Boa tarde. Meu nome é Sebastião Henriques Vilarinho. Eu nasci em Belo Horizonte, no dia 14 de janeiro de 1938.
OS PAIS
O nome do meu pai, já falecido, era Joaquim Henriques Vilarinho. O nome da minha mãe, também já falecida, era Miquelina Fiúza Vilarinho. Meu pai era imigrante português, veio para o Brasil em 1906, 1907, e minha mãe era mineira nascida em Ouro Preto.
Meu pai nasceu numa região em Portugal muito pobre, cujo nome é... Se é que eu estou certo, seria Trás-os-Montes, uma região pobre, praticamente só havia agricultura muito modesta, criavam-se também carneiros, e ele era de uma família muito grande, e achou que era melhor vir para o Brasil, porque o Brasil naquela ocasião representava um desafio muito grande para quem tinha interesse em aqui trabalhar. Aí ele veio para cá. Veio para o Rio de Janeiro, deve ter chegado aqui por volta de 1906, 1907, mas o Rio de Janeiro era uma cidade muito perigosa naquela ocasião. Eu me lembro que no tempo em que ele estava vivo, às vezes, eu ouvia as palavras, ele dizia que era uma cidade muito cheia de doenças, muitos mosquitos, ele então resolveu mudar-se para Friburgo. Ele era muito bom construtor, mexia com madeira, fazia móveis, fazia obra de construção civil e tudo mais, e indo para Friburgo, naquela ocasião estava sendo construído o Colégio Anchieta, que a gente vai hoje em dia visitar Friburgo e fica admirado com a beleza daquele prédio, e ele lá foi um dos mestres que ajudaram a construir as portas, as janelas. Aquela enorme porta da entrada, a gente vê e admira quando passa, ele trabalhou lá na construção daquela porta e isso ele contava com muito orgulho, mas logo depois tomou conhecimento de Belo Horizonte. Belo Horizonte tinha sido construída havia poucos anos, era a nova capital do Estado de Minas Gerais, e ele então resolveu mudar-se para Belo Horizonte, e lá começou, entrou na construção civil e foi assim até o fim da vida.
Na época do meu pai não havia faculdade de engenharia em Belo Horizonte. Acho que nem em Belo Horizonte e nem outras cidades do país, então era uma carreira que a pessoa fazia, ganhando experiência com trabalho do dia-a-dia, e foi assim que aconteceu com meu pai. Começou como simples ajudante talvez, depois foi subindo até chegar a consultor especializado em construção civil, e assim ganhou a vida. Houve uma certa época em que o governo deu um título de construtor licenciado às pessoas que assim ganhavam a vida, e assim trabalhavam ganhando a vida, e ele ganhou o título de construtor licenciado, que era o equivalente, aquela ocasião, ao engenheiro civil. Assim foi, serviu de exemplo para o meu irmão mais velho, que logo depois também se formou em engenharia. O irmão da minha mãe também, que logo depois se formou em engenharia, logo depois veio eu, que me formei em engenharia. Quer dizer, meu pai foi um exemplo para todos nós.
Já sobre a origem da família da minha mãe, eu sei que ela nasceu em Ouro Preto, e o pai dela, o meu avô, era brasileiro, era nascido lá também, de origem lá, não sei quando - porque Ouro Preto foi capital do Estado de Minas Gerais durante muitos e muitos anos. Ele era coletor fiscal. Meu avô era coletor fiscal, e a mãe da minha mãe, minha avó, ela era nascida em Ouro Preto também, mas de imigrantes. É interessante que eu sempre gostei muito de cuidar das fotografias que eu achava desde os tempos de menininho, e eu tenho guardada lá na minha casa uma fotografia, se não me falha a memória, de 1859, onde o pai e a mãe dessa minha avó, que é mãe da minha mãe, estavam passando pelo Porto, uma cidade de Portugal, e tiram essa fotografia e trouxeram essa fotografia para o Brasil e está de posse da nossa família até hoje. Mas as informações que tive através da minha mãe é que a família não era de portugueses, tinham vindo lá dos fins da Europa como eles diziam, eu acho que lá pela região de Cáucaso ou Tchetchênia pelos lados de lá, mas a minha avó já era brasileira.
CASAS DA INFÂNCIA
Olha, eu nasci em Belo Horizonte, na rua rio Casca, uma rua bem próxima à avenida Pedro II e próxima da Igreja de Carlos Prates. Meu pai construiu umas dez casas nessa rua rio Casca, e nós morávamos lá numa dessas casas. Isso quando eu era pequenininho, eu nasci lá, depois meu pai mudou para a rua Goitacazes com a minha mãe. Já era mais chique, bem mais chique do que aquelas primeiras casas, e era perto da praça Raul Soares, que era um lugar bacaníssimo naquela época. Depois ele construiu outras casas ali na rua rio Casca e nós mudamos para outra casa, uma casa mais chique, não sei o quê, mas logo depois meu pai morreu. Nós já éramos cinco irmãos, aí esse meu tio, que era irmão da minha mãe, ele também já era engenheiro e estava no mesmo negócio de construir casa, fazer construção civil. Nossa família tinha construído cinco ou seis casas no cruzamento de duas ruas - São Paulo com Guajajaras, se não me falha a memória. A família praticamente estava toda ocupando aquelas casas, um tio, uma tia, e nós fomos para lá também, e minha mãe criou, já tinha filhos estudando engenharia naquela ocasião. Eu era o mais novo de todos, e logo o pessoal foi casando, mas morei ali na rua Guajajaras, o número era 781, eu lembro até hoje, embora eu já tenha mudado de lá em 1962.
MÃE
A minha mãe não trabalhava fora, minha mãe era dona de casa absoluta. Assim eu entendo a minha mãe como pessoa, mas ela gostava muito de costurar, fazer roupinha de criança, então se ia alguém lá em casa pedia para fazer uma roupinha, ela fazia. Fazia para um, fazia para outro, às vezes quando tinha dinheiro ela cobrava, e assim ela viveu a vida dela até 80 anos.
COLÉGIO ANCHIETA
Olha lá perto de casa, nessa rua Guajajaras, 781, tinha uma escola chamada Escola de Aperfeiçoamento. Acho que era Escola de Aperfeiçoamento Aurélio Pires. Aí eu fui para lá, tinha que fazer concurso. Eu fiz o tal do concurso, eu era pequeninho, tinha uns 5 para 6 anos, passei e fui estudar nessa escola, e essa escola vivia fazendo experiência sobre novas formas de ensinar, e eu lá fiquei, acabei me formando, quatro anos depois fui o orador da turma, coisa interessante. Eu me lembro que fui orador da minha turma. Depois logo perto tinha uma escola, que era o colégio estadual, que era de graça, não pagava, aí eu entrei no colégio estadual, fiz concurso, passei e fui estudar no colégio estadual, mas o colégio estadual estava crescendo muito em termos de ensinar, construíram outro prédio longe, lá no fim, depois da avenida Contorno, lá no Santo Antônio, e naquela ocasião para mim ficava muito ruim, porque não tinha ônibus, para ir lá tinha que ir de carro ou coisa parecida. Não tinha como. Carro naquela ocasião era um troço chique, difícil de ter, aí como meu irmão tinha estudado no Colégio Anchieta e tinha sido muito bom aluno no Colégio Anchieta - o mais velho -, eu fui convidado para estudar lá. No Colégio Anchieta estudei até formar no científico, e depois quando saí do Colégio Anchieta eu fui convidado para ser professor do Colégio Anchieta, e lecionei no Colégio Anchieta durante muito tempo.
PRIMEIROS EMPREGOS
No Colégio Anchieta, no início, eu dava aula sem carteira assinada. Eu era uma espécie de um professor assistente, uma coisa assim, depois acabaram me dando mesmo carteira com tudo assinado, eu tenho ela guardada até hoje. Eu era professor de matemática, física e mais outras coisas lá, porque eu ensinava esses negócios que eu gostava, e assim foi.
Eu comecei a trabalhar mesmo antes de entrar para escola de engenharia. Eu entrei para a escola de engenharia em 57, eu acho que foi em 57 que eu fui aprovado. Não , 57. Depois estudei em 58, isso mesmo eu fui aprovado em 57, e até 57 eu estava fazendo científico, essa coisa. Eu tive dois empregos, um foi no laboratório chamado Fotoquímica. Fotoquímica era um laboratório que vendia um produto chamado Detefon. As pessoas mais velhas sabem o que é Detefon, era um produto que matava baratas, escorpião, mosquitos e a gente botava aquele líquido dentro de uma bombinha e esguichava para todo o lado, e matava os bichos e costumava matar as pessoas também. Químico à beça. Hexaclorofeno, um troço desses, já nem me lembro mais. Naquela ocasião eu me lembrava do nome. Então eu arranjei um emprego lá, porque este produto estava vendendo uma loucura em Belo Horizonte, porque Belo Horizonte tinha muito escorpião naquela época, muita barata também. O colégio onde eu estudava era perto desse laboratório, então um dia passando lá em frente eu vi: “Oferece emprego.” Eu cheguei lá, me contrataram para ser entregador. Então tinha uma caminhonetezinha, tinha um cara que dirigia - eu ainda não sabia dirigir naquela ocasião, sabia, mas não podia porque era menor ainda -, eu ia com o cara pelos bairros da cidade toda entregando em armazém, porque tinha armazém que vendia Detefon, lojas que vendiam Detefon e também tinha remédio, tinha xarope, tinha essas coisas todas. Eu passava o dia todo entregando mercadoria, até que um dia o gerente lá do escritório perguntou - sabia que eu escrevia, não sei o quê -, falou: “Você não quer fazer ficha para nós?” Eu falei: “O que é fazer ficha?” “Não, é que a gente faz o nosso cadastro, quer dizer, a gente pega informações das pessoas que estão interessadas em comprar nosso produto, se as informações forem boas a gente vende, se for ruim a gente não vende.” Eu falei: “Então está bom, vou fazer.” Ele me deu um monte de papel, tudo carimbado, como devia fazer, e comecei a fazer e passei fazendo fichas. Eu trabalhei nesse laboratório acho que uns dois anos no máximo. Coisa interessante, naquela ocasião estava aparecendo no mercado maquininha de calcular, e a maquininha de calcular era fabricada por uma empresa chamada Facit. Era uma maquininha mecânica, mexia, mexia, fazia três vezes dois, quatro vezes cinco e tal, e essa Facit, conhecida até hoje, fazia também máquina de escrever. Como me ofereceram um emprego recebendo mais dinheiro, eu falei: “É aqui que eu vou.” E fui trabalhar. Trabalhei nessa empresa, que era uma empresa que representava a Facit, que era fabricante, que era um produto importado, chamava Sociedade Técnica Murray - eu lembro até hoje o nome dessa empresinha. E eu fui lá, também comecei entregando. Entregando máquina de calcular, máquina de escrever, tinha lá um carrinho também. O mais interessante é que, passados os meses, não demorou muito tempo, na parte de baixo lá do prédio era uma oficina mecânica, porque eles lá consertavam também as máquinas de escrever e máquina de calcular, e nos momentos que eu não tinha nada para fazer e entregar eu descia lá para baixo e ficava vendo os caras consertando aquele troço, os mecânicos e tal e fui tomando gosto pela coisa. Um dia faltou alguém lá, eu não me lembro bem, e precisava entregar uma máquina, e a máquina não estava pronta. Me perguntaram se eu podia ajudar, eu fui lá e ajudei e a máquina ficou pronta. Aí falaram assim: “Você quer trabalhar aqui na oficina? Nós estamos precisando de alguém aqui para ajudar.” Eu passei para a oficina, trabalhei lá na oficina também mais algum tempo, mas não demorou porque eu tinha que fazer CPOR e tinha passado também na escola de engenharia, eu estava fazendo as duas coisas e não pude mais trabalhar, passei uns tempos, até acabar o CPOR. CPOR demora quase dois anos para fazer. Naquela época demorava, hoje em dia eu não sei como é mais. Então foi até aí fazendo CPOR.
INÍCIO PUXADO
A faculdade de engenharia, eu fui aprovado em 57, comecei em 58. Fiquei 58, 59, 60, 61 e 62, cinco anos, e lá a escola de engenharia no primeiro e segundo ano é muito apertada. Lá em Belo Horizonte, naquela ocasião era. Era a única escola de engenharia que tinha no Estado naquela ocasião, e a turma era relativamente pequena, eu acho que era uns 40, 50 alunos, e os professores apertavam para burro, e no primeiro ano e no segundo a gente tinha aula de manhã, de tarde e de noite e era praticamente todo o dia. Sábado praticamente até as quatro horas. Só no domingo que a gente não tinha aula, então você não podia se ocupar com outras coisas, literalmente ocupado durante esses dois anos - depois alivia um pouco e a gente pode voltar a trabalhar. As aulas só passam a ser de manhã, você pode trabalhar à noite. Depois do segundo ano eu voltei a trabalhar outra vez, como tinha trabalhado no tempo anterior, tinha terminado o CPOR, então voltei a me ocupar.
AULAS
Mas aí eu me ocupei dando aula, porque não havia ainda naquela ocasião esses cursinhos como há hoje, Pitágoras, Advancer, não sei o quê. Naquela ocasião a gente dava aula em casa, ou dava aulas em pequenas salas que havia no centro da cidade lá em Belo Horizonte. Eu era professor, tinha outro lá que dava química, tinha outro que dava biologia. Eu dava matemática, e praticamente foi assim até eu me formar - dando aula, dava aula no colégio em que eu me formei, também todos os dias.
CERVEJA E BAILES
Tinha muita coisa interessante lá em Belo Horizonte, eu me lembro que gostava muito de tomar cerveja, eu sempre gostei muito de tomar cerveja; até hoje eu tomo cerveja, apesar da idade. De segunda a sexta era trabalho e cumprir as coisas com as responsabilidades, na sexta-feira à noite já tinha um chopinho, uma cervejinha, tinha os bailes, tinha muita moça naquela região toda. Uma moça dava uma festinha em casa, a outra dava em outro local, tinha lá o diretório central dos estudantes chamado DCE naquela ocasião, e todo domingo, todo sábado também tinha bailes, então tinha uma vida muito agradável.
A MULHER
Agora eu morava na rua Guajajaras, e em 1954 o pai da minha mulher mudou para essa rua, a 100 metros de distância assim da minha casa, então em 1954 eu fiquei conhecendo a minha esposa. No início não estava pensando muito em namorar ela, não, porque estava sempre estudando - não tinha nem tempo; eu era muito novo também, mas em 58 nós começamos a namorar, e aí foi, estamos casados até hoje, juntos. Então minha vida em termos de relacionamento amoroso foi praticamente só com a minha mulher. O nome dela é Regina. Ela é muito brava, muito exigente, filha de militar, o pai foi general, já falecido também, e a mãe era muito rigorosa. Ela é uma mãe danada de brava. Estamos juntos até hoje.
GRANDES PROFESSORES
Olha, eu tive dois professores extraordinários na escola de engenharia: um foi o Eliseu Resende - o Eliseu Resende está aí vivo, já foi ministro, já foi candidato a governador no Estado de Minas Gerais, mas perdeu a eleição infelizmente. Foi me parece deputado, foi diretor do DNER quando ele existia, acho que o DNER nem existe mais, mudou, criou-se outra coisa, mas independentemente do que ele foi depois que ele largou a escola de engenharia, ele era um professor fantástico. Ele era professor de cálculo, cálculo diferencial integral. Dois anos de cálculo I, que é dado no primeiro ano, e depois cálculo II, que é dado no segundo ano, e ele foi meu professor. É um ser extraordinário Eliseu Resende, e o outro era Edson Judes. Edson Judes formou-se junto com o meu irmão na escola de engenharia. Formaram no mesmo ano, então eu já conhecia ele anteriormente, por causa da presença do meu irmão - eram colegas -, e ele foi professor meu de geometria analítica. Ele também me marcou, uma pessoa extraordinária. Teve um outro também, que era o Cristovinho, que era o Cristovão Colombo dos Santos. A turma o chamava de Cristovinho, mas o nome dele era Cristovão Colombo dos Santos. Era uma pessoa extraordinária, mas ele era muito pequeneninho, então chamava ele de Cristovinho, e o Cristovinho era um professor catedrático da cadeira de geometria analítica. É que o Edson Judes era para mim o melhor professor que eu vi na minha vida, esses dois aí, mas interessante o Cristovão Colombo dos Santos, ele é uma pessoa extraordinária, a aula dele era um prazer, a gente passava 45 minutos no céu de tanta satisfação com as coisas que aquele homem criava e mostrava para a gente, mas tinha um dia no ano que ele chegava extremamente sério. Sério, não falava nada, não olhava para ninguém. Todo mundo ficava: “Que diabo deu no Cristovinho hoje? Sempre tão agradável, tão suave como pessoa, hoje está aí com esta cara de mau, agredindo.” Até que de repente um bobalhão perguntava: “Mas professor, o que houve com o senhor? O senhor tão bonzinho, hoje está bravo para danar.” E ele falava sempre a mesma coisa: “Meu filho, essa noite eu sonhei que estava preso debaixo de um radical, e não era quadrado perfeito.” Eu não sei se vocês entendem isso, mas quem estuda matemática sabe, os números quando são quadrados perfeitos eles são retirados de baixo de um radical, porque a raiz que sai debaixo, a raiz de nove, por exemplo, é três, o nove está preso embaixo do radical. Raiz de nove, quando você extrai a raiz ele vira três, se o camarada não erra, quadrado perfeito. Número que não tem raiz, ele não sai de baixo, fica preso lá o resto da vida. Aí todo mundo ria, ele voltava ao que era anteriormente, virava o Cristovinho de sempre, era uma figura.
“REVISTINHA” PETROBRAS
Na época de estudante, eu conhecia a Petrobras através das revistinhas. A revistinha sempre dizia o que a Petrobras estava fazendo. Essas revistinhas eram mensais ou bimensais que a Petrobras publicava, e que começou a publicar praticamente desde o início da sua criação, e que mandava para as pessoas importantes do país, inclusive para os sócios que tinham comprado ações por força da legislação que criou a Petrobras. Lá em casa eu recebia a revistinha, meu tio e nós moramos no mesmo prédio, embora em residências diferentes. Eu pegava aquele negócio e lia, desde pequenininho. Meu teu tio recebia as revistinhas da Petrobras porque ele era acionista da Petrobras, então ele tinha o direito de receber. A Petrobras decidiu fazer isso, mandar essas revistinhas para a pessoa, para acionistas e pessoas importantes da República: políticos, deputados, senadores, governadores, para criar esse interesse entre os brasileiros no que diz respeito à Petrobras como empresa estatal importante para o país.
APOSTA NA PETROBRAS
O que aconteceu foi o seguinte, em 51 quando Getúlio assumiu, essa questão da criação da Petrobras tomou mais força, embora a questão já viesse se arrastando anteriormente. Eu me lembro que naquela ocasião o Brasil, se não me falha a memória, tinha três ou quatro partidos: era a UDN, o PDS ou PSD - não sei bem como é que era -, o PTB, que era o partido do Getúlio, e tinha acho que o PR, que era o Partido Republicano. Não sei se tinha algum menos expressivo. E o PTB, que era o partido do Getúlio, e o PDS, esses dois partidos me parece que eles eram a favor da criação da Petrobras. A UDN era contra, mas não era todo mundo que era contra, tinha os dois lados, e esse PR eu acho que também era contra, uma coisa assim, essa votação que no fim acabou criando a Petrobras foi muito disputada, e criou um estado de espírito em torno de nós brasileiros que tínhamos algum interesse, queríamos alguma coisa a respeito de petróleo. Eu queria que a Petrobras fosse criada, porque eu achava que criar a Petrobras era muito importante para o Brasil, que era a forma que a gente tinha de procurar petróleo no nosso país, uma área de extensão enorme. E não, deixava aos americanos, aos franceses. Eu não tenho nada contra americano, nada contra francês, nada contra alemão, nada contra inglês, mas deixar esse chão todo para eles furarem e tirar petróleo e nós ficarmos sem o petróleo que pode ser nosso? Eu queria que fosse criada a Petrobras, e queria que o Brasil produzisse petróleo, muito, e se livrasse da carga desses outros países em cima da gente. Então quando foi criada, eu fiquei muito satisfeito com aquele negócio, embora o meu tio, que tinha carro, não tivesse gostado muito do negócio, porque quem tinha automóvel naquela ocasião teve que contribuir para a capitalização da Petrobras, pagando um certa importância pela compra de ações da Petrobras. Então meu tio: “Pô, mas...” Eu me chamava Sebastião, mas meu tio me chamava de Tião. “Pô, Tião...” Eu tinha, sei lá, uns 14, 15 anos de idade: “Oh, Tião, esse Getúlio está me obrigando a pagar esse negócio, essa Petrobras não vai para a frente nada, vai acabar, e não sei o quê. Isso é coisa que só americano sabe fazer, inglês.” Eu falava: “Não, tio, nós vamos dar jeito nisso. Um dia eu ainda vou parar nesse negócio aí, vou ajudar a resolver o abacaxi.” “Vai nada.” Mas foi, o negócio aconteceu, ele teve que pagar, ele passou a receber as revistinhas, eu passei a saber das coisas da Petrobras através da revistinha, e cada dia que eu via aquilo eu me interessava mais e mais.
INGRESSO NA PETROBRAS
Quando eu saí da escola de engenharia eu queria trabalhar na Petrobras, se eu não tivesse por acaso passado naquele concurso, ou se eu não tivesse por acaso sido aprovado nos exames médicos, porque um exame cheio de coisa que você tinha que passar e tudo, eu teria ficado muito triste. Não teria perdido o emprego, não, emprego era completamente diferente, eu tinha uma meia dúzia de ofertas de emprego naquela ocasião, eu não teria passado dificuldade nem coisa nenhuma, mas eu não teria ficado feliz como eu fiquei pelo fato de trabalhar na Petrobras naquela ocasião.
A Petrobras informava que ia realizar concursos. Era em São Paulo, no Rio, sei lá, no Rio Grande do Sul. Tinha uns quatro ou cinco lugares no país, então todo mundo tinha que se inscrever e no dia estar lá no local onde havia o concurso. Eu por sorte, no ano que eu fiquei disponível para fazer o concurso, porque só podia fazer o concurso quem já era formado ou aqueles que estavam no quinto ano, quer dizer, que iam se formar aquele ano. Eu estava no quinto ano e iria me formar aquele ano e o concurso ia ser em Belo Horizonte. Eu falei: “Que beleza”. Na realidade, foi na escola de engenharia onde eu estudava. A escola cedeu uma sala ou duas, e lá fui eu. Fiz o concurso, graças as Deus fui aprovado, outros colegas meus também foram aprovados, aí nós fizemos o seguinte: juntamos o dinheiro de nós todos para um ir a Salvador para ver como era Salvador, porque o nosso, engenharia - que a gente ia fazer era engenharia de petróleo -, que era a Universidade da Bahia é que ministrava aquele negócio lá sob os cuidados da Petrobras e com a ajuda da Petrobras. Então nós pegamos um dos nossos lá que quis ir à Bahia e ele foi à Bahia, para ver como era a Bahia. Mineiro desconfiado. E foi, passou sei lá uma meia dúzia de dias lá e voltou dizendo o seguinte: “Lugar mais bonito que eu já vi na minha vida. É o mar mais verde que eu já vi na minha vida.” Mineiro tem um amor por mar, uma coisa impressionante. Mineiro nunca vê o mar, quando chega a ver o mar fica abismado. Então nosso colega falou que era o melhor lugar do mundo, as moças mais bonitas do mundo, é uma comida maravilhosa, e não sei o quê, então eu aceitei. Eu falei: “Vou nessa”. Fui, tudo fechava direitinho, eu fui para Salvador. Fui para Salvador, me parece, se não me falha a memória, uns dois dias depois do Natal, antes do fim do ano.
MUDANÇA
Na época eu já tinha casado, já tinha apartamento alugado em Belo Horizonte. Eu era o último filho, a minha mãe já tinha casado todos lá em casa, eu que tinha sido o último a casar. Minha mãe viúva, isso me deu uma angústia danada, porque eu fiquei com uma pena da minha mãe, mas foi inevitável. Eu tinha três irmãos lá em Belo Horizonte, duas morando perto, o outro irmão morando não perto, mas também não muito longe, então eu achei que a minha mãe dava para suportar aquilo. E lá fui eu para a Bahia, chorei uns dois dias por causa disso, mas depois passou.
Eu me lembro que eu queria ir sozinho para a Bahia, porque eu queria sentir primeiro o ambiente, alugar casa, não ter despesa de hotel, esse negócio todo com a mulher. Mas ela disse que não, que ela ia de qualquer jeito. Então aí foi, passamos uns tempos hospedados, pagando diária, porque a Petrobras naquela época não pagava nada disso, gastando muito dinheiro, mas depois de um mês a situação já estava sob controle.
A REPRESSÃO
Esse curso de engenharia de petróleo lá em Salvador durou mais ou menos uns 15 meses, 16 meses, mas tinha havido a revolução - isso foi abril, maio de 64, e a revolução parou o país de tudo quanto era lado. A minha turma, nós éramos 20 e poucos alunos. Minha turma tinha gente que não era comunista e tinha gente que era comunista, então o que a revolução fez? Não distribuiu as pessoas, deixou todo mundo junto, no mesmo lugar, para serem acompanhados, examinados, para ver se eram comunistas ou se não eram comunistas. E nesse processo de criação de comissões de inquérito - eu nunca fui nada de comunista -, eu não passei nenhum aperto, mas muitos colegas meus tiveram muitas dificuldades, muitas. Alguns até lá ficaram presos, detidos, uns sumiram pelo mundo afora, só vim a ver décadas depois. Mas comigo não teve nenhuma dificuldade, mesmo porque meu sogro, além do mais, era militar. Meu sogro era amigo pessoal do Costa e Silva. Quando Costa e Silva era ministro da Guerra - naquela ocasião chamava ministro da Guerra -, meu sogro trabalhava lá, era oficial militar assistente, ele falava para mim: “Olha, toma cuidado, rapaz, não fica falando não, para você não estrepar sua vida”. Eu falava para ele: “Pode ficar tranqüilo que eu não sou esse negócio de mexer com política”. Nunca fui de política, então não houve nada comigo.
DA BAHIA PARA SERGIPE
O sindicato nessa época foi desestruturado, literalmente desestuturado, passou uns cinco ou seis anos totalmente desestruturado, e eu fui trabalhar no interior da Bahia no que chamava, o nome naquela ocasião, era distrito norte de produção. Tinha o distrito sul de produção e o distrito norte de produção, a abreviação era Dinort, e o Dinort era o maior, produzia mais, e eu fui designado para trabalhar lá. Mas a turma que saiu, que formou, tinha gente que foi para a Amazônia, tinha gente que foi para Sergipe, tinha gente que foi para o Maranhão, tinha gente para tudo quanto era lado. Eu fiquei num lugar muito bom - o Dinort era a 100 quilômetros de Salvador, com estrada asfaltada. Isso é lá pela escolha dos próprios... Não éramos nós que dizíamos: “O que quero...” Eles que escolhiam lá, pelo que o aluno tinha sido antes. Aí fiquei lá trabalhando. Eu me lembro de uma coisa interessantíssima que lembrei agora, eu casei em 62 a minha filha, minha primeira filha nasceu em 13 de setembro de 63, e em 1968 a Petrobras começou a atividade de exploração de petróleo no mar. Foi fim de 67, início de 68, por aí. Bom, eu estava trabalhando em terra, mas eu tinha muito interesse nesse negócio do mar, que eu achava que no mar a Petrobras ia fazer o Brasil auto-suficiente em petróleo, então eu acompanhava de perto. Aí eu levanto de manhã cedo lá, eu morava no interior da Bahia, no Recôncavo, tinha um radinho, rádio elétrico, naquela ocasião; não tinha a pilha ainda, botei lá para ver as notícias antes de sair para trabalhar. Eram sete horas da manhã, ou coisa assim, aí a notícia: “Notícia importante, a Petrobras acaba de descobrir petróleo no mar em Sergipe.” Era 13 de setembro de 68. Eu chamei minha mulher e disse: “Olha que coisa extraordinária, descobriram petróleo no dia em que a nossa filha está fazendo aninhos hoje.” Eu nunca mais esqueci isto. 13 de setembro de 68, ela estava fazendo 5 aninhos naquele dia. Interessante - logo depois, não durou acho que nem um mês, eu fui chamado pela administração do Rio de Janeiro para ir trabalhar no mar. Começou em Sergipe, e logo depois foi se espalhando. Eu trabalhei em Sergipe, trabalhei no Ceará, trabalhei no Rio Grande do Norte, trabalhei no Amapá, trabalhei em tudo quanto era lado, na Bacia de Campos.
SEPLAL
Minha mulher não me acompanhava nesse tipo de trabalho... O que aconteceu foi o seguinte: quando a Petrobras viu que essa atividade estava crescendo, ela criou um órgão específico para cuidar dessa atividade de exploração e produção de petróleo no mar, o nome era Seplal. Serviços Especiais da Plataforma Continental, era um órgão que ficava no Rio de Janeiro e que controlava toda essa atividade, e eu estava ligado lá no Dinort como falei, lá no interior da Bahia, estava ligado a esse órgão. Aí o Seplal de cá disse que precisava de mim. Eu estava morando no interior da Bahia, eu falei: “Eu continuo morando no interior da Bahia, quando houver necessidade de fazer algum trabalho...” Porque é trabalho esporádico, porque descoberta de petróleo é cheia de detalhes, tem um pedaço aqui, outro, e cada pedaço tem pessoas específicas que cuidam daquilo. Eu estava bem no fim, a minha especialidade era bem no fim, que era fazer as avaliações das descobertas e os testes finais para decidir se a descoberta era comercialmente viável ou não, que era o fim. A melhor coisa que tem é essa para a empresa, comercialmente, economicamente e financeiramente.
FORA DE CASA
Aí eu passei um tempo sob os comandos do Seplal, mas morando no interior da Bahia - eu morava em São Sebastião do Passeio. No alto do morro tem uma vila, a Petrobras tinha uma vila, acho que ainda deve ter acabado, tinha lá umas dez casas, muito boas as casas, e os engenheiros da Petrobras lá, eu morava numa delas. Então eu saía, passava 10, 15 dias fora, minha mulher ficava sozinha lá. Naquela ocasião nós tínhamos dois filhos. Eu freqüentemente lembro disso quando olho às vezes minha mulher, não falo nada não para ficar conversando, dá tristeza, mas como ela foi firme. E companheira. Nunca chiou, todos momentos que ela passou sozinha, sem a minha presença.
NO RIO
Mas na medida que o negócio foi crescendo, essa movimentação offshore foi crescendo, o Seplal falou: “Vem para o Rio de Janeiro.” Aí eu fui deslocado da Bahia para o Rio de Janeiro, fui parar num órgão lá chamado Dipro, que era Divisão de Produção de Petróleo, que estava começando a se estruturar para essa atividade offshore, mas trabalhando também para atender as necessidades do Seplal, e assim fiquei durante uns três ou quatro anos, que acho que é de 70 até 73, 74, quando nós começamos a perfurar na Bacia de Campos. Um dia, acho que foi outubro ou novembro de 74, nós descobrimos petróleo na Bacia de Campos pela primeira vez, no que veio a ser chamado de Campo de Garoupa.
ELIO GASPARI
Interessante que a Petrobras, ela freqüentemente é criticada por um escritor lá de São Paulo, um jornalista lá, eu não estou bem lembrado o nome dele, mas ele freqüentemente critica a Petrobras, especialmente na administração que era onde eu estava, sempre achava alguma coisa errada, criticava, e não sei o quê. Elio Gaspari. E o Elio Gaspari, interessante, todo dia chateando a Petrobras, eu telefonei para o Elio Gaspari: “Oh, Elio Gaspari, eu não te conheço, você não me conhece, mas eu trabalho aqui na Petrobras e cuido muito dessas coisas que você fica reclamando. Será que não dava para a gente conversar, não? Ou eu vou a São Paulo ou você vem ao Rio de Janeiro, a gente almoça e conversa, eu tento explicar essas dificuldades todas, essas decisões complexas que a gente toma.” “Não, não quero saber de ir ao Rio de Janeiro, porque eu trabalhei no “Jornal do Brasil”, e no prédio do “Jornal do Brasil” a gente vê o cemitério ali do Caju, e eu não quero saber de Rio de Janeiro mas, se você vier aqui a São Paulo a gente almoça.” “Então eu vou. Que dia eu posso ir?” “Então deixa que eu te digo o dia.” Mas nunca dizia. Eu falei várias e várias vezes com ele por causa desses negócios, um dia ele falou assim: “Vou te pedir um favor então.” Eu falei: “Qual?” “Eu estou escrevendo um livro e espero que um dia eu vá acabar de escrever o livro sobre o Geisel, e uma das coisas que eu quero colocar no livro é sobre uma decisão que o Geisel teria tomado a respeito da descoberta do campo de Garoupa. Será que você pode me passar essa informação?” Eu falei: “Bom, eu posso. O que você quer saber?” Ele falou: “Isso, mais isso e mais.” Eu pedi lá a um assistente meu: “Procura esse negócio aí, no nosso arquivo, negócio de 74. Será que a gente vai achar?” Meu assistente achou e pegou o relatório, e o relatório estava assinado por mim, em 1974, 75. Aí eu mandei para o Elio Gaspari, eu falei: “Olha aí, a informação que você queria está nesse relatório. Você viu, desde aquela época eu já cuidava desse negócio”. “Muito obrigado.” Continua chateando, de vez enquanto, ele bota um artigo lá reclamando de gregos e troianos.
BACIA DE CAMPOS
Aí descobrimos a Bacia de Campos em 74, logo depois foi descoberto campo de Namorado, logo depois Enchova, logo depois Badejo e por aí vai. Quando chegou em 75 a Petrobras tinha chegado à conclusão que nós tínhamos descoberto muito petróleo na Bacia de Campos, a profundidade era grande, entre 100 e 200 metros de lâmina d’água, que é a profundidade de água do mar no local onde o campo está, lá embaixo, lá no fundo, 2, 3, 4 mil metros abaixo dessa lâmina d’água, então a diretoria da Petrobras decidiu desenvolver aquele troço, mas nós não tínhamos a tecnologia. A tecnologia estava sendo desenvolvida naquela ocasião no Mar do Norte, porque o Mar do Norte tinha sido descoberto, também com lâminas profundas, mas não tanto quanto essas nossas - 60, 70 80, por aí. Então a diretoria pegou três camaradas, para dar a esses três camaradas responsabilidade por desenvolver todas essa descobertas na Bacia de Campos: um foi o Paulo Vasconcelos, já falecido, o outro foi o Gilvan Couceiro D’Amorim - aposentou pouco antes de mim, acredito que esteja vivo, mora na Bahia - morava na Bahia - e eu, então criou um órgão específico que ficou com a finalidade de desenvolver toda a tecnologia e todas as obras que fossem necessárias para produzir todos esses campos que fossem da Bacia de Campos e nós conseguimos. Foi criado um órgão chamado Gecam naquela ocasião, e nós trabalhamos muito nesse negócio e começamos a produzir, começamos a trabalhar em 75 e começamos a produzir, me parece que em 78, 79. Plataformas gigantescas, todas feitas no Brasil. Eu me lembro que eu era muito chateado por diversos colegas, que diziam: “Essas porcarias dessas plataformas, não vão ficar nunca prontas, vocês vão ver, vão morrer de vergonha”. Depois ficaram todas prontas, todas funcionando perfeitamente bem, até hoje está tudo lá. Eu costumo dizer que eu perdi uns dez anos de vida por causa disso, porque foi muito difícil, foi muito grande o trabalho que a gente desenvolveu para conseguir fazer o que nós fizemos, mas conseguimos.
TUDO DO ZERO
Os grandes desafios eram... depois que descoberta é feita, você tem que tirar o petróleo que está 3, 4 mil metros de profundidade e trazer ele para a terra, e a tecnologia para fazer isso não existia, ou existia, mas estava muito bem guardada no cofre de umas poucas companhias, que não queriam dizer isso para ninguém. Então você tinha praticamente que fazer tudo, fazer do zero, desenvolver os programas de computador, desenvolver tecnologia de soldagem para trabalhar em águas frias, e para trabalhar também com aqueles balanços, porque o mar balança o tempo todo, não pára de balançar, então uma plataforma que balançando com o mar, acompanhando o mar, ela dá uma fadiga, e depois de algum tempo o aço cede, o aço trinca e pode ocorrer desmoronamento e tudo mais relacionado com danos, blow-out. Podem acontecer coisas terríveis se não for feito tudo bem feito, e corretamente bem feito. E nós conseguimos desenvolver essa tecnologia, nós fizemos praticamente tudo no Brasil. O que nós importamos naquela ocasião? Importamos - a gente importa até hoje - turbina, compressores centrífugos, alguns itens para controlar o processo, equipamentos eletrônicos que não fazem no Brasil, também não fazem nos Estados Unidos, quem está fazendo hoje em dia é Japão e Coréia e por aí vai, e nós conseguimos fazer essa coisa toda, chegamos até o fim, e com isso, sabe o que aconteceu com isso? A nossa produção de petróleo em 75, quando nós começamos, devia estar em mais ou menos 250 mil barris, 220 ou 250 mil barris por dia, e quando essas plataformas ficaram prontas e começaram a produzir, nós chegamos a 612 mil barris por dia.
DEPARTAMENTO DE PRODUÇÃO
Agora isso aconteceu para mim. Eu comecei lá cuidando da área de engenharia, porque embora seja da área de produção, como eu falei, eu sou engenheiro de produção de petróleo. Eu saí, deixei a atividade de produção e passei para a atividade de engenharia em 1975, quando criou esse tal de Ascam, mas quando chegou em 83, em 1983 o Ueki (Shigeaki) me chamou um dia lá, e falou assim para mim: “Você quer ser superintendente do Departamento de Produção?” Eu falei: “É uma posição importante dentro da Petrobras, importantíssima, é um prazer.” “Você quer enfrentar o desafio?” Falei: “Para mim é um prazer enfrentar esse desafio.” Ele falou: “Se eu soubesse que você era engenheiro de produção eu já tinha te convidado para essa posição há muito tempo atrás.” Ele achava que eu era engenheiro de engenharia da área de prestação de serviço, então na hora que ele soube que era engenheiro de produção ele falou: “Estou precisando de um cara lá”. Aí ele me levou, eu fui ocupar a posição de superintendente do Departamento de Produção, que era quem cuidava da produção de petróleo no Brasil inteiro. Aí chegou comigo, na minha gestão, a 612 mil barris por dia, isso foi em 86. Eu fiquei lá três anos, de 83 a 86, quase quatro anos. Para mim foi uma realização fantástica, eu comecei com a obra e terminei com a produção do tanque de petróleo lá em terra, nos navios, para mim foi uma satisfação.
Nessa ocasião a gente já produzia petróleo no Estado do Rio, Espírito Santo, na Bahia, em Sergipe, em Alagoas, no Rio Grande do Norte, no Ceará e no Amazonas, então cada local desses tinha um superintendente regional daquela unidade de produção de petróleo. Eu tinha essas pessoas todas como meus subordinados. Recebia, todos eles prestavam informações à minha pessoa, e tinha lá no Rio mais dois superintendentes também do departamento de produção, mas que eram subordinados à minha pessoa, um era da área de produção e outro da administração e manutenção. Então eu tinha... Eu geralmente ia para lá muito cedo, 7 horas da manhã eu já estava na rua, e conversava com todos eles praticamente todos os dias para saber o que estava acontecendo, quais eram os problemas, o que precisava ser feito. E tinha também a área de planejamento, que lá na Petrobras você tem que cuidar do orçamento como se você estivesse cuidando das suas finanças, com todo cuidado, não pode ir além, tem que ver o que está gastando, essa coisa toda, e também a turma de projeto, porque tem sempre um pessoal que está pensando para frente. Nós fizemos uma descoberta agora, e nós queremos estar com essa descoberta produzindo petróleo daqui a um ano, daqui a um ano e meio. Então o que tem que ser feito para isso? Quanto é que vamos ter que investir? O que é que tem que ser feito? Então a atividade do superintendente naquela ocasião era essa, olhar isso tudo e acompanhar isso tudo.
TRAGÉDIAS EM ENCHOVA
O que mais me marcou durante a minha gestão foi um acidente lá que me machucou. A atividade numa determinada plataforma, naquela ocasião, ela era conduzida por departamentos distintos; então tinha um departamento que cuidava de produzir petróleo e gás, tinha um departamento que cuidava de fazer exploração, e tinha um outro departamento que cuidava de fazer perfuração. Então um perfura, o outro produz e outro explora e tudo na mesma plataforma. Não são todas não, são algumas. Então eram três superintendentes que ficavam responsáveis por uma mesma plataforma. Em certa ocasião, foi no dia 15 de agosto de 1985, se não me falha a memória, estava havendo uma atividade na plataforma de Enchova com sonda, atividade com sonda, e a plataforma de Enchova tinha lá um campo de gás, uma capa de gás. Tinha um campo que produzia petróleo e tinha uma capa de gás um pouco mais acima. Aconteceu que esse gás vazou, entrou no poço e subiu, explodiu, pegou fogo, e as pessoas que lá estavam... Foi de madrugada, foi meia-noite, por aí. Interessante que dia 15 de agosto era aniversário de Shigeaki Ueki, era o presidente da Petrobras naquela época, não sei se estava mudando ali, porque houve uma mudança, entrou um outro, porque ele queria ser embaixador na Comunidade Econômica Européia, mas depois não conseguiu, teve uma porção de coisas assim. A explosão em si não matou ninguém. Ninguém ficou ferido nem coisa nenhuma, mas tinha uma baleeira, que é uma barquinha mais ou menos no tamanho dessa sala aqui, mais ou menos dessa largura e desse comprimento, e as pessoas que lá trabalham na plataforma, quando tem qualquer coisa, elas entram nessa baleeira, que é protegida, ela tem teto, essa baleeira desce até o mar, e essa baleeira vai embora como qualquer outro barquinho, para proteger da situação que está difícil lá na plataforma. Aconteceu o seguinte, essa baleeira ela fica dependurada lá o tempo todo sem fazer nada, só para ser usada quando há necessidade, fica dependurada por dois fios de aço, e para começar a descer a baleeira precisa soltar os fios de aço. E o que aconteceu foi o seguinte: as pessoas entraram na baleeira, não sei quantas, e em vez de soltarem os dois fios de aço, soltaram só um, então a baleeira ficou presa em um dos cabos, e aquele cabo não suportou o peso das pessoas lá dentro junto com a baleeira. A baleeira caiu sem pegar fogo, sem nada, caiu, mas ela fica muito alta porque a plataforma fica acima d’água 30, 40, 50, 60 metros, porque tem diversos andares, e aquilo caiu e as pessoas morreram. A baleeira foi pega alguns minutos depois, todo mundo machucado, acho que todos morreram, não sei se alguém sobrou, mas quase todos morreram, e isso foi um azar, sem mais tamanho. Aí você vê que coisa interessante, eu não sei quem foi que juntou um avião aqui, arrumou um avião aqui no Rio de Janeiro, acho que foi a própria Petrobras. Arrumou um avião para levar jornalista lá na plataforma para mostrar que se não fosse aquilo do acidente com o barco, a plataforma em si tinha muito pouco dano, aí o avião que estava levando esses jornalistas caiu naquele morro ali perto. Bateu, matou mais uns oito ou nove jornalistas. Então somando dá mais de 30 pessoas, parece que morreram por conta desse negócio. Isso me machucou muito, mas vai fazer a vida.
NO RECÔNCAVO
Eu tive uma experiência no Recôncavo Baiano, num vilarejo onde fui viver com minha esposa. Tinha mais ou menos umas dez casas, um grupo de engenheiros vivendo ali juntos. Era um lugar muito agradável, tem uma estrada asfaltada, já tinha naquela ocasião que ligava Santiago, que era a sede do local onde eu trabalhava até a BR, que liga Salvador a Candeias, acho que é a 324 se não me falha a memória. BR-324. Então eu ia do trabalho para casa numa estrada asfaltada, e ia de casa para o trabalho numa estrada asfaltada.
E dessa estrada asfaltada, essa que eu mencionei tinha um acesso também asfaltado, que subia o morro.
O morro devia ter talvez uns 150, 200 metros de altura e tinha dez casas em fila, eu acho que eram 10, ou 12, e a que eu morava era uma daquelas lá do meio, e na frente era a visão de todas essas casas. Tinha o vale do rio Pojuca, era um rio não muito expressivo, mas corria uma água bonita por ali, tinha peixe, tinha caranguejo, tinha pitu, tinha umas coisas todas bonitas ali. A casa tinha três quartos, tinha uma sala muito boa, tinha uma cozinha muito boa também, minha mulher gostava muito da cozinha, tinha dois banheiros, tinha um quartinho para empregada, eram todas as casas iguais e tinha uma garagem, que não era uma garagem, era uma área coberta que ficava bem em frente da porta de entrada da sala, e o carro ficava ali. Eu tinha um Volkswagen naquela ocasião, um 66, por aí, ficava o carrinho ali, minha mulher dirigia, se ela precisasse, quando eu estava trabalhando ela saía, ia para todo o lado, minha mulher nunca foi de ficar presa, não. O local chama São Sebastião do Passeio, uma cidadezinha pequena, pouco expressiva, mas muito agradável.
SÃO SEBASTIÃO DO PASSEIO
Eu comprava praticamente tudo em São Sebastião do Passeio, tinha uma feira nas sextas-feiras de tarde, começava lá pelas 4 horas ia até as 7, 8 horas da noite, e a gente comprava todas as verduras ali. Tinha tudo quanto era verdura, não tinha problema de faltar nada. Tinha muita carne, tinha de tudo. Tinha uns barzinhos em que a gente tomava cerveja com uns colegas, e as mulheres também se encontravam por ali. Elas participavam de tudo. As mulheres eram naquela ocasião, a minha e as outras lá muito pra frente, não tinha nada de ficar presa não, todas dirigiam carros.
TRABALHO E MAIS TRABALHO
Eu conhecia o barbeiro, a que eu ia uma vez por mês para cortar o cabelo. Eu conhecia o dono do bar lá que vendia uma cervejinha para a gente; eu conhecia o gerente lá da agência bancária. Eu conhecia poucas pessoas, porque eu saía de casa 7 horas da manhã e voltava... Não, 7 horas começava o trabalho, eu saía 6 e pouco, desse local até a sede onde eu falei, a sede do distrito, era uma meia hora mais ou menos de carro, então eu saía de casa muito cedo, trabalhava até as 4 e meia mais ou menos, voltava para casa, e meu trabalho era 24 horas por dia. 24 horas por dia porque eu trabalhava com sonda, fazer uma completação e avaliação de poços, e tinha sonda a 100 quilômetros de distância, então às vezes chegava em casa às 5 horas da tarde e falava para minha mulher: “Olha, bota uma coisa para eu comer, porque eu vou ter que sair, porque eu tenho um serviço hoje lá no Fazenda Imbé.” Que são 100 quilômetros de distância. Então saía depois do jantar e ia para a Fazenda Imbé, passava a noite toda trabalhando, e voltava para casa de manhã com o serviço feito, quase sempre com o serviço bem feito, e depois ia trabalhar outra vez. Depois que chegava em casa tomava um banho e ia trabalhar, e a vida era assim - não tinha muito tempo para distrair, era só mesmo na hora que estava com os colegas, e depois do serviço que a gente se juntava num localzinho ali. Não tinha televisão naquela ocasião, não tinha telefone, eu não falava para Belo Horizonte, porque não tinha telefone. A minha mulher conheceu... Tinha lá em Salvador, tinha um quartel lá em Salvador, ela ficou conhecendo uma oficial que o pai dela falou, que tinha um rádio-amador, e meu sogro lá em Belo Horizonte conhecia o rádio-amador, então eles falavam assim, rádio-amador para cá, rádio-amador para lá. Eu não falava com a minha mãe, minha mãe não saía de casa para ir ao rádio-amador, então eu escrevia uma carta - todo mês eu escrevia uma carta para minha mãe, contando as coisas, e ela devolvia um mês depois contando também as coisas e assim era.
AMIGOS NA PETROBRAS
Essas pessoas que moravam nessas dez casas lá de São Sebastião do Passeio, um por exemplo, trabalhava lá no distrito sul, às vezes nem conhecia o cara, só sabia o nome dele, mas não conhecia. O outro era médico, então ele cuidava de examinar as pessoas e tudo mais. A gente também não conhecia, só via quando estava com uma coisa. O outro também cuidava de outro negócio em outro lugar, agora tinha quatro lá que trabalhava, quatro engenheiros, quatro casais que trabalhavam na área do distrito norte que era o Bobel, o Nelson Schimidt e o outro o Alfredo Ramalho. Nós quatro, nós tínhamos um relacionamento muito bom. Um era baiano, o Alfredo Ramalho era baiano - depois foi superintendente lá da Bahia; eu, mineiro, o Nelson Schmidt, gaúcho e o Bobel, paranaense. Essas quatro mulheres passavam o tempo todo falando mal dos outros. Para você ver como o relacionamento ficou forte, nesses anos todos, sexta-feira o Nelson Schmidt e a esposa dele almoçaram comigo e com a minha esposa. Eles hoje moram em Salvador, vieram aí passar uns dias, estivemos juntos, almoçamos juntos e criamos uma amizade sem fim. Agora com o pessoal da cidade não havia muita coisa naquela ocasião, porque quando aparece alguém que gosta de política, por exemplo, alguém que quer logo conhecer o prefeito e conhecer o presidente da Câmara dos Vereadores, aí ele se enturma ali na cidade, é outra coisa. Eu tive colegas, por exemplo, que eram assim. Gostavam muito de política, e queriam se aproximar da sociedade local, agora já quem não gosta de política, olha mais o trabalho as suas obrigações do dia-a-dia. Nós tratamos todos muito bem, mas aproximação maior não tinha não.
TROCA DE DIREÇÃO
Na década de 80 eu estava no cargo como superintendente. Eu fiquei até 86. Em 86 aconteceu uma mudança na Presidência da Petrobras. Lá na Petrobras, quando muda a Presidência muda um monte de gente, é sempre assim, agora mesmo no jornal está dizendo que estão mexendo com muita gente lá, mas isso faz parte do processo, eu não tenho que reclamar, não, vivi essa experiência tantas vezes, trabalhei com tantos presidentes lá dentro, sempre. E em 1986 entrou Ozires me parece – não, antes do Ozires foi aquele que criou aquele programa de desburocratização... Hélio Beltrão. Entrou lá o Hélio Beltrão. O Hélio Beltrão resolveu mudar lá as coisas que todos os presidentes mudam, e eu estava com o diretor que era o Rennó, que foi diretor antes de mim, aí o Rennó foi botado para fora com a entrada do Hélio Beltrão, ou já foi na saída e entrada do Ozires, houve uma mudança, e um novo diretor entrou, que foi o Wagner Freire, e o Wagner Freire resolver mudar a administração do Depro. Eu saí e entrou Alfeu Valença. Então eu saí, mas logo depois eu fui convidado pelo diretor novo que chegou lá, que era o Edilson Távora. Era um político, cearense, sempre pessoa muito discutida e criticada, e como o presidente da República na ocasião era o Sarney, e o Edilson Távora e o Sarney eram conhecidos políticos antigos, apareceu lá Edilson Távora para ser diretor. Edilson me chamou um dia e perguntou se eu não queria ser assistente dele. Eu não queria, mas eu não podia falar que não queria, porque falar que não quer para diretor é chato. Eu estava numa posição lá embaixo no serviço de engenharia, eu estava dirigindo uma divisão lá, salário era a mesma coisa. Em termos de salário não tinha interesse, o Edilson Távora eu não conhecia bem, aí eu falei: “Vamos ver.” Saí sem dar resposta. Passada, sei lá, uma semana, ou duas ou três, ele me chama outra vez: “Como é? Decidiu?” Eu falei: “Pois é, diretor, eu estou pensando.” “Não, você está pensando coisa nenhuma, a partir de amanhã você está aqui, já assinei aí a portaria.” E no dia seguinte eu fui trabalhar para o Edilson Távora. Fiquei trabalhando com o Edilson Távora em 86, 87, 88, 89, aí ele morreu. Pobre coitado do Edílson faleceu, apareceu com câncer desses violentos, e me parece que morreu em novembro de 89. Eu tinha até acostumado a trabalhar como assistente diretor, Edilson era um político, não tinha muita vivência das coisas da Petrobras, e eu trabalhava na Petrobras havia décadas e décadas, eu conhecia bastante a empresa, não havia muitos segredos da empresa para mim, então ajudei Edilson no que pude e assim foi até o dia que ele faleceu.
PETROMISA
Um dia o Edilson me chamou e disse assim: “Olha, você sabe que a Petromisa, quem toma conta sou eu, não é?” Eu falei: “Sei, Edilson”. Petromisa é uma empresa de mineração que a Petrobras tinha, Petromisa S/A, que produzia cloreto de sódio e cloreto de potássio, numa mina lá em Sergipe, com buraco enorme, 400, 500 metros de profundidade. Extrai esses dois sais, um a gente usa na comida, o outro é fertilizante. O cloreto de potássio é um fertilizante extraordinário. Então ele falou: “Toma conta desse negócio aí para mim que eu tenho muitas coisas para ver.” E eu fiquei tomando conta da Petromisa. A Petromisa tinha eu como assessor dele, mas ele tinha lá na Petromisa, ele tinha presidente. Não, presidente ele era; tinha vice-presidente, tinha diretores, e eu acompanhei muito a Petromisa durante esses anos que lá estive. Eu acho que tenho uma fotografia, acho que eu não trouxe a fotografia, eu lá na Petromisa fazendo uma visita junto com as pessoas de lá. Eu não trouxe essa, ficou em casa. E isso me marcou bastante. Aí o Edilson morreu, o Collor entra, e o Collor decide acabar com a Petromisa. A Petrobras tinha que vender a Petromisa ou fechar a Petromisa, porque a Petromisa era uma empresa operacionalmente muito complicada, para a Petrobras, que mexe com petróleo, mexer com sal. Acabou passando aquela empresa para a Vale do Rio Doce, me parece. Hoje em dia a Vale do Rio Doce cuida dela. Aí eu continuei. O diretor que entrou depois do Edilson Távora, eu acho que foi o Roberto Villa, se não me falha a memória. O Roberto Villa ficou com a responsabilidade de acabar com a Petromisa, e eu, que era o assistente, fiquei responsável por fazer as coisas para fechar a Petromisa. Assim foi, fiquei com esse abacaxi na mão mais de um ano. Eu me lembro até hoje da lista, a Petromisa acho que tinha 1.060, 1.070 empregados, e nós íamos demitir todo mundo porque era para fechar. O mais interessante é que tem pessoas importantes que estão agora nessa administração, que estavam lá na lista, que foram demitidas, porque a ordem era demitir, era ordem da Presidência da República, e assim aconteceu, isto tudo me marcou muito nessa época.
DIRIGINDO A BRASPETRO
Aí morreu Edilson Távora, e logo depois o Collor assumiu, e botou lá como presidente da Petrobras o Motta Veiga. Não sei como é o nome do Motta Veiga, acho que é Luís Octávio Motta Veiga, uma coisa assim. E o Motta Veiga queria arrumar a Petrobras direitinho, embora as orientações lá do Collor fossem meio complicadas. Eu não sei, nunca falei com o Collor, mas achava aquele negócio complicado. Aí um dia, para minha surpresa, eu recebi uma oferta do Motta Veiga para ir dirigir a Braspetro, que é a companhia internacional que cuida da Petrobras internacional, produz petróleo no exterior, explora, não sei o quê, fazem um monte de coisa. Eu aceitei, enfrento o desafio. Para mim vale a pena. Isso foi em 1990, foi logo depois da posse do Collor na Presidência da República. Eu não fui nunca naquele prédio, como é que chamava? Bolo de noiva, coisa assim, tinha um nome estranho. Eu nunca fui lá, nunca fui convidado por ninguém de fora da empresa para participar de coisas estranhas. Eu não tive esse problema na Petrobras, para mim foi até surpresa, porque disseram assim para mim: “Olha, seu nome vai para Brasília para ver se nada consta”. Passados alguns dias: “Nada consta”. “Então está muito bom.” Vou poder trabalhar com o meu interesse pessoal nas coisas e não com alguém lá de Brasília mandando. Aí eu fui ser vice-presidente da Braspetro.
Então eu acabei indo para a Braspetro, para ser vice-presidente da Braspetro, e interessante que a Braspetro, a administração lá era assim: o presidente da Braspetro era presidente da Petrobras -, eu acho que até hoje é assim -, mas o dia-a-dia quem tocava todo o processo administrativo, operacional e tudo era o vice-presidente. Eu fui para ser o vice-presidente, então o meu chefe era o presidente da Petrobras, embora de vez em quando mude, bote outro, não sei o quê, mas estruturalmente é assim. Bom, eu lá fiquei 90 e 91, aí em 91, tudo na época do Collor mudava muito rapidamente, era um numa semana, na outra não era, passei lá um ano mais ou menos e aí sa de lá.
Diretor da Petrobras
Voltei para ser assistente da diretoria. Isso já foi fim de 91, eu fui ser assistente da diretoria, cujo diretor, o meu chefe, era o João Carlos De Lucca, que já se aposentou e já saiu também. E fiquei lá um ano e pouco, coisa assim, como assistente da diretoria, aí houve mudança e mudança na Presidência da Petrobras, aí parou lá o Joel Rennó. Rennó me convidou logo quando chegou lá, em 93 - acho que foi no início de 93 -, me convidou para ser chefe do gabinete dele, eu fui ser chefe do gabinete do Joel Rennó durante alguns meses, aí houve também uma mudança na diretoria da Petrobras feita pelo Rennó, aí eu fui ser diretor, e lá fiquei de 93 até 99.
IBP
Uma coisa interessante também que eu vivi, como experiência ótima que tive na vida, foi trabalhar no IBP, Instituto Brasileiro de Petróleo. Na década de 80, no fim da década de 70, o ex-diretor, nosso ex-diretor o... Como é o nome dele mesmo? Vai ficando velho, vai ficando difícil lembrar o nome de tanta gente. O Orfila, ele me botou lá no IBP com algumas responsabilidades, negócio de criação de normas. O IBP é negócio de criar normas e procedimentos operacionais esse troço todo, e eu comecei então a trabalhar no IBP sem salário, a troco de cafezinho e água, e lá fiquei trabalhando no momento de vazio da Petrobras. A Petrobras sabia, era tudo direitinho, foi assim até 92, 93, 94; em 94 eu fui ser diretor do IBP. Acho que foi no início de 94, e logo depois eu fui ser presidente do conselho de administração do IBP, e fui assim até maio de 99. Eu usava isso muito para mim, por exemplo, quando eu ia para os Estados Unidos fazer palestras lá, e não sei o quê, eu dizia que era presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro do Petróleo, porque isso é importante para burro.
PRIVATIZAÇÃO
Naquela ocasião o Instituto Brasileiro do Petróleo era uma associação, uma empresa associada a diversas outras empresas no mundo do petróleo com ações, cada um com a sua participação. A Petrobras era majoritária, e quando eu era lá presidente do conselho de administração do IBP, eu propus que a Petrobras deixasse de ser majoritária, e foi aprovado pelo conselho de administração da Petrobras, e nós vendemos as nossas ações para outras empresas, e a Petrobras deixou de ser majoritária. Hoje não é mais majoritária, quem é a empresa agora é um troço privado, e eu boto isso lá nas minhas responsabilidades. Outra coisa muito interessante, também experiência que eu vivi, é que o Collor mandou acabar também com as empresas de fertilizantes no Brasil, estatais, e a Petrobras tinha um monte, tinha a tal de Petrofértil, que tinha empresas de fertilizante na Bahia, em Sergipe, em São Paulo, em Minas, em Goiás e para todo o lado, no Paraná, e veio a ordem de acabar com aquilo, e a empresa foi privatizando. A Petrofértil foi privatizando todas essas subsidiárias que ela tinha, e no fim ficou uma só, chamada ICC, Indústria Carboquímica Catarinense, que tinha atividade me parece no sul do Paraná e um pouco em Santa Catarina. Negócio deles era lavrar carvão, produzir carvão, vender carvão para gerar energia elétrica, só que junto com o carvão que era minerado, vinha uma quantidade de rejeitos enormes que foram se acumulando e se acumulando, e quando foi vender ninguém queria comprar aquilo, porque o passivo ambiental era gigantesco. Aí eu fui ser o presidente dessa... Não dessa ICC, mas da Petrofértil, do que restou da Petrofértil. Depois que ela vendeu tudo sobrou esse bagulho e mais outros bagulhinhos espalhados pelo Brasil afora, eu fui lá, assumi com o encargo de resolver o problema da ICC. Olha, me deu um trabalho com esse negócio de ICC, mas um trabalho... Eu acho que não conseguia chegar ao fim. A ICC por fim foi liquidada, e acabou e sumiu do mapa, e a Petrofértil mudou de nome, passou a chamar Gaspetro, se não me falha a memória Gaspetro, e eu era o presidente da Gaspetro.
GASPETRO
O que fazia a Gaspetro? É a empresa que assumiu o gás da Petrobras, então esse gás que vem da Bolívia, por exemplo hoje, é de uma empresa chamada acho que Transpetro, que é uma subsidiária, uma filial da Gaspetro, e esse gás hoje todo da Petrobras parece que está agora nas mãos da Gaspetro, e eu fui o presidente, então eu gostava muito de falar lá também nos Estados Unidos, que me apresentava como presidente da companhia de gás do sistema Petrobras, só para encher as coisas, os americanos gostam muito disso. Até que chegou o dia que chegou o fim, que foi no início de 1999, mudaram lá a presidência como sempre, aí muda tudo.
AUTO-SUFICIÊNCIA
Estamos lá até hoje esperando que a Petrobras continue indo para frente sempre. Já podia ter atingido a auto-suficiência, na minha avaliação. Não atingiu por dificuldades, me parece de orçamento, porque a Petrobras com esse negócio do equilíbrio fiscal, a Petrobras tinha que contribuir para o equilíbrio fiscal, então não podia gastar para aparecer como saldo no equilíbrio fiscal, e não podendo gastar não pode produzir, porque para produzir petróleo você gasta muito dinheiro para fazer as instalações para te permitir produzir o petróleo, mas acho que agora saiu fora, já não faz parte do equilíbrio das contas, não depende, me parece, ou a Petrobras não está mais proibida, ou não tem mais que seguir um limite fixo. Isso é o que eu entendi da leitura dos jornais, assim ela tem uma abertura maior para poder investir, para poder atingir a auto-suficiência. Petróleo tem muito. Quando nós saímos de lá, quatro anos atrás, as reservas já eram, me parece, mais de 7 bilhões de barris de reservas prováveis, e isso dá para produzir muito mais que 1 milhão e 600 barris que estão sendo produzidos por dia. Eu acho que o dia que atingir a auto-suficiência é dever cumprido.
PEDINDO DEMISSÃO
São quase 37 anos de trabalho na Petrobras... Deixa eu te contar uma coisa que eu não contei. Em 1964, com a revolução, a Petrobras estava vivendo um momento muito difícil, nosso salário estava baixíssimo porque o Roberto Campos tinha proibido aumento de salário das empresas estatais, e a gente estava com o salário extremamente pequeno. Aí eu conversei com a minha mulher, e nós pensamos em decidir voltar para Belo Horizonte, porque empregos lá havia bastante, com salário melhor e maior, e perto da casa da mamãe e do papai. Aí decidimos, decidimos, está de acordo, está de acordo então vamos. Eu peguei um pedaço de papel e escrevi lá o meu pedido de demissão, entreguei para o meu chefe, o meu chefe falou que ele não podia decidir, que ele ia entregar ao superintendente, que era o Hamilton Lopes - aquele que foi assassinado alguns anos depois. Hamilton Lopes ficou lá com o meu pedido durante alguns dias, de vez enquanto eu passava perto do meu chefe lá do distrito norte, e perguntava: “Como é? Não vai decidir, não? Eu tenho coisa para fazer”. “Não, não. O Hamilton vai conversar com você.” Passados uns dias eu recebi um fax do Hamilton Lopes dizendo para eu ir para Salvador, porque eu morava lá em São Sebastião do Passeio, 100 quilômetros de Salvador, para conversar com ele sobre o meu pedido. Eu fui, cheguei lá era pouco antes de 3 horas da tarde, me apresentei lá à secretária dele. A secretária disso: “Olha, o senhor senta, aguarda um pouquinho que ele vai te receber”. Passado uns momentos lá ele me chama, eu entrei. Ele virou para mim e falou assim: “Pô, marcaram para você às 13 horas e você chega às 3?” Eu falei: “A informação que eu tenho aqui é para chegar às 3, não é às 13.” Ele falou: “Espera aí que vou pegar o seu papel.” Aí eu olhei a mesa dele, a mesa dele era grande e cheia de papel em cima. Papel para todo o lado. Eu falei: “Ele não vai achar meu papel, não vai”. Aí ele começou a procurar em cima, embaixo, de um lado, do outro, procurou, procurou e não achou meu pedido de demissão, aí ele levantou e falou: “Olha, deixa para lá. Deixa para lá esse negócio, continua trabalhando, pensa mais, eu acho que perdi esse papel, manda outro.” O Hamilton era autoritário que era danado. Então eu sai de lá e mudei de idéia, resolvi trabalhar até 1999, por conta do Hamilton Lopes. Foram as pessoas que me estimularam muito, e que criaram a vontade de trabalhar, Hamilton Lopes e o diretor Alfeu, que também é uma pessoa maravilhosa, pessoa extraordinária e outros que não posso falar ainda, porque tem muito pouco tempo que passou. Precisa esperar o tempo passar mais para falar as coisas.
COMPETIÇÃO INTERNA
A Petrobras para mim significa... A Petrobras só não é mais importante para mim do que a minha família. A família é número um, e a Petrobras é número dois. Mesmo com as dificuldades que eu vivi lá dentro. Eu não vivi só momentos bons não, a Petrobras é fogo, aquilo ali é uma disputa terrível, são pessoas de um modo geral muito competentes e muito trabalhadoras, e todo mundo quer subir, então o que há de encontrões ali é uma coisa terrível, ninguém gosta de ser passado para atrás, e ninguém deixa de passar o outro para trás se puder passar. A disputa ali é terrível, e eu vivi aquela disputa. Eu costumo dizer para minha mulher - minha mulher é muito brava, de vez enquanto ela reclama comigo -, eu falo: “Oh, dona Regina, eu trabalhei 37 anos na Petrobras, nunca briguei com ninguém, então não vai ser aqui em casa que eu vou brigar.” Atribuo esse jeito ao estilo mineiro de ser. Os mineiros são menos de brigas, é interessante. Daquela região ali de Ouro Preto, Belo Horizonte, não sei se é muita montanha, um clima muito agradável, mineiro não gosta de brigar e não gosta de falar muito, eu aqui até estou falando muito, eu nem sei por quê, porque vocês estão falando pouco, mineiro não gosta muito de falar não.
APOSENTADORIA
Eu tenho três filhos e um netinho. Oh, eu levanto... O meu relógio está despertando 15 para as 6 atualmente, porque ele varia em função da luminosidade. Época de verão eu levanto mais cedo, boto o relógio para despertar 5 e 15, agora está 15 para as 6, daqui a uma semana vai passar para 6h, porque fica escuro. Aí eu boto a minha roupa de fazer cooper e vou para a Lagoa para fazer cooper. Todo o dia, desde que não esteja chovendo, eu dou uma volta na Lagoa, faço um pouco de ginástica lá, aí venho para casa, tomo banho, tomo um cafezinho muito modesto - não sou de comer muito também não -, aí eu leio jornal, às vezes nem tudo, porque o tempo é controlado, aí eu faço uma coisa que minha mulher pediu. A torneira está vazando, eu vou lá e reparo, isso aqui, não sei o quê, eu vou lá e faço. Não venho mais à cidade, porque eu moro na Lagoa, ali perto do corte do Cantagalo, eu só vou agora em Copacabana que é pertinho, ou em Ipanema que é pertinho, e vou ao Leblon que não é muito pertinho, mas é perto também. São os únicos três locais que vou. Aí eu vou lá, pago alguma coisa no banco, compro uma coisa que a minha mulher pediu, tomo um chope se estiver muito calor e volto para a casa. Ou às vezes na rua eu almoço com a minha mulher, ou volto para casa e almoço, e a tarde eu leio, ouço música, gosto muito de música, gosto muito de ler, de noite ligo a televisão vejo o Jornal Nacional, mais alguma coisinha assim até 10 horas e vou dormir outra vez, porque 10 horas eu estou com sono, porque eu levantei às 5 e meia, e essa é a minha vida. Se você somar as coisas todas que eu trabalhei antes da Petrobras dá uns 10 anos, ou quase 10 anos, eu trabalhei na Petrobras 37, então eu trabalhei 47 anos da minha vida. Minha mulher vem de vez em quando com esse negócio: “Você precisa trabalhar.” “Preciso trabalhar nada. Trabalhei 47 anos da minha vida, já estou com 65, para que trabalhar mais?”
FILHOS E NETO
Eu tenho uma filha que é bióloga e fonoaudióloga, eu tenho outra que é jornalista e estilista, tudo com curso superior, e tem um outro que começou engenharia igual a mim, depois parou porque disse que não estava gostando, passou para arquitetura, formou-se em arquitetura. Minha mulher gosta muito de arte, então esse meu filho puxou a ela, danado com negócio de arte, e agora está estudando direito, está aí no quarto ou quinto período já de direito. Então todos trabalham. A minha filha é professora, essa mais velha, essa que é bióloga. Essa que é jornalista e estilista trabalha também, tem um emprego aí, tudo mixaria. Ninguém ganha, dessas duas, ninguém mais de 2 mil reais por mês. O meu filho tem uma pequena empresa de projeto de engenharia, de arte, esse negócio de propaganda de loja, ele mexe com esse negócio todo, ganha também uma porcaria, mas acho que ganha mais de 2, mas uma coisa pelo menos, raríssimo ele me pedir dinheiro emprestado. Mas estão felizes. Tenho um netinho, e minha mulher é doida com o netinho. Eu gosto muito do netinho também.
MEMÓRIA DOS TRABALHADORES
Eu não recebi nada da Petrobras dizendo que ia fazer esse projeto, só recebi no fim da semana passada uma carta do Santarosa, depois que eu pedi para ser convidado, porque eu falei: “Eu não vou lá nesse local dar uma entrevista sobre as coisas da Petrobras, sem que a Petrobras me peça. Que história é essa? Pode alguém que trabalhou numa empresa e saiu dela já e está aposentado e falar dessa empresa, para uma outra empresa? Isso não pode.” Esse negócio tudo tem que ter suas reservas, então eu pedi que o Santarosa me mandasse uma carta pedindo que eu viesse cá prestar esses esclarecimentos, e ele me mandou a carta e eu cá estou.
Sobre ter dado esse depoimento sobre minha trajetória na Petrobras, eu tinha pensado nisso anteriormente, antes da carta do Santarosa, antes da carta da Ana Carolina, do telefonema da Ana Carolina, eu tinha pensado isso. A Petrobras tem que fazer isso, está fazendo 50 anos e não vai fazer um livro, para contar a história desses 50 anos? Pelo menos palpite de meia dúzia de pessoas. Para mim, eu fiquei satisfeito em saber que a Petrobras está fazendo isso, e eu gostei muito de vir cá e conversar com vocês, e contar as coisas. É pena que muitas coisas eu não me lembro mais, e muitas coisas não podem ser ditas. Só depois que as pessoas morrerem, aí a gente conta.
Eu agradeço.
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