Histórias de Consumo Consciente
Depoimento de Vercidino Albarello
Entrevistado por Lila Schneider
São Paulo, 04/10/2016
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV546_Vercidino Albarello
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Você estava falando o seu nome todo, local e dat...Continuar leitura
Histórias de Consumo Consciente
Depoimento de Vercidino Albarello
Entrevistado por Lila Schneider
São Paulo, 04/10/2016
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV546_Vercidino Albarello
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Você estava falando o seu nome todo, local e data de nascimento.
R – Muito bem. Eu sou Vercidino Albarello, nasci em Palmitinho, norte do Rio Grande do Sul, no dia 21 de abril de 1948. Era uma pequena comunidade, com poucas casas, ainda numa área de matas que estavam sendo desbravadas nas costas do rio Uruguai, recebendo uma população migrante que saía da cidade de Guaporé e da cidade de Venâncio Aires. Meu pai, ainda solteiro, foi para esta região e depois da casa pronta levou a família dos pais dele. E nesta pequena comunidade é que eu vim a nascer e tive uma convivência muito curta com o meu pai porque ele faleceu jovem, aos 42 anos de idade, quando eu ainda não tinha oito anos. A partir daí as nossas dificuldades foram sendo muito acentuadas porque a minha mãe, que ainda hoje vive, com 96 anos, tinha oito filhos sendo que ainda estava grávida com a minha irmãzinha nascendo 40 dias depois da morte do meu pai. Eram nove bocas para alimentar e a profissão de seleiro e sapateiro praticada pelo meu pai não tinha possibilidade de continuidade pela minha mãe e nem pelo meu irmão mais velho, que tinha 12 anos. E aí a minha mãe decidiu voltar para a roça, de onde tinha saído, comprar mais um pedaço de terra e então na terra conseguiu sustentar, alimentar, encaminhar e educar os seus filhos a ponto de eu ter tido a oportunidade, juntamente com outros meus irmãos, de cursarmos a faculdade. As meninas, naquela época era assim, não tiveram oportunidade de frequentar a faculdade a não ser a última filha nascida, minha irmã Leila. Mas os quatro filhos homens, todos eles se formaram. Eu tive a oportunidade de estudar no seminário e faço esse registro com muita gratidão porque não fosse o seminário eu não teria tido oportunidade de sequer me desenvolver, quanto menos de frequentar uma escola de qualidade e depois me formar na faculdade sendo professor em Letras e advogado formado pela PUC do Rio Grande do Sul.
P/1 – Calma, calma, não conta sua história em dois minutos, assim a gente vai parar por aqui (risos).
R – É.
PAUSA
P/1 – E o nome dos seus pais, como é?
R – Do meu pai, Constantino Albarello e minha mãe, Eugênia Piaia Albarello.
P/1 – E o que é que o senhor se lembra da profissão do seu pai, o que o senhor se lembra de quando era pequeno?
R – Ah, pois não. Então neste período lembro o meu pai ainda com o lampião a querosene trabalhando à noite, fazendo sapatos, fazendo sandálias e de quando em vez indo até um pequeno cortume que ele havia construído na sua chácara e ele curtia couro para fazer arreios para cavalos, animais, que era um meio de transporte muito usuário naquela época. E até o dia em que me lembro perfeitamente quando eu estava com ele, houve um gemido muito forte, ele disse que estava se sentindo mal e daí foi levado ao hospital e foi uma apendicite aguda e do apendicite não saiu mais, lamentavelmente. Então sim, acompanho minha mãe nesse período trabalhando na roça, capinando desde cedo, enfrentando inverno, verão, procurando fazer o trato dos animais, numa criação de porcos não muito grande naturalmente por causa do limite financeiro e econômico da nossa família. Me lembro das dificuldades enfrentadas no corte de matas para a produção de feijão preto e lembro-me de uma ocasião muito especial em que nós estávamos todos os meninos e meninas no entorno da minha mãe arrancando feijão preto quando ela pediu pra que todos nós parássemos. E aí ela muito cuidadosa foi colhendo um pé de feijão, colhendo outro pé de feijão até que ela também lançou um grito estridente e disse: “Ela está aqui, embaixo desse feijão preto está uma jararaca”. E a mãe matou essa jararaca e disse: “Agora podemos colher o resto do feijão”. E foi numa roça nova no município de Vista Alegre para onde nós havíamos nos transferido de mudança. Mas quando depois tive a oportunidade de entrar no seminário, seminário dos padres carlistas, e foi aí que eu tive um contato mais amiudado com as letras e o gosto pela literatura, mas também lembrando sempre dessa minha origem, das dificuldades que nós passamos porque havia necessidade de solicitar as roupas usadas dos vizinhos para que a minha mãe pudesse também nos vestir. E foi ali neste seminário com os padres que eu tive esta oportunidade de desenvolver já um trabalho nas comunidades que nós visitávamos, esse trabalho dedicado às periferias das duas cidades em que eu estive estudando, fosse elas cidade de Casca ou cidade de Guaporé. Mas chegou em determinado momento, eu já estava fazendo a Filosofia, e eu descobri que eu não tinha vocação para padre, então pedi permissão, eu já era seminarista, tinha passado o noviciado, já tinha feito votos, já tinha renovado votos. Então neste período em que o estudo seminarístico era diferente de hoje, para que eu pudesse sair de um seminário havia a necessidade de toda uma licença, uma licença eclesiástica, inclusive que passava pelo Vaticano. E eu pedi essa licença e retornei para a minha cidade de Palmitinho, que já nessa altura tinha se emancipado e ali eu encontro praticamente tudo por fazer, uma cidade nova, que havia necessidade de um começo da sua trajetória político administrativa.
P/1 – Só um momento. Com que idade o senhor entrou no seminário?
R – Eu entrei no seminário com nove anos e saí com 19 anos feito.
P/1 – E o que o senhor se lembra antes dos nove anos, como foi a sua infância?
R – Então, eu digo que eu tenho uma lembrança muito frágil a respeito da convivência com meu pai, mas com os meus irmãos e com minha mãe sim, durante este período até os nove anos de idade em que eu estive no convívio mais direto, era de uma família muito unida e que trabalhava assim, todos eles pequenos, cada um fazendo alguma coisa, quem não pudesse pegar no cabo da enxada ia buscar lenha para fazer o fogo, quem não pudesse carregar lenha ia trazer um pasto para a vaca de leite, enfim, este era o nosso trabalho. Brinquedos, muito pouca coisa porque nós não tínhamos tempo e nem instrumentos para brincar.
P/1 – Mas e lá no meio da roça vocês não inventavam?
R – No meio da roça inventávamos, sim, nossas brincadeiras de esconde-esconde, no meio do milho alto, pegávamos sabugos de milho, espigas de milho para imaginar que fossem bois de carreta. Imaginávamos que as batatas eram as nossas vacas de leite, o chuchu se prestava mais para nós botarmos os pauzinhos e fazer as quatro patas imaginando que aquilo fosse um boi, um cavalo. Então essas eram as nossas brincadeiras na roça naquele tempo. Então, aí sim, aos nove anos, vou para o seminário.
P/1 – Mas calma, calma, a gente vai chegar lá. E costumes da família? Vocês tinham algum costume?
R – Sim. Minha família era muito religiosa, continua muito religiosa até hoje. Então a necessidade de nós fazermos a reza do terço todas as noites era uma obrigação sagrada, né? Mesmo que a maioria dos nossos irmãozinhos adormecessem durante a reza do terço e deitavam embaixo da mesa porque depois a mãe carregava para as suas respectivas camas, ou melhor dizendo, para a cama grande onde dormiam três crianças em cada cama. E também tínhamos, vamos dizer, o nosso costume alimentar, nesta época era mais em função do produto recolhido ali na roça, era o leite da vaca, era o queijo que a mãe fazia, era o salame do porquinho que era abatido e o café era basicamente feito de polenta e leite e com esses produtos agrícolas da estação. E uma das coisas que o gaúcho até hoje preza por demais, que é o churrasco, a nossa família tinha oportunidade de fazer um churrasco ou dois por ano porque eram estas as condições que nós tínhamos. Mas de qualquer maneira o que nós nos lembramos e que mantém ainda hoje uma tradição da família é que todos os irmãos eram muito unidos e éramos unidos no que tinha e no que não tinha, éramos amigos, entrelaçando todos os nossos sentimentos e entre nós não havia segredo, estávamos sempre juntos, ou na roça, ou em casa, ou na faxina, ou na limpeza, estávamos sempre unidos em torno da mãe que nos guiava com uma mão muito firme, muito rígida e que pelo que nós agradecemos até hoje, não resta dúvida.
P/1 – E você era dos mais novos ou dos mais velhos?
R – Eu era o terceiro dos mais velhos para os mais novos, imagine então, que se eu não estava ainda com oito anos completos, como é que eram os outros, era um filho por ano.
P/1 – E o que o senhor se lembra da sua casa?
R – Ah, sim! Minha casa era muito humilde. Era uma casa de colônia, de madeira, com um porão e nesse porão nós tínhamos as túlias onde se guardavam os produtos agrícolas recolhidos que seriam consumidos pela família porque não existia luz elétrica nessa época onde nós morávamos. Então geladeira não tínhamos sequer a noção de que ela existisse. E a nossa casa era o típico de casas coloniais da região italiana, de madeira sem forração e com sala, cozinha e três quartos e um banheirinho que servia a todos e com modéstia daquela época também. Mas era uma casa aconchegante e lembro-me que ela era muito acolhedora. Na região colonial italiana tínhamos o costume de fazer os famosos filós, então à noite minha mãe pegava todos os seus filhos e iam até a casa da vizinha. Na semana seguinte a vizinha tinha que retribuir a visita, então vinha para a nossa casa. E era toda família e ali era o momento do lazer, do entretenimento, do congraçamento das crianças, das famílias vizinhas. Este era de fato o momento mais agradável, mais de brincadeiras praticadas pelas crianças da nossa família com os vizinhos que vinham nos visitar, ou então quando nós íamos fazer a visita. E normalmente então o costume destes filós era comer uva, comer melancia e sempre tinha a bolachinha que era um costume na casa dos italianos ter essas bolachinhas e era um momento agradável. E já pelas nove horas da noite obrigatoriamente tinha que se voltar para a casa porque tinha que dormir e no dia seguinte, no clarear do dia, todo mundo já estava trabalhando de novo.
P/1 – Qual era o bairro?
R – Nesta época nós estávamos em Vista Alegre, que era uma vila do município de Frederico Westphalen, bem interior da cidade, aproximadamente 15, 18 quilômetros da sede da cidade. E também composta esta vila, esta comunidade, de não mais do que dez famílias, distância de 500 metros até três quilômetros, assim era o sistema de se morar no interior. E imagina como era também quando havia a necessidade de prestação de socorro por uma razão de doenças, alguém tinha que acordar no meio da noite e ir até o vizinho saber se tinha algum remédio que pudesse acalmar a dor ou ser aplicado para aquela doença específica que estava se apresentando. Nessa comunidade nós tínhamos um vizinho que tinha um veículo, um jipe, então lembro-me da necessidade do transporte urgente para alguém até Frederico Westphalen para o hospital, quem fazia o transporte era este vizinho e também era na solidariedade mesmo porque não havia cobrança de corrida deste veículo até a cidade para o transporte de doença. Os vizinhos viviam numa comunidade muito fraterna, inclusive na repartição de alimentos quando alguém matasse um porco repartiam pedaços para que todos os vizinhos pudessem ter alguma coisa pra comer na repartição daquilo que era abatido em determinada família.
P/1 – E o que o senhor mais gostava de fazer quando era pequeno?
R – Ora, claro que eu gostava de jogar bola, né? Aliás, bicicleta eu não tive, nunca tive oportunidade de ter uma bicicleta porque não tinha condições, mas gostava muito de jogar bola. E houve épocas em que sequer nós tínhamos bola de couro, então nós fazíamos bola de bexiga de porco, quando se matava o porco procurava tirar a bexiga e enchia essa bexiga e fazia bola de bexiga de porco para nós podermos jogar. E este campinho de futebol era dentro de um potreiro, um pequeno potreiro onde nós tínhamos a junta de bois para lavrar a terra, nós tínhamos o cavalo para transporte, tínhamos a vaca de leite. Então nesse potreirinho de gramas nós fazíamos o espaço para o nosso futebol aos sábados e domingos. E quando desse pela oportunidade, tendo um dinheirinho no bolso, então, quando já mais crescidos, os mais crescidos iam também para o baile. O baile na comunidade acontecia duas vezes por ano, este era o nosso costume na época. E a festa, claro, do padroeiro da igreja, que era uma vez por ano também, era o grande momento do encontro de toda a coletividade da comunidade.
P/1 – E o senhor chegou a entrar na escola?
R – Na escola, sim, antes de eu ir para o seminário eu entrei na escola, escola primária onde a professora era a única a dar aula para todos os alunos. E também nesta época lembro-me que no recreio, além do momento especial de comer a merenda, e esta merenda normalmente era um batata assada, um fruta que chama fruta do conde, lá nós tínhamos o ariticum e também havia a troca entre o pessoal da roça trazia batata assada ou trazia o ariticum por uma fatia de pão que o pessoal da vila levava dentro da sua mochila de cadernos para a escola. Então um momento de alegria no intervalo para merenda e depois da merenda, então, o jogo de futebol. E nessa escola, sim, tinha uma bola de couro para nós jogarmos.
P/1 – Qual era a escola?
R – Grupo Escolar Waldemar de Barros. E eu quero até dizer que posteriormente eu tive a oportunidade de construir um colégio que substituiu essa escola, Escola Estadual Waldemar de Barros pelo grupo escolar da sede e depois um ginásio estadual que eu levei para minha cidade. Já nesta época eu estou falando quando então tive a permissão para sair do seminário e com 19 para 20 anos eu volto para minha cidade de Palmitinho que recém tinha sido emancipada há seis anos, sete anos de emancipação. E nesta cidade então eu procurei imediatamente organizar um dos famosos clubes que existem no Rio Grande do Sul, que é o Centro de Tradições Gaúchas, CTG. E o CTG é uma associação que reúne as famílias da comunidade no congraçamento de uma danças típicas da tradição do Rio Grande do Sul. Este CTG, fundado em 1969 por mim está lá até hoje, uma associação representativa. E procurei já me envolver também com esporte, o futebol. Recém voltado do seminário eu procurei me inserir num clube de futebol que existia na minha cidade nesta época, Missioneiro Futebol Clube e a partir daí no ano seguinte já me elegeram presidente e nós procuramos constituir aquela associação esportiva com empenho, com dedicação e fizemos com que aquele clube de futebol fosse de representatividade esportiva muito especial em toda a região do médio e alto Uruguai, que é o norte do Estado do Rio Grande do Sul tendo sido campeão de vários torneios dos municípios daquela região. E aí me envolvi bastante, claro, estou saindo do seminário, me envolvi bastante com a igreja, com a juventude católica, tive oportunidade de ser coordenador da juventude católica da Diocese de Frederico Westphalen e trabalhei este tema com a juventude do município de Palmitinho onde eu estava já neste momento em 69, 70. E nessa atividade juntei-me com o padre porque eu tinha necessidade também de ter uma conversa já um pouquinho mais voltada para assuntos da coletividade e que não fosse o chão-chão e que pudéssemos ter, juntamente com o delegado de polícia, com o médico da cidade, que aliás eu fui buscá-lo em Pelotas para inaugurar um hospital em Palmitinho. Tínhamos necessidade de nos reunir um grupo, vamos dizer, de formação universitária para juntos planejarmos algo um pouquinho diferente para nossa cidade. E isto surpreendentemente me põe de diretor de um colégio cenecista, Ginásio Castelo Branco, me põe de professor e no ano seguinte, em 71, de diretor, eu com pouca experiência com 20 e poucos anos de idade estou assumindo a direção de um colégio particular na cidade de Palmitinho, aliás o único ginásio daquela cidade nessa época. Isto me projeta a ponto de no ano seguinte, 1972, inesperadamente ser convidado para concorrer à prefeitura. Ora, eu estava com 23 anos de idade, não sabia o que era política, não tinha militância partidária nenhuma, mas fui estimulado a ser candidato para atrair a juventude. E a surpresa foi minha, foi dos demais e foi de Palmitinho inteiro porque eu acabei sendo eleito prefeito dessa cidade. E aí é que eu me reporto quando digo que como prefeito eu tive a oportunidade de construir uma escola maior que está lá até hoje e converter aquele grupo escola Valdemar de Barros em ginásio estadual da cidade e, posteriormente, ainda durante meu mandato de prefeito, e com muita dificuldade porque também não se tinha a possibilidade de ter um colégio de segundo grau em cidade pequena e eu consegui construir e instalar um colégio de segundo grau também na minha cidade nessa área da educação.
P/1 – Deixa eu perguntar uma coisa, o que o senhor acha que tem a ver com a infância, com esse período escolar? O que o senhor pensava ser, quando era pequeno, quando crescesse?
R – Eu digo que eu sonhava em ser professor, jamais passou pela minha cabeça que um dia eu entraria na política. Mas a surpresa foi muito grande para mim, particularmente.
P/1 – E o senhor tinha um professor que você se inspirava, tinha alguma coisa marcante em algum professor que você teve?
R – Não. Não especificamente nesta área.
P/1 – Na infância tinha algum professor que chamou a atenção.
R – Mas eu posso contar um episódio de ontem. Ontem eu estive no velório de um grande amigo meu, Ivo Guizzardi. E nesse velório estava o irmão dele, Bispo Dom Laurindo Guizzardi. Então se eu tive alguém que me inspirou na infância foi o padre Laurindo Guizzardi no seminário em Guaporé, onde faz parte dessa foto, que foi meu professor de Português e meu estimulador para o teatro, a poesia e a expressão do discurso. Então eu conto esse episódio de ontem porque depois de muitos anos eu não encontrava o, vamos dizer talvez 30 anos. E ontem no velório do irmão dele, ele me reconheceu e disse: “Eu me lembro das aulas de Português e me lembro de como você declamava poesias”. Então se ele ficou marcado para mim, e se eu me inspirei muito nele, eu vejo que eu deixei nele alguma coisa também a ponto de ontem especificamente, dia três de outubro, ele ter lembrado desse episódio. Pra mim ele foi, realmente, um inspirador, um baluarte, um norte que eu tive na minha vida.
P/1 – E fala mais um pouco do teatro, da poesia na sua vida.
R – Pois olha, então eu gostava muito de declamar poesias, seja as clássicas, Navio Negreiro, Olavo Bilac, mas também muito das nossas poesias gauchescas, do nosso linguajar gauchesco. E como patrão de CTG, como fundador de Centro de Tradições Gaúchas, eu estimulava outros a que praticassem isto também e eu conservei e conservo isso até hoje. Mas neste período, também no seminário, nós tínhamos aula de canto, de piano, aprendia alguma coisa, mas gostava muito de cantar e eu fazia parte do coral da igreja e nesta época, muito jovem ainda, eu era soprano. E como soprano eu fui convidado numa ocasião para ser a figura do melodrama de destaque e fazíamos esta apresentação para o nosso colégio, o nosso seminário, para outros colégios na cidade, nós fazíamos, nesta época existia muito este congraçamento estudantil de disputas literárias e eu tive a oportunidade de apresentar tanto o teatro melodrama, como também me apresentar nas disputas de poesias, declamações de poesias neste intercâmbio de estudantes quando eu estava no seminário. Então eu me lembro sim, foi um período muito importante para mim. E acredito que isto também tenha facilitado a que eu tivesse uma expressão quando fosse falar em público e que tenha cativado o eleitorado quando eu fui fazer a minha primeira campanha e que, supreendentemente, me leva para uma administração sem que eu soubesse sequer o que era uma prefeitura, porque a primeira vez que eu entrei numa prefeitura já foi como prefeito. E acredito ter sido estes momentos e pelo estímulo que eu tive deste professor de inglês estes momentos que fizeram com que eu pudesse ter um desenvolvimento maior na retórica e que me levasse a ter uma empatia com o eleitorado.
P/1 – No seminário você mora no local?
R – Sim. O seminário nesta época era internato. E hoje, claro, passando já pela fase de ter filhos pequenos, eu fico a imaginar o quanto também era saudade da minha mãe e dos demais irmãos porque o sistema de seminário nesta época era você ter um mês de férias e era neste período que você tinha contato com a família. E daí não tinha mais. Não existia telefone, era uma carta por mês, então ansiosamente chegava o período de escrever uma carta para a mãe e de receber de volta esta carta que era a notícia que se tinha da família. Então era uma vez por ano durante o período de 30 dias, normalmente no período de Natal que o seminarista voltava para o convívio da família e depois retornava para o seminário.
P/1 – E algum outro irmão também foi?
R – Posteriormente, por minha influência e é aí que eu estou dizendo que todos eles tiveram oportunidade de fazer faculdade, cada um teve a oportunidade de também ir até o seminário. Permaneceram um período menor do que o meu, a não ser o meu irmão mais velho que este sim, já foi para o seminário quando estava com 22 anos de idade e este chegou a fazer o terceiro ano de Teologia aqui em São Paulo e depois também voltou para casa e hoje está em outras atividades.
P/1 – E como foi a sua especialização? Do seminário você já foi ser prefeito, chegou a fazer faculdade?
R – Então, a minha vida foi um pouco truncada por esta eleição porque eu voltei do seminário, diferentemente de hoje o seminário naquela época não tinha validade como ensino, então eu saí de Palmitinho com o início do terceiro ano primário e eu voltei já fazendo Filosofia, tendo boletim, o meu currículo escolar de terceiro ano primário. Então eu procurei aquilo que existia naquela época, a legislação no artigo 99, permitia que se fizesse uma revalidação desses estudos e isto existia na minha região muito distante de Palmitinho, na cidade de Santo Angelo, a 200 quilômetros de Palmitinho. Então de volta do seminário eu estou inserido na comunidade, já participo ativamente seja no colégio dando aula, como secretário executivo do sindicato de trabalhadores rurais que também para mim foi um aprendizado muito grande e daí a minha atividade na defesa da agricultura familiar. Já estava inserido nesse trabalho, vamos dizer, apostólico da juventude católica e aí eu tiro um tempo para ir à cidade de Santo Angelo no Colégio Madre Teresa Verzeri revalidar os estudos. Quando eu fiz a inscrição de todas as matérias a irmã, a madre que estava fazendo a minha inscrição, ela perguntou: “Mas você se anima a fazer os exames todos de uma única vez?”. E nesta época existia ainda os exames oral e escrito nas matérias pertinentes.
P/1 – Para entrar?
R – Para revalidar os estudos seminarísticos e a partir daí eu teria um diploma de segundo grau, científico nessa época. Então fui até a cidade de Santo Ângelo e revalidei e tive, claro, a satisfação de ver meus exames com notas satisfatórias e fui aprovado e tive a partir daí o meu diploma de segundo grau completo que me permitiu fazer inscrição num vestibular em Passo Fundo, também a 200 quilômetros para o outro lado de Palmitinho, 400 quilômetros de Santo Ângelo, e fiz a inscrição para a faculdade de Letras. E também com muita dificuldade. Hoje nós temos ônibus, hoje nós temos faculdades perto das nossas cidades, perto das nossas casas. Nesta época eu já trabalhava e no final do expediente era pegar o Fusca e ir até Passo Fundo, 200 quilômetros à noite, pra fazer as aulas e voltar de noite ainda pra chegar de madrugada em casa para no outro dia trabalhar e assim era os nossos dias de estudante na faculdade e nesta época eu já era professor e fazia a faculdade de Letras. Mas assim me formei. Eu quero contar um episódio desta cidade de Santo Ângelo quando eu fui revalidar os estudos. Entre a cidade de Santo Ângelo e Palmitinho, ou melhor dizendo, na divisa de Palmitinho com
o município de Tenente Portela, nós temos o rio Guarita que é afluente do rio Uruguai. E existia uma balsa. Quando eu fui fazer os exames era um período chuvoso e nesta semana em que eu estive em Santo Ângelo fazendo os exames foi tanta chuva que o rio Uruguai represou o rio Guarita, eu estou voltando de Santo Angêlo para casa, não precisa dizer que eu não tinha dinheiro e que estava com extrema dificuldade, mas voltava para casa e na cidade de Tenente Portela encontrei a notícia de que não podia transpor o rio Guarita para eu chegar até a minha casa por causa da enchente, a balsa não dava passo. E o meu drama, eu fiquei três dias preso em Tenente Portela sem dinheiro pra comer, sem dinheiro pra pernoitar, fui pedindo gentilezas para poder dormir e um pedaço de pão pra poder comer. E no dia em que eu pude transpor o rio Guarita sobre a balsa eu disse para mim mesmo, que se um dia eu tivesse uma oportunidade na vida eu haveria de construir uma ponte aí. E a oportunidade veio muito rápido, três anos depois eu fiz esta ponte como prefeito. Está até hoje lá, 110 metros de extensão, 16 metros do nível da lâmina de água, uma grande ponte hoje servindo de ligação entre duas regiões, a zona da produção com a região missioneira do Rio Grande do Sul, é por onde passa um grande movimento hoje. E foi uma inspiração que eu tive pela dificuldade de transpor este rio para chegar até a minha casa e poder estar na minha casa e comer alguma coisa.
P/1 – Isso que é uma realização pessoal, nossa!
R – É verdade. Eu fico muito satisfeito quando eu passo sobre aquela ponte, eu olho com alegria, com orgulho, com satisfação porque eu vejo que é uma obra que está lá até hoje. 1975, quantos anos até hoje está lá essa ponte.
P/1 – Voltando um pouco, aí fez Letras, chegou a acabar?
R – Pois então, de Letras eu termino a faculdade e eu, em função das atribuições de prefeito, saio do magistério também, não leciono, um ano prefeito sendo diretor do colégio e lecionando à noite, mas as atribuições eram muitas, acabei saindo do magistério e não voltei mais, não lecionei mais. Saí também como diretor e não voltei mais. E posteriormente ingresso na faculdade de Direito, mas já é um outro período mais adiante, quando estou em Porto Alegre, nessa época já me mudei de Palmitinho para Porto Alegre porque também de uma forma sem planejamento da minha parte e sem eu ter imaginado que isso pudesse acontecer, a região me convoca para que eu seja candidato a deputado. Ora, eu estava ainda muito jovem, numa cidade muito pequena, em uma época em que ser político tinha que ser representante de uma cidade grande, mas fui instado a ser candidato pra não me eleger. E novamente, para surpresa minha e da região, eu fui eleito, eu estava com 28 anos e estava entrando na assembleia legislativa do Rio Grande do Sul. Então saio de Palmitinho e vou para Porto Alegre. Nesta época, em Palmitinho, lembro-me das dificuldades do interior, agricultura familiar a quem eu dirigi um olhar muito especial, e ao saneamento básico, faltava água, faltava luz elétrica, faltavam estradas. Então procurei fazer uma rede de luz elétrica que percorresse todo o filão do município de Palmitinho, da cidade até a última comunidade, Basílio da Gama que dista 53 quilômetros da sede do município, e aí ramificamos, fizemos uma eletrificação num distrito que era Pinheirinho do Vale, hoje município Pinheirinho do Vale, levamos a luz elétrica e hoje, claro, ela está expandida. Assim como a água hoje captada no rio Guarita, ela é servida, ela atende ao município de Palmitinho, de Vista Alegre, de Taquaruçu e de Pinheirinho do Vale e muitas comunidades interioranas. Mas a água já é um período posterior. E neste período também procurei construir na cidade de Palmitinho um posto de saúde, uma unidade sanitária de saúde que não existia. E neste período, juntamente com a ajuda do padre, o padre Hoffman colaborou demais, fizemos um trabalho junto aos agricultores e à comunidade pra terminar um hospital e inauguramos este hospital e tivemos a oportunidade de procurar o primeiro médico que esteve em Palmitinho, hoje um centro expressivo da saúde na região com mais de dez médicos presentes, neste hospitalzinho que nós construímos, terminamos de construir naquela época e inauguramos porque a cidade mais próxima para o atendimento era Frederico Westphalen que é mais de 25 quilômetros de Palmitinho e com estradas muito precárias naquela época.
P/1 – Falando um pouco, voltando pra trás e pensando na sustentabilidade, na infância ou na adolescência ou no seminário, em algum momento se falava já nisso? Já tinha uma consciência?
R – A consciência, vamos dizer, de cuidar adequadamente das embalagens dos agrotóxicos nós começamos a ter na época em que eu já voltei do seminário para Palmitinho. E lidando com os agricultores como sindicato de trabalhadores rurais, então eu tive a oportunidade de mostrar a eles o quanto era prejudicial. E esta minha região era e continua sendo plantadora da cultura do fumo e o fumo leva uma quantidade exorbitante de agrotóxicos. E nesta época as indústrias fumageiras com seus agentes regionais não explicava aos nossos plantadores dessa cultura, não explicava o quanto era nocivo o veneno. Então nós tivemos a oportunidade, inclusive com a chegada do médico, de fazer reuniões com os agricultores e mostrar a eles, primeiro, que isto era muito perigoso; segundo, que eles tinham que usar máscaras para ir até o canteiro de mudas fazer a primeira aplicação e depois já no transplante, nas mudas da lavoura, fazer a fumegagem desse veneno nas folhas do fumo. E nós já encontrávamos nesta época pessoas debilitadas em função deste problema do agrotóxico, que era muito pernicioso à saúde, e as pessoas não sabiam por que estavam doentes, de estarem manuseando inadequadamente esses produtos e jogarem os vasilhames no pátio, mesmo sem lavar adequadamente as mãos comerem uma fruta ou de irem se alimentar sem terem lavam adequadamente as mãos. Então começa aqui um trabalho da conscientização da periculosidade deste veneno e da necessidade do acondicionamento adequado destas embalagens e que veio a ganhar corpo nos anos seguintes. Mas veja, nesta década de 1960, final de 60, início dos anos 70, não se tinha absolutmente nada disso, ninguém explicava e os nossos agricultores estavam ficando doentes e depois é que iam se aperceber que era exatamente a partir do uso inadequado desses agrotóxicos.
P/1 – E o que te despertou essa...
R – De ver o quanto esses nossos agricultores estavam procurando o posto de saúde e o hospital. E nestas andanças pelo interior eu comecei a ver no pátio da casa do agricultor e eu via espalhado aquela embalagem, solta no pátio, e ali estava a galinha se alimentando, aí estava o cachorro circulando pelo entorno a casa em contato direto também com estas embalagens. Então o que me fez perceber num primeiro momento foi a chegada deles no hospital e o doutor conversar comigo, me dizendo: “Olha, está acontecendo um fenômeno que é em função do manuseio deste agrotóxico”. Então a partir daí, com o que nós tínhamos a disposição nesta época e a disposição desta época foi nos dizer, era um jipe para ir para o interior e era a conversa com os agricultores. Mas tínhamos uma audiência muito grande, era fácil reunir os agricultores, mandávamos o recado dizendo que o padre o prefeito, ou nesta época ainda, o sindicato de trabalhadores rurais estaria em determinada sala ou salão na escola fazendo uma reunião, os agricultores compareciam, eles vinham até aí e nós podíamos dizer: mas não se percebia nesta época uma visão muito rápida por parte dos agricultores. Tinha gente que entendia: “Não, eu sou forte, isto daqui vai me derrubar, não é por isso que eu vou ficar doente”. Mas quando a doença chegava em algum familiar isto já o tocava mais de perto e a partir daí, sim, começou-se a ter uma conscientização maior e nós pedíamos que se criasse um lugar adequado para fazer o descarte. E nesta época também o que nós dizíamos para fazer era fazer uma cava no lado contrário da nascente da fonte de água. Então se houvesse um curso hídrico, se houvesse uma chuva forte, etc, que isto ficasse depois da fonte de água, do abastecimento. Aos poucos eles foram sendo conscientizados e sim, acredito que hoje eles já não fazem mais nenhum descarte irregular, aliás, nós temos, acredito que seja no Brasil, mas nós temos no Rio Grande do Sul essa logística reversa da embalagem dos agrotóxicos por parte da indústria, um alerta muito grande e o recolhimento da embalagem.
P/1 – Bom, e aí depois foi fazer advocacia, é isso? Vamos continuar.
R – Então eu chego na Assembleia Legislativa. E venho de uma região essencialmente agrícola e passo a fazer uma defesa de um tema especial para mim que era a agricultura familiar. E nesta época ainda um avanço no Funrural, hoje o SUS é universal, na época o Funrural assistia à saúde do agricultor e foi uma luta muito intensa travada nesta época com o Ministério da Previdência, eu lembro ainda do Ministro Jair Soares com quem nós conversávamos a respeito da extensão da saúde, do atendimento à saúde e da previdência ao trabalhador rural, o Funrural, que também estabelecia um desconto de 2%, 2.5% sobre a venda nos blocos de produtor rural. Passo a fazer esta defesa dentro da Assembleia Legislativa e ao mesmo tempo venho de fora com essa ideia da embalagem dos agrotóxicos. E discute-se nesta década de 70, final de 70, início dos anos 80, discutem-se no Rio Grande do Sul as primeiras leis ambientais. Uma lei proibindo o fumo dentro de repartições públicas e ambientes fechados, não existia, primeira foi no Rio Grande do Sul. A lei dos agrotóxicos, a tentativa da regulamentação dos agrotóxicos, essa discussão partiu do Rio Grande do Sul e nesta época eu sou um deputado, nós tínhamos o famoso ambientalista José Lutzenberger, famoso no Brasil inteiro sem dúvida nenhuma e que nos auxiliava muito nesses temas da Lei dos Agrotóxicos. E aí a assembleia me coloca como presidente da Comissão de Defesa do Meio Ambiente, onde então eu assumo esta área ambiental, seja o desmatamento, o Rio Grande do Sul estava com 1.3 do seu território coberto por matas nativas, por vegetação, então nós tínhamos que reverter este quadro porque o desmatamento era muito grande em função da expansão do plantio da soja, nesta época se dá o boom da soja, então nós tínhamos financiamento do Banco do Brasil para destoque de lavouras, não era destoque, era derrubar as matas mesmo. Nós terminamos com erva-mate, que é uma das fontes de renda do Rio Grande do Sul, nós estávamos derrubando araucária, nós estávamos derrubando matas ciliares, então existia uma lei que também foi subscrita por mim, sou autor desta lei, coibindo a derrubada rasa das matas nativas e por esta lei nós preservamos, hoje nós temos uma cobertura o dobro do que nós tínhamos na década de 1980, uma cobertura vegetal. Porque o cume dos montes, a beira das várzeas, dos rios, hoje já são preservadas. Então nesta época eu tenho um trabalho muito intenso na preservação ambiental e ali se começa a trabalhar também o resíduo, o lixo, o lixão. E Porto Alegre começa a trabalhar a proibição do lixão. E vamos para os descartes regulares desse recolhimento que se faz nas cidades. E esse trabalho do lixo dos resíduos, vamos dizer primeiramente do resíduo orgânico das cidades, esse tema, pela comissão de defesa do meio ambiente da assembleia nós procuramos levar para outras cidades pólos do Rio Grande do Sul esta discussão. E para o final dos anos 80 e já na década de 90, começa com mais intensidade a campanha da separação do resíduo e começa-se a ter também unidades de reciclagem organizadas, ao invés de simplesmente o catador individual e o reciclador individual, nós já começamos a ter unidades de reciclagem. Mas aqui nós trabalhamos então, eu volto a dizer, a atividade dos agrotóxicos que nesta época, em função do Rio Grande do Sul ter basicamente a sua economia calcada na agricultura, então ter tido uma expansão extraordinária do agrotóxico jogado indiscriminadamente em todas as nossas lavouras, nós tivemos um embate muito grande com as indústrias, com os representantes comerciais, com distribuidores desses produtos e os próprios agricultores que num primeiro momento não entenderam por que nós estávamos combatendo, segundo eles, algo que estava contribuindo para o aumento da produção e da produtividade. Mas esta luta foi renhida, foi grande e hoje sim temos, não podemos dizer conscientização plena, mas sim temos já uma conscientização que teve como embrião este grupo de ambientalistas liderados pelo José Lutzenberger, pelo Lewgoy, pela Associação Gaúcha de Proteção Ambiental, a Agapan, que assessorava a nossa comissão do meio ambiente na Assembleia Legislativa e provocava a criação de leis, essas dos agrotóxicos, essa do fumo, a lei do corte das matas nativas. E uma lei do transporte das cargas perigosas. A assessoria desses ambientalistas chega na Assembleia Legislativa e diz ao presidente da Comissão do Meio Ambiente, que era eu, da necessidade de se ter uma legislação que regulamentasse o transporte das cargas perigosas, coibindo que essas transitassem pelas nossas estradas no período da noite. Nós já tínhamos tido alguns eventos danosos de caminhões que tombaram em mananciais hídricos, na cidade de Pelotas foi um desastre quando um caminhão derramou produtos agrotóxicos e produtos químicos no lago de captação de água potável. Enfim, tivemos nesse período também alguns problemas seríssimos nessa área por quê? Porque não se tinha um controle, não se tinha um regramento. E fizemos no Rio Grande do Sul uma lei do transporte das cargas perigosas, primeira classificação pelas suas classes do que era carga perigosa e isso tinha que ter o seu emblema muito bem visível no caminhão para que o policial rodoviário pudesse identificar imediatamente. E com isto o próprio motorista deveria ter, como tem até hoje, a obrigatoriedade de ter noções básicas. Primeiro, saber o que ele está transportando; segundo, ter as noções básicas de ele se defender e da prestação de socorro na eventualidade de um sinistro; terceiro, ele ter os equipamentos para dirigir o caminhão que transporte esse tipo de produto. E um detalhe importante: que esses produtos não mais transitassem pelas rodovias a partir das 20 horas, então deveríamos ter locais em que esses caminhões pudessem estar abrigados durante a noite para que o motorista descansasse e só partisse para a estrada no dia seguinte. E esta lei do Rio Grande do Sul provocou posteriormente uma definição do regramento no Brasil pelo Ministério dos Transportes. Lá do Rio Grande do Sul surgiu, então, este embrião de uma lei que hoje regulamenta o transporte de cargas perigosas. Então este espectro do assunto ambiental foi pra mim muito mais intenso nesse período em que eu estive na Assembleia Legislativa, eu estive por dois mandatos, de 78 a 86, e daí eu saí, estou fora da política até hoje, mas tenho gratas alegrias no que realmente pude fazer, basicamente em cima desta atividade: de um lado o desenvolvimento de políticas que atendessem à agricultura familiar e do outro lado a defesa ambiental.
P/1 – Muito bem. E como é que começou a história do Todo Somos? Se você puder falar um pouco do...
R – Ah, pois não, pois não.
P/1 – ser realizador, né?
R – Isto. Então, eu ainda passo por um período, já fora da política. Então, você perguntou da faculdade de Direito, né? Então já deputado estadual e na atividade, eu percebi que o meu curso de Letras não me era tão interessante na Assembleia e que para discussão de assuntos muito interessantes que surgiam na efervescência das discussões da época eu deveria ter um curso de Direito. E então depois de 14 anos fora das salas de aula, fui prestar vestibular na PUC em Porto Alegre. E um detalhe: minha esposa, para me estimular, ela era também professora, ela presta vestibular para Direito. Ela e eu passamos, ela e eu fizemos matrícula, ela e eu fizemos o curso juntos, sempre na mesma turma. Interrompemos no processo eleitoral e retornamos no semestre seguinte vendo de que maneira se ajeitava a matrícula e fomos assim até a formatura. E temos uma distinção da PUC por ter sido o primeiro casal que fez vestibular junto no mesmo curso e se formou junto no mesmo curso. Então, a partir daí nos dedicamos mais à área do Direito, onde ela hoje trabalha e trabalha as 24 horas do dia, eu já estou mais livre para fazer outras atividades, né? Mas passo neste período, saindo da política, para uma outra atividade ainda vinculado à Igreja Católica em Porto Alegre, de atendimento a comunidades periféricas mais direcionado para curso e cursos no âmbito da Pastoral. E nesta sequência sou convidado para assumir a Secretaria Executiva do Comitê de Entidades no Combate à Fome pela Vida, aquela instituição formada pelo Betinho, quem tem fome tem pressa. E eu assumo o EPI, que é um comitê de muitas entidades de pessoas jurídicas e voluntários, pessoas físicas, e com estas pessoas começamos a ver quais eram as necessidades mais prementes das comunidades periféricas de Porto Alegre. E é ali que nós começamos a trabalhar na organização de mulheres, na organização de associações. E aí é que eu passo a ter os primeiros contatos com os galpões de reciclagem, vendo quais eram as suas dificuldades. Trabalhávamos também com estudantes, trabalhávamos com esporte para as crianças, fazíamos envolvimento com a coletividade, buscávamos levar um dia de assistência para a vila e para ali iam cabeleireiros, iam farmacêuticos, iam médicos, iam as secretarias especiais de governo para ver carteiras de identidade, carteiras de trabalho, profissionais da odontologia distribuindo escovas de dente, ensinando os cuidados bucais, etc, etc. Esse trabalho, então, eu tive a oportunidade de coordenar por sete anos no Rio Grande do Sul. E aí eu saio mais diretamente para esta atividade com as unidades de triagem. Sou convidado pela Administração Municipal do atual prefeito, que está encerrando seu mandato, para trabalhar dentro do Departamento de Limpeza Urbana da cidade de Porto Alegre, um departamento enorme, grande, que tem muitas funções, e nesse departamento eu dedicar a minha atividade na coleta seletiva e no contato com as unidades que o DMLU servia e serve até hoje com o recolhimento desses produtos recicláveis da cidade. E foi quando eu tenho contato com um projeto, com um programa, que foi elaborado por uma cooperativa contratada pela prefeitura, Cooperativa Mãos Verdes, que teve um incentivo muito grande, incentivo que eu digo é apoio financeiro, um aporte financeiro pra ter os primeiros passos da Braskem e que projeta um programa de atendimento de modificação do panorama da inclusão produtiva deste pessoal que se dedica a ter o sustento com a reciclagem dos resíduos de Porto Alegre. E também com este programa se procura dar um ordenamento para que se pudesse, aos poucos, tirar da rua quem estivesse puxando carroça, quem estivesse puxando carrinho. O frio do Rio Grande do Sul chega a Porto Alegre com menos zero, o sol é causticante, nós chegamos a dias com mais de 45 graus. E pessoas, às vezes, descalças ou com uma simples sandália de dedo pisando aquele asfalto colhendo latinhas, colhendo sacos plásticos, colhendo papelão que são depositados nas ruas de Porto Alegre, isso não é humano, isso é desumano! Então este programa tinha e tem este objetivo, da inclusão produtiva. Mas para que se pudesse ter um atrativo para estas pessoas nós tínhamos que mostrar que o galpão de reciclagem era um abrigo condizente com a atividade de trabalhador da reciclagem e não um depósito de lixo, lixo reciclável e lixo humano. Nós tínhamos a missão de mostrar que esse trabalho era rentável e que dava sustentação, e que não era simplesmente na condição de miserabilidade de tirar o pão e o leite das crianças e ficar mendigando uma cesta, um auxílio para levar pra casa o alimento. E este programa então desenhou um quadro em cima do qual estamos trabalhando até hoje e com resultados espetaculares. Então eu chego num momento em que inicia esse processo, eu sou apresentado e eu digo nos galpões, e digo nas contestações que ainda hoje nós temos. Eu digo que eu não fui quem elaborou este projeto, mas se tivesse que fazer eu queria dar graças a Deus de ter a condição de fazer um projeto, um programa tão bem feito como foi elaborado esse e que tem da minha parte uma dedicação total, para que se possa levar adiante. E eu vejo nestes primeiros contatos dentro das unidades que nós tínhamos que fazer muitas modificações. Modificações do ambiente físico da unidade, começando com uma limpeza para que eles pudessem se sentir bem. Nós precisávamos colocar proteção nas mãos dessas pessoas, nós precisávamos organizar uma cozinha dentro dessas unidades, nós precisávamos arrumar os banheiros dessas unidades para que eles pudessem ter uma água encanada, um ambiente mais digno. E aos poucos nós estamos chegando, o nosso sonho é fazer com que efetivamente eles tenham este ambiente aprazível de trabalho e que eles possam partir para um segundo passo numa comercialização coletiva e da comercialização coletiva que já está acontecendo em Porto Alegre, eles possam sonhar com uma industrialização de parte deste produto. E eu vejo que a Braskem está nos olhando com esse olhar e, quem sabe, este sonho se torne realidade, de nós termos pelo menos uma experiência no curto prazo de uma industrialização do plástico, o que dá, sem dúvida nenhuma, um upgrade no ganho deles e que possa estabelecer um outro patamar de vida para estes cidadãos.
P/1 – Hoje quem faz parte do Todo Somos? É iniciativa privada, sociedade civil...
R – Isso. O Todo Somos teve, como eu disse, a elaboração deste projeto e o projeto recebeu da parte do BNDES, no pré-Copa, a aprovação e a destinação de um volume de nove milhões de reais contanto que a prefeitura em contrapartida colocasse mais nove. Então nós saímos com 18 milhões de reais para esse investimento. E abriu as portas para que a iniciativa privada também se juntasse nesse projeto. E quem foi o condutor e o indutor para que a iniciativa privada se juntasse a esse projeto, de novo foi a Braskem, que aportou recursos para o projeto inicial e está dentro do projeto em outros aportes até hoje. E com isso vieram outras empresas. E no presente momento nós temos Coca-Cola, eu não gostaria de citar mais nomes porque eu vou esquecer, então fica ruim para quem não seja citado e eu não vim preparado para citar. Mas enfim, temos outras empresas e agora nós estamos com o Ministério Público Ambiental de Porto Alegre, discutindo a convocação das empresas que fazem parte deste acordo da logística reversa para que ao invés de fazer experiências dentro galpões, aportem os seus recursos para o fundo. Nesse presente momento nós estamos apresentando à câmara de vereadores a pedido do Fórum de Catadores. O Fórum de Catadores se organizou dentro do programa Todos Somos de livre iniciativa dos catadores. O poder público, Ministério Público, outras entidades são convidadas pelo Fórum de Catadores para fazer parte das suas reuniões, mas nós não somos parte integrante. O Fórum de Catadores é uma entidade dos catadores. Então a pedido do Fórum de Catadores e depois de toda uma caminhada de quase quatro anos chegou-se à conclusão da necessidade de transformar esse programa Todos Somos Porto Alegre em uma política voltada para os catadores. E esta política pública está sendo criada por lei como fundo de apoio aos catadores que vai para a câmara de vereadores provavelmente nesta presente semana da segunda semana do mês de outubro, vai para a câmara para se converter em uma lei que institui este programa em uma política pública. Então eu estava dizendo que fazem parte deste programa outras empresas da iniciativa privada, mas nós estamos tentando trazer a logística reversa organizadamente para dentro do fundo. E aí sim o fundo vai ter condições de dar continuidade ao programa porque o programa com o BNDES também tem tempo para terminar. Nós já fizemos a fase da busca ativa, do levantamento das necessidades, do cadastro de todas as pessoas, parênteses, num primeiro momento de todas as pessoas que estavam envolvidas e que foram encontradas dentro da cidade de Porto Alegre trabalhando com resíduos. Hoje, em função desse grande número de desempregados que são jogados do emprego formal para fora, nós encontramos os que estavam lá como auxiliar de obra na construção civil, nós encontramos essas pessoas desempregadas e que estão de novo na rua catando para sobreviver do resíduo. Então estas pessoas ainda não foram cadastradas, mas a busca ativa, que é o primeiro momento do programa, está ainda trabalhando com essas pessoas nas comunidades pra saber quem é quem, a estas pessoas foram oferecidos cursos de capacitação, foram oferecidas oportunidades e foi aberta a possibilidade deles irem para dentro das unidades produtivas que são os nossos galpões. Nós saímos e foram capacitados, inclusive, com curso de cooperativismo pela Organização Central de Cooperativas do Rio Grande do Sul com chancela de curso superior, um ou dois representantes de cada unidade para que eles pudessem desenvolver o cooperativismo dentro das suas unidades. A eles foram dadas essas oportunidades de treinamento, inclusive de logística, de separação, porque os nossos técnicos e engenheiros de produção foram para dentro das unidades e juntamente com o trabalhador da reciclagem estudaram os melhores movimentos de cada trabalhador, qual o resíduo que cada um retiraria da esteira ou da mesa, em que distância deveria estar a coleta, o tambor, a bombona ou o bag para que a produtividade fosse maior. E qual é a nossa alegria hoje? Os nossos dados, todos eles auditados porque nós temos dentro de cada unidade conveniada com o DMLU, o que é o convênio? O convênio do DMLU repassa um valor mensal para cada unidade de acordo com o número de postos de trabalho e de acordo com a produção mensal. E este repasse de recursos não é para distribuir para o trabalhador, é para manutenção e equipamentos da unidade produtiva, né? Então, alegria nossa depois de tudo isso é que nós percebemos por esses números que são auditáveis pelos assessores que estão lá dentro, um boletim mensal, nós temos o controle de quantos quilos entram, de quantos quilos é comercializado, de quantos quilos de rejeito é retirado, hoje as planilhas nos mostram esse mapa com uma clareza auditável. Então nós temos hoje que a produção per capita do início do programa, que era em torno de 1 mil e 200 quilos/mês, hoje já temos unidades produzindo 3 mil e 800 quilos per capita/mês. Isso nos gera outro problema e outra dificuldade, a geração de resíduos de Porto Alegre na separação já está sendo insuficieente para atender a demanda, o que antes era sobra, hoje já está sendo insuficiente, estamos fazendo uma campanha de conscientização, eu estou falando nas reformas e melhorias dos galpões, falei rapidamente na campanha inicial do programa que era busca ativa, treinamentos, cursos e agora eu vou dizer, nós já estamos trabalhando na educação ambiental para que as famílias façam a separação adequada, coloquem nos dias certos, nós recolhemos todas as ruas de Porto Alegre, em bairros mais distantes duas vezes, em bairros mais concentrados de população três vezes e na região central de Porto Alegre recolhemos até diariamente o resíduo reciclável. Mas precisamos que a comunidade que é pioneira, nós já estamos há mais de 25 anos fazendo coleta seletiva em Porto Alegre, nós precisamos que o povo entenda que ainda tem muito resíduo que está sendo descartado de forma irregular, indo para o aterro sanitário e não indo para reciclagem, para o bem da natureza, sem dúvida, o planeta agradece, mas para o bem das pessoas que tiram daí o seu sustento. Então estamos trabalhando já na terceira fase do programa Todo Somos. Então o primeiro projetinho do programa Todos Somos era este levantamento, esta ambientação, este cadastro, os cursos, os treinamentos e a partir daí nós começamos a trabalhar nas melhorias da produção e nas melhorias físicas dos galpões e a terceira fase é a educação ambiental da coletividade de Porto Alegre. E neste programa das melhorias dos galpões nós fizemos investimentos, investimentos relativamente altos das melhorias imediatas: da água, da luz, das instalações, das melhorias mais imediatas, mais sensíveis. Construção de banheiros. E já estamos entrando na fase da melhoria definitiva dos galpões porque também esta equipe do projeto Todos Somos, esta equipe de técnicos coordenada pelos Mãos Verdes tem engenheiro de produção, tem arquitetos, tem assessores técnicos que nos dizem qual é o layout do galpão e quais são os equipamentos adequados para o melhor desenvolvimento da atividade. E esses equipamentos são desde um carrinho, uma prensa, uma balança, mas também os carrinhos rodantes para que o pessoal não carregue mais esses pesos nas costas, uma colocação direta desse produto pra dentro da boca da prensa ao invés de fazer com que haja o descarta para dentro de uma gaiola e daí de novo de dentro de uma bombona e dessa bombona de novo para dentro da boca da esteira. Então este layout foi desenhado e nós temos ele em cada unidade como deve ser. Um galpão já está pronto, está com tudo funcionando, que é o galpão da Vila Pinto, dentro de uma comunidade que tem também um outro projeto social anexo à unidade que é um centro esportivo, que é uma creche das crianças, é um envolvimento das mães da comunidade. A líder, dona Marli, é uma senhora extraordinária que fez um envolvimento das mulheres da Vila Pinto, que era tida como a mais violenta de Porto Alegre e hoje já não é exatamente por esses equipamentos que foram colocados aí. Então este galpão já está pronto, é um motivo de orgulho. E outros galpões, em função de uma burocracia que no serviço público existe, outros galpões ainda estão por sair, quatro deles já estão em licitação e cada unidade está recebendo um volume de recursos para esta adequação de aproximadamente 300 a 700 mil reais por unidade e uma delas, que é a maior, vai passar de um milhão de reais só a adaptação, a reformulação física dos galpões para dar essa estrutura mais rápida, mais condizente e menos trabalhosa para o pessoal. E aí sim, nós vamos precisar de muito resíduo porque este pessoal vai ganhar dinheiro com isso. E falando em ganhar dinheiro, a planilha do mês de agosto nos deu uma média, temos algum galpão produzindo mais, outro produzindo menos, mas nos deu uma média de mil e dez reais per capita de ganho durante o mês de agosto. E a nossa pretensão é de que isso vá, tem algum galpão já recebendo um mil e 600 por mês, nós queremos que eles avancem, nós estamos estruturando essas unidades porque nós vamos precisar e a terceira fase trabalhar muito adequadamente essa história, muito convincentemente essa história da separação dentro das casas para que nós tenhamos resíduos para abastecer essas unidades porque elas vão precisar de muito resíduo.
P/1 – E nessa conscientização da população vocês falam como deve ser feito o descarte, se deve lavar, se não deve, se deve ser separado isso, o PET da lata, você podia falar um pouco sobre isso?
R – Nesta fase da educação ambiental, que diga-se já iniciou mas vai ser incrementada com mais intensidade agora, nós procuramos envolver também o trabalhador da reciclagem, líderes comunitários e no presente momento nós estamos com uma equipe de universitários, são quatro universidades de Porto Alegre que já estão participando. E este trabalho é de visitas de casa a casa explicando e mostrando em folhetos como é que deve ser feita a triagem, quais os produtos que são passíveis de reciclagem e convidando as pessoas a fazerem este descarte nos dias certos, mostrando a cada um também qual é o dia em que o nosso caminhão passa na rua, né? E de preferência que eles deixem bem acondicionado para entregar ao DMLU e não ao catador de rua – não que ele não mereça, mas às vezes o catador de rua, tanto em Porto Alegre como em outras cidades, vai rasgar aquela embalagem, vai tirar o que de melhor tem ali dentro, deixa a embalagem rasgada e aí depois nós temos o prejuízo de ter que fazer novamente a limpeza daquela rua de forma diferente do que costumamos fazer. Mas estamos dizendo então o que deve ser feito. E um detalhe: quando o gerador é de grande porte ou é uma indústria, ou é um condomínio grande, ou é uma repartição pública de geração de um volume expressivo, nós estamos agora cadastrando esses condomínios e está acontecendo uma coisa importante, mesmo que nós não tenhamos condições de atender a todos, mas a maioria está pedindo que se vá para dentro deste condomínio fazer uma aula de reciclagem, né? Nós temos uma unidade modelo de pequeno porte, também patrocinada pela Concepa e pela Braskem, por outras instituições como Coca-Cola e que é instalada em momentos adequados de um evento de grande porte e para ali dentro vão quatro, cinco triadores e ali dentro é colocado um resíduo para que as pessoas percebam, vejam o que é que está sendo, como está sendo feita a triagem e são abertos os recipientes, os sacos de resíduo como vêm da família e eles estão percebendo que ali dentro tem coisa que não deveria estar. Então é um choque na visualização, mas serve para conscientizar. Mas além desta unidade móvel, nós estamos fazendo essas caminhadas, começamos por um bairro, mas estamos agora projetando outros bairros. Houve a necessidade de interrupção por causa de um material mais específico que a justiça eleitoral entendeu que não era adequado fazer durante o período eleitoral, agora passando vamos retomar. Mas estamos fazendo este cadastro de grandes geradores que nos demandam uma aula, uma palestra, uma demonstração de como é feita a separação desse resíduo. E nós estamos pedindo para que este grande gerador deixe para o lado de dentro do seu pátio porque o nosso caminhão vai chegar até ali, evita de colocar na rua porque vai atrair o interesse de outras pessoas e como eu disse, nesse momento tem muita gente desempregada que está passando pela cidade recolhendo o que lhe interessa, o que de maior valor tem dentro desses recipientes. Então estamos aconselhando que deixem pelo lado de dentro do pátio e nós vamos fazer o recolhimento. Num primeiro momento nós já percebemos, isso vem de dois meses para cá, nós já percebemos que aumentamos o volume de arrecadação e que estamos com uma expectativa de sim, termos condições de atender a demanda das unidades exatamente porque está se percebendo que o chamamento está sendo atendido da parte dos condomínios e dos habitantes de Porto Alegre.
P/1 – Se você fosse falar para um morador como deve ser feita a triagem, a lavagem, amassar, o que você falaria?
R – Em primeiro lugar o que nós estamos dizendo com folheto o que não deve. O que não deve já é caracterizado ali, isso você não deve. Agora o que deve. Tem uma embalagem plástica suja com sangue de carne, pode ou não pode? Ou deve lavar? Nós estamos dizendo: ponha no recipiente da reciclagem assim como está porque quem vai fazer a separação depois é a unidade de triagem. Se a unidade entender que aquilo vai pra rejeito nós vamos levar para o rejeito, mas se aproveitável, vamos levar para que ele seja aproveitado. E não há necessidade de embalar a embalagem. Isso depois vai para a indústria que vai lavar, vai limpar para depois ser reaproveitada. Então nós estamos dizendo: “Não há necessidade de desperdiçar água”. Mas você tem bacia de água onde já lavou a louça e quer enxaguar a latinha do molho de tomate, então faça, mas não gaste água limpa, tratada, para limpar o que depois vai ser limpo, deixa isto para a unidade de triagem fazer. E nós estamos mostrando também num folheto quais são os produtos mais corriqueiros que estão dentro de casa e que podem aproveitados. Mesmo que seja fatiadinho: “Ah, o plástico é pequeno e nós sabemos, o copinho plástico não dá lucro suficiente para que seja gasto um tempo na triagem deste copinho plástico porque o volume e o peso não compensam”. Não interessa, coloca dentro do recipiente do reciclável que quem vai fazer depois a triagem é o profissional que está lá dentro do galpão, né? E mesmo que um começo nós já percebemos que existe, sim, uma separação. E uma surpresa para nós também é que muitas famílias não faziam. “Ah, eu não sei, acho que aqui na minha rua não passa caminhão”. Quer dizer, por mais que se tenha dito, por mais informação que se preste, está dentro do nosso site, mas tem muita gente que não acessa.
P/1 – E de que forma essa informação e essa consciência chega à população?
R – Bom, agora então nós estamos fazendo equipes. Nós temos dentro do DMLU duas unidades, uma de educação ambiental que trabalha nas escolas e dentro de condomínios. E nós temos uma comunitária que visita a cidade, entrega panfletinho, entrega um bilhetinho dizendo da importância da separação, em que dia o caminhão vai passar na rua, dando esse tipo de informação. Nós estamos já com planejamento de fazer adesivo de geladeira também para dar essas informações tanto do reciclável e do orgânico e do dia que o caminhão vai passar nesta rua, já estamos com isso projetado para fazer dentro desta campanha de educação ambiental, mas no momento que nós estamos fazendo e de uma forma um pouquinho mais expressiva, é esse nosso departamento de Educação Ambiental do DMLU fazendo esse tipo de trabalho dentro das escolas e indo para condomínios nós temos esta equipe comunitária que vai para a rua e nós estamos com um departamento, com uma equipe coordenada pela abrangência do programa Todos Somos Porto Alegre que tem a participação da Secretaria de Governança Solidária da prefeitura, que tem envolvimento de outras secretarias, que tem o Mãos Verdes que colabora conosco, que tem o DMLU, e que junta agora terceiros particulares e basicamente universitários e outros atores da sociedade civil organizada, que estão vindo, estão se associando, são voluntários e começam a estabelecer áreas de ação. E aí já estão indo com esta mensagem da importância da separação, do que separar num e noutro, do dia em que devem dispor e fazer o cadastro se é um grande gerador e repassando para que o nosso Departamento de Coleta Seletiva possa já cadastrado esse condomínio dizer ao motorista do caminhão de coleta que em determinado condomínio ele deva entrar, não simplesmente passar na rua.
P/1 – E o material deve ser descartado junto, separado?
R – O material orgânico.
P/1 – Não, e o resto que não é orgânico, que pode ser reciclado?
R – O que é reciclado sim, ele pode vir todo junto, inclusive garrafas, ele vem todo junto. Por que? Porque quem vai fazer a separação depois é lá na unidade de triagem. Claro que a gente sonha com um dia em que nós possamos ter recipientes assim, como em algumas cidades de outros países, recipientes de cada tipo de reciclável e que isso já vá para determinado galpão devidamente separado e que aí eles façam a prensagem, a embalagem e a comercialização. Mas num primeiro momento, o que nós estamos querendo é que a comunidade separe, separe e ponha dentro de uma única embalagem tudo o que possa ser reciclável e que isto vá lá, porque a unidade de triagem está recebendo a orientação, o treinamento, a capacitação para fazer a separação adequada, aí sim eles vão separar adequadamente. E mesmo o vidro, eu estava dizendo, as garrafas, os potes de vidro que aconselha-se que sejam separados de uma forma diferente, dentro de caixas ou em embalagens especiais, mas para pequeno gerador nós estamos dizendo: “Deixe sua garrafa também dentro da embalagem. Se possível dá uma enrolada no jornal, mas deixe dentro da mesma embalagem porque chegando no galpão, na unidade de triagem, eles é que vão fazer a separação adequada”.
P/1 – Como que os carroceiros ficam sabendo do programa?
R – Os carroceiros, os carrinheiros, a gênese disso tudo, há oito anos foi aprovada uma lei na câmara de vereadores que previa a retirada paulatina das carroças e dos carrinhos, dentro dessa visão. Cavalos, exatamente, das carroças de cavalos. Exatamente dentro dessa visão de desumanidade, da pessoa estar se judiando na rua puxando isso na intempérie e os animais, e nisso tivemos a Associação de Proteção dos Animais como parceira. Então nestes oito anos a prefeitura vinha cuidando da inclusão produtiva destas pessoas e o primeiro passo foi exatamente saber quem era, e aí é que eu disse que lá num primeiro momento, numa previsão de um mil e 800 pessoas, famílias dedicadas a isto, num primeiro momento esse número não foi encontrado porque nós vivíamos uma outra situação econômica, vivíamos o pleno emprego. Então num primeiro momento foi em torno de um mil e 200, um mil e 280 famílias cadastradas. Carroças e cavalos eles tinham a oportunidade de entregar para o programa mediante um ressarcimento de dois mil reais o animal, a carroça. E esses animais foram todos eles encaminhados, também dentro do programa Todos Somos Porto Alegre, para uma fazenda com um cuidador de animais que fazia o trato do animal, que cuida até hoje dos animais e estes animais estão ainda dentro desta fazenda, os que aí permanecem, à disponibilidade para doação e foram muitos os que já foram lá e encontraram seu animal, levaram para casa mediante cadastro, saber se efetivamente ele tem condições de cuidar. Moradores da periferia da zona rural de Porto Alegre ou da região metropolitana, pessoas que tenham afinidade com os animais e que tenham condições de cuidar deste animal. E a pessoa que fez a destinação, a entrega do animal, tem a possibilidade do acompanhamento, de saber onde esse animal está. Então as pessoas em um primeiro momento foram contatadas, não foi o número que nós havíamos imaginado existir, se bem que hoje pelo retorno existem muitas pessoas que ainda não foram atingidas. E esta lei de proibição da circulação de carrinhos da tração humana e de carroças de tração animal sofreu uma prorrogação de prazo porque ela encerraria em setembro, ela sofreu uma prorrogação de prazo por mais seis meses para os veículos de tração animal, para que nesses seis meses o programa possa ainda atingir esses catadores de rua, enquanto que as carroças não tiveram esta prerrogativa de prolongamento de prazo, então para as carroças definitivamente está sendo proibida a circulação dentro da cidade de Porto Alegre para a catação de resíduos.
P/1 – É vantajoso para o carroceiro sair da rua e ir para as unidades de separação?
R – Olha, na medida em que nós começarmos a dizer que o ganho deles está numa média de um mil e dez reais como foi no mês de agosto e que nós tenhamos a oportunidade de abastecer as unidades para que isto se eleve para mil e 200, mil e 500, mil e 800, e na medida em que a maioria dos galpões hoje já pagam INSS, estamos já com uma proposta de seguro acidentes pessoais e seguro de vida em grupo com valor muito diminuto, na medida em que isso se concretizar é vantajoso para ele. “Ah, mas ele deixa de ter a doação de um sapato, de uma televisão velha do Fulano que estava esperando que ele chegasse lá ou vai dar um caderno para o seu filho”. Mas este tipo de assistência outros programas da prefeitura devem ter, a criança não precisa receber o caderno, o lápis de um terceiro, ele já vai receber isso da Secretaria Municipal de Educação. E com isso, o benefício maior é que nós estamos interrompendo um ciclo de continuidade para que a criança não acompanhe o pai na sua carrocinha de coleta e que fique dentro da escola estudando e que vá para o brinquedo na comunidade. E com isto corta esse contato com o resíduo, que poderá ir para dentro de uma unidade, mas não perambular pela rua. Nós tivemos acidentes em que morreu cavalo, em que arrebentou a carroça, em que morreram as pessoas que estavam nas carroças. Então, deixaremos de ter esse tipo de risco e colocaremos as crianças na escola, algumas delas com tempo integral, e voltando para sua comunidade pra ter o tempo de brinquedo também. O pai, a mãe, se quiserem continuar nesta atividade terão oportunidade de fazê-lo de uma forma mais adequada, melhor abrigada, melhor orientada dentro de um galpão fechado, né? E eu quero citar também que essa experiência que nós vinhamos desenvolvendo como embrião, nada é imposto, tudo é discutido pelo Fórum de Catadores e pela reunião das unidades, nós vinhamos discutindo num primeiro momento a importância deles fazerem a venda coletiva. Cada unidade tinha o seu comprador e cada comprador segurava em segredo o preço que pagava ao outro. E cada vendedor do galpão tinha os seus interesses. Mas isto tudo foi amadurecendo e as desconfianças dos próprios trabalhadores foi ao pouco desaparecendo e hoje nós já temos experiência elogiável e palpável do embrião de uma venda coletiva que já existe, nós estamos fazendo testes de venda, não são todas as unidades, as 17 que nós conveniamos, destas nós temos dez que fazem a venda de tetra pak e já estão trabalhando com papel branco, papelão e com plástico. A venda do tetra pak, que era vendido a 23 centavos a unidade, ao quilo, na primeira venda coletiva foi a 40 centavos o quilo, só nisto eles já perceberam o quanto era importante essa venda coletiva. Mas mais, eles começaram a dizer, e eu digo começaram a dizer porque é reunião em viva voz com o empresário comprador, então os cinco, seis, oito representantes do Fórum de Catadores dos vendedores da venda coletiva, eles sentam nas mesas e escutam as propostas e batem o martelo juntos. Estes vendedores das unidades de triagem começaram a dizer que estavam procurando venda coletiva casada com um único comprador do papel branco, do papelão e do plástico. Imediatamente todos os produtos dos galpões, neste momento de crise e que normalmente baixam os preços, neste momento todos os preços levantaram, inclusive, claro, pagando pra quem não faz parte da venda coletiva porque o comprador não sabe quem faz parte da venda coletiva, então ele está oferecendo agora o mesmo valor alto, elevado, pra todos. Então neste momento eu digo a alegria da gente de ter consolidado aquele sonho inicial de uma venda coletiva, essa alegria nossa se concretiza neste momento quando eles estão percebendo que mesmo num momento de crise, de baixa da coleta seletiva, eles estão recebendo mais dinheiro no fim do mês porque o produto elevou o preço, o comprador elevou o preço porque não quer perder, pessoal está querendo fazer a venda direta para a indústria, o que eliminaria o intermediário. Então o intermediário levantou o preço. E imagina quando nós então fizermos, eu vou dizer nós porque eu me sinto tão dentro desse programa, apesar de já estar saindo, mas quando eles fizerem a industrialização do plástico, que é possível fazer e nós queremos estimular que eles façam isto e teremos o apoio da iniciativa privada e se tudo der certo e este fundo de apoio à política pública dos catadores que estamos implantando por esta lei, se tudo der certo com esses recursos da logística reversa, nós vamos ter dinheiro pra fazer essa nossa industrialização, o que vai, sem dúvida nenhuma, aí sim deslanchar de uma forma espetacular. E aí eu respondo a sua pergunta: e qual é o atrativo para ele estar dentro do galpão? Ele vai estar trabalhando no abrigo, ele vai ter proteção de equipamentos para manusear esses produtos, ele vai ter os EPIs necessários naturalmente, a sua unidade está ambientalmente cadastrada e ele vai estar ganhando mais. INSS, um seguro de vida, acidentes pessoais, isso tudo está sendo previsto, sendo que INSS já estão pagando. Seguro de vida nos chegou uma proposta agora há poucos dias e que eu já disse ao Fórum de Catadores que eu tenho essa proposta muito boa, eu sou corretor de seguros também.
P/1 – Ahhhh, isso você escondeu da gente!
R – E não foi a minha corretora que apresentou a melhor proposta. E como eu entendo de proposta de seguro eu vi qual é a melhor e efetivamente ela é muito boa, com valores muito pequenos a serem desembolsados pelo contribuinte e que dá, inclusive, assistência odontológica. Então esta proposta nós levaremos ao Fórum, quem vai decidir são eles, mas são ganhos que eles terão, sem dúvida nenhuma, porque neste caso, para este tipo de assistência, para cobertura previdenciária, para acidentes pessoais, e tem gente que se corta, tem gente que fica afastado 30 dias por uma doença, por uma machucadura, por um acidente, isso eles não tinham e terão agora a partir deste seguro e têm já a partir do INSS.
P/1 – Você pode falar um pouco dos resultados que contribuíram pras Metas do Milênio, se esses resultados, quais foram que contribuíram para as Metas do Milênio da ONU.
R – Ah, do trabalho que nós desenvolvemos, pois não. Então, em determinado momento o Comitê de Entidades no Combate à Fome pela Vida, o COEP do Betinho, em 2000, 2001, 2002, começou-se a associar aos objetivos de desenvolvimento do milênio estabelecidos pela ONU e houve no Brasil um movimento muito grande, inclusive estimulado pela presidência da república para que empresas entrassem, para que instituições públicas entrassem na divulgação, no estímulo e até na premiação de quem apresentasse resultados nesta área dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que teria um corte em 2015, que foi feito, e a partir de 2015 a expansão em programas mais abrangentes e mais diversificados. Então esse COEP, que se juntou e que procurava desenvolver junto às escolas, junto à comunidade, mas mais junto à comunidade escolar, procurou divulgar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio provocando redações, cartinhas, trabalhos na comunidade, de repente inventou uma modalidade de fazer com que este assunto fosse mais discutido e se criou um festival de música, festival de música ODM. Então houve quem fizesse o cartaz desse festival de música que foi de norte a sul, houve gente que acabou dando sugestões do como premiar, de quem convidar, como fazer a divulgação. Então no Rio Grande do Sul nós fizemos um trabalho junto à Secretaria Estadual de Educação, junto ao Sinep, que é o Sindicato das Escolas Particulares, junto às Secretarias Municipais de Educação, Coordenadorias Regionais de Educação e trabalhamos na escola fundamental até a oitava série. E o nosso mote era fazer com que cada escola desse uma olhada, a coordenadoria pedagógica da escola desse uma olhada nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, os oito jeitos de mudar o mundo, e trabalhasse durante esse período em que a escola tivesse a oportunidade de desenvolver essa temática com os alunos, procurasse desenvolver ou o todo ou um desses objetivos fazendo com que os alunos discutissem. E o COEP ofereceu a oportunidade de a escola provocar que eles escrevessem, selecionado o objetivo, igualdade entre gêneros, ou alimento para todos, enfim, encontrasse o seu objetivo. O grupo fosse estimulado a escrever uma letra e a compor uma música e participar de um festival, festival de música do COEP. E estabelecemos regionais no Rio Grande do Sul onde foram feitos festivais regionais de onde saía um selecionado, com equipe, com avaliadores, com mesa julgadora, com premiação, sempre premiações simbólicas porque recursos financeiros não tínhamos. E a música vencedora da região estaria classificada para participar do festival final que acontecia sempre dentro do auditório da Assembleia Legislativa em Porto Alegre, Auditório Dante Barone. Foram sete festivais de músicas e nós temos músicas espetaculares, todas elas gravadas com imagens bonitas, com sonorização especial. Diga-se de passagem, a sonorização era patrocinada pela Fiergs, Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul e a premiação aos vencedores também era de uma verba que a Fiergs doava. Eu posso dizer o valor dessas verbas, para nós fazermos todo esse festival movimentando o Rio Grande do Sul nós recebíamos uma verba de 25 mil reais e dava para movimentar. As empresas de ônibus das regiões traziam a escola vencedora para Porto Alegre. Cooperativas de alimentação nos doavam a bebida láctea. Indústria de panificação nos dava o sanduíche, o pão. Uma empresa de maçã de Vacaria, grande produção de maçãs no Rio Grande do Sul nos dava 15, 20, 50 caixas de maçã para distribuir nos festivais, então todo mundo saía alimentado. E nós comprávamos com esta verba da Fiergs os prêmios que sempre eram instrumentos musicais e aparelho de mesa de som para a escola vencedora, para que a escola continuasse desenvolvendo essa atividade de música, musicalidade dentro da escola. E temos notícias de que desses grupos vencedores e que se apresentaram, hoje nós temos bandas nos municípios saídas exatamente deste concurso de música, desse festival de música. E assim o COEP contribuiu para que se difundisse o conhecimento em primeiro lugar, da existência dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e que as escolas participassem fazendo a música, defendendo essa música, e que a escola em cima do tema escolhido fizesse uma ação na comunidade, então aí envolvia também os pais, as mães da comunidade.
P/1 – Você falou como se divide os três projetos do Todos Somos?
R – O programa Todos Somos tem três projetos. O primeiro deles era este do levantamento da situação que nós denominamos “A Busca Ativa”: equipes saíam pela cidade fazendo cadastro, vendo quais eram as necessidades, inclusive quais eram os encaminhamentos a serem dados, se tinha criança que não ia para a escola, se tinha pais, mães que não tinham documentos, gente em condições de serem aposentadas e não eram, gente que precisava de um encaminhamento para o serviço social, enfim, se fazia uma radiografia desta pessoa cadastrada. E a esta pessoa então eram oferecidas oportunidades de curso, de capacitação, esses cursos de capacitação eram em vários ramos, eles faziam este curso de capacitação com bolsa, enquanto eles estavam saindo da atividade da reciclagem, da catação, eles recebiam a bolsa de sobrevivência. Depois este grupo procurava encaminhar para o mercado de trabalho, nós tínhamos empresas da iniciativa privada oferecendo vagas no mercado de trabalho. Claro, nem todos são afeitos a horários, a regramentos, a não sair na hora que quer, a não fumar lá dentro, a não tomar a sua cachacinha na hora que quiser, então teve pessoas que simplesmente, claro, não afeitas a esse tipo de regramento não quis isso, para essas pessoas nós oferecemos a oportunidade de trabalhar dentro das unidades. Este mesmo primeiro projeto envolvia capacitação, este curso de cooperativismo para converter essas associações em cooperativas e, vamos dizer, ele ainda continua hoje buscando quem não foi acessado ou que foi expurgado do mercado de trabalho, o mercado formal. O segundo projeto dentro do programa era a reformulação produtiva e essa reformulação produtiva vai desde as melhorias físicas nas unidades, adequação dessas unidades, equipamentos, nós hoje estamos já comprando, temos algumas unidades com equipamentos modernos, mas estamos comprando equipamentos modernos para todas as unidades, grande prensas, carrinhos, balanças, etc. Adequação física que eu já falei e a gestão, a técnica da separação e a gestão da unidade. E também já iniciou mas vem vindo aos poucos e agora com maior intensidade o terceiro projeto dentro do Programa Todos Somos que é essa educação ambiental.
P/1 – Tem alguma história de algum participante que tenha te chamado a atenção, alguma história peculiar que te emocionou, específica?
R – Sim. São várias, várias. Houve momentos em que nós tivemos que usar, vamos dizer, da força legal para entrar num galpão e dizer: “Vocês têm todas as oportunidades e vocês não estão se adequando. Você diretor, você presidente da associação não tem uma associação, você tem um feudo, você tem um grupo que trabalha pra você e sua família”. Então houve momentos em que nós tivemos que usar da força coercitiva, da imposição e de uma intervenção. Então expurga esse cidadão. O grupo que estava num destes galpões, numa destas unidades nos fez uma festa muito grande, depois que o seu chefe saiu porque eles não podiam falar com ninguém, eles não podiam se queixar com ninguém, eles não sabiam quanto era produzido, eles não tinham acesso a nenhum documento, eles não tinham acesso a valores de comercialização e a eles era dado um valor de 50 reais a cada fim de semana. Então quando esta equipe voltou ao trabalho e veio nos dizer como eles eram mantidos e a manifestação dessa alegria e desta festa coletiva que eles fizeram, pra mim foi uma alegria muito grande. Mas temos gente que viveu 40 anos puxando carrinho e que hoje está num emprego formal. Ele dizendo que agora tem uma carteira assinada. Uma senhora também depois de uma atividade de uma vida inteira dela e da família sem proteção nenhuma, então vir com a carteira de trabalho e dizer: “Agora eu sou gente”, isto mexe com a gente, percebe-se que alguma coisa de bom foi feito. Eu disse em determinado momento que ainda encontramos resistência de gente que acha que o programa não atingiu a todos, consequentemente é inócuo. E eu tive já a oportunidade de dizer: não vamos resolver o problema do mundo, não vamos resolver o problema de todos os que estão na catação, não vamos tirar da rua todos os que vivem com este minguado coletar de latinhas e garrafas PET, agora isto não inviabiliza a que se faça um trabalho sério, consistente e dignificante para essas outras pessoas, que mais de 800 estão se beneficiando e vem mostrar com os números o que isso está significando pra elas, né? Então a consciência de que nem tudo nós conseguimos fazer existe, a dor de não poder fazer tudo, eu participo de reuniões como foi na quinta-feira passada, hoje era para termos voltado para uma segunda reunião numa comunidade totalmente excluída que mora numa área em que não deveria morar, na beira do rio Guaíba, na qual qualquer enchente a água atinge as moradias, eu não vou dizer as casas deles, as moradias deles, e que vivem entre um acesso de auto estrada pra Porto Alegre e o rio, que para levar suas crianças à escola tem que atravessar as seis, oito pistas de faixa pra levar a criança. Vivem de uma forma inadequada. Mas estão lá, são 34 famílias, vieram nos procurar pra ver o que é que nós podemos fazer por eles. Esses ainda não foram atendidos por nós, então vai lá A Busca Ativa e vamos ver o que dá para se fazer, mas é difícil. Então nós temos consciência e temos notícia e temos contato de pessoas que ainda não foram atendidas e que gostariam de serem atingidas pelo nosso programa, que foi idealizado para um número e que hoje esse número é muito maior. Mas a nossa expectativa é de que convertido este programa em política pública nós tenhamos condições de avançar. E eu quero falar sobre a política pública, isto está sendo construído com o Ministério Público Ambiental, com o Ministério Público do Trabalho, com o Tribunal de Contas, com a Defensoria Pública, com pessoas deste outro lado que também pensa neste tipo de pessoa. E no conjunto está se procurando a melhor solução para dar continuidade. Então a Procuradoria Ambiental, o Ministério Público Ambiental do Rio Grande do Sul já está falando em canalizar estas verbas compensatórias que existem em função de crimes ambientais das empresas, ao invés deles fazerem aleatoriamente alguma distribuição, carrear para dentro do programa de fundo estes recursos. O Ministério Público do Trabalho a mesma coisa. O próprio DMLU que tem multas em função de resíduos jogados inadequadamente, multas ambientais, ao invés de ter o seu programa estanque, nós temos lá dedicados 20% desses recursos aplicados em multa para educação ambiental. Nós já estamos pensando em constituir um volume maior e que vá para dentro desse fundo. Então o Fundo passaria a ter recursos para continuar atendendo a quem esteja hoje dentro do programa, mas também para buscar os demais que estão fora, porque as verbas do BNDES com as verbas da prefeitura estão chegando ao limite dentro deste projeto inicial do programa Todos Somos, que aliás já precisou de mais verba para atingir os seus objetivos porque a cada dia nós percebemos que existem flancos abertos que não foram totalmente pensados dentro do... o programa é muito dinâmico, as pessoas são dinâmicas e nós vamos percebendo no dia a dia que mais precisa avançar.
P/1 – Quando que começou?
R – Ele está completando quatro anos do início da Busca Ativa. Ele é anterior a isso na elaboração do plano, do projeto, estimulado pela Braskem, bancado pela Braskem, em cima do que foi se buscar recursos no BNDES. Mas atividade mesmo desse programa é de quatro anos. E nesses quatro anos o que eu posso dizer é que não só o aspecto físico da unidade de triagem é diferente, como a convivência das pessoas é diferente. Tem intrigas como em toda aglomeração humana, tem, mas o que nós estamos percebendo, que o empoderamento deles é muito grande e que aquilo que antes era uma briga isolada de um e de outro galpão sem saber o que um fazia e parecia ser esta a vontade do comando, que assim permanecesse, porque o comprador podia manipular com números, porque o distribuidor do resíduo, pelo DMLU, podia fazer a combinação que bem quisesse, porque assim era conveniente. Eu quero dizer que aquilo que estava naquela situação hoje não se reconhece mais, é bem diferente. E nós temos uma planilha diária de qual a carga, de qual bairro vai pra qual galpão. O galpão, a unidade de triagem está sabendo no dia quantas cargas deverão chegar na sua unidade. E isto é repassado online por Face, por outros instrumentos, a cada galpão. Estas unidades de triagem, todas elas, têm o contato entre si por Face e por WhatsApp, tem o nosso contato por WhatsApp, tem o contato com o programa Mãos Verde, Governança, DMLU, de maneira que a qualquer momento um caminhão bateu no portão e machucou o portão, derrubou o portão. Nesse mesmo momento, quando é um assunto mais grave, alguém lá da unidade está ligando pro diretor no DMLU, está dizendo: “O caminhão de número tal bateu, está aqui a fotografia e a gente encaminha até lá um serviçal nosso pra fazer, se possível, a recuperação imediata do portão da unidade”. Eu quero dizer com isso que existe um intercâmbio de contatos que faz com que hoje todos estejam contatados com todos e nós estamos sabendo do que acontece em cada unidade. Sabemos que eles estão precisando de mais resíduos, mas estamos trabalhando na educação ambiental para que isto também venha a acontecer. Então se eu puder dizer que o programa atingiu a sua maturidade eu posso dizer que sim, atingiu a maturidade. Atingiu a todos? Não. Qual é a experiência adquirida até aqui? Com os resultados obtidos até aqui, com as falhas que deverão ser corrigidas em cima das experiências feitas nós vamos caminhar pra frente. Eu digo que este programa não para mais porque hoje ele não é nem de uma prefeitura, nem de um grupo, ele é dos catadores e é uma política pública.
P/1 – Qual é a sua função exatamente no programa?
R – Eu sou do DMLU diretor geral adjunto e eu faço este interface como poder público, DMLU, como coordenador deste segundo projeto que é o trabalho junto às unidades, que é desde a entrega do resíduo até o controle da venda final, o repasse dos convênios, das verbas dos convênios, o controle da entrega dos resíduos para que equanimemente as unidades estejam aquinhoadas. E o contato de visitas direto com as unidades. Então eu coordeno o Projeto Dois, que é o contato com as unidades.
P/1 – Como os atos de repensar, reduzir, reutilizar e reciclar mudaram a sua vida e as pessoas à sua volta?
R – A minha vida, dentro da minha casa e a minha família. Isso já desde a ida ao supermercado, a compra, é necessário que se compre? É tudo isso que eu quero? O quanto isto efetivamente é necessário que eu utilize. A quantidade de embalagens, como a gente se percebe, eu e outras pessoas, nos apercebemos indo a um mercadinho, a uma farmácia, a uma fruteira e dizer: “Não, a embalagem você pode deixar aí, eu não quero levar este resíduo para casa”. Então esta consciência eu não tinha e hoje eu tenho. A reutilização, a escola do produto, a compra do volume do produto, a embalagem e a reutilização. Um irmão meu, ele brinca comigo porque ele não tem esta vocação de reutilização das coisas dentro da própria casa, enquanto que eu não boto fora nada. Se ele tiver, dentro da minha óptica, a possibilidade de ser reusado em alguma outra atividade, em algum outro setor, eu moro em casa então é mais fácil do que apartamento. Eu já deixo aí porque sei que vou reutilizar, seja num produto, na confecção de algo necessário para a minha horta – eu faço horta, isto também vem desta consciência. Eu tirei a maior parte do meu jardim e eu faço horta, eu tenho chás caseiros, temperos, eu tenho radiche, alface, tenho temperos da cozinha, estão todos aí, então vem disto, desta vivência, deste contato com essa necessidade de produzir alguma coisa, de conservar o que se tem, de reutilizar todas as...de fazer a compostagem com todas as cascas que eu consumo, isso já não vai para o aterro sanitário, fica ali comigo mesmo. E a reutilização que eu digo é de produtos que eu possa utilizar no meu jardim, na minha horta ou na minha garagem, nas minhas prateleiras. Ou então a reutilização de embalagens ou saquinhos, o leva tudo, a sacola. Então esta consciência me vem em função de atividades no correr da vida, mas muito mais e muito mais na prática depois de eu entrar nesse programa Todos Somos. E eu vejo sim que isto é difundido pelos nossos educadores ambientais que trabalham, nosso pessoal do DMLU que trabalha, trabalha exatamente em cima desses temas com as crianças, com professores, além de ir para a escola fazer a palestra, aliás, a escola só receberá palestra se um professor da escola já fez o curso dentro do DMLU. Então isso o credencia a pedir uma palestra dentro da sua própria escola, um curso dentro da sua própria escola. Então o que nós estamos percebendo aqui, o DMLU já trabalha com isso e agora esta equipe de educação ambiental com o Mãos Verdes, com os universitários, com agentes comunitários, com a sociedade civil, com a ABAS e com o pessoal que já tem o meio ambiente como atividade, o que eu percebo nesse momento é que está bem mais difundida esta ideia da correta utilização, reutilização e reciclagem. Coisas que não se via há dez anos.
P/1 – E Albarello, quais são os seus sonhos?
R – Poxa! Meus sonhos. É, eu digo que com 68 indo para 69 anos talvez eu devesse dar uma freada. Minha família me critica por eu ser hiper ativo, de dormir muito tarde, de levantar muito cedo, de não sentar na frente da televisão, estar sempre procurando algo para fazer, de estar indo de um lado para o outro. Na comunidade de Porto Alegre ainda eu presido um pequeno grupo chama Clube Náutico Belém Novo, mas clube mesmo é a personalidade jurídica. Ali nós trabalhamos com crianças da periferia ensinando vela. Então o esporte náutico é um esporte muito caro, mas eles têm na vela o atrativo para entrar dentro do nosso ambiente e pela vela a gente procura depois fazer o desenvolvimento da educação ambiental. No pendrive nós temos algumas fotos de regatas fazendo recolhimento do lixo na orla e nas ilhas, embalando, colocando para que o DMLU recolha. E ganha prêmio quem mais volumes trouxer. A mata ciliar, que foi devastada, ela precisa ser reposta. Nós trabalhamos também com a coleta de sementes e mudas de arvorezinhas da mata ciliar e nós temos canteiros de mudar de mata ciliar, participamos de campanhas com as escolas da beira do rio para o replantio na orla do Guaíba. Então você me pergunta qual o meu sonho. O meu sonho é incrementar este projeto para que, hoje já são em torno de 800 crianças que passaram por lá, para que nós possamos ter cada vez mais e mais crianças, adolescentes, meninos, tirando-as do exército dos traficantes e fazendo-as divertirem-se num esporte bonito, terem aí lições de vida, terem aí palestras, terem aí no contraturno das escolas um momento de lazer e de educação, principalmente para a vida e educação ambiental, então esse é um dos meus sonhos. O outro meu sonho é deixar o grupo Albarello & Schmitz de advogados e reabilitar agora a minha carteira da OAB para ficar à disposição dos problemas jurídicos dessas unidades. E meu sonho é viver bastante ainda e manter contato com essas unidades que particularmente eu tive a sensação e a oportunidade de ajudar a se sedimentar, a se estruturar. E ficar à disposição.
P/1 – E como foi contar a sua história aqui?
R – Eu não vim preparado para isto, eu imaginava que fosse alguma outra coisa mais direcionada. Tem coisas da vida da gente muito íntimas, de sofrimentos, de dores, momentos difíceis que eu não contei. Eu tive um momento de muita dificuldade financeira quando meus três filhos estudavam na faculdade e eu e minha esposa estudávamos na faculdade, eram cinco mensalidades, tive muita dificuldade. Quando meus filhos me pediam alguma coisa e eu dizia: “Filho, vamos deixar pra mais tarde”. Mas de qualquer maneira o que eu contei, de uma forma resumida, é um espelho sim da minha vida e do norte que me orienta, dos princípios dentro dos quais eu fui criado, que criei meus filhos e que pretendo manter o fim. Da ética, da honestidade e da necessidade de abrir os braços aos irmãos. É isso. Porque quando eu precisei eu fui acolhido.
P/1 – O que você acha que aconteceu no início da sua vida... você cresceu muito, né? Você estava lá na roça, o pai faleceu. O que é que você tira dessa experiência pra você ter galgado tantos degraus?
R – Pois sabe que mesmo muito pequeno eu tinha consciência da falta que meu pai fazia, vamos dizer, muito mais para o abastecimento da família. E eu via muito claramente o sofrimento da minha mãe, isto eu via. E eu ficava imaginando comigo o como eu poderia fazer pra diminuir o sofrimento dela. Quando eu poderia ter a possibilidade de uma contribuição pra ela e pros meus irmãos. E eu acho que eu tendo percebido esse sofrimento da minha mãe me deu garra para que eu buscasse, não desperdicei nenhuma oportunidade, eram pouquíssimas pra mim, eu não desperdicei. Eu fui com o objetivo não de eu crescer, eu fui com o objetivo de desenvolver pra que pudesse ajudar a minha mãe e meus irmãos. E eu vi que isto eu consegui fazer. Pelo meu contato eu pude ver que os outros quatro foram pra faculdade e que a última das minhas irmãs, pela minha interveniência, pôde fazer faculdade. As outras já eram casadas, já estavam trabalhando na roça. Então eu quero dizer que eu tive oportunidades, vali-me delas com esse espírito: eu quero aproveitar o que me for dado de oportunidade para ajudar a minha família. E com esta formação seminarística a minha família se expandia. E eu vi que o povo, e eu acredito em Deus, eu vi que o povo e Deus me deram oportunidade de eu ser prefeito, que logo em seguida me fez deputado e eu me aproveitei, me vali desses dois mandatos de deputado e esse mandato de prefeito, primeiro para não deixar nenhum rastro negativo, segundo, para ser lembrado até hoje. Se eu nutro uma alegria, é ver que pessoas pelo Facebook, hoje estou fazendo uso até do Facebook, olha aí que moderno que sou! Jovens perguntando se eu sou o antigo prefeito, porque o pai fala, porque a mãe falava, porque o meu avô foi seu amigo. Então isso me enche de muita satisfação, de muita alegria. Então eu vejo que eu tive oportunidade de ajudar a minha família, mas expandi esta família para um município e depois aonde eu pude atingir com as minhas ações parlamentares as leis, eu pude ajudar o Estado. E agora mais ultimamente direcionado ou em cima das escolas com o COEP, ou no grupo de jovens do Bela Social, ou neste contingente maravilhoso de um degrau muito humilde, que são os nossos trabalhadores da reciclagem e que precisam, precisam de muita gente olhando pra eles. Eu fiz um pouquinho pra eles, eu quero ver se continuo fazendo mais.
P/1 – Muito obrigada.
R – Ok?
P/1 – Ok (risos). Foi ótimo.
R – Se pude fazer alguma coisa que você esperava é isso.
P/1 – Nossa, foi ótima.
FINAL DA ENTREVISTARecolher