tudo isso. Mas eu faço, ando sozinho, vou na Penha, só mais de dois anos que eu não vou a Niterói, porque aí eu já acho muito longe, eu já tenho um pouco de receio, não ando na beira da calçada, porque eu fico pensando, pode me dar um treco e eu cair para fora da rua, o carro vem e me pega, né? Eu podendo subir inteiro, né, eu vim inteiro, por quê que eu vou despedaçado? Então, eu tenho esse cuidado (risos).
P/1 – Waldir, com quantos anos você entrou na escola?
R – Eu entrei na escola já tarde. Aprendi pouco, não tenho vergonha em dizer, não, aprendi pouco, porque agora, há pouco tempo que eu vim saber o porquê que eu não aprendi, porque até hoje, ninguém gostava de me ensinar, porque me ensinavam uma sílaba 50 vezes, depois me perguntavam e eu não sabia responder, mas me perguntavam gritando, eu tô enfartado de grito, falou em grito comigo, quem sai gritando sou eu por causa disso, eu não gosto de grito. Então, quando falavam qualquer coisa comigo, assim, há pouco tempo, eu vi na televisão dizendo que… porque quando eu era garoto, jovem, quando estava com a minha avó, eu tinha “xaqueca” todo dia.
P/1 – O quê que é “xaqueca”?
R – “Xaqueca” é dor de cabeça e vômito.
P/1 – Ah, enxaqueca.
R – E já tava preparado o chá de laranja da terra, botava pedra de carvão no coisa, sacudia, eu todo dia, eu tinha uma “xaqueca” todo dia. E há pouco tempo que eu ouvi dizer que tinha que ir no médico, fazer exame de cabeça, eu nunca fiz, porque naquele tempo, depois um tempo na casa de um, um tempo na casa de outro, né, como eu tava contando, que o meu pai…
P/1 – Mas na casa da sua tia não te colocaram para estudar?
R – Botaram, mas já me botaram tarde, né, e eu era muito ruim para aprender, porque hoje eu tô sabendo que naquela época que eu tinha “xaqueca”, eu tinha que ir no médico, né, então naquela época, me botaram para estudar e eu não dei sorte, até… eu estudei primeiro e segundo. No terceiro ano, uma professora que até era tia de uma amiga minha e ela era nova, muito vaidosa, né, e como eu quase era muito rude para aprender, ela, então, me largou de mão, três anos, três anos eu vinha com caderno e voltava empurrado. Eu não contava nada em casa com medo da minha tia brigar, né? Fui aguentando isso os três anos. Só quando ela saiu, então só estudei praticamente os dois anos.
P/1 – Por quê que você parou?
R – Porque aí, lá em casa, eu preferia, por exemplo, minha tia ia dizer assim: “Hoje eu não tô com vontade de ir à aula”. “Então, não vai”, aí tinha coisas para plantar na roça, né, tinha cabrito, porco pra eu cuidar, aí ia buscar nas quitandas, resto de legumes que botavam no lixo, tudo, para os porcos. Então, a vida foi assim, né? Mas eu não acabei de contar o caso do meu pai, que o meu pai me chamou: “Eu tô sabendo que vocês não estão bem aí na casa do meu irmão, vocês não contam nada, eu vou tirar vocês daqui”, eu tinha 12 anos. Aí, eu disse assim: “Por que o senhor vai casar? Vai dar casa pra nós?” “Não, eu vou botar vocês na casa de um amigo meu”, eu disse: “Nós não vamos, porque se nós estamos na casa do seu irmão que é nosso tio, nós não estamos bem, seu amigo vai tratar melhor a gente? Não acredito. Nós não vamos”, e eu e minhas irmãs me apoiaram, sempre elas me apoiavam, eu era o caçula, apoiavam sempre. Depois, eu fui o procurador do meu pai, que o meu pai, eu tô com 90 anos, ainda assino, mas meu pai com 78 anos era um caco, porque o meu pai sempre morou sozinho, morava na rua Barão São Felix, lá, enchia d’água até aqui. De manhã, ele saía dentro daquela água para ir trabalhar, então, o meu pai sofreu muito.
P/1 – Aí, vocês não foram morar no amigo do seu pai, vocês ficaram… até que idade, você ficou nessa sua tia?
R – Fiquei na casa da minha tia até uns 16 anos, por aí assim.
P/1 – E você trabalhava, o quê que tinha lá? Era tipo assim, um sítio?
R – Lá na casa da minha tia era um terreno muito grande, então, tinha de tudo, né? Aí, minha irmã casou, nós nunca… ela nunca… não acostumava aqui no Rio, aí, queria que eu passasse lá uma semana com ela para ver se ela acostumava, né? E depois, casou com um soldado da polícia, né, e ele foi morar na casa da mãe, né, a mãe dele e a mãe dele não era fácil. Pintava com a minha irmã, a salvação dela era eu. Enquanto discutia, falava, minha irmã era a escrava das filhas dela, fazia comida para todo mundo, lavava roupa, essa coisa toda, né? Aí, um dia, eu estava em casa e ela avançou para a minha irmã com ferro elétrico…
P/1 – Quem? A sogra?
R – A sogra. Aí, eu tinha 16 anos, eu disse: “Essa não. Essa não, enquanto a senhora bate boca, xinga a minha irmã, tá tudo bem, mas avançar na minha irmã, alto lá, não, senhora”. Tomei providência, né, não podia deixar. Eu tenho uma coisa de bom, todo lugar que eu tô, eu não sou assim, mal tratado, todo mundo gosta de mim. Minha tia me ameaçava, né? Um dia, eu vim no Rio visitar a minha irmã, ela morava em Cavalcante, na rua Laurindo Filho, de tanto eu vim visitar ela, eu aprendi o caminho, né, só que eu contava as estações que o trem parava. Parou quatro, cinco vezes, é aqui, eu saltava, pegava um ônibus e ia para lá, porque a gente de tanto vai e vem, a gente aprende, né? Mas ela gostava de mim, mas se eu não tô lá… minhas irmãs acham que… não é por serem minhas irmãs, não, elas achavam que eu não merecia, porque teve uma ocasião que… porque naquele tempo, tinha batalha, quando chegava perto do carnaval, tinha batalha num bar, no outro dia, tinha batalha no outro, e tinha uma igreja lá, não sei o nome da igreja, não me lembro e tinha a quermesse e nós fomos, eu e as minhas duas irmãs e a mais velha arrumou um namorado. Eu tava junto, não achei aquilo nada demais, ué, uma moça tem que namorar, eu tava junto, qual é o problema? Mas o meu tio, o meu irmão mais velho, linguarudo, chegou em casa e contou. Aí, quando a minha tia levantou, fez um escarcéu e me ameaçou, quando me ameaçou, eu via as minhas irmãs apanharem, né, aí eu estava apavorado, entrei debaixo da mesa, comecei a fazer xixi, que deve estar correndo até hoje, de medo, só de ver as minhas irmãs apanhar, né, eu não apanhei, só me ameaçou. Porque eu sou autêntico, até hoje, eu sou assim, não vou dizer uma coisa que não aconteceu, né, porque ela morreu, agora eu vou difamar, porque ela era ruim para as minhas irmãs. Era para as minhas irmãs, para mim, não, tanto é que a minha irmã mais velha, engraçado, né, Deus faz as coisas de… a minha irmã mais velha se dava muito bem comigo, que nós éramos calmos, compreensivos, sabíamos que estávamos na casa dos outros, mas o meu irmão mais velho com a outra do meio não queriam saber disso, queriam ter o mesmo direito que a minha tia dava a um filho dela.
P/1 – Ela tinha um filho?
R – Ela tinha um filho e criou 14, então, tudo era para o filho. Eu achava natural, com 12 anos, eu achava natural, era filho dela.
P/1 – Mas esses 14, quem… catorze filhos, ela criou?
R – Não, criou 14 pessoas.
P/1 – Catorze pessoas e tinha um filho?
R – Só tinha um dela.
P/1 – Dela.
R – Mas criou catorze.
P/1 – Mas aí, era você, mais três irmãos e quem eram os outros?
R – Ah, os outros eu não me lembro.
P/1 – E vocês foram criados juntos?
R – Fomos. Foram casando, foram saindo, outro saiu, tal. Aí, ficou só nós três, as minhas duas irmãs e eu, porque tem pessoas que dá para sair de casa, não quer se sujeitar, eu não, eu sempre me sujeitei, sempre eu compreendia que tava na casa dos outros, então, o filho dela é meu padrinho e eu compreendia que era filho dela. Quem não faz pelo filho? Então, minha filha mora no 18º andar, eu não suporto altura, a minha filha diz: “Pai, o senhor não está se dando… se não se der bem aqui, vai morar comigo”, eu digo: “Aí, minha filha, não dá”. Então, quando eu digo a minha filha que eu vou lá, ela fecha as cortinas todas para eu não olhar para fora, porque eu não suporto altura, né?
P/1 – Mas você trabalhava ajudando nessa casa…
R – É, trabalhava ajudando, trabalhei muito. Desde jovem, com sete anos, eu já acordava quatro horas da manhã para ir na padaria buscar pão para o meu tio tomar café antes dele sair, aí já não dormia mais, né? Aí, quando chegava cinco horas, seis horas, porque a janta lá em casa era quatro horas, almoço às onze, a janta às quatro horas. Então, às seis horas eu já tava com sono, acordava cedo, né? E minha tia achava que era muito cedo para eu dormir, então, eu ficava na sala, que naquele tempo, era uma sala grande, um arco assim, dividido, uma sala de jantar e uma sala de visita. Então, eu passei a ficar lá… tem coisas que eu tô falando por causa da idade, né, foge num momento, mas a vida é assim. A gente, graças a Deus, Deus me ajudou, que eu podia dar para coisa ruim, né?
P/1 – Aí, com 16 anos, você saiu por quê?
R – Com 16 anos, eu acompanhei a minha irmã, porque a minha irmã não se deu muito bem aqui no Rio, né, então, eu vim passar uma semana com ela. Aí, minha tia disse: “Aquele safado foi para o Rio, tô sabendo que ele não vai voltar mais, mas quando ele voltar, eu vou sentar o cacete nele”, aí eu com medo, não voltei mais, eu tinha medo, não tô acostumado a apanhar, eu tô com 90 anos e nunca apanhei, nunca bati e nunca fui de ir na escola e brigar, sair brigando, só uma vez que eu tinha um coleguinha de escola, todo mundo, acho que todo mundo tem uns que se combinam mais, né, e o Juarez se dava muito bem comigo e a minha escola era no meio do terreiro e uma parte para frente, uma parte para trás, geralmente, que eu não levava merenda. Eu era garoto, mas graças a Deus, nunca fui esfomeado de ver uma pessoa estar com um sanduíche, um vem tira um pedaço, outro vem… eu não, eu me separava, ficava lá nos fundos, fingindo que tava catando borboleta e esse menino se dava muito bem comigo, sentava junto, conversava muito. Naturalmente, ele contava em casa, né, aí ele ia lá nos fundos e dizia assim: “Ué, você não brinca com a gente, não? Por quê?” “Brinco, mas como a minha merenda é uma merenda simples, eu não gosto de comer na vista de vocês, eu venho comer aqui, aqui eu fico e depois eu vou para lá brincar com vocês”, mas eu não ia, não. Aí, naturalmente, ele disse em casa e, aí, a mãe dele passou a mandar merenda para mim e para ele, né? Naturalmente, toda mãe deve ser assim, queria saber quem era eu, se era verdade ou não, então um dia, ele combinou comigo: “Minha mãe quer te conhecer, como é caminho nosso, nós passamos lá em casa, minha mãe vai fazer um lanche para nós e você passa lá em casa, minha mãe quer te conhecer”, aí eu disse: “Eu não posso fazer isso, não, porque minha tia cospe no chão. Se eu chegar em casa o cuspe já estiver seco, ela não me bate, mas me xinga, fala muita bobagem, é o mesmo que bater”, aí depois criança sempre dá um jeito, né, aí eu disse assim: “Espera aí, vamos fazer o seguinte, quando nós sairmos no portão, vamos correndo até a sua casa, de lá, eu faço lanche com vocês e vou embora”, assim fizemos. Saímos correndo, correndo, chegamos lá, tinha uma mesa boa com Mandiopan, me lembro como se fosse hoje. E a mãe dele gostou de mim: “Você é um menino educado, sem mãe e é educado, vive com os outros, com parentes”… (choro/emoção) engraçado, eu não choro. Hoje vocês estão puxando pela minha emoção, estou me emocionando, não choro. Minha irmã morreu, se eu enchesse um balde de lágrima ainda era pouco, eu não chorei, hoje vocês estão me comovendo, puxando o meu passado, porque todo mundo pensa: ‘o senhor tá bem’, mas não sabe o que eu passei, né, ninguém sabe. A vida é assim, eu sempre compreendia, tudo o que me diziam, eu aceitava. Aí, como eu estava contando…
P/1 – Aí, você veio para a sua irmã.
R – Minha irmã, mas antes disso, eu não acabei de contar. Quando era seis horas, eu já queria dormir, minha tia achava que era cedo, então eu ficava na sala, aí botava a cabeça assim, na mesa, quando minha irmã via, às nove horas da noite, eu com 12 anos, me carregava no colo e me levava para cama (choro/emoção). Essas lembranças que eu tenho que tá me comovendo, nunca fiz isso, nunca chorei. Vocês estão fazendo eu chorar, mas dizem que chorar é bom, né? A vida é assim. A vida é assim e, graças a Deus, eu nunca conspirei contra Deus, eu nunca (choro/emoção) achei que era certo, mas eu compreendia, né? Não respondia. Então, minha tia tinha uma neta que mora em Natal, gosta muito de mim, eu com 12 anos e a menina chorava muito à noite e a minha tia, a casa era grande, tinham três quartos, o quarto da frente e ela de lá, gritava para mim, ela me chamava… botava apelido “Gato frito”, me chamava de gato frito: “Não tá vendo a criança chorar?”, mas eu não entendia que não era para mim, aquele grito, aquela coisa não era para mim, ela tava revoltada da menina estar chorando, tanto o filho, quanto a nora não estavam ligando. Aí, eu tinha que levantar, que eu dormia na sala, no chão, na cera, aí eu levantava, ia lá no quarto deles, apanhava a menina, aí, hoje não se usa mais coero, né, eu nem sei se tem mais o óleo, né, porque lá em casa não tinha luz, então, eu passava o óleo na mão, botava na lamparina, passava o umbiguinho dela, amarrava com o coero, né, ajeitava a barriguinha dela, rodava na mesa, duas horas da madrugada, quando ela dormia, eu botava para lá, né? (choro/emoção) Vocês… pra quê? Vocês querem saber de tudo, né? Mesmo assim, nós não… nem eu e nem a minha irmã mais velha não ficamos com raiva dela, não. Quando ela morava com a neta, a neta se formou em bacharel, sei lá e, aí, quando faltavam uns 20 dias para ela morrer, eu e a minha irmã mais velha, a outra não, a outra era vingativa, fomos visitar ela. E a minha irmã mais velha ficou conversando com a minha prima e eu entrei no quarto, deitei do lado assim, botei a cabeça no colo dela e ala ficou me dando cafuné, alisando e eu contando certos casos para ela, né, então, eu tava contando para ela: “Pois é, eu ainda uso o que a senhora me ensinou. Então, a senhora diz que quando a gente fosse comer na casa de alguém, o que botar no prato, tem que comer…” “Se botar no prato, coma, na casa dos outros não se recusa nada”. E eu fui almoçar na casa de um colega meu que morava perto de casa, morava em Nova Iguaçu e nós fomos passar o dia lá e eu não gosto de jiló e lá em casa também era assim, o prato de domingo, o primeiro prato é sopa, sopa de entulho, não é sopa de água, não, sopa de entulho, que leva tudo, né? Aí, ela botou sopa para todo mundo, botou para mim também, eu gosto muito de sopa, não tenho fome, diz que é sopa, a fome aparece. Aí, quando eu acabei de comer, ela bota a mão na cabeça: “O senhor me desculpe, eu deixei de… não botei jiló para você”, aí ela botou quatro jilós grandão no meu prato. Eu não gosto, né, eu amassei o jiló: “Vou botar mais, gostou do jiló?” “Não precisa mais não”. “Não…” “Não, tá bom, eu já estou satisfeito”, ainda queria botar mais. Aí, a minha tia falou assim: “Ué, você comeu? Você não gosta de jiló”. “Não foi assim que a senhora me ensinou? Na casa dos outros, tudo que bota tem que comer? Eu comi, ué”, que o meu café é melado, doce, melado, já tomei café sem açúcar, porque me deram café sem açúcar, quando bebi o último gole, empurrando, bebendo café sem açúcar: “Aí, desculpa, não botei açúcar no seu café”. “A senhora adivinhou, eu não boto açúcar, tomo mesmo, sem açúcar”. Minha tia me ensinou assim, né? E eu acho que, pelo menos, eu gostei da educação que eu recebi, eu gostei. Então, falei assim para ela: “A senhora não me ensinou assim?”, aí ela disse: “Não, mas você agora, já é adulto, vive a sua cabeça, amanhã você casa, vai viver a sua vida”. “Mas eu gostei do que a senhora me ensinou, eu uso até hoje”. Então, quando eu casei, eu gostava muito de arrumar a mesa. Então, no meu tempo de garoto, o que ia para a mesa primeiro era um prato com pão, água e vinho, eu levava o prato para a mesa, me acostumei assim. Depois com o tempo, a minha ex falou: “Você precisa saber que a nossa vida agora é outra, nós estamos num outro clima, temos que entrar no tempo de hoje”, aí eu não fiz mais.
P/1 – Vamos voltar? Aí, você mudou para a casa da sua irmã com 16 anos?
R – É. Porque eu fui fazer… fui ficar com ela, mas a minha tia disse que eu não ia voltar mais, que ia me sentar o pau, aí eu fiquei com medo, não voltei mais.
P/1 – E lá, você começou a trabalhar? O quê que você fazia?
R – Não, levei uns quatro anos sem trabalhar.
P/1 – Você fazia o que lá na sua irmã?
R – Fazia nada, ficava com ela. Aí, a sogra dela lavava roupa para fora, me pegava para ajudar, ia comigo, aí pedia para eu fazer galinheiro, nós tinha galinha, então, comigo, ela me tratava bem e também, eu não ia… eu sabia que lá também não era a minha casa, né?
P/1 – Você passeava? Você costumava passear? Como é que foi a sua juventude?
R – Trabalhando, só trabalhei. Minha bola de gude, minha bola de borracha era trabalho. Quatro horas da manhã, eu já ia buscar o pão para o meu tio, aí já começava a cuidar de bicho…
P/1 – Não, mas na época que você tava com a sua irmã?
R – Com a minha irmã, eu não fazia nada, né?
P/1 – Mas você passeava?
R – Não, ela não saía para passear, não. Fui passear depois de adulto, porque eu sempre morei sozinho depois que fiquei adulto, né? E depois que eu fiquei adulto, aí eu comecei, porque minha ex-senhoria, eu morei lá 14 anos, era prima da minha ex-esposa, então, todo lugar que ela ia, tinha carro, fazia questão de eu ir também, nesse ponto, eu sempre dei sorte…
P/1 – Mas aí na sua irmã, você ficou quatro anos e você ficava ajudando ela, a sogra dela?
R – É.
P/1 – E depois?
R – Depois, eu fui trabalhar na fábrica de ___00:40:00___, depois…
P/1 – Você faia o que lá? Foi o primeiro trabalho que você teve assim, fora?
R – É, o primeiro. Na seção de dobração.
TROCA DE BATERIA
P/1 – Aí, você foi trabalhar na fábrica…
R – É, mas, lá, eu já era rapazinho e como estava na época de guerra, que ia muita gente para fora, eu não sei por que, aqueles que ia já fazer idade, eles dispensaram, né? Aí, eu fiquei dez meses sem trabalhar e procurando emprego, né? Aí, lá no centro da cidade, na rua Maria de Barros, nos fundos do teatro, tinha uns ônibus e eu tava na fila do ônibus, chorando minhas mágoas, né, quando uma senhora que tava na fila disse assim para mim: “Você quer mesmo trabalhar? Em quê?” “Ganhar dinheiro, eu quero trabalhar em qualquer coisa”. “Mas você topa qualquer coisa?” “Eu topo. Eu quero é ganhar dinheiro, não me falta, não, porque no meu pai me dá, mas eu quero ter o meu dinheiro. Acostumar a trabalhar”, aí a moça que tava atrás dessa que tava conversando comigo, estava ouvindo a moça conversando comigo, aí ela disse: “Eu vou arrumar um lugar para você trabalhar”, veio o ônibus, essa foi no ônibus, porque ela não tinha lugar para ela sentar, ela foi no outro e a que ficou, ficou conversando comigo: “Essa senhora, eu conheço, ela não vai arrumar nada para você, tá te iludindo, você quer mesmo trabalhar?”, eu disse: “Quero”. Aí, ela fez um bilhetinho e me mandou para o Teatro Municipal. Vou para o Teatro Municipal, ele era dono dos bares dos Teatro Municipal, no quinto andar. Eu comecei assim, daí pra cá, o pessoal foi vendo, aí que eu me encaixei no teatro.
P/1 – Mas aí, você pegou o bilhete…
R – É, peguei o bilhete, fui lá, aí, o marido dela, escreveu outro bilhete e me mandou para o João Caetano: “Vai lá no João Caetano, falar com o seu fulano”, nos teatros, independente disso, ele tinha bombonieres. Aí, quando eu cheguei lá no João Caetano: “Não tem vaga, não. Ainda ontem, eu já botei uma pessoa para trabalhar”, aí eu voltava para lá: “Disse que não tem mais vaga”. “Então, vai lá no Recreio”, fazia outro bilhete, eu fui lá no Recreio: “Não tem vaga. Admiro o seu Vicente mandar você aqui, ele sabe que não tem vaga”, e assim foi, mandou para várias e voltava lá, não tinha. Porque, quando era criança, muita gente não fazia fé em mim, achava que eu não era de nada, eu era muito franzino, então ninguém fazia fé em mim. Então, ele disse assim, combinou com o irmão dele que era da contabilidade e ele era quem comprava as coisas, resolvia, ele era o chefe, era o dono e só trabalhava toda a família.
P/1 – Ele quem? O marido dessa…
R – Dessa senhora que me mandou para lá. Ele trabalhava lá, era tudo família dele, era cunhado, era irmãos, era primos, sobrinhos, tudo! E ficou comigo, né, ficou com pena de mim, como quem diz: “Foi minha senhora que mandou, fica ruim eu não ficar…”, eu calculo isso, ficou comigo, né? E eu lavei os bares, lavei tudo, notei que eles gostaram. Aí, foi indo e o pessoal do teatro ficaram observando o meu modo de trabalhar, eu não faltava, eu não mexia em nada, eu chegava lá, eu que abria o bar, eu tinha a chave, ele deixou… imagina, eu novo, trabalhando com ele, novo, já deixou a chave comigo, apanhava a chave na portaria, passava o dia todo lá nos bares, fazendo as coisas, né? Um deles ficava me observando, meu modo, que eu não faltava, aí um dia, perguntou pra mim: “Nós do teatro, precisamos de uma pessoa igual a você, você é muito responsável, apesar de ser jovem, é muito responsável, você não falta, você fica aqui sozinho, seus patrões não vêm aí e você trabalha o dia todo, não para, não fica aí de conversa com a gente, nós precisamos de uma pessoa assim. Você não quer ser funcionário do teatro?”, eu disse: “Ah, eu quero”, quem não queria, né? Aí, me arrumou. Aí, já eu tava em casa, aí já tinha saído a minha… eu duvidei, achei que ele falou aquilo por falar, mas ele agiu e aí, já passava dez dias que tinha saído a minha nomeação e eu não sabia, eu tinha que me apresentar dentro de 20 dias, já passavam dez e uma funcionária foi descobrir onde eu morava, foi lá na minha casa em Cavalcanti dizer que saiu a minha nomeação e tal, tal, tal. Aí, no dia seguinte, eu tinha os meus documentos, tudo, né, aí fui lá e comecei a trabalhar, tomei posse, né? Comecei a trabalhar. Aí, quando entrei para o teatro hoje como funcionário, no dia seguinte, que eu atravessei a rua, fui lá no Retiro que era… o escritório era atrás do teatro, fui lá e me inscrevi para aqui. Aí, eu já peguei prática do palco trabalhando no bar, peguei prática do teatro, daquela gambiarra e tal. Aí então, o Mário __00:48:27___ disse assim: “Eu vou inscrever você aqui como ajudante de contrarregra, você vai trabalhar no palco”, sabe o que é ajudante de contrarregra, vê gambiarra, pula daqui, pula de lá, gambiarra, passa pra cá… e nesse meio tempo, eu tô sendo observado pelo pessoal do teatro, o chefe estava me observando. Aí, uma vez, houve uma reunião entre eles, aí disse assim: “Não, nós não podemos deixar esse menino…”, todo mundo me tratava de menino, que era franzino, né? “Não podemos deixar esse menino trabalhar nisso aí, isso aí é muito bravo, ele pula dali, pula daqui. Eu achava melhor botar ele para trabalhar na escola de dança”, que era lá dentro mesmo, no segundo andar. Aí, veio a mim e disse assim: “Nós vamos tirar você disso aí”, mas eu continuei inscrito como ajudante de contrarregra. Aí, eu fui trabalhar numa escola de dança e na escola de dança, modéstia a parte, para trabalhar lá homem, é escolhido a dedo e a mesma coisa, eu fui para lá também, eu pegava a chave na portaria, eu que abria, e as meninas já estavam acostumadas comigo, tal, mas lá tinha um probleminha que me aborrecia muito, por exemplo, eu vinha abrir a escola, que tinha os camarins das bailarinas, aí de repente, vem a Arletinha, entrou no banheiro e saiu, daqui a pouco ela voltou…
P/1 – Quem?
R – Uma bailarina chamada Arlete. Me lembro muito do nome dela como se fosse hoje: “Waldir, deixa de brincadeira, o quê que você fez com o meu anel?” “Que anel, menina?” “Isso não é brincadeira, Waldir, eu saí do banheiro agora mesmo, lavei a mão, deixei o anel lá e não achei”. “Uai, se você não achou, tá comigo. Você entrou no banheiro, só tem nós dois, sumiu o anel, tá comigo”. “Não, não tô dizendo isso”. “Mas é. Quem tem mais aqui? Se você deixou o anel aí, tá comigo”. “Não, mas você é de confiança”. “Mas você não tá dizendo que deixou o anel na pia? Só tem nós dois, se você veio perguntar, tomar satisfação comigo, tá comigo. Uai, vai lá embaixo dar parte, que tá comigo”. “Não, Waldir, não é assim, não, não tô desconfiando, não”, aí telefona para casa: “Não, filhinha, você hoje não levou o anel, não, o anel tá em casa”. Imagina e disse que tinha deixado lá, tudo bem. A Beatriz Consuelo, também bailarina que hoje tá muito bem, filha única, tá nos Estados Unidos, é diretora de ballet lá nos Estados Unidos, casou com um bailarino e tá lá. Também a mesma coisa, um dia ela chega: “Waldir, você limpou nosso camarim? Onde botou a minha caixa de maquiagem?” “Beatriz, eu não mexi em nada”. “Como não mexeu? Mas você que limpa tudo, você que arruma tudo”. “Mas eu não vi caixa de maquiagem nenhuma”. “Não brinca, Waldir, é caixa de maquiagem estrangeira que o meu noivo trouxe…” “Ué, o que eu osso fazer? Eu não vi nada”, telefona para casa: “Minha filha, tá aqui em casa”, aquilo foi me aborrecendo. Aí, eu tinha vontade de sair de lá, mas… aí, uma vez, eu fingi que tava doente, caí lá, pintei, bordei, aí eu escutei um dos chefes dizer assim: “Não adianta ele fazer nada disso, porque não temos outro para botar no lugar dele, só ele atura trabalhar aqui. Não adianta”, eu continuei, o quê que eu aí fazer? Chefe, né? Continuei trabalhando lá, trabalhei 44 anos.
P/1 – Aí, você começou primeiro, você arrumava… como auxiliar de contrarregra?
R – Depois, eu fui para escola de dança e não saí mais. E eu tinha ódio do chefe que dizia para mim assim: “Não vai na rua para ninguém porque você não é empregado delas, você é empregado do teatro”, mas eu ia, porque você vê, uma moça para ir na rua buscar um almoço, tem que se arrumar pare ir na rua, eu não, né? Aí, eu encontrava com ele: “Você é teimoso, eu já disse a você”, encontrava com ele, né? Mas eu ia. Aí, quando chegava no fim do ano, aí fazia aquela mesa de doces para mim, cada um levava um prato, cada um levava um presente para mim, eu ganhava muito presente. Então, eu aguentava, né? Aí, outra coisa também, tinha no banheiro das meninas, tinha um barril assim, que era aquecedor para elas tomarem banho quente, né? Eu tinha que telefonar para usina para mandarem uma pessoa para ligar o gás. A mesma coisa, o chefe era o seu Paulo, aí um dia, ele falou pra mim assim: “Waldir, todos nós estamos vendo que você é uma pessoa muito responsável, você é correto, você é incapaz de facilitar, não telefona mais, não, você agora passa a você mesmo ligar quando precisar ligar”, aí eu passei a fazer isso. Aí, teve um dia que uma das professoras ia tomar banho e antes de entrar para o banheiro ficou falando umas galhofadas e eu tô com o gás aberto, o gás aberto (risos), eu vou acender, ela tá fazendo galhofada, aquela coisa toda, né, aí quando ela entrou para tomar banho, antes dela entrar, eu fui lá, risquei o fósforo, quando risquei foi aquele “boom” e eu olhava assim, queimou por aqui, queimou aqui, parou a aula, chamou a atenção de todo mundo. Essas coisas que acontecem, né? E teve uma vez também, isso já foi quase na hora de eu fechar a escola, tem muita coisa pra contar. Aí, era assim, tinha um corredor grande, desse lado, tinha o camarim, desse lado, tinha mais camarim, lá na frente, era a sala de aula e aqui tinha um corredor que no final, tinha um hall e aqui, tinha um banheiro que era um “L”, assim. Então, eu tinha que ligar o gás para elas tomarem banho, teve um dia que todo mundo acabou de tomar banho, saíram e tal. E eu sentei no hall, que uma não saía e o chuveiro aberto e tô esperando acabar, para eu poder fechar pra poder ir embora, eu não podia fechar uma bailarina tomando banho, né? Tô esperando e o chuveiro tá aberto e eu tô esperando e tô agoniado e são quase seis horas e quase seis horas e o chuveiro aberto, eu digo: “Não é possível, meu Deus do céu, essa criatura teve uma coisa, não acaba nunca? Se eu entrar lá dentro, vai me censurar, posso encontrar ela como nasceu, como é que fica? O quê que eu faço? Eu quero ir embora”, de repente, me deu uma agonia, eu empurrei a porta, não tinha ninguém. No tinha ninguém tomando banho, não tinha chuveiro, não tinha nada. Ai, eu me apavorei, o cabelo me arrepiou, eu fiquei com medo, fechei a janela, fechei a porta, desci correndo e botei a chave. E no outro dia, um mês depois ou dois meses depois, aconteceu com o meu chefe também. Ele… antes de entrar na sala, tinha o gabinete dele, né, e a pianista tocando piano e ele esperando também e a pianista não acabava nunca, mas ele era bravo e ele tá esperando, tá esperando e a pianista não acabava nunca e ele tá esperando, aí ele também fez o mesmo que eu fiz, quando invadiu não tinha ninguém (risos). Teatro é assim, teatro tem essas coisas assim, que… agora há coisa de dez anos, eu fui lá no teatro com a minha sobrinha, que eu chamo de sobrinha, né, aí eu fui lá com ela, eu tava conversando com um rapaz, eu disse assim: “Ué, agora aqui é bomboniere? No meu tempo, quando eu comecei aqui, aqui era onde guardava as coisas, guardava balde, vassoura e tal”, aí ele começou a conversar comigo: “O senhor conhece? Ali tem uma escada…”, ele dizendo para mim, aí eu disse para ele assim: “Eu tô sacrificando o senhor, eu conheço o teatro todo, eu sou aposentado do Teatro Municipal”, aí contei esses casos para ele: “Vem aqui pra gente botar no jornal o que o senhor passou lá”, mas nunca fui, não. “Essas histórias todas, o senhor deve ter mais histórias”, eu disse: “Tenho mais histórias, sim, com o meu chefe também aconteceu isso”, também dizem, eu não sei, eu não vi, dizem que também morreu um maestro ensaiando a ópera “Sissi”, dizem, eu não vi, não foi do meu tempo. Sissi, Sissi, Sissi, Sissi e morreu ensaiando. Isso aí já foi do meu tempo também, porque quando acabava o meu serviço lá dentro mesmo, eu tinha os meus bicos, onde tinha milho, eu tava beliscando, então já botava o meu nome. E tem muita colação, no fim de ano, tem muita colação, né, só que todo ano se forma muito médico. Eu tenho impressão que eles se formam hoje e morrem amanhã, porque diz que não existe médico, né? Os hospitais não têm médico, então, deve ser isso, se forma hoje e morre amanhã, porque todo ano tem. Então, teve um ano que um formante, a mãe dele se emocionou, morreu lá. Agarraram ele, botaram no consultório médico e não avisaram ele para não estragar, já estava morta, para não estragar a festa dele. E ele ficou com os colegas, aquela coisa toda, depois que foi saber. É triste, né? Lá também tinha uma professora que foi para fora, no dia em que ela foi para fora, ela foi assaltada dentro de casa e foi morta, no dia que ela embarcou, também não disseram nada, não, para não estragar a viagem dela. Então, são essas coisinhas que eu tenho para contar.
P/1 – Você ficou 40 anos no teatro?
R – Quarenta e quatro.
P/1 – Quais foram as mudanças no que você fazia?
R – Não, depois que eu fui para a escola, não saí mais.
P/1 – Mas você fazia sempre as mesmas coisas?
R – Mesma coisa, tomava conta da escola, eu que abria, eu que fechava, fechava as janelas todas quando acabava, até que quando veio a reestruturação, aí me botaram até no quadro de melhorias, como primeiro… era letra, nível H, uma coisa assim.
P/1 – Mas era técnico em… como é que chamava?
R – Não tinha… foi para poder aumentar, né? Não tinha…
P/1 – Aumentar o salário?
R – É, aumentar. Então, como eu trabalhava lá, eu não me lembro mais qual era o meu nível, aí me aumentaram de nível. E aí, a vida foi assim.
P/1 – Qual foi o espetáculo que mais te marcou assim, na história, um espetáculo?
R – Eu gostava muito de ver opera, né, Aída, Gioconda, né, eu gostava muito de ópera. Eu gosto até hoje, que a mocidade hoje não quer nada com ópera, eu gostava muito. Aí, abria a cortina, largava serviço lá e ia ver, porque… de noite, era bico, né, de noite, eu vendia bala. Depois, faltou uma pessoa no café, que na Treze de Maio, na varanda, tinha o café, que era um balcão que estendia 240 xícaras para poder dar tempo, né, porque quando tem ópera, que dá intervalo em 20 minutos, então, isso é uma correria medonha. Aí, faltou, botaram eu para substituir, não me tiraram mais. Essas coisas que eu tenho para contar.
P/1 – Algum causo interessante que aconteceu assim, que você se lembra, que foi marcante em algum espetáculo?
R – Coisa marcante que eu tenho para contar eu já contei, né, que eu trabalhei na escola, fazia isso, fazia aquilo, né, e também quando tinha carnaval, quando tinha carnaval, é engraçado, né, tudo de responsabilidade botavam em cima de mim. Então, os camarins das meninas era para guardar as fantasias e quem tomava conta? Eu. Se é hoje, eu não queria, não, porque hoje tá um perigo, né? Eu que guardava. O que me marcou mais foi a fantasia da Wilza Carla. A Wilza Carla morreu na miséria, mas ela fazia fantasia… eu não sei como é que esse pessoal ganha tanto dinheiro e acaba na miséria, né? A Wilza Carla morreu na miséria, mas ela… então, uma ocasião, uma moça ganhou em primeiro lugar quando ela que tinha que ganhar, porque tinha um corpo bonito a dona, então, a fantasia com o corpo praticamente de fora.
P/1 – Mas isso onde? No teatro?
R – No teatro. Eu tomava conta, né? Aí, um dia, ela fez um escândalo lá medonho, porque disse que corpo não é fantasia e de fato, corpo não é fantasia. Aquele… esqueci o nome dele, por fim, ficou sendo como é que... Não tinha mais como ele concorrer, hors concours, se eu não me engano, porque todo ano ele ganhava, né? Era Moraes, se eu não me engano, o nome dele, sempre era ele que ganhava, aí escolheram ele, aí ficou hors concours, não precisava mais ele fazer concurso, não.
P/1 – Passavam então, óperas. Que óperas que passavam?
R – Eu vi muitas, né, Aída, Giaconda e outras mais, que eu não me lembro mais, a cabeça já não dá mais, também, né?
P/1 – E shows de música?
R – Música, tinha sempre aos sábados, tinha orquestra sinfônica, né? Aí, eu também… era tudo pago, né? Hoje, não, hoje é tudo elétrico. Então: “Waldir, vou botar seu nome para levantar a cuba”, aí eu ia lá para botar a cuba, porque tudo era pago. Tudo que tinha de bom lá, eles botavam para mim. Aí, nós corríamos para o palco, botávamos estrado para subir a cuba e a manivela, se largasse a manivela, já era. Até matava, né, de tão pesado. Aí, daqui a pouco, botava… porque o palco do teatro tudo move, né, e bota essa para cá, a outra vem para cá, a outra vai para lá, tudo assim. Aprendi tudo isso.
P/1 – Que artistas você conheceu?
R – Conheci Bibi Ferreira, conheci…
P/1 – Como que você conheceu a Bibi?
R – No palco, né? Se eu não me engano, foi “Vestido de Noiva”, que ela fez, foi uma maravilha. Foi Bibi, sim, que fez “Vestido de Noiva”. Conheci também Madame ___01:10:13___. Conheci a Conchita, a Conchita, o marido, a esposa e a filha. Uma das netas tá até aqui, dona Vera. E ela que… por exemplo, o teatro fechava quatro meses para limpeza. Limpeza geral, limpeza mesmo, limpeza geral. E quem abria o teatro era a Lucy Odilon, quando abria, era ela que abria o teatro, eu me lembro muito bem disso. Ela tem uma sobrinha aqui, que mora aqui.
P/1 – E atores, quais que você conheceu?
R – Ator, eu nunca ia lá ter com eles, não. Eu tinha mais movimento era com… inclusive, uma vez, disseram assim: “Esses beijos…”, a gente é novo, né, tem curiosidade “Não é possível ficar beijando quando se tem a mesma idade, ser a mesma coisa”, aí um dia, eu fui por detrás, continuaram beijando, né? (risos) Quando a gente é novo é bobo, né? A gente é curioso, tudo quer ver, tudo quer saber. Quando a gente é jovem faz tanta besteira.
P/1 – Qual foi sua primeira paixão, seu primeiro amor?
R – Isso eu nem gosto muito de falar, não, porque não fui muito bem, não dei sorte…
P/1 – Você se casou?
R – Casei.
P/1 – Quando?
R – Eu casei em 56.
P/1 – Com quem?
R – Minha ex? Marli Sampaio, depois, botou o meu nome, Pinheiro, né?
P/1 – Quanto tempo vocês foram casados?
R – Dezenove anos.
P/1 – Você morava onde com ela?
R – Antes de casar, tanto ela, quando o meu futuro sogro pediu que não morasse em Cavalcante. Tudo bem. Então, quando eu tava para casar, o meu pai comprou… deu entrada numa casa a prazo, né, que onde eu tenho a casa são 48 casas, é assim, é uma pata de cavalo, e assim, casa pra cá, casa pra cá, casa pra cá, de um lado e do outro, assim. Então, o carro entra aqui, sai por aqui. Aí, ele quis fazer surpresa a minha irmã mais velha, porque a minha irmã mais velha cuidava de todos nós, era muito… era muito boa, cuidava do meu pai, cuidava de nós todos. Então, o meu pai vendo que ela não tava bem lá onde morava, né, com a sogra, comprou essa casa para ela, mas meu cunhado não quis, porque era de ___01:14:30___, ele não quis. Meu pai já tinha dado entrada, já tinha feito o negócio, quis fazer surpresa e eu estava para casar, né? Aí, o meu pai, se ele pergunta a mim: “Eu vou passar a casa para o seu nome”, eu não queria, porque eu não podia pagar, aí meu pai fez a casa, um dia ele falou pra mim: “Filho…”, ficou triste porque já tinha comprado a casa: “Você não quer ficar com a casa? Você vai casar, primeiro locador, casa nova, você não quer?”, disse: “Ah, pai, a minha noiva me pediu que não queria morar em Cavalcante, meu futuro sogro também me pediu que eu não morasse em Cavalcante”, aí o meu pai ficou triste, chateado, mas não falou nada. Meu pai não era de desabafar, de falar nada, né? Aí, um dia eu vou noivar e conversando e tal, disse: “Meu pai anda triste, chateado”, ela disse: “Por quê?” “Porque ele queria passar a casa para mim”. “E você não quis?” “Você não disse que não queria morar em Cavalcante? Então, disse a ela que não queria”. “Ah, sendo nossa”, aí não era minha, era nossa, eu não tinha casado, mas era nossa, não era minha, não, era nossa. Aí, eu fiquei entusiasmado, né?
PAUSA
P/1 – Aí, ela disse: ”Nossa casa”?
R – Nossa casa, aí eu fiquei entusiasmado. Quando papai ia lá para casa sábado, passava o dia conosco e dormia sábado, domingo, passava o dia conosco, à noite, ele descia para o quarto dele, em São Felix. Aí, fui lá ver a casa no domingo. Aí, quando ela viu a casa, agarrou a chave, ela: “É minha, é minha”, aí já nem era minha…
P/1 – Não era mais “nossa”? Era “minha”?
R – É. Mas mesmo assim, eu não podia ficar com ela, não. Não podia ficar com ela, não.
P/1 – Com a casa?
R – Porque o meu vencimento não dava. Pagava quatro mil de casa, eu ganhava 1.180, eu ganhava 1.180, pagar quatro mil de casa? E ele passou para o meu nome. Aí, ele disse assim: “Olha, filho, já passei a casa para o seu nome”, eu disse: “Ih”, o quê que eu fazia? Tinha que me rebolar, né? Aí, eu tinha que trabalhar aqui, trabalhar ali, trabalhar aqui, trabalhar ali para poder pagar a casa, né?
P/1 – Onde você foi trabalhar além do teatro?
R – Fazer bico, né? Fazia bico em todos os teatros.
P/1 – Em que teatro você fez bico?
R – Em todos eles do centro da cidade, eu trabalhei. Todos eles. Onde tinha vaga, tava lá.
P/1 – O quê que você fazia?
R – Se era para fazer faxina, eu fazia, se era para fazer isso… eu queria ganhar dinheiro para poder pagar a casa, né? E no contrato da casa, eu só podia atrasar… não podia passar de três meses de atraso e eu atrasei seis, depois de muito tempo, eu não tinha como pagar, atrasei seis meses.
P/1 – Sua mulher trabalhava?
R – Não. Nunca trabalhou. Aí, minha irmã, um dia, o meu pai chegou e ela abriu um bocão: “Salva a vida do meu irmão, o meu irmão vai perder a casa, ele não pode perder a casa, ele vai casar e já tá seis meses atrasado”, aí eu disse para ela: “Ué, quem te disse isso? Eu não falei nada com ninguém”, porque eu achei que já era muito ele ter passado a casa par mim, ainda ter que pagar mais seis meses de atraso. Eu não falei nada em casa, mas quando a gente tem problema, principalmente minha irmã notava logo. Minha irmã telefonava para mim, dizia assim: “Você não tá bem”. “O que é isso? Não tenho nada, não”, e não tava mesmo, ela mandava a empregada lá em casa para ver o que tava acontecendo comigo. Era praticamente, era minha irmã, mas era minha mãe, né? Praticamente. Aí, meu pai já saldou, papai pagou os seis meses e ficou limpo. E eu, graças a Deus, consegui terminar de pagar, só levei uns dez anos para registrar o registro de imóveis, porque tem que registrar o registro de imóveis, senão, praticamente, pode vender para outro, não é dono, né? Aí, uma vez, eu joguei no bicho, ganhei, deu para fazer a escritura, aí eu fiz a escritura e ficou tudo em dia. A minha vida é essa.
P/1 – E aí, a casa ficou com quem?
R – Depois, eu casei, aí pintei a casa, ajeitei, em seis meses antes de casar. Aí, meus colegas, antes de eu casar, foi lá, limpou, pintou a casa toda, levamos uma noite toda pintando a casa. Aí, quando chegou mais ou menos três horas da madrugada, ainda faltava o quarto dos fundos, um deles falou: “Ainda tem o que beber aí?”, eu disse: “Tem”. “Então, vamos acabar esse quarto”, aí acabou, pintou tudo. Aí, eu botei… não tinha campainha, eu não gosto de morar em casa que não tem campainha. Furei a parede, eu mesmo, botei campainha, só que eu botei desse lado. Quando ela chegou: “Ah, não, campainha tinha que ser desse lado”, aí eu tive que subir no forro, modificar tudo, passei para esse lado a campainha, logo na chegada, né? Porque eu gosto de campainha, porque aí eu dizia assim para as pessoas que me interessavam: “Quando você for lá em casa, dá três toques na campainha, que eu já sei que é você”, assim eu fazia. A campainha é bom por causa disso, aí não precisa… se não quer atender ninguém, não atende, né? Agora, quando eu morava em Cavalcante, lá tinha um cara que eu nunca vi isso. Por exemplo, uma hipótese, né, se você vem da rua, entrou em casa, vem imediatamente uma pessoa atrás de você, toca a campainha da minha casa e eu não tô atendendo, se eu não tô atendendo, é porque eu não quero, né? Se o vizinho viu que eu entrei, não tem nada que dizer que eu cheguei.
P/1 – Quanto tempo você morou nessa casa?
R – A de aluguel?
P/1 – Não, essa que você comprou.
R – Dezenove anos.
P/1 – Dezenove anos. Sua filha nasceu lá?
R – Nasceu.
P/1 – Você teve uma filha?
R – Só uma filha.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Katia Rossana, eu falo Rossana, porque são dois S, porque um domingo, eu estava trabalhando e eu pedi a um colega: “Vamos lá, então registrar o nascimento da minha filha?”, num domingo. Aí, um deles se ofereceu e foi comigo lá. Mas antes disso, um colega que trabalhava comigo, trabalhava num… como que é? Num cartório e ele disse para mim: “Waldir, Rosana são dois S”. “Então, boa aí, sabe como é? Marinheiro de primeira viagem, já levei tudo escritinho. Minha esposa mandou que eu botasse o nome dela Rosana, ele disse que eram dois S, eu disse: “Então, bota dois S”. Aí botou, registrou tudo lá, voltei, aí chega no teatro, mostra pra um, mostra para outro: “Como é o nome de sua filha?” “Katia Rosana”. “Não, não é Rosana, não”. “Como não é? Quem sabe sou eu, fui lá agora mesmo registrar com o fulano”. “Não, você botou dois S, não é Rosana, é Rossana”, eu digo: “Não é possível! O Luís falou, ele trabalha no… disse que é dois S, eu mandei colocar dois S”, aí eu fui lá. Aí, o cara do cartório falou: “Nós não podemos fazer nada, não pode ter nada rasurado depois que tá escrito. Se o senhor requerer para botar Rosana vai lhe dar um trabalho medonho. Eu, se fosse o senhor, deixava Rossana e é menos comum, é mais bonito”, e depois, com o tempo, nós achamos que ficou melhor Rossana, mesmo. Então, quando eu digo para todo mundo: “Qual é o nome de sua filha?”, eu digo: “Katia Rossana”, então, a minha dentista falou para mim: “Por quê que cada vez que você fala na sua filha, você fala Katia Rossana?” “Porque é o nome dela”. “Mas eu sou…”, esqueci o nome dela, não sei o que “…Sueli e ninguém me chama”. “Porque não acostumou”. Por exemplo, um dia, eu tô lá no centro da cidade, eu sabia que era comigo, e veio um vizinho meu querendo me acompanhar, e veio atrás de mim: “Psiu, psiu…”, eu sabia que era comigo e eu tô… aí que eu apertava mais o passo, até que ele emparelhou comigo, aí ele falou assim: “Você não tá escutando eu te chamar, não?” “Você me chamou? Eu vi você chamando psiu, eu não sou psiu, eu sou Waldir, achei que não era comigo”, porque é assim que pega o apelido. Se chamam você de Maria, você não é e você atende, o outro que tá do lado não faz por mal, ela chama Maria, passa a te chamar também de Maria, o outro vê, daqui apouco, pegou o nome, ninguém sabe o seu nome certo. Outra coisa também, eu não gosto que ninguém… por exemplo, outro dia, botaram…
PAUSA
P/1 – Vamos voltar? Aí, você se separou, por quê que vocês se separaram?
R – Questão de gênio, não tava dando certo. Minha esposa casou mais para ter uma filha, e ela uma vez falou para mim que casou para ter casa e carinho, não sei o que, mas não ficou dando certo, aí chegou uma ocasião que eu ainda tava pagando a casa, né, eu tava com dificuldade, aí teve uma ocasião que já não tava dando para eu deixar todo dia dinheiro em casa, não sobrava, né, eu ganhava 180 e pagava quatro de casa, aí fiquei uma semana sem ir em casa, porque não tinha dinheiro para deixar.
P/1 – Aí, você não voltou para a casa?
R – Não, fiquei uma semana sem ir para casa.
P/1 – Onde você ficou nessa semana?
R – No teatro. Ficava no teatro o dia todo. Sábado, domingo e tudo. Aí, quando chegava sexta-feira, as meninas já ficavam me rodando, eu já sabia que queriam me fazer algum pedido: “Você amanhã vai vim aí?” “Vou vim, mas venho porque eu quero”, eu estava em crise em casa, então passava sábado e domingo no teatro, né? Aí, ela disse assim: “Ah é, o senhor vem amanhã?” “Eu venho amanhã para serviço meu, adiantar o meu serviço, ver alguma coisa aí”, passava o dia todo lá, porque eu tava em crise em casa, né? “O senhor se importa da gente pedir ao professor para vir dar aula pra gente?”, professor Edmundo… ah, você não mora aqui, não deve conhecer, já morreu, aí eu disse assim: “Não, por mim, pode. Só tem uma coisa, eu vou trabalhar à vontade, não tenho nada com vocês, eu venho porque…”, não disse a ela que eu tava com crise em casa, “…eu tô com um problema, eu venho para aqui para me distrair. Agora, tem uma coisa, se você quiser vir fazer aula, pode vim, só que eu passo a chave lá embaixo, vocês ficam aí à vontade, quem quiser sair, pede a mim, eu vou lá embaixo e abro o portão para entrar ou para sair, para não ficar o portão lá embaixo abandonado”, e assim eu fiz. Ela: “Não tem problema, não”, quando chegava atrasado, tocava a campainha, eu ia lá embaixo, abria o portão, entrava. E assim foi. E teve uma vez que um aluno, o Carijó falou assim para mim: “Waldir, você sabe o que tá acontecendo com o seu nome?”, eu disse: “Não, o que é?” “Olha, o Eudo passa o dia todo na escola, tá correndo um zoom, zoom aí que ele fica na escola por sua causa”, eu disse: “Negativo, não sei disso, não”. Aí, um dia, quando o Carijó me falou isso, ele foi embora, aí eu chamei ele: “O quê que tá havendo com você? Que o seu professor me falou isso, que você tá na escola, fica o dia todo na escola por minha causa, que problema é esse que você tá arrumando para mim?”, aí a ficha caiu, ele começou a chorar e as lágrimas caírem, ele falou assim: “Meu tio descobriu que eu tô estudando ballet, me botou na rua e eu não tenho onde ficar, fico o dia todo no meio das meninas e brincando e passando fome”, eu tinha cantina, porque eu pedi à diretora, porque quando as meninas davam intervalo, iam tudo para a padaria e, lá, serviam de galhofada para os outros e eu acompanhava elas, porque aí já me botaram exercendo função de inspetor de alunos, não fui premiado, fui exercendo a função de inspetor… eu tenho um programa com o meu nome como inspetor de alunos, então eu acompanhava elas, quando eu voltei, eu falei um dia para a diretora, a diretora gostava muito de mim…
P/1 – Na escola de dança?
R – Na escola de dança. A diretora gostava muito de mim, dona Marilene Rosy, até me deu um livro dela, tem um livro que ela escreveu. Aí, eu disse para ela: “Dona Marilene, eu queria dar um conselho a senhora, se a senhora me permite, essas meninas vão lá na padaria na hora do recreio, os homens ficam com piadas e tal, a senhora sabe como é que é. Se a senhora permitir que cada uma delas me traga uma garrafa, eu abro uma mini cantina aqui, não precisa mais descer”. “Ah, já tá aprovado, faça isso”, então, uma me trouxe dez, outra me trouxe duas, outras não trouxeram nenhuma, então, comecei com 34 garrafas. Aí, quando eu pedi a Coca-Cola, quando faltava assim, dez ou 12 garrafas, eu pagava aquelas 12, fui inteirando. Então, eu já tinha 58 caixas, fazendo assim. Aí, eu chamei ele e falei para ele assim: “Menino, como é que pode uma coisa dessa? Você passando fome! Você nunca me pediu um café”, ele ficava assim na hora do recreio, ficava assim, olhando todo mundo comer. Eu disse: “Não é possível, menino, você vai ser um homem muito feliz da vida, você vai ser um homem do bem, porque eu nunca vi…”, brincando, nunca disse um nome feio, nunca conspirou contra Deus e eu apreciava ele por causa disso. Aí, veio uma pessoa com um ballet de fora e todo ballet que vem de fora vai assistir um espetáculo para ver se é igual ou se gosta. E ele era muito bom de jazz, porque é igual médico, né, o ballet para se formar tem ballet clássico, tem moderno, tem espanhol e tem esse que… esqueci, o que eu falei… eu não falei a primeira vez o que ele era?
P/1 – Jazz.
R – Isso, ele era muito bom de jazz e um dos chefes só olhava muito para ele, ele já tava encabulado, porque em vez de olhar para as meninas, só estava apreciando ele, porque ele era muito bom de jazz, muito bom, mesmo. Aí, quando terminou, chamou ele e falou assim, o que veio para transmitir, né, “Bom, bom”, aí a intérprete falou: “Ele tá dizendo que você é muito bom, se você quer ir com a companhia para Roma”, ele tava na rua, aí foi, né? Ainda eu tinha sido procurador dele, que aí, foi morar na casa de um amigo dele, precisava de uma poltrona, fui fiador, ainda faltava sete ou oito prestações, ele pagou e foi embora. E lá, ele se fez, lá se aposenta com 25 anos, ele foi para lá com 25 anos, com 50 anos, ele se aposentou, fez a vida dele lá, então, ele mora lá. De todos que passaram pela minha casa, porque eu ajudei muito… porque a vida de artista é como a gente vê na televisão, artista passa fome, artista… porque o ballet não dá dinheiro, não. Artista passa fome e eu tô sempre ajudando aluno que pedia pra ir para a minha casa, eu digo: “Para mim, é até um prazer, porque eu vivo sozinho, tendo uma pessoa em casa é até bom para ver televisão, essas coisas”, então estava sempre ajudando.
P/1 – Mas para qual casa você levava?
R – Onde eu morava, que aí, eu fui morar no Cadete Polônio, no Rio.
P/1 – Quando você se separou, você foi morar onde?
R – No Cadete Polônio. Em Sampaio. É o único que mora em Roma, e quando ele liga pra mim, leva uma hora e meia telefonando para mim: “Para com isso, rapaz, você vai gastar uma nota falando…” “Eu quero saber de tudo, eu quero saber disso, quero saber daquilo, conta tudo”, e fica uma hora e meia telefonando para mim, é o único. E os que estão por aqui nunca… teve um que também: “Waldir, já que o Eudo foi embora, eu posso passar uma semana na sua casa?”, disse: “Pode, mas você sabe como é que é, né, eu tenho que sair, o dia que você estiver de folga, tem que ficar em casa sozinho”. “Não tem problema, não”, aí esse também deu sorte, porque ele foi fazer um espetáculo no Chile e lá, uma médica gostou dele e veio do Chile para cá para bancar ele, porque ballet não ganha dinheiro, né, casou com ele, vive lá. Esqueci o nome dele, também esteve na minha casa. Eu tenho pena dos outros, porque é como eu digo, né, a gente trabalha no meio, a gente conhece. Como aqui, né, aqui no fim de ano, o salão é para festa de ballet, né, para dar colação, festa de ballet e eu vim de lá, descendo e tinha uma menina e eu perguntei para ela assim: “Que horas começa o ensaio de vocês?”, e a mãe ficou apavorada: “Vem cá, filhinha, vem”, aí eu subi com ela e disse: “A senhora não precisa ficar com receio de mim, não, porque esse ramo, eu trabalho há 44 anos nesse ramo, esse ramo eu conheço e eu moro aqui, eu só perguntei a ela que horas que começava o espetáculo, não perguntei nada demais, porque eu trabalho nesse ramo há 44 anos, isso aí eu conheço”, uma foi saindo, a outra me deu atenção, ficou conversando comigo, eu disse: “Pois é, o problema é esse…”, ela ficou apavorada de eu perguntar a menina, porque não sei, procuram um meio de puxar assunto… não era o meu caso, né? Aí, eu fui a ela, né?
P/1 – Por quê que você saiu do teatro? Você saiu do teatro por que se aposentou?
R – Porque me aposentei, porque estava para… como é, mudar de lei e tudo mais e eu estava na bica para me aposentar e eu tinha um ano para tirar licença-prêmio, porque eu dizia assim: “Por quê que eu vou tirar licença-prêmio?”, que de acordo com os anos, tem três meses de licença-prêmio e eu tinha um ano para tirar, aí eu dizia: “Eu não vou tirar porque se eu tiro hoje por vaidade, não preciso, fico em casa à toa, de repente, eu preciso, não posso tirar”, e foi indo, foi indo, foi indo, fez um ano. Aí, quando eu já tava fazendo um ano, ia mudar a lei, não sei o que, houve qualquer coisa, falaram: “Quem tá na bica é melhor se aposentar, porque vai ter isso, vai ter aquilo”, disse: “Então, vou me aposentar”, eu falei com o meu chefe, aí o meu chefe falou assim: “Waldir, você tem um ano de licença-prêmio para tirar, você vai perder? Faz o seguinte, você pede a licença-prêmio, quando faltar três meses para terminar a licença especial, você requer a aposentadoria, que quando sair, já chegou o prazo que você tirou a licença”, assim eu fiz, né? Aí, eu requeri, quando fez um ano, eu ganhei a aposentadoria, me aposentei por causa, não sei o quê que houve, coisa política, muda tudo, aí a vida é assim.
P/1 – Aí, você parou de trabalhar e continuava morando naquela casa?
R – Sim.
P/1 – E por quê que você saiu de lá? E aí, você foi para onde? Por quê que você saiu de onde você morava?
R – Da Cadete Polônia?
P/1 – É.
R – Porque eu saí da Cadete Polônia e fui morar na Cadete Polônia, outra casa, porque aquela casa era pequena, era um quarto… uma sala e um quarto muito apertado. E um vizinho meu falou assim: “Waldir, lá perto de casa tá vagando uma casa, por quê que você não muda para lá? Porque é melhor do que essa aqui. Minha mãe mora lá, talvez, eu arrume para você”, minha mãe, não, eu já tava morando na casa do meu chefe. Aí, eu fui lá, o moço também, sei lá, não agradou de mim, não quis alugar para mim. Aí, o meu chefe foi lá, eu trabalhava com ele, ele me conhecia: “Aluga para o Waldir, o Waldir é boa gente, ele trabalha comigo, não sei o que, aí então, me deu o endereço, doutor Walquir, no Meier. Fui lá, falei com ele e tal, aí minha irmã era minha fiadora, mas morava em Niterói, quem mora em Niterói, fiador de lá não serve para aqui, daqui não serve para lá. Então, o doutor Walquir não aceitou. Aí, eu voltei lá, falei com o… esqueci o nome dele, já morreu, voltei lá e disse: “Olha, não quer aceitar, porque…”, aí ele interviu ao meu favor: “Aluga a ele, aluga que é meu vizinho, eu tenho boa referência sobre ele”, mas o… esqueci o nome dele, “A irmã dele é de Niterói, aqui não vale”. “Dá um jeito aí, aceita ele”, aí: “Ele mandou abrir mão para você, né? Eu vou abrir mão, agora, o que acontecer, se você não pagar, qualquer coisa, problema é dele, ele mandou abrir mão, eu vou abrir”, e me alugou. Graças a Deus, eu morei lá seis anos, nunca deixei de pagar, nunca houve nada, nunca teve problema nenhum.
P/1 – E por quê que você saiu de lá?
R – Uma vez, eu dei um cheque, assinei o cheque errado, não sei o que, aí o doutor Walquir mandou me chamar: “Waldir, quando você puder, não tenho pressa, não, que eu já resolvi com a sua senhoria, você vem aqui, tem uma coisa pra gente acertar”, ele falou: “Seu Waldir, esse cheque não tá valendo, não, porque o senhor…”, não sei se eu assinei errado, o senhor tem que fazer outro. Aí, eu fiz outro, dei a ele e ele disse: “Não tem problema, não, porque eu já paguei a ela, já tá resolvido, agora é com você”, mas no princípio também, não queria alugar a mim, né?
P/1 – E aí, você saiu de lá, por quê?
R – Eu sai de lá, porque…
PAUSA
P/1 – A gente tava falando porquê que você saiu dessa casa de seis anos…
R – Ah, porque ela pediu… uma das moradoras falou para mim: “Seu Waldir, a dona Lurdes veio falar comigo se o senhor podia dar um aumentozinho por fora sem o doutor Walquir saber”. “Eu não vou dar nada, comigo é assim, tá assinado que eu tenho que dar tanto, eu vou terminar dando tanto”, e eu ainda disse para ela: “Se é comigo, eu daria, porque se você sair daqui, você vai pagar muito mais, você tá satisfeito aqui, por que não dar um pouquinho mais a ela?”, mas ela fez confiança nela e não falou comigo, eu daria, mas foi falar com ela, não falou comigo e aí, então, ela pediu a casa para todo mundo e pediu a minha também, né? Mas antes dela pedir… quando eu aluguei a casa, eu assinei um papel que a casa estava toda ajeitada, toda arrumada, não sei o que, mas quando a gente precisa das coisas, a gente não vê essas coisas, depois que eu entrei que eu vi vidro quebrado, coisa para pintar, que ele não pintou nada, essa coisa toda. Eu voltei lá e falei: “Doutor Walquir, eu assinei um papel que eu encontrei a casa toda arrumada, tá faltando isso, isso, a casa tá em petição de miséria e eu assinei um papel que tá perfeito, não tá, como é que fica? O senhor não vai levar em consideração?”, aí ele telefonou para a dona Lurdes, que era a senhoria: “Não, não, tá perfeita, tá perfeita, meu marido deixou tudo perfeito, ele tá mentindo, meu marido deixou tudo perfeito”, eu já tava lá. Aí, depois, o Marco me arrumou outra casa e falou: “Waldir, vai morar lá perto de casa que tem uma portuguesa lá que tem um apartamento e tem um vazio, mora em frente a minha mãe. Minha mãe pode até se intervir com o senhor”, aí vamos lá, fui lá, vi a casa, gostei e tudo e ela gostou também, aí de repente, ela perguntou pra mim: “O senhor é casado?” “Sou”. “Ah, bem”, de repente, na conversa e tal, lá eu já tava morando sozinho, que eu tava separado: “Ué, o senhor é sozinho? O senhor não disse que é casado? Como que o senhor é sozinho?” “A senhora não perguntou se eu era casado? E sou. A senhora não perguntou se eu era sozinho. A senhora perguntou se eu era casado. E sou. Agora, eu moro sozinho, qual é o problema? Isso é problema meu”. “Ah, não, eu não alugo para homem sozinho, não, maltrata muito a casa. Eu não alugo, não”, mas me alugou. Quando eu moro num… essa outra casa que é da… que me considera também como primo, porque ela é prima da minha ex, então também me considera como primo. Então, ele dizia assim para mim: “Waldir, você tem uma coisa…”, fui morar lá, alugou para mim e depois como era vizinho, me deu a chave da casa da frente para eu passar para frente, aí eu mudei para lá, porque ela preferiu que eu… não, não foi assim, ei, eu fui lá, o doutor Walquir não quis aceitar a chave: “Seu Waldir, eu não posso entregar a chave ao senhor, porque a dona Lurdes falou para mim para o senhor deixar a casa como encontrou”, eu disse: “Pois é, eu deixei como eu encontrei”. “Mas o senhor não tá me entendendo, o senhor tem que deixar a casa como o senhor encontrou”. “Pois é, como eu deixei”. “Eu não sei se eu tô falando grego, o senhor não tá me entendendo”. “O quê que eu não tô entendendo? O senhor se lembra quando eu vim aqui que eu disse que a casa tinha isso, isso, isso e isso? Olha, eu passei o carnaval todo botando massa nos tacos, eu botei sinteco na casa, eu paguei para pintar a casa e não encontrei assim e deixei assim. O senhor quer o quê? Que agora, eu bote vidro, faça isso, eu encontrei assim, eu deixei como encontrei, ainda deixei melhor, porque eu pintei a casa, eu passei o carnaval todo calafetando a casa, porque quando varria, tinha umas brechas assim, calafetei tudo, levei quatro dias de carnaval. Em vez de me elogiar, ainda não quer deixar eu sair? Eu não tô lhe devendo, eu vou sair porque eu quero”. “Não, não, aceito então”, aí aceitou, porque ainda queria o quê? Que eu deixasse arrumado, eu disse: “Não, tô deixando como eu encontrei”, eu fui a ele, ele não aceitou.
P/1 – Aí, você foi para onde?
R – Aí, eu não sei para onde eu fui. Ah, aí que eu fui para a casa onde eu morei 14 anos, a casa da prima da minha esposa. Mas depois, ela…
P/1 – A sua esposa ainda é viva?
R – É.
P/1 – E mora naquela casa?
R – Mora, ainda mora até hoje. Cada um mora sozinho, eu moro sozinho, minha filha sozinha…
P/1 – Você encontra a sua ex-mulher?
R – Não. Eu acho que quando acaba, acaba. Porque eu sou contra esse negócio, se separa, quando se encontra fica de beijinho e abraço, acabou, acabou. Eu sou assim.
P/1 – E você ficou 14 anos nessa casa e não trabalhou mais? Nem bico?
R – Não. Aí, eu mudei. Aí, ela… só tem uma coisa, quando eu vou na casa da minha filha… porque nós não temos raiva um do outro, eu não sou de estar paparicando, já que a gente desmanchou, sou assim, mas quando eu vou na casa da minha filha, ela está lá, né, ela está lá, eu tenho que respeitar, ela está na casa da filha dela e eu também tenho que respeitar, é filha dela. Aí, nós conversamos. Agora, quando eu fiz 90 anos, minha filha fez festa para lá no prédio, e eu levei duas pessoas daqui, que eu convidei, por sinal, gostou muito, para ir no meu aniversário e elas foram. Convidei mais pessoas, mas só foram duas. Os outros não foram, disseram que iam, mas não foram, inclusive o Hélio, não foi. Só foi duas. Aí, ficamos lá e ela ficou na minha mesa conversando como se não houvesse nada, porque tem que respeitar, tá na casa da minha filha, ficou na nossa mesa, conversou comigo, eu conversei com ela e tudo. Mas ela não me incomoda, nem eu incomodo ela, porque eu penso assim, como é que uma pessoa mata uma pessoa por amor? Não entendo isso. Tem amor e mata? Pode? Tá certo isso? Quanta gente mata a mulher porque… matei por amor, que amor é esse? Eu não.
P/1 – Waldir, e como é que você saiu dessa casa? Por quê que você veio para o Retiro?
R – Eu vim para o Retiro porque a minha ex-senhoria morava… tinha a casa dela na frente e ela alugou duas meia água no fundo da casa dela da frente, mas ela não morava lá, ela morava do outro lado da rua, que era dos pais, que ela morava com os pais. A casa é enorme, cinco quartos, ou seis quartos. Foram morrendo a família, foram morrendo, ela terminou ela com o cunhado. O cunhado, então, tinha três casas e ela tinha três pegadas. O cunhado tinha três casas desse lado, daqui pra lá, tinham mais três que era dela, então, eles fizeram uma combinação, aquele que morresse primeiro, ficava sendo o dono de tudo. Ele morreu há pouco tempo, então ela agora tá lá vendendo as casas. Como não conseguia vender, alugou e eu vim para aqui porque era o meu sonho eu vim para aqui, porque eu era sócio, eu tenho direito aqui.
P/1 – Você é sócio, como?
R – Porque no meu tempo, tinha que se inscrever como sócio daqui, provar que tinha direito aqui, entrar como sócio. Então, eu fui sócio daqui 61 anos, entendeu? Então, disse: “Então, vou para lá”, que a minha loucura era vim para aqui, né?
P/1 – Você já conhecia alguém que morava aqui?
R – Não, não conhecia ninguém, não. Aí, quando eu vim pedir para vir morar aqui…
P/1 – Você pagou uma mensalidade durante esses anos todos?
R – Paguei. Eu tenho recibo, tinha, agora não sei, sumiram os recibos, não tenho mais, mas eu tinha os recibos todos que eu pagava, 61 anos, eu pagava recibo daqui. Então, eu tava doido para vir para cá, digo: “Vou pedir para ir para lá”. Aí, eu vim para cá, falei com a dona Cida, não sabia que tinha que falar com o Stepan, falei com a dona Cida. Ela falou assim: “Não tenho vaga agora, quando tiver vaga, eu ligo para você”. “Tá bom”, aí quando eu desci, tinha uma pessoa sentada no ambulatório, eu perguntei assim, eu não me lembro o nome, eu disse assim: “A senhora mora aqui?” “Moro”. “A senhora gosta daqui?” “Gosto, aqui é bom”. “Eu posso dar uma olhada na minha nova residência, que quando houver vaga vão telefonar para mim e eu venho morar aqui”, aí ela disse assim: “Não vão ligar para você nunca e tem vaga”, aí eu me virei, né? Eu tenho conhecimento.
P/1 – Quem te ajudou?
R – Quem me ajudou foi uma senhora que morava numa comunidade lá perto de casa, que eu fiz amizade com ela, e ela foi ser acompanhante da mãe do chefe do… não é do Retiro, quase que mesma coisa, sindicato dos artistas e ela sabia que eu era sócio daqui, que eu queria vim para cá. Aí, eu falei com ela: “Tânia, tá acontecendo isso assim e assim, e disse que não tem vaga e eu tô sabendo que tem vaga”, ela disse assim: “Deixa comigo que eu vou arrumar isso pra você”, aí eu tirei o xerox de tudo, dos recibos todos que eu tinha e ela levou para mostrar lá ao chefe, né? E o chefe falou: “Pode dizer a ele que ele já está lá, que lá não paga nada, mas se ele puder dar uma colaboraçãozinha é melhor para lá e para ele, também”, na época, eu podia, ofereci mil reais, hoje tá sendo muito apertado para mim. Aí, então, acontece o seguinte, ela me arrumou dentro de dez dias.
P/1 – Quando que você veio?
R – Eu vim para aqui faz dois anos, aí tem que fazer as contas, foi dia nove… eu me lembro o dia, foi dia nove de dezembro, faz dois anos que eu tô aqui.
P/1 – Dezembro de 2014?
R – Deve ser, porque tem dois anos e meses que eu vim para aqui.
P/1 – Como é que é morar aqui?
R – Aqui é maravilhoso. Nós temos tudo. Como diz minha filha, todo lugar tem sempre uma coisa boa e a outra coisa a gente, às vezes, fica um pouco chateado, mas isso é normal, em todo lugar é assim. Aqui é maravilhoso, a gente sai sozinho, ninguém pergunta nada onde vai. Eu acho aqui maravilhoso, eu pensava que não ia me acostumar, mas eu já gosto daqui. Já gosto daqui. Pretendo morrer aqui. Aqui é maravilhoso. Porque todo lugar é assim, né, quem faz o ambiente somos nós, quem faz a boa moradia somos nós. Se aquele vizinho não gosta de mim, não gosta de você, você não dá pelota para ele, a vida é assim. Todo lugar é maravilhoso. Eu acho, né? Eu acho aqui maravilhoso.
P/1 – Waldir, quais são os seus sonhos?
R – Sonho, eu tenho vários, né? O meu sonho… que eu ainda não me sinto gagá, né, e eu acho que com o decorrer do tempo, a tendência é ficar gagá. Posso até não ficar, morrer numa boa, eu acho que eu vou morrer numa boa, eu acho, mas Deus é que sabe. Então, eu acho que ficar… a gente espera baquear, ficar gagá, agora Deus é que sabe, né? Eu acho que não, não sei, eu tenho essa vaidade…
P/1 – Mas esse é o seu sonho? Não ficar gagá?
R – Não, eu sempre achei que é assim, a gente nasce e morre se definindo, sempre achei isso. Eu já sabia que o fim da vida é assim, por causa que eu sempre achei que o fim da vida era assim, então, se eu morrer de hoje para amanhã, eu morro tranquilo, porque posso ter defeito, mas posso ter muita coisa errada, porque quem sou eu para dizer que eu não tenho erro? Mas eu tenho feito muita coisa boa, né? Eu gosto de ajudar os outros, por exemplo, eu fico triste, aborrecido quando boto comida fora, porque eu fico pensando: ‘tanta gente passando fome e eu botar comida fora’. Por exemplo, aqui, às vezes, apanho comida, não tô com fome, eu ainda não almocei, vim para cá e ainda não almocei, agora eu vou para casa, se terminar aqui… então, quando apanhar a sopa, tomo a sopa, já não almoço mais, deixa para amanhã. Aí, minha filha… eu não, eu não ligo, não, mas a minha filha diz: “Pai, não come comida velha, porque…”, mas tá na geladeira, como é que tá velha?
P/1 – Sua filha vem te visitar?
R – Vem. Minha filha tá sempre aí, se eu me queixar qualquer coisa com ela, ela vem logo aí. Minha filha é maravilhosa, não tenho o que dizer da minha filha. Meu genro, então, mais ainda. Meu genro é como fosse também um filho meu, tem uma paciência comigo de louco. Eu que acho que dou trabalho para ele, às vezes, eu digo para ele: “Me desculpe, eu tô te aborrecendo”. “Não tem nada, você tem que conversar mesmo comigo”, porque ele é meu procurador, mas não me aborrece nada, ele é maravilhoso, mas tudo que eu faço, eu acho que eu dei a procuração a ele para todos os poderes, eu acho que eu não devo fazer nada sem consultar com ele, não que ele proíba, acha ruim, eu que acho que não fica bem eu fazer as coisas sem me consultar com ele, mas ele é maravilhoso. Minha família é maravilhosa. A minha família é grande, mas não são unidas, eu falo a minha família depois que eu casei, porque depois que a gente casa, a família da gente é daqui pra frente, do casamento. O resto não importa. Uma vez, eu fui em Niterói, encontrei um primo meu que era vereador, há anos que eu não via ele, ele estancou assim na minha presença: “Mas não é você? Se você não faz isso, eu passava por você, que eu nem te conhecia, porque tantos anos que a gente não se vê”. “Também, eu nunca precisei de você”. “Eu também nunca precisei de você, tá um a um, tá empate, também nunca precisei de você, nem você de mim”, aí me deu um bolo assim de __02:09:25__ para despachar, para passar por aí, né, eu passei tudinho. É assim.
P/1 – Waldir, o quê que você achou de dar essa entrevista?
R – Eu gostei, porque eu não gosto… eu tô empanzinado de gritos. Então, eu tô me educando, você não acha que eu tô conversando com você baixinho? Porque eu tenho um hábito de falar alto, de falar gritando e todo mundo pensa que eu tô brigando e isso me aborrece, é a única coisa que eu não queria ter, mas o quê que eu vou fazer? Eu não pedi a Deus de ser assim, eu nasci assim. “Mas você não se educa porque não quer”, então eu vou tentar. Graças… eu acho que hoje eu conversei bem, não conversei?
P/1 – Muito.
R – Não falei… falei zangado? Alto?
P/1 – Nem um pouco. Um tom maravilhoso.
R – Ontem também, o pessoal me elogiou também, disse: “Eu nunca entrevistei um senhor igual o senhor tão maravilhoso”, falou para mim, eu fiquei muito prosa com ela, sabe, porque eu disse: “Não é possível, eu tô com 90 anos, agora vou me corrigir? Não tem como”, mas eu tô tentando, né? Então, quando eu falo qualquer coisa, agora, eu fico muito exaltado quando eu falo uma coisa que eu tenho certeza, que a pessoa duvida, aí eu fico nervoso, aí minha voz altera. Eu fui na casa de um amigo meu lá onde eu morava, e um dia, ele falou pra mim assim: “Waldir, a sua conversa, às vezes, aborrece a gente, porque você fala alto e quando a gente chama a sua atenção, você baixa”, a empregada que tomou as dores por mim. Aí, ela falou assim: “Você não tá vendo, você chama a ele a atenção, ele baixa, mas automaticamente, sobe. Ele não faz por mal. Ele tá conversando alto, chama a ele a atenção, ele baixa”, apesar que… eu também, quando eu tava namorando, o meu futuro sogro também dizia isso: “Ele fala alto e quando tá namorando só fala tchuthcu…”, aí eu conseguia, né (risos)? A gente quando tá namorando… marinheiro de primeira viagem fica tudo bobo, né? Principalmente, quando fica noivo, né, nem todo mundo entende, que a vida de casado… olha, namoro é um jeito, conhecer é um jeito, namoro é um jeito, noivado é outro jeito, casamento então, aí eu ano acho que é lua de mel, é reajuste de gênio, até acertar um daqui, um dali, eu penso assim, né? É reajuste de gênio e, às vezes, não dá certo. O que vai se fazer? Nem todo mundo veio ao mundo para ter sorte em tudo, ou você tem sorte com o jogo ou tem sorte com mulher ou não tem sorte com mulher, tem sorte no jogo, né? É a vida, ninguém vem ao mundo para ter uma vida perfeita. Ninguém é perfeito. Todo mundo se queixa de alguma coisa. Outra coisa que as pessoas dizem assim: “Eu nunca briguei com a minha mulher, nós vivemos…”, mentira, como nunca brigou? Porque brigar não é chamar a rádio patrulha e dar na cara um do outro, isso não é brigar, mas sempre tem resquícios, vai dizer que não tem resquícios? Tem, todo mundo tem. Minha irmã é maravilhosa para mim, mas de vez em quando a gente também tinha resquícios, pai para filho não tem? Tem. É normal. Agora, eu tenho uma coisa de bom, eu erro e sei que tô errando. Aí, eu dou a mão à palmatoria, aqui mesmo tem uma criatura…
P/1 – Waldir, vamos só pra gente encerrar, eu queria agradecer a entrevista, a gente continua batendo papo para encerrar a entrevista, pode ser?
R – Pode.
P/1 – Eu queria saber que eu esqueci de perguntar, a sua irmã ainda é viva?
R – Não. Minha irmã teve um problema, ficou diabética, tinha um plano bom, que meu sobrinho fez para ela, então ela tava internada cinco anos. Então, nós fomos muito elogiados, inclusive o meu sobrinho, que a única pessoa que nunca faltou uma visita foi a minha irmã. Tanto ele, quanto eu íamos sempre visitar, porque ela me cuidou com tanto carinho e depois que tava internada, eu não podia deixar de retribuir o que ela me deu. Então, o meu sobrinho dizia assim para mim: “Meu tio, obrigado do senhor ter tanto carinho com a minha mãe”. “Para com isso, eu não fiz nada para a sua mãe, eu fiz para a minha irmã, que minha irmã me deu um carinho e eu retribuo a ela o que ela fez por mim, não fiz nada demais, eu tive a obrigação de fazer igual”. Então, quando chegava Natal, carnaval, ano novo, esses dias assim, meu sobrinho dizia assim: “Titio, eu vou falar com uma enfermeira ou enfermeiro, vou dar uns trocados a ele para tomar conta da minha mãe esses dias”. “Não senhor. Quem vai tomar conta de minha irmã sou eu”. “Não, o senhor também não pode, o senhor já tá idoso”. “Não fala isso, eu tenho obrigação”, e Deus é testemunha, eu nunca fui visitar a minha irmã aborrecido: “Hoje é dia de eu visitar a minha irmã, que coisa!”, não, eu ia visitar a minha irmã de bom coração, ela fez por mim, de coração e de coração, ela recebeu. Eu tive muito carinho com a minha irmã. Então, tem uma coisa, quando eu fico num hospital tomando conta de uma pessoa, eu fico à noite toda conversando, eu não durmo, se eu vou para tomar conta da pessoa, como é que eu vou dormir? Eu não durmo. Eu fico conversando. Quando ela me pedia a comadre, aí eu ia no banheiro apanhar a comadre: “Meu irmão, não saiu”. “Não tem problema, eu tô aqui pra isso”, aí eu voltava. Quando eu tô entrando no banheiro: “Agora, agora”, eu voltava. “Não saiu”. “Não fica chateada, é minha obrigação, tô aqui pra isso”, aí eu voltava. Às vezes, cinco, seis, oito vezes. E quando eu chegava lá, ela não falava, ela tava em cadeira de rodas e, quando eu chegava, tanto eu, quanto o filho, o neto então, era a paixão dela, se sacudia toda, ficava tão feliz, por que eu não ficar com ela? Ficava e ficava de coração. Nunca fiquei lá mal humorado, dando coice, falando bobagem, não, ficava lá com muito carinho. Ela me deu carinho. Eu retribuí o que ela me deu.
P/1 –Muito obrigada, Waldir, você é uma pessoa encantadora, queria te agradecer. Vamos encerrar?
R – Vamos.
P/1 – Obrigada.
R – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
R – Meu pai trabalhava no __00:02:58__ brasileiro. – Página 02.
R – Depois, eu fui trabalhar na fábrica de ___00:40:00___, depois… – Página 09.
Aí então, o Mario __00:48:27___ disse assim: “Eu vou inscrever você aqui como ajudante de contrarregra, você vai trabalhar no palco” – Página 10.
Conheci também Madame ___01:10:13___. – Página 13.
Então, o meu pai vendo que ela não tava bem lá onde morava, né, com a sogra, comprou essa casa para ela, mas meu cunhado não quis, porque era de ___01:14:30___, ele não quis. – Página 14.
“Eu também nunca precisei de você, tá um a um, tá empate, também nunca precisei de você, nem você de mim”, aí me deu um bolo assim de __02:09:25__ para despachar, para passar por aí, né, eu passei tudinho. É assim. – Página 23.
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