Entrevista de Patrícia Silva de Oliveira
Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 24/08/2021
Projeto Mulheres no Mercado Rodo-Porto-Ferroviário - Rumo Logística
Entrevista número: PCSH_HV1072
Realizado por: Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Giulianna Ramos
P/1 — Pra começar, Patrícia, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R — Meu nome é Patrícia Silva de Oliveira, eu tenho 35 anos, nasci no dia treze de junho de 1986, na cidade de Santos.
P/1 — E quais os nomes dos seus pais?
R — O nome da minha mãe é Selma Silva de Oliveira e o nome do meu pai é Jaime Batista de Oliveira.
P/1 — E qual a profissão deles? Com o que eles trabalhavam?
R — A minha mãe sempre foi do lar, ela nunca trabalhou e meu pai sempre foi pintor de veículos. Inclusive, eu até tinha comentado com a Aline, eu tive uma perda, há dois meses atrás, no dia do meu aniversário, perdi a minha mãe e foi bem difícil pra mim, que ela era uma motivação pra tudo na minha vida e hoje eu tô aqui por ela, porque ela sempre ficava muito feliz em saber que eu representaria a empresa em quaisquer situações. É bem gratificante estar aqui, agradeço até a Aline pela responsabilidade, de estar aqui, representando a nossa empresa e falando um pouco da minha vida, do meu profissional e da minha vida pessoal.
P/1 — E, Patrícia, como você descreveria seus pais?
R — Meus pais, tudo pra mim. Como eu tinha te dito, era a minha motivação diária, pra tudo. Eu, por exemplo, tenho 35 anos, eu sou filha adotiva deles, eles me pegaram quando eu tinha dois anos de idade e, se não fosse eles, eu talvez não estaria aqui hoje, talvez eu não seria a mulher que eu sou hoje. Tenho poucas coisas, tenho, mas foi tudo do fruto do meu suor, com a honestidade, com a educação que eles me deram. É só gratidão, mesmo, só gratidão. Pra mim, eles são e sempre vão ser a minha...
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Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 24/08/2021
Projeto Mulheres no Mercado Rodo-Porto-Ferroviário - Rumo Logística
Entrevista número: PCSH_HV1072
Realizado por: Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Giulianna Ramos
P/1 — Pra começar, Patrícia, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R — Meu nome é Patrícia Silva de Oliveira, eu tenho 35 anos, nasci no dia treze de junho de 1986, na cidade de Santos.
P/1 — E quais os nomes dos seus pais?
R — O nome da minha mãe é Selma Silva de Oliveira e o nome do meu pai é Jaime Batista de Oliveira.
P/1 — E qual a profissão deles? Com o que eles trabalhavam?
R — A minha mãe sempre foi do lar, ela nunca trabalhou e meu pai sempre foi pintor de veículos. Inclusive, eu até tinha comentado com a Aline, eu tive uma perda, há dois meses atrás, no dia do meu aniversário, perdi a minha mãe e foi bem difícil pra mim, que ela era uma motivação pra tudo na minha vida e hoje eu tô aqui por ela, porque ela sempre ficava muito feliz em saber que eu representaria a empresa em quaisquer situações. É bem gratificante estar aqui, agradeço até a Aline pela responsabilidade, de estar aqui, representando a nossa empresa e falando um pouco da minha vida, do meu profissional e da minha vida pessoal.
P/1 — E, Patrícia, como você descreveria seus pais?
R — Meus pais, tudo pra mim. Como eu tinha te dito, era a minha motivação diária, pra tudo. Eu, por exemplo, tenho 35 anos, eu sou filha adotiva deles, eles me pegaram quando eu tinha dois anos de idade e, se não fosse eles, eu talvez não estaria aqui hoje, talvez eu não seria a mulher que eu sou hoje. Tenho poucas coisas, tenho, mas foi tudo do fruto do meu suor, com a honestidade, com a educação que eles me deram. É só gratidão, mesmo, só gratidão. Pra mim, eles são e sempre vão ser a minha motivação, meu combustível.
P/1 — E como era sua relação com a sua mãe?
R — Amor. Muito, muito amor. Ela era a minha melhor amiga, ela me orientava, ela me dava força, quando eu não tinha mais, era... a minha mãe era aquela luz no fim do túnel. E, quando a gente perde isso, a gente perde o chão. E eu sei que eu dei muito, muito, muito orgulho pra ela e vou continuar dando. Desculpa estar um pouco emocionada, tá bom? (choro)
P/1 — Imagina! Não tem que pedir desculpa, não. E a relação com o seu pai, como é?
R — Com o meu pai eu nunca fui tão próxima dele, mas após Deus ter levado a minha mãe, agora a gente está criando mais aquele laço, estamos ficando bem mais próximos. Ele já está com 65 anos e aqui só mora eu e ele agora, eu que cuido dele, eu que faço comida, eu que faço tudo. Agora que a gente está tentando se reaproximar, mas ele é um paizão, eu não tenho nada contra ele, ele nunca fez nada pra mim também e ele me motiva também. É que, geralmente, eu sempre fui mais chegada à minha mãe, mais apegada a ela. A minha outra irmã, que é mais apegada ao meu pai, mas hoje eu tô tendo esse mesmo apego que eu tinha com a minha mãe, com ele.
P/1 — E me conta um pouquinho da sua irmã, qual é o nome dela? Como é a relação de vocês?
R — O nome da minha irmã é Ana Paula, ela não mora aqui com a gente, ela mora em São Paulo, ela tem a vida dela lá, ela é casada, a gente não conversa muito diante de algumas coisas que andaram acontecendo, coisas de irmã. E é uma pessoa boa também, mas eu não tenho muita convivência, a gente não conversa tanto e, depois que a minha mãe faleceu, a gente ficou mais distante ainda.
P/1 — E você conhece a história dos seus avós, um pouquinho, você os conheceu?
R — Conheci, conheci meus... minha avó, minhas duas avós. Uma avó minha também faleceu esse ano, em janeiro, que era mãe do meu pai. É uma grande mulher também, só que ela não trabalhava, dependia mais do... essas famílias de antigamente, que depende do marido, né? Não tinha ___. A minha avó, da parte da minha mãe, sempre fez tudo. Minha avó trabalhou na feira, a minha avó vendia roupa, ela fazia de tudo, de tudo um pouco, bomboniere, minha vó fez de tudo. Ela também, me inspirei muito nela porque, como minha mãe era do lar, não trabalhava, ela era mais ativa, eu achava aquilo bonito, aí eu sempre falava: "Ah, vó, vou ser que nem a senhora, ganhar dinheiro igual a senhora”, quando eu era criança (risos).
P/1 — E você conviveu com ela, é isso?
R — Sim, convivi com ela, convivi bastante com ela, bastante tempo. A gente morou junto acho que por quinze anos. Aí, depois, a minha mãe e meu pai, a gente se mudou pra Guarujá, aí nisso ela acabou indo morar lá também, no Guarujá, próximo da gente, depois viemos aqui morar pra Santos, ela veio também pra Santos, não morando com a gente, mas a gente estava sempre próximo, sempre próximo.
P/1 — E, Patrícia, você sabe a história do seu nascimento?
R — Eles não me... eles não... cada... é que assim: cada momento é uma história, então eu não sei o que é verdade e o que não é, né? O que o meu pai me disse uma vez, que no tempo eles tinham condições financeiras boas, e minha mãe não conseguia engravidar e minha mãe queria, porque queria, ter um filho, e ela não engravidava, aí ele conversou com um amigo dele, falou que tinha uma moça que tinha uma criança e que ela não estava cuidando muito bem dessa criança e, realmente, meu pai me falou que me pegou, eu tinha dois anos de idade e eu não tinha cabelo, eu vivia ruim da bronquite, vivia em médico. Aí também tem outras histórias, que a outra história que a minha tia me contou foi que a minha mãe biológica andava muito com o meu tio, meu tio Galego, um tempo e ele usava muita droga e a minha mãe biológica andava com ele e me deixava com a minha mãe e meu pai e eles cuidavam de mim e ela ficava por cinco, dez dias fora, com o meu tio e, quando voltava, me pegava, aí a minha mãe falava: "Ah, deixa ela comigo, dá ela pra mim" e ela: "Não, não, não". Aí teve uma hora que ela chegou, não sei o que aconteceu, ela falou: "Eu vou dá-la pra você", aí a minha mãe falou assim: "Só quero ela de papel passado". E na hora fizeram os trâmites lá, que hoje é mais burocrático uma doação de criança, naquele tempo era bem mais prático. E aí ela me passou pro nome dos meus pais e eu tô aí com eles, 35 anos.
P/1 — E você lembra da casa e da rua onde você passou a sua infância?
R — Lembro, eu morava na Joaquim Nabuco, aqui em Santos. Inclusive, eu tenho uma amiga, uma vez a gente se encontrou, ela perguntou assim: "Ah, você é sobrinha do Robson?", eu falei: "Sim", ela: "Caramba, meu, a gente brincava muito na rua, ali, onde a gente morava, ali perto do canal três". Eu falei: "Meu, era tu, aquela menina loirinha, que brincava com a gente, jogava bola, empinava pipa, brincava de boneca?" "Meu, era eu". Eu falei: "Caraca". E hoje a gente é amicíssima e ela trabalhou também no Porto de Santos, no outro terminal. Ela também é caminhoneira, que nem eu, tudo.
P/1 — E como era o bairro de vocês? Vocês brincavam na rua? Como que era?
R — É, a gente brincava na rua, jogava videogame. Hoje em dia não tem mais isso, né? As crianças passam mais tempo no celular, assistindo filmes. Antigamente a gente andava descalço, criava - que nem fala – anticorpos, né? (risos) Ai, ai, mas era um tempo muito bom, coisas que eu não vejo hoje. A infância que eu tive, eu não vejo hoje em dia, a criança sair na rua, jogar bola, empinar pipa às vezes tem uns ou outros, mas não como era antes. Brincava de jogar taco, queimada, vôlei, essas coisas. Era mais ativo, nós éramos mais ativos.
P/1 — E qual é a sua primeira lembrança da escola?
R — Aí a minha é drástica, viu? Eu fui ao psicólogo e a gente, conversando, eu descobri o porquê que sempre, quando eu ia à escola, eu chorava. Meus pais me deixavam na escola, comecei a estudar e, quando meus pais me deixavam - iam os dois me deixar - e, assim que fechava o portão, eu começava a chorar, chorar que nem louca, espernear e queria minha mãe, queria a minha mãe, queria ir pra casa, queria ir pra casa, que eu não ia aguentar ficar longe deles e tal. A minha psicóloga disse que deve ter sido por conta da minha adoção, que eu fui tirada da minha mãe ou tinha algum sentimento por ela e talvez eu juntei esse medo de perdê-los, foi isso que ela me falou, mas até os meu oito, nove anos, meu Deus, eu fazia muito escândalo pra entrar e minha mãe e meu pai ficavam comigo no pátio, aí dava a hora de fechar, eu já começava a chorar desesperadamente, aí a diretora tinha que ligar e falar: "Não tem como, tem que vir buscá-la, porque ela está passando mal, de tanto chorar". Aí foi quando eu fui crescendo - eu repeti de ano várias vezes por causa disso também, porque eu não queria ficar longe deles - fui entendendo mais as coisas e fui levando mais as coisas a sério, passei a não chorar mais e assim foi (risos).
P/1 — Teve algum professor ou professora marcante, nessa época?
R — Teve, teve a professora Nalva, na minha sexta série. Nesse tempo eu morava no Guarujá. A Nalva era professora de Português, e ela gostava muito de mim porque, ao mesmo tempo eu era quieta e ao mesmo tempo (risos) eu era bagunceira, ela falava: "Você sabe entrar e você sabe sair". Ela falava que eu tinha limites, e que eu era uma pessoa muito inteligente, que ela me via, no futuro, mais à frente. Tanto é que eu, quando vou no Guarujá, eu ainda a vejo na rua, aí quando eu falo pra ela: "Ah, agora eu sou... trabalho no Porto de Santos, sou caminhoneira", ela: "Mentira", falei: "Sou, já fui motorista de ônibus", ela: "Sério?', falei: "É", ela: "Falei que você ia longe". (risos) Nalva era muito gente boa.
P/1 — E como foi essa mudança de cidade? Você tinha quantos anos, quando vocês mudaram?
R — Olha, quando eu me mudei, a gente, como não tinha casa própria, a gente vivia se mudando. Eu me lembro: eu morei em Santos, que eu nasci, em seguida a gente foi pra Guarujá, em Guarujá, que a gente começou a morar numa comunidade, que meu pai conseguiu arrumar um dinheiro e comprou um barraco pra gente lá, um barraco de madeira e tudo e convivi, fiquei lá mais 14 anos, lá nesse barraco, nessa comunidade. E eu vou te falar: era pesado, viu, era pesado, eu via muita coisa. E eu vou te falar: muitas pessoas que eu conheci ali, que até hoje são meus amigos, tem gente, tem amigas minhas que nem são vivas, tem amigas minhas que já são avós, que depende de marido, que apanha quase todo dia, é drástico. E quando eu falo: "Ah, hoje eu sou independente, eu tenho as minhas coisas, não dependo de ninguém, não tenho filhos"... não que eu não queira ter, mas, tudo tem o seu momento. Eu não gosto das coisas precoces, não e elas foram bem precoces, assim.
P/1 — E como foi essa época, no Guarujá? Como era a sua rotina? Você ia pra escola, você ficava em casa, como que era?
R — Então, eu ia pra escola de manhã, meu pai sempre me acordava, porque de manhã é bem difícil acordar, até hoje pra mim é uma dificuldade, meu Deus! Aí ele me levantava, falava pra eu ir pra escola, tomava banho, meu café e ia, voltava, arrumava a casa, depois dormia o dia todo. Aí, foi quando o tempo que eu estava prestes a terminar o meu ensino médio, aí eu falei: "Meu, preciso arrumar um emprego, porque eu não quero viver sempre na aba dos meus pais, e eles precisam de mim. A gente mora numa comunidade há 14 anos, eu quero sair daqui, eu quero tirá-los daqui.” E foi quando eu comecei a trabalhar numa reciclagem. Lá era uma... como é que eu posso dizer? Era um policial, policial militar, ele tinha um projeto de se candidatar a ser conselheiro tutelar, então ele usou essa forma de tirar crianças da rua ou pessoas que queriam um dinheiro a mais. Só que, o que ele fazia? Ele cadastrava as pessoas pra juntar garrafa pet, latinha, coisas recicláveis e a gente ia lá e fazia a coleta, recolhia, aí chegava no local e a gente ia, dividia tudo, pet com pet, alumínio com alumínio, vidro com vidro. Aí, quando a gente via que já tinha bastante, a gente ia e trocava, levava ao ferro velho, aí fazia a somatória, tudo, quantas pessoas foram e trabalharam direitinho, tal e aí ia lá e dava um X de dinheiro, que era muito pouco, era muito pouco, muito pouco mesmo. Aí eu terminei de estudar e, do lado, onde tinha essa reciclagem do policial militar, tinha um grupo chamado Conseg, que é o Conselho Comunitário de Segurança do bairro, e a Dona Cleide - nossa, eu nunca esqueço dessa mulher - olhou pra mim e falou: "Você sabe que você tem um potencial, pra mim ficar aí, Patrícia, você sabe que você merece bem mais, né?" Eu falei: "Ah, mas é um trabalho digno, tô ganhando o meu dinheiro", ela: "Mas é muito pouco, o que você consegue comprar com isso?" Eu falei: "Ah, um desodorante, ainda dou um dinheiro pra minha mãe", ela: "Quanto que você tira aí, por dia?", falei: "Por dia não, por semana" "Quanto?", falei: "Uns trinta reais", ela: "Meu Deus!". Aí eu fiquei meio assim, falei: "Nossa, eu ganho muito pouco mesmo". Aí ela falou: "Ó, a Gisele" - que era uma secretária dela - "ficou grávida e eu preciso tirar, demiti-la", porque, assim: era um trabalho voluntário, mas ela dava um dinheiro, ela dava um dinheiro e ela falava que não conseguia manter a menina lá, porque ela já estava dando muita dor de cabeça e perguntou se eu queria, eu falei: "Quero, sim". Aí ela falou assim: "Aqui você pode ter certeza, você vai ter vida. Você vai trabalhar de segunda-feira a sexta-feira, vai entrar tal horário, vai ter duas horas de almoço, mas o salário vai ser melhor do que você recebe aí, mas aqui, pelo menos, você está limpinha, você não vai precisar mexer em lixo, não vai precisar sair com bicicleta cargueira e pedir de porta em porta, se conseguiu juntar ou não". Eu falei pra ela que eu não via problema nenhum nisso, mas eu agradeci muito a ela. Aí eu trabalhei com a Dona Cleide por três anos e, nesse tempo, eu recebia duzentos reais só, por mês, duzentos reais, era muito pouco, mas era melhor do que na reciclagem que eu estava. Aí, eu comecei a fazer um curso de vigilante, fiz o curso de vigilante, guardei o dinheiro, fiquei acho que uns três meses guardando, sem gastar um real e fiz o curso de vigilante, aí não consegui no momento, mas aí teve eleição e ela era muito, muito, muito amiga da prefeita que estava se candidatando naquele tempo e ela falou: "Ai, Patrícia, eu quero te ajudar muito, eu sei que o dinheiro aqui é muito pouco, você não conseguiu arrumar um trabalho ainda na segurança, eu vou fazer o seguinte: esse tempo de eleição eu vou deixar você trabalhando com a prefeita, com a Antonieta e você vai trabalhar com ela, vem pra cá só quando tiver as reuniões do bairro, você vai receber seu salário normal e vai receber o salário das eleições normal, eu quero te ajudar". E ela me ajudou. Aí acabaram as eleições, aí uma empresa de vigilância me chamou pra trabalhar, eu já estava com 22 anos. Na empresa eu fui a mulher mais nova a adentrar na empresa, porque geralmente as meninas têm mais de trinta, vinte e cinco. Eu, que nem, o curso você só pode fazer a partir dos 22, eu fiz com 22, demorei alguns meses e fiquei na empresa por quatro anos, fiquei sendo vigilante lá, por quatro anos.
P/1 — E, Patrícia, o que você fazia, antes de trabalhar com a prefeita? Com o que você trabalhava?
R — Antes da prefeita, então eu estava trabalhando na secretaria, eu estava... era secretária, eu atendia ligações, recebia reclamações, lá a gente fazia as reuniões e a gente colocava em pauta as melhorias que podia ter no bairro, de questão de segurança, falava só de segurança do bairro, mesmo. Aí eu preparava ata, convocava as pessoas, ia fazer o recolhimento das doações também e mantinha a Dona Cleide sempre a par de tudo que ia acontecer, montava as reuniões, tudo isso.
P/1 — E você estava trabalhando, mas você pensava com o que você queria trabalhar, no futuro? O que você queria ser? Isso passava na sua cabeça ou não, estava só seguindo, assim?
R — É, estava deixando a vida me levar, (risos) porque eu não tinha dinheiro, o dinheiro que eu tive foi pra eu pagar o curso de vigilante. Após o curso de vigilante, aí eu comecei a conhecer pessoas dentro da fábrica, que eu trabalhava em Cubatão, aí eu comecei a me identificar com a área da logística, aí as pessoas me incentivavam: "Pô, faz um curso, uma faculdade, você é tão nova, pra ficar aqui na portaria doze horas, que não sei o que e coisa e tal". Eu falei: "É, verdade". Foi um tempo que teve em alta, muito, o técnico em logística que, naquele tempo, meu Deus, pagava quinhentos reais por mês no técnico. Hoje paga cem, cento e cinquenta. Aí eu falei: "Vou fazer" e fiz, me formei e tudo, só que não arrumei nada, aí eu fiquei bem estressada do trabalho de vigilância e eu certa que eu ia achar alguma coisa, porque agora eu era uma técnica e minha mãe falou: "Se você não está feliz, você sai" e eu não estava feliz. Aí foi quando eu falei com o meu encarregado, ele ainda me segurou por alguns aninhos e foi quando eu saí, aí não arrumei nada, aí voltei pra segurança de novo, aí falei: "Meu Deus, o que será de mim? Eu não quero viver assim". Certo que é um emprego como todos, mas tem emprego que a gente se identifica e outros que não. Então, eu não me identifiquei totalmente ali e eu sempre falei: "Eu sempre quero estar crescendo, nunca permanecer no mesmo lugar”. Foi isso que eu aprendi na outra empresa: "Meu, não fique estacionada, faz uns cursos, não deixa passar oportunidades, não estaciona aqui não, porque você é muito nova" e foi o que eu fiz, aí eu fiquei decepcionada de ter voltado pra vigilância. Aí teve um dia que eu peguei o ônibus pra vir pra casa, aí encontrei um amigo meu, que era da vigilância, junto comigo e ele era motorista do ônibus, aí eu falei: "E aí, Edvandro, tudo bem?” ele: “Tudo bem”. Eu falei: “Caraca, que salto, hein? De vigilante, pra motorista de busão", ele: "É, pô, tu tá vendo a placa aqui?", eu falei: "Sim", aí estava "Precisa-se de manobrista e motorista, com ou sem experiencia", aí eu falei: "Como é que faz, pra fazer?", aí ele falou: "Ó, tu tem habilitação?", falei: "Tenho" "Tu muda a categoria”. Ele me explicou tudo, eu fui lá, fiz, mandei o currículo, eles me chamaram no mesmo dia, no mesmo dia eles me chamaram. E lá eu fui manobrista por três meses, na garagem da viação. Três meses, não, dois meses, dois meses e alguns dias. E, em seguida, eu comecei a ser motorista de micro-ônibus, fui motorista de micro-ônibus, aí não demorou um ano, aí eu fui motorista de ônibus convencional, que é o ônibus maior e nessa empresa eu fiquei por cinco anos.
P/1 — Antes, eu só quero voltar um pouquinho, eu queria saber o que te levou a fazer o curso de vigilância? O que... por que que você resolveu fazer esse curso?
R — Porque todo mundo falava que eu era alta, que eu tinha porte e eu sempre quis ser policial, na verdade, eu só não fui por causa dos meus pais, que eu morava numa comunidade e aí ela falou: "Patrícia, pra tu ser policial, tu sabe, a gente tem que sair daqui e a gente não tem como, não sei o que e coisa e tal". Eu falei: "Realmente", mas eu cheguei a fazer o concurso da polícia militar, passei duas vezes, eu só segui os conselhos dos meus pais de não ir, mas eu fiz, pra ver se eu conseguia, mas eu me realizei, pelo menos eu consegui. Aí todo mundo falava: "Poxa, você tem porte". Eu era alta. Eu era não, eu sou alta, ombros largos e tal. Você tem... como é que eles falam? Eu sou séria, quando eu quero. “Você transmite segurança e coisa mais, faz”. Eu falei: "É" e fiz, como era barato também, naquele tempo, eu acabei fazendo.
P/1 — E aí, com o passar dos anos, você viu que não era isso e mudou de área?
R — Isso, não era isso e mudei de área e fui pra viação, fui manobrista, como eu te falei, depois fui motorista de micro-ônibus, convencional... foi ali que eu me achei, eu gostava do que eu fazia, só que era um trabalho muito estressante, pra nós, mulheres, então, que a gente... hormônios, tem aqueles dias e passageiro entra e às vezes não vai com a sua cara, fala assim: "Eu vou acordar, hoje acordei, quero atazanar a vida da motorista lá, hoje". E eu trabalhava, eu dirigia e cobrava. Então, era bem estressante e eu ainda fiquei nessa empresa durante cinco anos, fiquei cinco anos. Aí eu conheci uma amiga, ela trabalhava no porto, ela falou: "Poxa, meu, troca a letra da sua habilitação pra E, faz um cursinho, quem sabe você entra lá? Porque lá é tranquilo, lá você só vai carregar cargas, e não pessoas e vai ser mais tranquilo, lá você vai ter horário de entrar, de sair". Na viação não, eu trabalhava quinze, dezoito horas por dia, com uma folga na semana, era bem complicado. Tinha dinheiro, tinha, mas às vezes não tinha paz, stress, já estava ficando doente, falei: "Meu Deus!"
P/1 — Você lembra de alguma história marcante, dessa época?
R — Lembro, lembro. Teve uma vez, que eu estava fazendo - bom, vocês são de São Paulo, vocês não sabem - uma linha, a 156, eu sempre fiz essa linha, eu fiquei três anos nela e eu sempre gostava dos idosos, sempre gostava. Lá na empresa era assim: eles faziam, eles podiam fazer reclamações e elogios, pros motoristas e todo mês eu sempre tinha um elogio de uma única pessoa. Ele, a gente o perdeu também pela Covid, eu soube, a gente era bem amigos, depois que eu sai de lá, ele sempre fazia elogio meu. Ele era cego e eu o ajudava a subir no ônibus, a descer do ônibus, a atravessar a rua, já cheguei até a sair nas redes sociais: a motorista ajudando, desceu do ônibus e tal. Pra mim é uma coisa normal, mas como é raro ver as pessoas enaltecem. Então, eu saí bastante, todo mês eu saía motorista elogiada e tal, tal, tal. Também já tive preconceito de homens, porque no tempo eu era bem mais magrinha e tal e carinha de mocinha e aí eles meio que... tinha um que chegou e falou assim: "É você que vai dirigir?", falei: "Sim" "Ah, achei que era a sua mãe, você parece uma criança", falei: "Não, sou eu mesmo", ele: "Ah, eu vou descer, que horas vem o próximo?" Achei que ele estava brincando, eu falei: "Ó, o próximo deve vir aí mais ou menos em uns quarenta minutos", ele: "Vou ter que ir com você, mesmo". Mas esse homem foi a viagem todinha falando mal da forma como eu dirigia e engraçado: o que foi bom, foi que todos se voltaram contra ele e, meu, o expulsou dentro do ônibus: "E eu pego ônibus com a Patrícia todo dia, ela sempre dirigiu bem, nunca a vi bater em nenhum carro, quem é você? Tá pegando ônibus hoje", porque geralmente os passageiros eram sempre os mesmos, então eles iam lá e, cara, achei aquilo tão bacana, tão da hora. Inclusive isso daí também saiu na rede social, foi muito dez.
P/1 — E quais... não sei se tem, queria saber se tem vantagens e desvantagens de transportar pessoas.
R — Existe uma... é assim: é bem diferente, a responsabilidade é maior, porque você está carregando vidas ali. Então, uma freada brusca, várias pessoas vêm pra frente ou vão pra trás e se machucam. Tem pessoas até que podem chegar a óbito. Então, carregando cargas não, ali é um objeto. É lógico que é um gasto pra empresa, é uma avaria, é, mas você não machucou ninguém, não morreu ninguém, está tudo certo. Então, carregar vidas é bem mais complicado, bem mais complicado.
P/1 — E como foi esse momento de mudança de carteira, pra categoria E? E como seguiu essa trajetória, sua vida, como foi seguindo?
R — Olha, de lá pra cá, depois que eu saí da viação, eu não vou cuspir no prato que eu comi porque, graças a essa empresa, eu tenho o que eu tenho hoje, é pouco, mas é meu. Graças a essa empresa eu criei uma responsabilidade profissional imensa e graças a ela eu sou a profissional que eu sou hoje, mas foi um alívio sair de lá, que era bem estressante, era uma empresa maravilhosa, mas o trabalho em si era um pouco estressante e eu fiz o curso já sabendo que eu iria sair e que não ia demorar muito não e eu fiz, eu saí e hoje eu tô muito realizada, que eu sempre sonhei em trabalhar no Porto de Santos, porque tenho os meus tios, que já trabalharam pelo Ogmo, estiva, então eles falavam daqueles guindastes enormes e eu: "É, tio, nossa, sério?" Ele vinha, trazia fotos e eu: "Nossa, que da hora!" E, às vezes, teve um tempo que eu era pequena, veio um navio aqui pra Santos, um navio de livros e eu pedia pro meu pai, pra ele me levar lá, pra eu ver como é que era o cais. Nossa, eu fiquei encantada, fiquei encantada.
P/1 — E como foi a primeira vez que você entrou no porto?
R — Eu não entendi.
P/1 — Você se lembra da primeira vez que entrou no porto? Como foi esse momento?
R — Quando era criança? Ou…
P/1 — Pode ser.
R — Ai, foi maravilhoso! Um monte de navio, um perto do outro, ali, e são enormes. Às vezes eu só via o navio - como a gente mora aqui em Santos, passa pela rua da praia - bem longe, bem distante, ficava do tamanho dessa canetinha aqui, mas vendo-o de perto, eles eram enormes, senti até um pouquinho de medo, mas, nossa, foi bem mágico.
P/1 — E eu queria te fazer uma pergunta antes de entrar no trabalho do porto: durante a sua juventude, como você se divertia? O que você... como era a sua rotina? Você tinha esse tempo, pra divertimento? Você saía com amigos? Como era?
R — Ah, eu era bem caseira, gostava mais de ficar em casa, ficar na internet, naquele tempo era MSN, Orkut, essas coisas. Eu só saía pra ir na lan house. Eu era bem caseira. Os meus amigos eram os meus vizinhos, então a gente, às vezes, ficava conversando um na porta do outro e só isso, mesmo.
P/1 — Então, me conta, quando você começou a trabalhar no porto, receber a notícia de que você tinha sido aprovada, como foi esse momento? E que cargo você entrou?
R — Olha, foi maravilhoso. Demorou um tempo e eu já estava até desanimada. Mas como uma amiga sempre me falou: "Tudo que Deus faz, é perfeito". Porque no tempo que eu ia entrar na empresa, eu estava correndo na praia, não me alonguei direito e acabei caindo, aí eu tive uma entorse de segundo grau, no pé, fiquei afastada do trabalho e a DP World nada de me chamar. Então, eu falei: "Caramba, como é perfeito as coisas de Deus!" Só que eu ficava com medo: "Meu, se DP World me chamar e eu estiver aqui, engessada?" Tanto que eu nem me afastei pelo Inss, eu pedi férias, falei: "Se a empresa me chamar, eu peço demissão e vou pra lá". Eu lembro que nesse dia eu estava fazendo uma outra linha, e que eu conhecia algumas pessoas e eu sempre... uma coisa que não pode fazer é dirigir e olhar no telefone. Então, sempre, no ponto final eu parava, descia do ônibus e olhava se tinha algum e-mail. Só que, nesse dia, eu tinha acabado de sair do ponto final, então foi inevitável não olhar, o meu telefone tocou e era e-mail, eu falei: "Não, eu vou ter que ver". Quando eu olhei: “Você está aprovada, tal dia venha fazer integração, já pode pedir demissão da sua outra empresa”, eu podia meter o pé na barraca naquele dia, eu falei: "Ó, vou deixar o ônibus aqui e tô indo embora", mas não, eu fiz todas as minhas viagens, nesse dia eu fiquei quinze horas trabalhando, eu falei: "Do jeito que eu entrei, eu vou sair e essa empresa abriu a porta pra mim e eu não vou sair de qualquer forma, vou zoar não”. Agradeci aos meus passageiros, informei que aquele seria meu último dia, em seguida, quando cheguei na garagem, avisei o meu supervisor que eu ia pedir demissão, ele: "Ah, o que aconteceu?", expliquei pra ele que eu estava um pouco cansada daquela função e que eu estava vendo uma coisa melhor pra mim e acabou aparecendo e eu vou. Ele: "Você vai pedir demissão de cinco anos de empresa?", falei: "Vou" e pedi demissão e fui e foi a melhor coisa que eu fiz, várias pessoas falavam que eu ia me arrepender, porque a empresa, no tempo, é nova, a empresa tem oito anos e, a qualquer momento pode ter uma crise e mandar os mais novos embora. Eu fui sem olhar pra trás, sem medir as consequências, eu segui meu coração, é tudo que eu queria e eu vou e, se não der certo, existem outras empresas e a gente vai se virando, como pode.
P/1 — Você lembra do seu primeiro dia de trabalho?
R — Lembro. Fui bem recepcionada por todos, me apelidaram, meu apelido lá é Maju, (risos) lá na empresa, por causa do cabelo, da cor e tal e fui muito bem recepcionada, foi maravilhoso, conhecer ali o porto, foi muito da hora, o treinamento que eles dão pra gente, antes de colocar a máquina na sua mão por definitivo, é uma coisa que, meu, abre a sua mente, você vê as coisas de uma outra forma, é totalmente diferente, é prazeroso.
P/1 — E como funciona o seu trabalho?
R — Bom, lá eu sou Operadora de Equipamento I, lá eu manuseio um tractor que, no caso, é uma carreta. Lá o meu trabalho é fazer transferência de contêineres, de uma quadra pra outra, ou da quadra pro navio, ou do navio pra quadra e assim vai, esse é o meu trabalho. E é interno, não é externo, a gente não faz externo, é interno.
P/1 — E você já teve algum momento bem desafiador nessa... ao longo desse período de trabalho?
R — Bem desafiador, pra mim, foi fazer baliza com a carreta. Eu, (risos) na hora da rendição, quando, no caso quando não tinha navio, que a gente tinha que colocar a carreta no estacionamento, que lá a gente dá o nome de DTA, pra colocar ali, às vezes eu colocava de qualquer jeito ou, senão, às vezes eu falava: “Hoje eu vou conseguir”, só que todo mundo ficava olhando, eu descia vermelha, descia pingando de suor e eu não conseguia deixar a carreta retinha na vaga e aquilo ali, pra mim, foi desafiador, eu falei: "Eu vou conseguir, eu vou conseguir, todo mundo faz, por que eu não?" E foi com a ajuda dos meus amigos: "Ó, vira aqui; ó, vai reto; dá ré; agora vai" E eu consegui e eu consigo fazer, e assim: eu fazia com a carreta vazia, sem contêiner e meus amigos sempre falavam: "Olha o retrovisor, não olha pra trás, porque quando tiver o container, pra onde é que você vai olhar?" Eu falei: "Realmente, é verdade". Então, eu comecei a aprender a fazer com vazio e hoje eu faço com cheio e dá até pra dar cavalo de pau lá, mas é com segurança, claro, segurança em primeiro lugar (risos).
P/1 — E você se lembra de alguma história marcante como motorista? Pode ser sufoco ou alguma história engraçada.
R — Como motorista de ônibus, sim. Eu fiquei cinco anos lá e eu sempre me gabava pros meninos, falando que eu nunca tinha sido assaltada, porque lá na empresa era assim: você é assaltado, é você que paga, tira dinheiro da onde for, na hora de prestar conta, você tem que pagar, eu sempre falava: "Deus é que me protege, Deus é que está me protegendo, Deus é que vai na minha frente, nunca fui assaltada, graças a Deus". E teve uma vez que estava subindo, o rapaz, ele me deu vinte reais, pra pagar a passagem, dei a passagem dele e aí, nisso, eu dei a seta pra sair do ponto de ônibus, pra seguir a minha viagem normal, veio um rapaz e eu consegui visualizá-lo pelo retrovisor e ele veio correndo, eu falei: "Ah, deve ser algum passageiro" e ele estava meio que sujo, eu falei: "Ah, deve ser do cais", porque eu estava ali próximo ao cais mesmo e ele foi, mostrou uma faca pra mim. A minha primeira viagem, tinha acabado de sair do terminal. Então, se saiu do terminal, você só passa por dois pontos, eu não tinha pegado, só tinha pegado esse rapaz e ele acabou roubando de mim apenas o valor da passagem mesmo. Aí todo mundo fala: "É, nunca foi assaltada, realmente é Deus contigo". Porque, geralmente, quando a gente é assaltado, os ladrões pegam a nossa bolsa, levam nosso celular, pertence, leva tudo o que a gente tem e a gente ainda tem que pagar pra empresa. Teve uma amiga minha que foi assaltada e ela teve que desembolsar setecentos reais, na hora. Pensa: você em choque, e ainda ter que pagar setecentos reais, tirar da boca do filho dela pra pagar ali o que um vagabundo pegou dela. É complicado.
P/1 — Mas no porto não acontece isso?
R — Não, não acontece isso, não. No porto a gente só adquire, a gente nunca perde. Você adquire experiência, você aprende, cada dia é um aprendizado diferente. Não existe isso, não.
P/1 — E, Patrícia, como é, pra você, o que significa exercer uma função que historicamente costumava ser realizada por homens e acho que cada vez mais tem mudado isso, mas o que significa pra você?
R — Olha, pra mim é gratificante, às vezes eu me sinto a Mulher Maravilha. Quando alguém pergunta pra mim: "Qual a sua função?" e eu falo, a pessoa fala: "Não acredito", eu falei: "Sim" "Não acredito", falei: "É. Já fui motorista de ônibus, já fui motorista, sou motorista de carreta, pretendo ser operadora quatro, cinco, que é dos guindastes" "Caramba!" Mas é bem desafiador mesmo. Às vezes tem pessoas que, tipo assim, tira sarro, fala: "Ah, tu quer ser homem e tal" "Não, só quero me realizar e exercer o que eu gosto e ponto".
P/1 — E você já sofreu algum tipo de preconceito, por ser mulher e exercer essa função de ser motorista, desde o trabalho ou até fora mesmo, do trabalho?
R — Ah, já sim, uma vez, que eu tinha te falado, do rapaz que entrou no ônibus e só porque eu era novinha, só porque eu era mulher e ele falando o tempo todo que eu dirigia mal. Esse foi um, esse foi o único praticamente e eu fiquei bem abalada, mas depois dei risada (risos).
P/1 — E como você vê a ascensão das mulheres na sua empresa?
R — Eu não entendi.
P/1 — Como você vê a ascensão, o crescimento das mulheres, na empresa em que você trabalha? Você entrou em que ano?
R — Olha, eu entrei lá no final de 2019 e tinha poucas mulheres lá. Hoje ultrapassamos mais de cem mulheres na operação. Então, a empresa que destaca bem a mulher, valoriza bem a mulher e a gente sempre é bem-vista lá dentro, a oportunidade é para todos, eles não veem questão de: "Ah, é homem, tem experiência e tal. Não, mas espera aí vou, dar oportunidade pra ela, ela tem mais interesse, se mostra ser mais ágil". E lá a gente tem bastante oportunidade pra crescer. Mulher, então! Uma empresa chegar a ter mais de cem mulheres na operação, isso é louvável.
P/1 — E ao longo desse tempo, quais foram as principais transformações que você vem observando, no setor portuário?
R — É a tecnologia, né? A tecnologia às vezes é bem avançada. Às vezes a gente pensa: "Gente, um...", que nem eu pensava bastante assim: "Como um guindaste daquele consegue pegar uma tonelada de...” Então, tem todo um trabalho, todo um processo. Até você entender a gravidade, tudo o mais e, cada vez mais, a tecnologia vai dominando aí.
P/1 — E queria saber quais são as diferenças de dirigir carro, dirigir caminhão? Como você se sente, dirigindo? Por que é tão... você se sente tão realizada, como é isso?
R — Eu sempre quis ter habilitação, e eu falava que o meu sonho era ter, primeiro, eu ia comprar uma bicicleta, depois eu compraria uma moto, depois eu compraria o meu carro. Hoje eu tô no meu segundo carro e pra ser sincera, pra mim é mais fácil eu dirigir um ônibus e um caminhão, do que o meu próprio carro. Dirigir meu carro, eu sou bem barbeira, (risos) agora coloca um ônibus na minha mão, um caminhão, a gente desenrola. Agora, de carro eu sou um pouco barbeira sim. Agora, não sei o porquê, eu acho que é a questão da visão. Você está mais em cima, você tem mais visão, os retrovisores são maiores, tem tudo isso. Às vezes meu pai: “Eu não entendo: você, no ônibus, meu Deus, dirige excelentemente bem, mas pega o carro, não dá. (risos) É incrível!
P/1 — E você comentou, no comecinho, que começou a fazer uma faculdade, é isso?
R — Sim, sim. Assim que eu entrei no porto, eu comecei a fazer Comércio Exterior. Fazendo Comércio Exterior, ano que vem já tô terminando, porque a gente, lá na empresa, sempre surgem oportunidades, então tem que sempre estar preparado e eu tô aí me preparando e pretendo me preparar cada vez mais.
P/1 — Então, você entrou já pensando no futuro mesmo pra pegar, conseguir alcançar outros cargos?
R — Sim, sim. Estacionar, jamais. Eu não entrei lá pra morrer dentro da minha carreta não. O tanto que eu tiver de oportunidade, eu vou agarrar e vou efetuar com bastante gratidão, me empenhar ao máximo.
P/1 — E como são as aulas? Como é? Você faz online, virtual, como é?
R — Eu faço EAD, devido aos meus turnos. Que nem hoje, hoje eu trabalhei de madrugada. Aí, como eu trabalhei na madrugada, geralmente eu chego, vou dormir umas duas, três horas da tarde, aí faço comida, que agora eu tenho a obrigação, não tenho mais a minha mãe. Aí depois eu vou, dou uma estudada, faço as atividades que tem que fazer, aí faço os projetos que têm que ser feitos e assim a gente segue, mas eu vou falar uma coisa pra você: primeira vez que eu faço EAD e última porque, se você não tiver um... se você não ser regrada, você não consegue. E eu vou falar: se eu fizer outra, que eu acho que talvez eu faça, eu vou fazer presencial. Nem que... vai ser cansativo, vai, mas pelo menos eu vou aprender um pouco mais, vou conhecer mais pessoas. É bem melhor.
P/1 — E, Patrícia, como o covid afetou a sua vida, essa surpresa, desde o aspecto profissional mesmo e pessoal?
R — Olha, no pessoal eu vou te falar que afetou bastante. Eu gostava muito de ficar entre amigos, conversar: "Ah, vamos fazer um churrasquinho, ah, vamos num sambinha, num pagode, alguma coisa" e hoje não tem mais isso, mas tenho amigas que acabam saindo, que são irresponsáveis, tem, mas eu evito. Então, ficou bem difícil, principalmente profissionalmente, também ficou, porque assim: lá dentro a gente é próximo, aperto de mão, abraço, isso ficou muito raro no trabalho. Então, o covid afetou o mundo. As pessoas são outras.
P/1 — E quais são os seus maiores aprendizados, ao longo da sua trajetória profissional?
R — Olha, uma coisa que eu sempre aprendi com os meus pais, é a gente nunca desistir do que a gente quer. Pode ser uma loucura pros outros, mas se é um sonho seu, você tem que ir atrás. Então, nunca parar, nunca desistir e sempre se apegar a Deus, e eu vi que, com o decorrer dos anos, é verdade, a gente tem que sempre ser determinada e nunca desistir, nunca.
P/1 — E o que o Porto de Santos representa, na sua história?
R — Ah, muita coisa, muita coisa. Eu... os meus conhecimentos que eu tenho hoje, são graças ao meu trabalho. Eu nunca subi numa carreta, ali eu subo, lá eu tenho oportunidade de fazer outras coisas também. Cara, o porto, pra mim abriu portas e eu não pretendo sair do porto tão cedo, (risos) quero me aposentar lá.
P/1 — E quais são as coisas mais importantes pra você, hoje?
R — As coisas mais importantes pra mim hoje, falando de pessoas importantes foi a minha mãe, que Deus levou, que Deus sabe o que faz. Hoje, importante, pra mim, é o meu pai e o meu trabalho. É o que eu tenho de mais importante pra mim.
P/1 — Quais são seus maiores sonhos?
R — Ah, eu tenho um sonho de comprar uma casa. Uma casa não, um apartamento de frente pro mar, não tem coisa melhor, você abrir assim a janela e ver aquele marzão ali, não tem coisa melhor, o meu sonho é esse. E ser bem realizada profissionalmente, subir de cargo e eu peço sempre a Deus que me dê sempre essa coragem e força, pra eu conseguir chegar lá e depois que eu realizar esse sonho, se inicia outro e assim vai.
P/1 — Eu queria saber se você gostaria de acrescentar alguma coisa, contar alguma história que eu não tenha instigado, deixar alguma mensagem.
R — Uma coisa que eu tinha falado, eu falo, pras minhas amigas: eu perdi a minha mãe bem no dia do meu aniversário, onde eu estava fazendo 35 anos, eu soube da notícia e, quando a gente perde uma mãe, a gente perde o chão. E só aí a gente vê que a gente não é nada, que a gente está aqui e amanhã a gente pode não estar e a gente tem que fazer tudo o que a gente tem vontade, a gente tem que ser grato a Deus por tudo e por todos, dar valor a mãe, pai. Eu, graças a Deus, fui uma filha excelente, que nem eu falei pras minhas amigas, uma vez: "Eu perdi a minha inspiração, eu perdi a minha inspiração", só que, com o tempo, eu vou aprendendo que a minha inspiração ainda está aqui comigo, ainda está aqui e eu vou continuar sendo o que eu sempre fui. Às vezes dói, dói, machuca, machuca, é difícil, mas assim a gente segue, assim a gente segue. E eu sou muito grata a Deus por tê-los colocado no meu caminho, porque talvez eu não seria o que eu sou hoje. Tem pessoas que: "Ah, uma motoristazinha", mas pra ver de onde eu vim e onde eu tô agora, pra mim é muito gratificante. Eu agradeço muito a eles, agradeço muito a Deus, sou muito grata e tudo o que vier na mente e tiver ao alcance, ao seu alcance, vai lá e faz, não pensa duas vezes não. O não a gente já tem. É só correr atrás do sim.
P/1 — E o que você acha dessa proposta de mulheres que trabalham no mercado rodo porto ferroviário, serem convidadas pra contarem a suas histórias, através de um projeto de memória? O que você acha do impacto disso?
R — Olha, é muito bom porque dá até mais oportunidade... oportunidade não... como é que eu posso falar? Inspira outras mulheres, porque tem mulheres que têm vontade, mas não sabem por onde começar, quais são os meios, então isso é bom, que inspira, inspira e dá mais força, sabedoria pra pessoa ir lá e falar: "Poxa, elas conseguiram, por que eu não vou, não posso conseguir também?". É inspirador o projeto de vocês.
P/1 — E como foi, pra você, ter participado, ter contado um pouquinho dessa história, ter lembrado algumas coisas?
R — Aí, foi muito bom. Achei que não ia ser muito legal, porque eu ainda tô um pouco... com o meu emocional um pouco abalado, até tinha falado pra Aline, mas eu fiquei muito feliz, de tantas mulheres que têm lá dentro do meu setor, eu ser escolhida, pra mim foi gratificante e é maravilhoso, maravilhoso mesmo.
P/1 — Patrícia, eu quero muito te agradecer, foi muito gostoso dividir essa manhã com você, eu tenho certeza que você vai decolar, te desejo muita sorte.
R — Ai, obrigada (risos).
P/1 — E muito obrigada, muito obrigada por topar participar, foi muito gostoso pra mim.
R — Pra mim foi maravilhoso, obrigada pela oportunidade, pelo espaço, pelo tempo, fiquei e estou um pouco nervosa, porque eu sou bem tímida, sabe? (risos) E me enrolei um pouco em algumas coisas, mas é que eu sou bem tímida, pra falar, tô tentando desenrolar isso agora, mas foi muito bom também falar contigo, te conhecer e, precisar, estamos aí, viu?
P/2 — Muito obrigada, Patrícia, foi um prazer conhecer a sua história e eu tenho certeza que sua mãe está muito orgulhosa, de onde ela estiver, da sua história, mesmo.
R — Ai, ela está.
P/2 — De tudo o que você construiu.
R — É, minha mãe deve estar sim, ela deve estar. Obrigada, obrigada pelas palavras, viu?
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