Projeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Entrevista de Aparecida Duarte Rodrigues
Entrevistada por Nataniel Torres (P/1) e Marina Rodrigues Teixeira (P/2)
Paracatu, 24/11/2021
PCSH_HV1174
P/1 - Eu gostaria que a senhora falasse seu nome completo, data de nascimento e onde a senhora nasceu?
R - Aparecida Duarte Rodrigues, nasci no município de Paracatu, no dia 21 de outubro de 1956.
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - Minha mãe chamava Maria Coelho Duarte e meu pai, José Duarte Ferreira.
P/1 - Eles já são falecidos hoje?
R - Já são falecidos.
P/1 - O que eles faziam quando estavam vivos?
R - Nós morávamos na roça, aí quando eu tinha uns 10 anos, nós viemos para a cidade. Antigamente, ele era carrero, quando nós morávamos em fazenda, trabalhavam para os outros. Depois, chegou um certo tempo que a gente veio para a cidade, e aí ele garimpava.
P/1 - O que é carrero, como é esse trabalho?
R - Ele mexia com carro de boi, pegava lenha. Vamos supor, para levar para uma carvoeira. Fazia carretos nas roças.
P/1 - Mas vocês tinham roça também?
R - Nossa não, era dos outros. Morava de favor. Trabalhava, mas não era nossa.
P/1 - E aí a senhora falou que além desse trabalho, ele tinha uma relação com garimpo?
R - Depois que nós viemos para cá, quando começou o garimpo.
P/1 - Quando vocês vieram para cá foi por causa do garimpo?
R - Porque nós tínhamos que estudar. Lá onde nós estávamos não dava mais para ficar, porque era terreno de outras pessoas. Aí, nós viemos para outra cidade. Minha mãe adquiriu um terreno, fez a casa e acabou de cuidar da família. Meu pai morreu muito novo, ele morreu no ano de 70. Eu tinha 13 anos, nem casada eu era. Minha irmã caçula tinha 3 anos. E aí, minha mãe ficou tomando conta da gente, não deu ninguém para ninguém. As pessoas queriam que ela doasse, mas ela não quis. Com a graça de Deus, ela cuidou de todos.
P/1 - Que fazenda era essa que vocês...
Continuar leituraProjeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Entrevista de Aparecida Duarte Rodrigues
Entrevistada por Nataniel Torres (P/1) e Marina Rodrigues Teixeira (P/2)
Paracatu, 24/11/2021
PCSH_HV1174
P/1 - Eu gostaria que a senhora falasse seu nome completo, data de nascimento e onde a senhora nasceu?
R - Aparecida Duarte Rodrigues, nasci no município de Paracatu, no dia 21 de outubro de 1956.
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - Minha mãe chamava Maria Coelho Duarte e meu pai, José Duarte Ferreira.
P/1 - Eles já são falecidos hoje?
R - Já são falecidos.
P/1 - O que eles faziam quando estavam vivos?
R - Nós morávamos na roça, aí quando eu tinha uns 10 anos, nós viemos para a cidade. Antigamente, ele era carrero, quando nós morávamos em fazenda, trabalhavam para os outros. Depois, chegou um certo tempo que a gente veio para a cidade, e aí ele garimpava.
P/1 - O que é carrero, como é esse trabalho?
R - Ele mexia com carro de boi, pegava lenha. Vamos supor, para levar para uma carvoeira. Fazia carretos nas roças.
P/1 - Mas vocês tinham roça também?
R - Nossa não, era dos outros. Morava de favor. Trabalhava, mas não era nossa.
P/1 - E aí a senhora falou que além desse trabalho, ele tinha uma relação com garimpo?
R - Depois que nós viemos para cá, quando começou o garimpo.
P/1 - Quando vocês vieram para cá foi por causa do garimpo?
R - Porque nós tínhamos que estudar. Lá onde nós estávamos não dava mais para ficar, porque era terreno de outras pessoas. Aí, nós viemos para outra cidade. Minha mãe adquiriu um terreno, fez a casa e acabou de cuidar da família. Meu pai morreu muito novo, ele morreu no ano de 70. Eu tinha 13 anos, nem casada eu era. Minha irmã caçula tinha 3 anos. E aí, minha mãe ficou tomando conta da gente, não deu ninguém para ninguém. As pessoas queriam que ela doasse, mas ela não quis. Com a graça de Deus, ela cuidou de todos.
P/1 - Que fazenda era essa que vocês estavam antes de vir para Paracatu, que lugar era esse?
R - Na região da Lagoa.
P/1 - Lá próximo de onde depois foi construído o bairro dos Amaros?
R - Naquela região dos Amaros, por ali.
P/1 - E sua mãe fazia o que, com o que ela trabalhava? Como vocês se sustentavam?
R - Lavava roupa para fora, garimpo também. Nós coavamos areia na praia para vender. Meus irmãos mexia com olaria, fazendo esse tijolinhos, antigamente não tinha esses tijolos maiores. E não tinha essa área que tem hoje, que vende nas construções, era da praia. A gente coava aquela areia. Levantava de manhãzinha, antes de ir para a escola, tinha que ajudar ela coar um pouco de areia, era 12 montes bem grandes, dava um caminhão. Aí ajudava coar, ía para a escola, voltava e ajudava de novo.
P/1 - Essa areia que vocês pegavam era ali na beira da prainha?
R - Na prainha. Também lavava roupa para os outros. Nós buscava aquelas trouxonas imensas de roupa, lá no centro da cidade, buscava de manhã e levava de tarde. Aí lavava na praia, colocava para secar. Nessa época, a água era tão boa que a gente podia até beber da água da praia, hoje não pode, se tomar da água da praia até morre, que é muito infectada. Aí colocava roupa para secar, contava quantas dúzias que deu a roupa, levava de volta e pegava o dinheiro. Isso aí que era o nosso sustento. E os meus irmãos levantavam cedo para ir para a olaria. Eu levantava com ela só para… Levantava de manhã para fazer comida para os meus irmãos, fazia o último come que tinha na lata, último arroz. Eu levantava com ela, ficava sentada no rabo do fogão, só para ela me dar o restinho da comida que sobrava dos meus irmãos, para eles levarem para trabalhar. Aí minha mãe ia para a praia, quando não era para coar areia, às vezes era para lavar roupa, às vezes era para garimpar. Aí levava o ouro, era grama nessa época, vendia e trazia o sustento de novo para casa. Foi assim. Aí, com a graça de Deus, nós fomos crescendo, a mais velha saiu para trabalhar, eu também, meus outros irmãos, Deus deu a graça que todo mundo ficou adulto, aí cada um seguiu seu caminho. Eu e ela não podemos muito estudar, porque tinha que trabalhar mais para poder ajudar minha mãe a cuidar dos pequenos. As outras irmãs estudaram, tem 3 que é professora. Eu mais ela não.
P/1 - Quantos irmãos você teve?
R - Minha mãe teve 19 filhos, mas Deus foi levando. Nós ficamos em 12. Aí depois Deus foi levando também, hoje nós somos só 7, 5 mulheres e 2 homens.
P/1 - Mas nessa época de lavar roupa eram quantos filhos?
R - Nessa época eram os 12.
P/1 - E todos tinham idades muito diferentes? Tinham uns bem mais velhos e vocês eram os mais novos? Todo mundo ajudava?
R - Tava! Com o passar do tempo o meu irmão mais velho casou. Aí, das mulheres, eu que casei primeiro, depois casou minha outra irmã, depois minhas outras irmãs mais novas, essas duas casaram no mesmo dia. E os meninos tudo foi crescendo. Os que Deus não levou, casou. E agora no final, só ficou 5 mulheres e dois homens.
P/1 - Como a família se organizou na cidade nessa época?
R - Foi muito difícil, porque para nós foi novidade, nós morava na roça e vim para a cidade, foi difícil adaptar, devagarzinho nós foi acostumando.
P/1 - E como é que vocês construíram a casa na época?
R - Minha família sempre foi unida, graças a Deus, então era um ajudando o outro. Era um quarteirão bem grande. Morava minha vó, minha mãe, minha tia, a minha família toda. Tem uns que já morreram, já venderam, tem outros que ainda estão lá, igual minha mãe está, minha tia, os meus tios também. As minhas tias, porque os meus tios já faleceram, ficou minha tia e os meus primos. Até hoje um ajuda o outro, chega junto na hora que mais precisa. É assim.
P/1 - Antes dessa história dos seus pais, a senhora sabe de alguma história de como começou lá na Lagoa, quem chegou lá? Os Amaros construíram o bairro?
R - Eu lembro só de um tio meu que morava lá, tio Camilo e a esposa dele, chamava-se Josefa, que eu lembro. Minha tia também, que já faleceu, chamava Romana. Nessa região que hoje é o garimpo, pertence à RPM.
P/1 - Antes disso tinha mais gente da sua família?
R - Antes desses parentes, eu não lembro.
P/1 - Quantos anos mais ou menos a senhora tinha?
R - Quando eu morava lá ou quando eu vim para cá?
P/1 - Quando já estava lá nos Amaros, quando o bairro foi construído.
R - Lá na roça? Eu era pequena, bem menor, porque quando meu pai morreu eu tinha uns 13 anos. Devia ter uns 8, 6.
P/1 - Como era a época da adolescência?
R - Era muito sofrido. Eu e essa irmã mais velha tivemos que deixar os estudos para trabalhar fora. Depois, quando nós paramos de estudar, já não coava areia na praia, ia trabalhar de doméstica, foi onde nós não podemos estudar. Então assim, nós éramos muito felizes, mas infância, adolescência, essas coisas, não teve. Não tinha tempo disso, porque trabalhava quase dia e noite sem parar, para poder ajudar minha mãe.
P/1 - Nessa época de infância não teve nenhum tempo para brincar ou teve algum tempo de lazer, de divertimento? Quando tinha, o que era de divertimento?
R - Não tinha assim divertimento. Os meninos não tinham uma bola, nós mulheres não tinha uma boneca. Antigamente pegava esse milhos, essas espiguinha de milho e falava que era boneca, nunca teve essa graça de ter boneca, carrinho, essas coisas que esses menino de hoje tem. Era feliz, mas infância não teve. Infância era o trabalho, tinha que trabalhar. Hoje que os meninos não podem trabalhar, antigamente não tinha isso.
P/1 - Ficou a senhora e a sua irmã mais velha trabalhando como doméstica. Era lá na cidade mesmo?
R - Era em Paracatu
P/1 - Como é que foi essa época? Quem convidou vocês? O que aconteceu para vocês irem trabalhar como doméstica?
R - Nós mesmo que procurava. Às vezes alguma amiga da minha mãe informava, onde nós lavava roupa, falava que estava precisando, nos ia de baba, se não para arrumar a casa, para cozinhar também. Foi onde a gente aperfeiçoou na cozinha. Onde eu trabalhava, não deixavam eu sair, porque eles gostavam tanto do tempero. Igual eu a minha irmã também não deixava sair e sabe fazer muita coisa, muita comida, muito doce, eles não queriam soltar a gente, queria ficar com a gente lá.
P/1 - Que comida era essa que o povo gostava tanto que a senhora fazia? Quais eram esses doces, quais eram essas comidas?
R - Comida comum, arroz, feijão, uma carne, essas coisas assim. Fazia doce de leite, de amendoim e outros tipos de doce também. Eles gostavam, não sei o que chamava atenção deles, mas eles não queriam soltar o pé nosso não.
P/1 - Desses doces que a senhora está contando, o que a senhora aprendeu com a sua mãe, com a sua vó?
R - Vários doces, de frutas, de laranja, de manga, de leite, de amendoim, figo, essas coisas da terra, nós sempre fazia.
P/1 - A senhora ficou trabalhando muito tempo como doméstica?
R - Fiquei trabalhando até casar. Quando eu fui casar mesmo, a patroa não queria deixar eu sair, aí eu falei: agora eu casei tenho que cuidar da minha vida. Aí larguei.
P/1 - A senhora tinha quantos anos quando casou?
R - Tinha 20.
P/2 - E conheceu na roça?
R - Foi na roça. Eu conheci ele, porque era muito amigo dos meus irmãos, inclusive um morreu agora, tem um ano, conheceu ele, aí ele foi morar lá em casa, muito amigo, trabalhava com os meninos, morou um bom tempo lá com nós. Aí eu gostei dele, ele gostou de mim, mas quando chegou um certo tempo parece… sei lá! Parece que eu não gostava mais dele, ele gostava de mim. Mas aí quando é para ser, quando é coisa de Deus, aí passou, nós ficou noivo, casamos, graças a Deus, e estamos até hoje.
P/1 - E foi ele que pediu na época?
R - Eu gostava dele e ele não gostava, sei lá! Aí terminava, voltava. Depois nós voltamos e casamos.
P/1 - Me conta como foi esse casamento?
R - Assim que nós ficamos noivos, resolvemos casar logo. Na época, minha madrinha falou que ia me dar o vestido. Ela foi na loja, comprou o tecido, ela mesmo fabricou o meu vestido, foi em Brasilia comprar a grinalda, me arrumou toda. Aí nós foi e casou.
P/1 - E teve festa? Vocês casaram onde?
R - Teve! Nos casamos no religioso na matriz, no dia 31/12/1976 e no cartório também na mesma data.
P/1 - E teve festa?
R - Teve, mas só que a festa de antigamente era em casa. Aí os biscoitos eram fabricados em casa, não tinha igual hoje, salgado fora. Era feito em casa. Minha irmã fez com a ajuda de todos os parentes. Não tinha essas bebidas que tem hoje, esses salgados, essas coisas todas.
P/1 - Teve uma festa mais família?
R - Foi muito boa! Para os vizinhos também, foi muita gente, mas não era igual hoje, que é em clube, era em casa, não tinha isso.
P/2 - As bebidas era nos baldes em cima da mesa.
R - Era. Os biscoitos colocava… igual hoje, fica preocupado em colocar em vasilhas bonitas, era em peneira mesmo, nessas peneirinhas, punha lá, nossa, era uma felicidade só para todo mundo. Ali comia, não tinha bebida alcoólica, essas coisas não tinha. E era todo mundo feliz.
P/1 - E foram morar onde logo depois do casamento?
R - Nós moramos um tempo de aluguel.
P/1 - Na cidade?
R - Na cidade, em Paracatu. No início, o pai dele deu um lote, mas era muito pequeno e embolado, “não vai dar certo”. Aí o que ele fez? Ele vendeu esse lote e com o dinheiro comprou a nossa mobília. Imagina a mobília! Na época, o lote era bem baratinho.
P/2 - E ela tem a mobília do casamento.
R - Tenho uma mesa de herança ainda, relíquia, tá aí. Só a mesa. Aí pagou aluguel por um tempo. Depois minha mãe fez uma casinha perto dela, porque eu fui a primeira a casar, das filhas mulher, nós moramos um tempo perto dela.
P/1 - Isso lá no bairro, lá nos Amaros?
R - Não, em Paracatu.
P/1 - Mas no bairro?
R - No bairro. Nós ficamos um tempo, e nesse meio tempo, ele trabalhava no DR, os pais dele morava em Luziânia e queria que ele fosse para lá e eu nunca tinha saído de perto da minha mãe. Ele largou o serviço dele e nós fomos para lá e ficou uns 9 meses. Não deu certo, voltou para trás. Nesse meio tempo, nós voltamos, meu irmão estava morando na casa, aí fomos pagar aluguel. Muito difícil. Só tinha o filho mais velho, ele tinha um ano mais ou menos. Aí nós foi para a praia garimpar. Na época ele não sabia garimpar, eu sabia. Aí ele foi comigo. Às vezes ele não entendia muito, ficava nervoso, deixava e vinha embora e eu ficava lá. Aquela luta, aquela confusão toda. Depois nós compramos um terreno que era de uma senhora lá, mas quando fomos ver não era da senhora, era da prefeitura, pagamos o dinheiro para o homem e ficamos no prejuízo.
P/1 - Lá no bairro mesmo?
R - Não era no nosso bairro, era mais distante. Não é onde nós moramos hoje. Aí era da prefeitura, nós compramos da prefeitura de novo e construímos nossa casinha. Ficamos lá um bom tempo, depois trocou lá em cima para um terreno aqui embaixo, construímos de novo, que é onde é a nossa casa na cidade, mas não é no bairro dos Amaros.
P/1 - É próximo, mas não é no bairro?
R - É! Não é lá onde os meus parentes moram.
P/1 - É dentro do bairro Paracatuzinho?
R - É, mas não é lá perto. É a casa que eu tenho até hoje.
P/1 - E foi nessa casa que nasceram os outros filhos?
R - Aí nasceu o primeiro de aluguel, ela nasceu em outra casa, lá em cima, na primeira que nós tínhamos, o outro também nasceu lá em cima. Quando eu mudei para baixo eu tinha 3. O primeiro, ela e o outro, nessa nova casa. O mais novo que nasceu nessa outra casa que eu tive, no bairro mais embaixo.
P/1 - Qual o nome de todos os filhos?
R - O primeiro chama Marcelo Rodrigues Teixeira, a segunda é Marina Rodrigues Teixeira, o terceiro Fernando Rodrigues Teixeira e Flávio Rodrigues Teixeira.
P/1 - Depois disso apareceu um outro filho que na verdade é um neto, como é essa história?
R - Eu não tive ele, ele é neto e filho de coração. Ele veio quando o meu filho mais velho tinha 16 anos e meio, tava estudando ainda. E aí conheceu a mãe desse meu filho, morava numa roça e mudou lá para perto de casa, foi onde ele conheceu ela e ela já tinha mais ou menos uns 24 anos, ele tinha 16 anos, ele estava na escola. E todo mundo saía para trabalhar e eles aprontavam, aí nasceu esse meu filho.
P/1 - Aí ele não tinha idade para cuidar do menino?
R - Não tinha! E a mãe também não quis, falou que se não casasse com ela não queria o menino. Aí nós foi e pegou ele para cuidar. É meu filho, eu tenho 5. Aí depois, quando teve, ele continuou. Quando eu saía para trabalhar eu falava… porque a mãe dela não trabalhava, para ela cuidar da filha dela que eu estava saindo para trabalhar. Aí continuou teve o outro, outro irmão, que é mais novo, outro neto. Aí eu falei com ela assim: cuidei do Thiago, agora a senhora vai cuidar do Bruno. Aí o Thiago ficou comigo e o Bruno ficou com ela, mas por infelicidade dele e dela, eu não sei, ele foi para o mundo do mal caminho, envolveu no mundo da droga. Hoje ele fica em uma cama, ele não anda, foi baleado, vários tiros, ele sobreviveu por milagre de Deus, ficou 3 meses em coma, os médicos desenganou ele. Mas hoje ele anda na cadeira de rodas, não anda, atrofiou os braços as pernas, está lá em cima da cama, um menino lindo, você precisa ver… infelizmente!
P/1 - Quantos anos ele tem agora?
R - 25, é moço, é novo.
P/1 - E ela cuida dele até hoje?
R - Aí fica com a vó. Tem mais ou menos quantos anos?
P/2 - Que ele está acamado?
R - 5 anos. Aí fica em cima de uma cama, mas é lúcido, atrofiou o braço, a perna, mas a memória está boa.
P/2 - Isso vai de criação, porque mãe criou o Thiago igual ela criou nós, na rédia, né mãe? Dando educação, ensinando. E lá, a criação de Bruno já foi diferente. Foi o que deu, tanto é que hoje o Thiago tem 29. Ele começou a trabalhar na fazenda com quantos anos?
R - 18 anos.
P/2 - É um ótimo operador de máquina, é mecânico, e tá aí.
P/1 - Quando vocês iam para escola, onde era a escola? Como era a escola naquela época?
R - Era próximo de casa, na escola Dom Serafim Gomes Jardim, no Arraial D’Angola, nós ia a pé mesmo, não era longe.
P/1 - Tem algum professor ou professora que a senhora lembra?
R - Eu lembro da minha última professora, ela chamava Silvia, a escola era boa. Nós não estudamos mais porque tinha que sair para trabalhar e antigamente não tinha escola à noite, hoje tem, nessa época era só de manhã e à tarde. Era a hora que nós tinha que trabalhar, não tinha como. Por isso, não estudamos.
P/1 - E nessa época da infância como era o bairro? Tinha posto de saúde, tinha algum órgão público?
R - Bem antigamente só tinha mesmo o posto e hospital, que é lá no centro da cidade. Não tinha esses postinhos que cada bairro hoje tem, antigamente não. Aí, era lá no centro, depois veio o posto da Chapadinha. Eram esses únicos dois que tinha no bairro. Agora todos os bairros tem o postinho, ficou bem mais fácil.
P/1 - E nessa época que não tinha, quando alguém ficava doente, quando a mulher ia ter criança, como é que fazia?
R - Uaí! Igual quando eu morava lá em cima, Paracatuzinho, nessa época não tinha energia, água era de poço. Quantas vezes o meu marido saiu para trabalhar fora, em firma, eu descia de noite com esses meninos, um de um lado o outro do outro, de pé, deixava na casa da minha mãe e, de lá, ela deixava um dos meus irmãos ou minha irmã ir comigo de pé no hospital levar eles. Era muito difícil mesmo, era precário. Ninguém tinha carro, para ter uma bicicleta, olha lá! Nossa, melhorou demais.
P/1 - Vocês continuaram com o garimpo? Quando acabou porque acabou?
R - Nós trabalhava de caixotinho, eu e ele, minha mãe e ele, nós andava uma distância muito longe, deixava esses meninos, alguém tomando conta e andava distância muito longe, para garimpar.
P/1 - Explica o que é caixotinho?
R - É uma caixa assim. Você pega o cascalho, coloca nele, lava na bica, aí o material fica dentro do caixote, que é o ouro. Depois apura de novo e bateia ele. Era uma penúria tirar ouro de caixotinho, mas nós vinha. Até por esse meio aqui nós já veio, a pé, às vezes de bicicleta. Às vezes está chovendo aí a bicicleta enchia de barro, nós escondia ela na estrada, pegava ela na volta. E os meninos com Deus lá e a menina para tomar conta.
P/1 - Estou sabendo que na época desse caixotinho, às vezes a senhora estava grávida e carregando, andando por aí…
R - Isso. Depois Deus deu a graça de ele conseguir arrumar uma draga, que é aquela foto. Aí já melhorou mais. Ele tirava mais ouro, facilitou mais. Mas aí logo veio o Ibama, a RPM também, fechou, não deixou mais ninguém garimpar, aí ninguém fez mais nada.
P/1 - Aí cortou, eles falaram como? Eles chegaram lá pessoalmente? Como aconteceu isso na cidade?
R - Era ordem da prefeitura, ninguém mais podia. Inclusive ele mexeu muito cascalho de fora, tinha que tirar terra, cascalho de fora, muito ouro teve que deixar. Aí o Ibama, um órgão chegou e mandou fechar. Aí ninguém podia em draga, caixotinho.
P/1 - E como é que foi essa época?
R - Muito difícil! Depois disso, parti para a roça, para outros meios.
P/1 - Como é que foi?
R - Depois de passado muito tempo, depois desse garimpo, ele tomava conta de uma chacrinha, ficava lá por tempo indeterminado. Aí ele comprou umas vaquinhas, foi onde nós sobrevivemos. Os meninos foi tudo criado com o próprio leite da vaca. Esse meu filho neto mesmo, quem cuidou dele, porque eu saía para trabalhar, foi ela e o meu marido que levava ele. Ele era bebezinho, levava de manhã, eles iam para a escola, aí trazia na parte da tarde e ela olhava. Punha ele dentro da carroça para levar o leite lá na Nestlé, para o centro da cidade. E ele dentro do caixotinho, levava ele, aí chegava, ela cuidava. Assim, todo mundo foi crescendo. Aí depois dessa chacrinha, ele despertou a vontade de ir para o assentamento. Na época, não queria que ele fosse. Ele foi junto com o sindicato, como líder, para esse lugar onde nós ficamos até hoje.
P/2 - A senhora conta da chuva que teve, que o gado dele morreu, que ele perdeu…
R - Nessa chácara, eu estava até para o trabalho e tinha muito pasto lá, tinha poucas casas, aí podia levar as criações para pastorar. Esse meu terceiro filho, tinha ele e outro menino da vila para pastorar, aí armou uma chuva imensa, e ele foi juntar o gado. Juntou o gado, mas quando eles foram para atravessar, Deus é tão bom, misericordioso, que matou várias criações, várias vacas, boi, mas os dois meninos, não pegou eles. Estava uma chuva muito forte, escureceu, as criações foi atravessar, a carreta veio, bateu e matou várias. Ainda bem que não aconteceu nada com eles dois. Aí eles me ligaram lá no serviço, contando o que tinha acontecido, na hora fiquei desnorteada, desorientada. Mas graças a Deus foi só o prejuízo mesmo. Mas como nesse mundo tem muita gente boa, ele conhecia um empresário lá em Paracatu, ajudou ele. Ele tinha comprado um desintegrador, pagou esse desintegrador para ele, deu umas vaquinhas para ele recomeçar. Aconteceu isso, aí ficou um tempinho lá nessa chácara e depois nós fomos para o assentamento.
P/1 - Por que a senhora não queria ir para o assentamento?
R - É terra do governo. Ficar trabalhando esse tempo todo para o governo, que isso que aquilo. Aí ele falou: não é bem assim. Eu fiquei um tempo, ele foi na frente, os meninos foram. Eu ia só final de semana, continuei trabalhando, precisava trabalhar para ajudar. Ele levou as vaquinhas que tinha, mas não dava para manter. Na época, ele ficou como presidente. Depois, passado uns 6 meses, tinha que viajar muito para Belo Horizonte para correr atrás dos recursos, essas coisas todas, aí ficava mais eu e os meninos.
P/1 - A senhora trabalhava com o que nessa época?
R - Eu era faxineira.
P/1 - E como foi o momento que a senhora foi lá para o assentamento?
R - No início era bom, todo mundo nos seus barraquinhos de lona, que era o acampamento, aí ficou um tempo, depois ele foi, correu atrás, fez a divisão dos lotes, cada um foi para o seu, mas não tinha casa ainda, era no barraco. Aí, cada um fez seu barraquinho de lona, ele correu atrás, veio o fomento, depois veio a habitação. Depois ele correu atrás de energia. Aí foi melhorando.
P/1 - Qual o nome da comunidade lá?
R - Jambeiro.
P/1 - E depois virou uma cidadezinha?
R - É! Lá eram 195 famílias, mas hoje não tem isso tudo não, porque a barragem de Furnas foi para lá, aí teve que deslocar várias pessoas, várias famílias para outro assentamento, porque ia inundar o terreno deles, levou eles para outro assentamento. Mas deve ter umas cento e pouquinhas, umas 150 mais ou menos, eu acho. Mas é que muita gente também vendeu, foi embora, não está mais lá.
P/1 - Jambeiro fica a quantos quilômetros mais ou menos de Paracatu?
R - Da minha casa, da cidade, uns 60 ou 65 km mais ou menos.
P/1 - Vocês ficaram bastante tempo em Jambeiro?
R - Ficou uns 23 anos ou mais lá.
P/1 - Os filhos foram com o marido lá para Jambeiro e foram criados lá, como foi?
R - O meu mais novo tinha 12 anos quando foi para lá. Só tinha um casado, ela não era casada também e último também não. E esse filho neto, tinha 7 anos.
P/1 - Aí foi todo mundo para Jambeiro nessa época?
R - Foi. Eles não quiseram mais ficar na cidade. Esse mais novo estudava na cidade, mas todo mundo foi, todo mundo apaixonado por roça, todo mundo vazou, foi pra lá.
P/1 - E nessa época os meninos puderam estudar lá no Jambeiro?
R - Tinha escola lá.
P/1 - Todos estudaram? Como foi essa história da escola para eles?
R - Lá perto da minha casa no início só tinha o primário. Depois, tinha em outra escola, na região de Santa Bárbara, José Palma. Os meninos do Pedro Silvaneiro, ía para o José Palma, que eles estudavam o primeiro, segundo e o terceiro ano, mas só que tinha que locomover, era bem difícil.
P/2 - O Fundamental 2 era todinho lá, no Santa Bárbara.
R - Era bem difícil, porque saía de manhã. Quando não acontecia nada com o ônibus, chegava mais ou menos uma hora, uma e meia, passou dessa hora, as mães já ficavam arrancando os cabelos, porque chegava em casa tinha dia até de noite. E lá nessa região tem uma serra, que meu Deus, só de passar dói até a alma. Então, a gente ficava apavorada. Tinha vezes que ia atrás para ver se achava, aí demorava, acontecia alguma coisa com o ônibus, mas Deus sempre devolvia eles são e salvos, do jeito que saía. Até hoje ainda tem lá assim. É um meio para não precisar se deslocar da roça para a cidade. Ela estudou lá, ela fez a faculdade dela lá pelo assentamento, né Marina?
P/2 - Foi pelo assentamento.
R - Ela saía para Diamantina, ia para onde mais Marina?
P/2 - Belo Horizonte.
P/1 - Mas sempre deslocando?
P/2 - Tinha que sair do assentamento, porque na Santa Bárbara tem até o terceiro ano do ensino médio, já a faculdade não tinha, na cidade tinha, mas era caro. Aí eu fiz o pré-vestibular através do assentamento, consegui passar no terceiro lugar no curso de Letras e fui fazer a faculdade fora. Aí era de férias, janeiro e julho, eu ficava 30 dias, 40 dias fora de casa.
P/1 - E como era essa época que a filha não estava em casa?
R - No início ela não era casada, aí depois ela casou, uma vez não deu certo, aí ela mesmo destrinchou o casamento dela. Ela ficou casada um mês e pouquinho, ela mesmo foi lá no fórum, sem marido saber, sem nada, desmanchou esse casamento.
P/2 - Foi 28 dias.
R - Aí quando ele ficou sabendo, ela já estava solteira de novo. Depois Deus preparou esse marido dela hoje, que é uma benção, graças a Deus. Aí casou, teve esse neto lindo maravilhoso, que é Paulinho. Aí casaram, ficou um tempo lá no Jambeiro, depois resolveram vir embora para a cidade.
P/2 - E quando eu estudava, eu não tinha ele, né mãe? Depois eu engravidei, fui grávida, depois deixei ele com 7 meses aos cuidados do pai e da vó.
P/1 - A senhora ficou cuidando um pouquinho dele?
R - O pai também. Na época que a gente tirava leite era um tanque comunitário, aí levava ele para o tanque, ficava cuidando dele, dava mamadeira, às vezes eu buscava. Mas pai coruja, nós dois era um briga, que eu queria ele, ele não queria, era desse jeito.
P/2 - Nem a mãe dele deixava, quem pariu Matheus que balance.
R - Até que, graças a Deus, está aí lindo maravilhoso. Ele conseguiu se formar, que uma vez queria desistir, eu falei: você não vai desistir. Pelejei com ela, "tá difícil, tá difícil"! Mas um centavinho daqui, um centavinho dali, foi embora. Graças a Deus está aí formada, ganhando o seu dinheirinho, o filho dela está aí lindo, maravilhoso, o marido também. Aí depois veio pra cá, passado o tempo ela teve esse outro netinho, tá todo mundo ai, graças a Deus. Mas foi difícil, não foi fácil.
P/1 - E os outros filhos, todo mundo saiu lá do Jambeiro?
R - Antes de Marina, foi o terceiro. Ele arrumou uma namorada e foi aquela paixão fulminante. Aí juntaram as tralhas e foram embora para Brasília. Nem sabia onde era Brasília. Imagina a mãe como ficou, saber que o filho foi embora, mal conhecia. O irmão dela que morava lá no assentamento, mas eu não conhecia a mãe dela, não conhecia onde ele morava, imagina como eu fiquei. Aí foi, a trancos e barrancos se ajeitaram lá. Depois veio embora para cá. Ela engravidou, teve uma filha, depois voltou para lá de novo. E hoje ele mora lá. Aí essa filha, que é minha neta, hoje tem 18 anos. Agora eu já vou ser bisa, já está a caminho, ele me passou uma mensagem que tinha ido para o hospital, eu creio e oro a Deus que já tenha nascido, porque já tem uns dois dias que ela estava sentindo, então creio que já chegou o bisneto. Acho que eu já sou bisa.
P/1 - E os outros?
R - O primeiro já era casado, já morava aqui. O outro, que é o Flávio, também estava estudando, arrumou essa minha nora lá na escola também. Eu brinco com ela que ela roubou ele de mim.
P/2 - Era novinho também. Eu me casei mais velha, né mãe?
R - A Marina era mais velha. E a juventude você vê como é, engravidou antes de casar. Mas mesmo assim, eles casaram antes de ter o filho. Aí morou um tempinho comigo, depois morou com a mãe, que morava no assentamento também, não deu certo. Lá no assentamento, nós construímos uma casinha para ele do lado. Aí ele ficou um tempo lá, depois ele foi, saiu para as fazendas para trabalhar, ela é cozinheira, aí mudou de lá. Até hoje ele fica em roça. Ele comprou uma casa na cidade, depois vendeu, não adaptou. Agora ele tá na fronteira aqui, perto de Catalão, mora hoje lá. Operador de máquinas também.
P/1 - E ficou quem na casa que era do assentamento?
R - Ficou até hoje sem casar, meu filho, o Thiago, ele não casou não, tem 28 anos, ele é solteiro ainda. Um tempo atrás, ele namorava, ficou namorando uns 4 anos, aí depois acabou o noivado. Arrumou uma mulher, não deu certo, ficou um mês e 15 dias. Hoje está sem ninguém na companhia dele, não é casado.
P/1 - Mas lá ele ficava morando com vocês?
R - Ele ficou lá no Jambeiro, mas não no assentamento, ficou na firma Gromann, fica lá trabalhando, quando ele pode ele vem, tem vez que ele só vem na cidade, não dá tempo de ele vir aqui, mas quando dá tempo, ele vem. Aí ele fica aqui com a gente. Agora é época de plantar, ele é operador de máquina, e aí não tem como, não tem folga, mas quando ele tem, ele vem, fica aqui. Aí ele ficou para trás e nós viemos para cá.
P/1 - O que vocês foram trabalhando nesse período que estavam no Jambeiro?
R - Nós ficamos mexendo com leite. A gente tinha umas vaquinhas. Esse meu filho mais velho e esse outro mais novo saiam nos lotes para plantar. Ele tinha uma plantadeira de cavalo manual, ficava o dia inteiro, plantava sacos e sacos de milho, arroz, feijão, tinha um burrinho. Colocava essa plantadeira dentro dessa caminhonete e ia plantar. E mexendo com as vacas. E os outros não tinham idade, eu deixei sair para trabalhar quando tinha 18 anos, eles ficavam doidos para trabalhar fora “enquanto vocês não completarem pelo menos 18 anos não vai sair. Pelo menos, o básico”. Os outros ninguém quis estudar, só ela que continuou, os outros foi empurrando para ir para a escola, mas pelo menos o básico eles têm. Aí eles completaram 18 anos, o meu caçula, o quarto, foi para uma fazenda e esse outro foi para uma fazenda também.
P/2 - Mas aí fala para ele que lá no assentamento vocês faziam rapadura e entregava, farinha.
P/1 - Como era essa coisa do trabalho lá?
R - Nós fazia rapadura, levantava 2, 3 horas da manhã. Na época, não tinha energia elétrica, era cavalo. Aí fazia 200, 300 rapaduras, entregava aqui na cooperativa, no supermercado Paracatu. Aí ajudava na renda.
P/2 - O queijo da cooperativa entregava na fábrica.
R - O queijo, quando ainda não tinha o tanque, antigamente não tinha, aí entregava na fábrica de biscoito. Aí, plantava também. Fazia melado, fazia batida de mamão, de amendoim e rapadura comum. Toda semana era 100, 200, 300 rapaduras. Que era onde nós sobrevivemos. Na época, tinha investimento. Nós pegamos o PRONAF, aí nós pagamos tudo com o dinheiro de rapadura. Todo ano nós pagava o PRONAF. E plantava o milho, tirava o leite também. Passou a ter o tanque comunitário, aí nós paramos de fazer o queijo e colocava o leite no tanque.
P/1 - Vocês também faziam todo o processo do queijo?
R - Ficou um bom tempo porque não tinha o tanque comunitário. Fazia queijo e trazia para a cidade, vendia na fábrica de biscoitos. Aí depois que apareceu o tanque comunitário, aí todo mundo colocava no tanque comunitário.
P/1 - Como eram as festas?
R - Quando era aniversário era muito bom, era muito unido. Hoje não tem isso lá mais. Na época de Marina mesmo, antes de eu ir para lá, e depois que eu fui, às vezes era aniversário de uma pessoas, organizava, fazia um bolinho simplezinho, ia, cantava os parabéns, fazia uma farofinha, cada um levava um coisinha, era muito bom. Mas hoje em dia isso acabou.
P/1 Vocês iam até o lugar que a pessoa estava fazendo aniversário e montava a festa lá?
R - Isso, cada um levava um pratinho de surpresa, imagina como a pessoa ficava feliz.
P/1 Tinha comida, tinha música também? Nas festas o povo tocava, como é que era?
R - Não era música igual hoje. Às vezes nem tinha, era papeando mesmo, colocando as conversas em dia, essas coisas.
P/2 - E os terços também mãe...
R - Terço sim. Quando era aniversário.
P/1 - Você rezava o terço quando era aniversário?
R - Não, tinha as pessoas que eram encarregadas de rezar os terços. Às vezes a gente ajudava, mas tinha as pessoas.
P/1 - A senhora se envolvia também?
R - Me envolvia.
P/1 - Tinha uma comunidade religiosa.
R - Tinha. Tem.
P/1 - É uma igreja que tem lá, uma capela?
R - Lá tem duas, eram três, mas agora só tem duas, São Pedro, e a outra Marina?
P/1 - Santo Expedito.
R - Santo Expedito e a outra é...
P/2 - De Fátima não é?
R - Não, Santo Expedito e de Fátima, a outra eu esqueci.
P/2 - Aí a senhora fala, que do lado de onde a senhora morava, era a sede, onde fazia as festas, os eventos, que você ajudava cozinhar.
R - Eu morava do lado da sede, aí tudo quanto é evento, de prefeitura, de cooperativa, essas coisas todas eu cozinhava. Quando era evento de casamento, essas coisas, a gente ajudava, mas quando eu não cozinhava na sede, eu cozinhava lá em casa, parece que lá já era o ponto de fazer o come, café, podia ter reunião na sede, mas enquanto não passava lá em casa, tinha que ir lá em casa primeiro.
P/2 - E a senhora cozinhava também para o povo de Belo Horizonte, né?
R - Para o INCRA, nessa época.
P/2 - Mãe, fala da Conab.
R - Conab era bom demais, tudo que você produzia lá, uma cebolinha, uma salsinha, uma rapadura, você vendia. Era muito bom.
P/1 - Vocês vendiam para Conab.
R - A Conab pegava, o caminhão passava e vendia para as escolas, para cidade e a Conab pagava, Belo Horizonte, Brasília, muito bom nessa época, mas também acabou.
P/2 - Os doces que a senhora aprendeu a fazer lá.
R - Lá também tinha uns cursos, tinha muito curso de doce cristalizado, curso de ordenha, de operador para os homens, para as mulheres tinha de ordenha, doces, frutas cristalizadas.
P/1 - Quem dava esses cursos?
R - O curso era pelo sindicato, mas vinha os professores de Belo Horizonte, o sindicato marcava, Sebrae, SENAI, e vinha os palestrantes, as pessoas para ensinar de fora.
P/2 - A farinha que a senhora fazia, como que aprendeu?
R - Lá também fazia farinha, tirava polvilho, mas isso aí era para o gasto mesmo, para vender fora mesmo era só rapadura, o polvilho, farinha açafrão, essas coisas assim, era para o gasto, para evitar de comprar, comprava o mínimo na cidade. Criava um porco, uma galinha, plantava um arroz, um feijão, buscava o mínimo, era o sal mesmo, pouca coisa. Verdura, a gente já produzia lá, carne era muito difícil buscar, porque já tinha.
P/1 - Me conta do momento que saiu de lá?
R – A gente ficou lá uns 23 anos. Era muito bom lá, mas chegou um tempo que os meninos todos casaram e ficou só esse meu filho mais novo, a gente já foi ficando de idade.
P/1 - Os filhos estavam próximos de vocês ou estavam longe?
R - Não, era mais difícil deles se aproximarem, porque era muito longe, eles trabalham, não é igual aqui, que eles falam, “mãe, vou ir na casa da senhora, vou jantar aí, vou dormir aí, amanhã cedo eu vou trabalhar”. Não, porque era uns 65 km, estrada péssima, não tinha como, eles ficavam 1 mês, até 2 sem ir lá. Não tinha como, não é igual aqui, e aí era mais difícil, e também nós fomos ficando de idade. Às vezes acontecia um imprevisto, igual aconteceu com a gente. Muitas vezes doença, aí tinha que chamar eles para buscar nós, era difícil, porque meu marido dirige, eu não. Tinha época que ele adoecia, não dava conta. Às vezes, se pedisse ajuda para o vizinho, até que alguém, mas tinha vezes estava ocupado, tinha suas obrigações. A época mais difícil foi quando ele teve dois sangramentos. Ele fumava muito, aí deu um sangramento nele, a primeira vez ele estava até trabalhando, catando milho, ele catava milho também nas horas de folga, lá nas fazendas caia muito milho, então eu ficava em casa cuidando das vacas, dos afazeres de casa, ele começou a sangrar lá, e aí a primeira vez teve que vir para cidade cauterizar o nariz, ensopava uma toalha em prazo de minuto, aí cauteriza até três vezes no dia, para estancar o sangue. Passou essa época, repetiu de novo, aí foi pior, piorou mais. Dessa vez teve que colocar um tampão no nariz dele. Ficou 15 dias com esse tampão. Os meninos tudo chorando em cima dele, pensou que ele ia morrer.
P/2 - Ficou internado, né?
R - Ficou internado, ficou amarelinho, pálido, perdeu muito sangue. Aí Deus ajudou que ele sobreviveu. Depois, passado também, veio choque, que nós levamos choque, nós fomos caçar o sinal de telefone, aí ele colocou a antena do telefone perto da rede.
P/1 - De lá da casa, vocês foram caçar o sinal de telefone para casa?
R - Porque tinha perdido o sinal, a casa fica aqui, nós descemos para baixo um pouco, mais ou menos uns quatro metros, aí ele foi por a antena, até que pôs, mas quando ele foi descer ela, aí testou não deu nada, era uma barra de ferro, a antena do telefone estava na barra de ferro, eu estava segurando o telefone de mesa na época e a fiação da antena estava nessa, porque tinha uma pecinha que ia perder, e eu fiquei segurando, telefone nessa mão e antena nessa, o fio da antena. Aí eu pensei assim, e se essa antena esbarrar na rede… não deu outra. Quando ele foi desamarrar, ele e o vizinho, não deu conta de segurar a barra de ferro, ela deitou em cima da rede de alta tensão. Aí eu só me lembro que eu falei assim: misericórdia! Não vi mais nada, aí fiquei lá…
P/1 - Aí os três tomaram choque?
R - Tomou choque. O meu vizinho caiu assim, e eu caí para cá e ele ficou agarrado ainda, ele estava com botina de pneu, soltou ele não, ele ficou agarrado no cano.
P/1 - Mas ele tava com uma botina de plástico de pneu?
R - Não soltou ele. Aí tinha dois fusíveis, um embaixo, e outro como daqui, era 1000 metros, mais ou menos, para chegar da onde nós estava para chegar lá no outro fusível. E ele balançando, balançava, para ver se soltava a mão e não soltava, até que Deus ajudou. Esse fusível lá de cima, desarmou. Aí ele caiu. Deus é tão bom, que ele caiu, ficou meio tonto, mas conseguiu, se recuperou mais ou menos, foi no vizinho, estava lá com falta de ar, Deus orientou ele de fazer massagem do jeito dele, fez. Pediu para ajudar me salvar, ele falou que nessas alturas eu já estava lá curtinha, porque encolhe, choque parece que te encolhe. Aí ele foi me ajudar a salvar. Ele abriu a minha boca e o outro puxou a minha língua, eles não poderiam ter feito isso, tinha que colocar a toalha, não sabia, e fez massagem e nada, aí ele falou assim com vizinho que eu já tinha morrido, que eu estava morta e o vizinho falou: pior que é, essa aí já era. Ele não desistiu não, ele continuou fazendo a massagem, aí eu dei um suspiro e parei de novo e ele continuou. Aí depois eu fui, abri o olho, perguntei a ele o que tinha acontecido, tentei levantar, mas não consegui, levantava caía, levantava caía, até que eu fui para outro lugar. Aí eu lembro que eu pedi água, ele falou que não podia me dar água, “pelo amor de Deus”. Olhei meu dedo, o meu pé fez uma bolha, estourou, ficou vermelhinho. Aí eu fiquei tonta, tonta. Aí eles me deram uma água, como é que ia fazer. Mesmo assim Deus é tão bom. Ficou sem telefone, não tinha telefone. Ele me pôs no carro e nós fomos no vizinho pedir socorro. Aí eu ainda dei conta de ligar para o meu filho que estava aqui na cidade, falei com ele: você vem aqui que aconteceu um imprevisto comigo e com seu pai. Ele foi voando. Quando chegou lá, eu ainda dei conta de ir para dentro, para você ver como Deus é bom, nós nem almoçamos, porque tinha que almoçar, deixou o vizinho lá para tomar banho, e ele ficou muito apavorado, ficou lá na área chorando, incontrolável, eu fui para dentro, lavei umas vasilhinhas que estavam lá, porque não estava doendo, só estava ardendo, fui juntar a roupa, documento. Aí, o Thiago meu filho também chegou e perguntou: pai o que foi? Eu escutei eles chegarem e sai para fora e sentei perto deles. Aí quando eles viram aquilo… eu sentei no meio, um de um lado e o outro do outro, pensa num desespero, eu falei: calma que eu não morri e não vou morrer, aí se ele correu para ir, correu mais para voltar. Nós chegamos no hospital, aí eles tomaram as providências que tinham que tomar, falou que eu tinha que sair para fora, mas Deus ajudou que não. Aí, graças a Deus, eu sobrevivi.
P/2 - E está firme e forte para contar a história.
R - Nove dias de luta, de sofrimento, mas sobrevivemos.
P/1 - E isso foi tudo lá no Jambeiro?
R - Tudo lá. Mas passou…
P/1 - Mas aí a senhora conta, que antes desse choque, quando a senhora era criança… a senhora não falou que queimou.
R - Queimei.
P/2 - Que punha pele de coelho. Isso foi na roça ou na cidade?
R - Foi na cidade. Nessa época minha mãe morava na roça, eu vinha e ficava com a minha vó para estudar. Antes de tudo, quando eu era bebê, minha mãe conta que eu tenho um sinal na perna, uma cicatriz. Tinha muita onça, ela saia para buscar água e me deixou lá. Ela disse que eu desci e sentei onde… eles colocavam fogo no chão para esquentar, ela varreu, mas ficou quente. Aí eu sentei em cima e dobrei a perna, quando ela chegou, ela ficou feliz, “minha filha já está andando”. Quando ela me pegou, saiu o couro da minha perna e da minha bunda na mão dela. Depois de passado um tempo, eu tinha 7 anos, fui ficar com a minha vó. Eu morava com a minha vó e o meu tio. Aí o meu tio ia lá na minha mãe e no meu pai, era fogão de lenha, eu era pequena, tinha essas panela de ferro de 3 pés, ele pediu pra eu colocar água para esquentar, aí depois ele pediu para mim arrumar água para ele, eu puxei a panela uma vez, com o cabo da colher de pau não saiu, puxei duas não saiu, quando puxei a terceira vez a água veio e estava fervendo, me queimou todinha, daqui para baixo arrancou a pele como você ranca de uma galinha. Pensa, isso era mês de agosto, na época não tinha muita sabedoria, ele só passou clara de ovo. Ai, meu Deus! Eu só ficava falando se eu tivesse lá eu não tinha queimado, se tivesse com o meu pai e minha mãe isso não tinha acontecido, pensa como ele se sentia culpado. Aí o que aconteceu, passaram uma pomada que chama Paraqueimol, vê o tanto que era atrasado antigamente, pegou pele de coelho e pregou em cima, do meu corpo assim, eu não vestia roupa. Mas você acredita que quando soltava a pele já estava cicatrizada. Ficou a marca até hoje, cicatrizou do jeito de antigamente. Não precisou nem de ir no hospital. Hoje se fizer isso não pode. Antigamente fazia e graças a Deus… eu queimei daqui até aqui assim, ficou na carne, mas sobrevivi.
P/1 - Tem essas 3 histórias com a questão do fogo, queimadura?
R - Com queimadura, para você ver. Aí, por último, agora no mês de abril, não sei como, quando e onde, nós contraímos COVID. O irmão dele morreu, mas não foi de COVID não, que ele já era idoso, era acamado, não andava. Aí nós recebemos a notícia dele. Nós viemos para o velório, mas ele já estava sentido. Mas nós pensávamos que era a vacina, já tinha tomado a primeira dose, pensava que era reação da vacina, mas não era, já estava com o vírus. Nós viemos, depois ele passou mal, ficou ruim, nós fomos no hospital, mas falou que não era nada, nós voltamos para a roça. Eu também já estava sentindo um pouco. Depois ele passou muito mal, aí eu liguei para esse meu filho de novo, ele foi lá e buscou. Aí não, esse meu outro filho, que é o Thiago que mora lá, mas não tinha como comunicar com ele. Ele ligou para o amigo dele que é vigilante também e acordou o Thiago, e o Thiago foi lá buscar nós. Aí pegou nós e trouxe para a cidade, mas graças a Deus nós passamos por essa etapa e sobrevivemos. Foi onde eles falaram: vocês não vai ficar mais aqui, porque só vocês dois, três com o Thiago, mas o Thiago trabalha, onde nós viemos embora, por isso. Por causa que nós já estamos ficando idosos e por conta desses apertos nessas trajetórias que nós já passamos. Lógico que o que tiver que acontecer vai acontecer, mas dentro do recurso, nós estando mais perto.
P/1 - E para onde vocês vieram?
R - Um ano antes de nós contrairmos o Covid, depois do choque… Ninguém pôde vender a terra que é do governo, então o que nós fizemos, passamos a benfeitoria e o tempo que nós ficamos lá, não vendemos, não pode, não deve. Bem antes tinha oferecido para um moço. Passado mais ou menos um ano, ele foi lá e falou que queria ficar com as benfeitorias e com o tempo. Assim fez. Nós passamos para ele o tempo e a benfeitoria e viemos para cá. E estamos aqui, vai fazer 4 meses.
P/1 - Agora vocês estão em Paracatu, mais próximo dos filhos?
R - Mais próximo dos filhos. A razão que nós viemos para cá foi essa, porque lá é muito bom, a desvantagem de lá é porque era muito longe. Mas é um lugar muito bom, vários amigos, pessoas boas, amigos inesquecíveis que eu deixei lá, jamais vou esquecer. Mas o problema era a distância e era só eu e ele lá. E também as estradas não ajuda, se precisar de um socorro imediato, como que faz, como é que fazia. A razão de tudo foi isso.
P/1 - Agora está perto dos filhos e as coisas são mais próximas.
P/2 - A família, né mãe?
R - Se fosse lá, jamais, que dia? Eu teria que deslocar de lá, ou se não ela ir, onde que eu tô. E aí são 65km, era 2, 3hs, de estrada ruim, só para vir. E mais 2, 3h para voltar, desse jeito.
P/1 - E aqui está próximo do centro da cidade?
R - Quando eu vinha para cá, eu tinha que levantar 3h da manhã para poder tirar o leitinho, tratar dos porcos, das galinhas, dos cachorros e agilizar para vim. E chegava aqui lá para as 8, 8h30, quando a estrada ajudava. E tinha que sair daqui pelo menos 15h, 16h para chegar lá com tempo para cuidar dos bichos, era desse jeito, aqui não. Aqui você levanta mais ou menos umas 6h, faz tudo que você tem que fazer, vai na cidade, volta, rapidinho, 15 minutos, 20 minutos.
P/1 - E aqui, nesse lugar que vocês estão agora, o que vocês fazem?
R - Aqui nós cuidamos das vaquinhas, que não poderam trazer todas, teve que trazer a metade. A nossa sobrevivência é aposentadoriazinha, o leite que nós tira, agora é bem menos, mas é uma renda. E aí o porco, a galinha e para nossa sobrevivência mesmo, para nós comermos, os filhos comerem, é isso aí. Faz uma hortinha, cria uma galinha para ter um ovo, um frango para comer, um porquinho para ter uma banha, uma carninha, para nós e para os meninos.
P/1 - E agora que os meninos estão mais próximos, eles vem mais, agora tem mais festa. Os meninos vem quando é aniversário, todo mundo vem comemorar aqui com a mãe agora?
R - Vem. Foi meu aniversário mês passado, do Ciro e do menino que mora em Brasília, mas nós não fizemos comemoração. Só assim, um veio, o outro estava trabalhando, era de noite, não deu para vim, veio no outro dia. Mas festa, nós não fizemos porque não podia aglomerar muito, por causa da pandemia. Até hoje nós temos que tomar precaução, cessou, mas a precaução tem que continuar.
P/1 - E a casa nos Amaros?
R - Meu filho mais velho morava lá. Aí agora ele está construindo a casinha dele, vai mudar em breve, se Deus quiser. E a nossa, a casa lá onde morava, o meu filho mais novo que fica lá, quando ele vem do trabalho, ele fica. Aí nós também sempre vai lá. E ele fica lá.
P/1 - Vocês ficam de olho na casa que ela ainda está lá?
R - Ela também vai, eu vou, meu filho também está lá, ele dorme lá quando vem do trabalho.
P/1 - A casa da família agora?
R - É da família.
P/2 - Lá é grande, dá para fazer outra casa.
P/1 - Achei que era uma casinha igual a da sua tia.
P/2 - É enorme, já tem duas casas lá que fizeram.
R - Esse meu filho está prestes a mudar, eu creio que se ele não mudar esse mês que vem, até janeiro ele já mudou para lá, fica no fundo da minha casa.
P/1 - Tem alguma coisa que você está lembrando para a gente falar?
P/2 - Só das rezas que vó fazia. Vocês não tinham diversão, mas não tinham as rezas que ela fazia quando vocês mudaram para a cidade?
R - Tinha! Era minha vó, minha vó é de Santo Antônio também, minha mãe era devota de Santo Antônio, elas achavam o maço, descia o maço. Aí fazia biscoito, reunia as pessoas, às vezes tinha até festinha, mas era assim, era sanfona, era pandeiro, não é igual hoje, esse som louco que deixa surdo. Era esses sons assim, tinha biscoito, essa coisa toda, a diversão era essa. E minha avó era devota de Santa Cruz, também ela fazia aquele mundo de biscoito, era uma época muito boa.
P/1 - E ela fazia reza e recebia as pessoas na casa dela, é isso?
R - Recebia. Minha mãe e minha vó também.
P/1 - Elas puxavam a reza?
R - A minha mãe levantava o mastro e descia, rezava na subida e na descida. Minha vó também, a bandeira de Santa Cruz, minha vó também era devota. Aí depois minha vó morreu, não teve mais. Aí minha mãe também não…Quando era caretagem também, era muito divertido. Depois minha mãe morreu, meus tios que tomava direção morreu, aí ficou só os filhos deles, mas aí eu não sei se eles vão reativar de novo, o que eles vão fazer. Mas era uma época muito boa, lembrança boa, quando era época das festas da minha mãe, da minha vó, caretagem. Saía, vamos supor, de manhã, só voltava no outro dia, andava em muitos lugares, cantando, animando o povo, era uma benção. Depois foi morrendo de um por um, até os mais velhos, foram todos. Assim da minha mãe, descendência da minha vó, filho da minha vó, só tem uma, que é minha tia, minha madrinha. Mas os outros todos, Deus já levou. No mais, ficou tia e os primos que casaram, com os meus tios. Mas da minha vó mesmo, só ficou a minha tia, a única.
P/1 - Aí hoje não tem mais?
R - Não pegou esse costume, mas eu não sei se eles vão reativar a caretagem. Agora a reza, de Santo Antônio, Santa Cruz, deixou.
P/1 - Qual a diferença do bairro da família no passado e hoje?
R - Na época passada para mim era melhor, era mais difícil, era mais penoso. Não tinha tanta evolução igual hoje, hoje evoluiu, mas não tem aquela união entre as pessoas, os vizinhos, na época, bem antigamente, era bem mais unido. Muitos vizinhos lá já morreram, ou vendeu as casas para outras pessoas, então mudou muito. Não é aquela amizade igual era antigamente. Evolui muito, mas eu preferia no passado, o bairro passado.
P/1 - E como é que está a prainha, a lagoa hoje?
R - No passado era muito bom a praia, a lagoinha. A praia você podia lavar roupa, tinha proa muito boa, você colocava a roupa branquinha para secar, nem sujava a roupa, você dobrava, levava para as patroas. Água pura, você podia até tomar. Hoje está infectada, às vezes até de você pisar lá dentro. A lagoinha acabou, não tem mais. Nós que somos mais velhos, ficou na lembrança. Agora esses novos, nem lembra disso mais porque acabou. Ficou no passado. Foi uma época muito boa.
P/1 - Por isso que a gente está aqui para contar essa história. O que a senhora achou de contar a sua história para o Museu da Pessoa?
R - Eu achei muito bom. Como dizia a minha mãe, que Deus a tenha, “vivendo e aprendendo”, e a gente ainda morre sem saber. Era tão simples, tão humilde, e nós éramos felizes, e hoje, esses jovens têm tudo, tecnologia, e às vezes não é feliz. Eu tenho mais é que agradecer a Deus, primeiramente, de muitas pessoas poderem ver essa história. Eu peço desculpas que eu fiquei emocionada, a história mexe muito com a gente.
P/2 - Eu também me emocionei quando os meninos tocaram a música da caretada, eu lembrei de tudo. Mas a senhora está aí, soube nos ensinar, nos educar.
R - Graças a Deus. Deus deu a graça, a honra, de ser uma boa filha, uma boa mãe, uma boa esposa. E agradeço a Deus pelos filhos, pelo marido, pela família. É motivo só de alegrar e agradecer a Deus, por tudo. E agradecer vocês também, que se não fosse por vocês, eu não teria o prazer de conhecer vocês e vocês me conhecerem. Então é só louvar e agradecer a Deus por tudo.
P/1 - A gente que agradece, dona Aparecida. Muito obrigado.
Recolher