Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 – Whirlpool
Depoimento de Franciele França Matos
Entrevistada por Márcia Trezza
Joinville, 09 de maio de 2014
Realização Museu da Pessoa
WHLP_HV026_Franciele França Matos
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Franciele, a gente vai começar a entrevista. Você fala o seu nome inteiro, por favor?
R – Meu nome é Franciele França Matos.
P/1 – Você nasceu onde?
R – Eu nasci em Chopinzinho, no Paraná.
P/1 – Em que data?
R – Em 1985.
P/1 – Que dia e mês?
R – Dia 31 de janeiro de 1985.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – José França Matos e Salete Eugênio Matos.
P/1 – Seu pai faz? Ele é vivo?
R – Não. Morto.
P/1 – Ele fazia o quê? Qual a atividade dele?
R – Ele mexia com construção civil e ele era garimpeiro. O negócio dele era mexer com garimpo.
P/1 – E ele fazia garimpo em que região?
R – Mato Grosso.
P/1 – Você se lembra dele desde pequenininha no garimpo?
R – Não convivi muito com meu pai. Na verdade, eu não convivi quase nada com o meu pai.
P/1 – Qual foi essa história? Conta pra gente.
R – Ao meu pai? Assim, meu pai e minha mãe são separados e eles já eram separados, aí foi numa tentativa de reconciliação, quando eles voltaram, e acabou daí os dois... Ele traiu ela de novo, daí a levou para o Mato Grosso, ela ficou até o oitavo mês de gestação. E quando ele viu que ela tava muito inchada, assim, daí ele resolveu mandá-la voltar, porque ela queria muito voltar para o Paraná com a minha avó. Daí ela voltou. Depois disso ela me teve, e ela não quis mais voltar e não teve mais reconciliação.
P/1 – Eles estavam juntos ainda, só que depois que você nasceu é que eles se separam novamente?
R – É, eu vim de uma tentativa de reconciliação, mas em oito meses eles viram que não dava mesmo por conta de ele gostar de ter mais de uma mulher.
P/1 – E você tem irmãs ou irmãos mais velhos que você?
R – Tenho. Da parte da minha mãe com o meu pai, eu tenho duas irmãs.
P/1 – Qual o nome delas?
R – A Janete França Matos e a Maria Gorete. Daí ele teve outros filhos com outras mulheres. São irmãos, mas assim, a gente não tem aquele convívio. A gente tem contato por Facebook, alguma coisa assim. Já fui passear pra lá, eles vieram passear pra cá, mas assim, de conviver muito tempo junto, não. Mas a gente tem um bom relacionamento.
P/1 – Eles moram onde?
R – Mato Grosso.
P/1 – Quantos são?
R – São três meninos com uma e um casal com outra. No total são cinco filhos fora.
P/1 – Você tem muita diferença de idade das suas irmãs?
R – Uma, 11 anos; e a outra, dez.
P/1 – Depois de dez anos que você nasceu?
R – Isso.
P/1 – Quais suas lembranças de infância, Franciele, com a sua mãe, com as suas irmãs?
R – Bom, como eu convivi mais só com mulher, então assim, a minha mãe foi minha mãe, foi meu pai, porque ela cuidou muito de mim. Se eu tenho essa educação hoje, a minha índole, tudo depende dela. Porque tanto ela, quanto as minhas irmãs também, me deram sempre bons exemplos. E elas me ajudavam muito, desde levar pra escola, buscar, elas tinham compromisso, uma no horário da manhã, outra no horário da tarde.
P/1 – Suas irmãs?
R – Isso. Então a gente convivia junto, né? Porque eu nasci no Paraná, mas com sete anos eu vim pra Santa Catarina. Então a minha mana já tinha vindo antes, as duas, pra trabalhar, porque lá era mais difícil trabalho. Então quando elas vieram pra Joinville, elas arrumaram trabalho e ficaram morando com a minha avó. Daí no Paraná morávamos só eu e a minha mãe. Meu, era muito bom assim, porque até os seis anos eu não posso dizer que eu não tive uma boa infância, porque eu dormia em cima das costas dela, então era muito bom. Ela também nunca teve outro marido. Então pra nós era muito bom, porque eu sempre estive muito junto com ela. Então eles arrumaram uma casa pra cá, em Santa Catarina, daí meu pai ajudou a comprar essa casa aqui e a gente se mudou pra cá.
P/1 – Antes, quando você falou que dormia nas costas dela, como era isso?
R – Ah, porque ela deitava no sofá pra assistir televisão, daí eu já aproveitava o embalo e deitava em cima das costas dela, mas nisso eu já era muito grandona (risos).
P/1 – Já era grande?
R – Já. Desde pequena até os seis anos. Não tinha perdido o hábito.
P/1 – Mas quando você tinha essa idade, suas irmãs ainda conviviam com você?
R – Até os quatro, porque daí elas vieram embora pra Santa Catarina. Porque elas trabalhavam em boia-fria e lá...
P/1 – Onde?
R – No boia-fria.
P/1 – Onde, lá em Paraná?
R – Já ouviu falar? Isso.
P/1 – Sim. Como boia-fria. Mas com que idade elas trabalhavam como boia-fria.
R – Dos dez anos, 11 anos elas trabalhavam já como boia-fria.
P/1 – Em que lavoura? Do quê?
R – Não sei. Se eu não me engano, era de cana-de-açúcar, alguma coisa assim, trigo. Eu nunca consegui pegar bem do que era, mas só de saber era... Nossa, elas chegavam com as mãos todas machucadas em casa, minha conta assim, sabe? Bem triste.
P/1 – Sua mãe o quê?
R – Minha mãe conta essas histórias assim. Foi bem triste, porque foi bem na época que ela me teve, daí ela não podia trabalhar, então foi bem complicado.
P/1 – As meninas que trabalhavam.
R – Isso.
P/1 – E seu pai não ajudava?
R – Ele começou a ajudar depois de um tempo já. De um bom tempo depois. Mas eram elas que batalhavam mesmo, as duas. Quando elas vieram pra cá, minha avó já tinha vindo morar pra cá. Toda minha família veio vindo do Paraná para Santa Catarina.
P/1 – Porque eles vinham pra Joinville, você sabe?
R – Porque era melhor trabalho, as condições de vida, a questão de salário era melhor. O único trabalho que tinha naquela época era mesmo boia-fria, então era uma situação assim meio complicada. Então elas vieram embora pra cá, morar na casa da minha avó.
P/1 – Mãe da sua mãe?
R – Aham. Daí elas ficaram um bom tempo morando. Mas a minha avó também tinha muitos filhos, então passou um tempo, elas ficaram acho que quase dois anos, é, uns dois anos, mais ou menos, elas ficaram só com ela. Daí meu pai ajudou a comprar uma casa. Porque quando elas vieram pra cá, elas moravam embaixo de viaduto mesmo.
P/1 – Suas irmãs?
R – Isso. Com meus tios...
P/1 – E a sua avó?
R – Ela tinha uma casa, mas era muito pequena. Depois elas passaram a morar junto com ela.
P/1 – Mas aí você disse suas irmãs juntos com seus tios moravam embaixo do viaduto?
R – Isso. Porque a casa era muito pequena e tinha 12 filhos, assim, 11 filhos. Depois, quando a gente veio morar pra cá, daí morávamos eu, minha mãe e minhas duas irmãs.
P/1 – Nessa casa?
R – Daí meu pai todo ano vinha visitar a gente. Uma vez por ano, pelo menos, ele vinha. Depois começou passar a ser uma vez a cada três anos, dois anos. E era esquisito, assim, porque a gente não tinha aquele relacionamento de pai e filha. Ele era um amigo da família que ia passear lá.
P/1 – Ele ia sozinho?
R – Sozinho.
P/1 – E ficava na casa de vocês em...
R – Na nossa casa. Ficava como uma visita.
P/1 – Aqui em Joinville?
R – Isso. Ficava como uma visita.
P/1 – E pra sua mãe era bom também?
R – É, porque ela sempre fala que sempre o amou mesmo como irmão. Mesmo depois de separados, mas, assim, ela sempre gostou muito dele. Ele era desajuizado, mas ela... Minha mãe é uma pessoa muito boa, então é difícil não gostar. E foi assim.
P/1 – E você, quando seu pai chegava, qual era a sua reação desde pequenininha? Eu vi na foto ali que você tava... Foi um dia que ele veio?
R – Isso. Ah, ficava contente, porque ele vinha, era como se fosse, pra mim... Eu sabia que era meu pai, né? E aquela época eu não entendia ainda o que ele tinha feito com a minha mãe, o porquê daquelas... Que a gente nunca se criou junto. Então quando ele vinha, pra mim era motivo de alegria. Daí conforme vai passando o tempo, a gente vai crescendo, vai conhecendo a história, vai vendo por que não morou junto, daí é onde tu começa a ver uma visão adulta. Mas quando era criança, eu gostava muito, porque daí ia ele, daí às vezes as minhas irmãs vinham de Santa Catarina pra lá e elas levavam doce daqui que era novidade, uns guarda-chuvas cheios de bolinha colorida pra gente. Era muito diferente.
P/1 – Ah, isso ainda lá no Paraná?
R – É, porque elas iam nos visitar lá quando eu era pequenininha.
P/1 – E levavam o quê pra você?
R – Doce. Aquelas bengalas cheias de bolinha colorida. Nossa, aquilo lá não se via lá, então eu ficava toda contente.
P/1 – E você, de brincadeiras, você lembra? Se você brincava, de que brincadeira.
R – Brincava. Eu jogava pedrinha, eu sou do tempo de jogar pedrinha.
P/1 – Como é esse jogo?
R – Das cinco pedrinhas que tu jogava. Hoje eu não consigo lembrar mais assim bem, mas era... E eu gostava muito de jogar taco na rua. A gente brincava de jogar taco na rua. Jogava vôlei.
P/1 – Taco, só meninos, ou meninas também?
R – Meninas. Meninas e meninos.
P/1 – É? E você era boa de jogar taco?
R – Era boa (risos). Eu gostava de jogar. Mas eu gostava só de ficar no taco, por isso que eu era boa, porque eu tentava nunca deixar acertar meu litro pra não ter que correr atrás da bolinha (risos), por isso.
P/1 – E você disse que vieram pra cá, você tinha seis anos?
R – Isso.
P/1 – E como foi mudar de casa?
R – Ah, no começo foi estranho em questão de vizinhos, assim. Porque quando a gente veio pra cá, o primeiro ano foi bem difícil, porque antigamente aqui se enchia muito a maré, que eles falavam, então subia a água até a borda da casa, às vezes entrava água pra dentro. O primeiro ano que a gente passou aqui, a gente chegou em novembro aqui, nunca esqueço, foi em novembro, daí em dezembro, no Natal, a gente foi pra casa da minha tia que já morava aqui em Santa Catarina. E começou a chover e descobriu tudo a nossa casa. Nossa, quando a gente chegou assim, tava toda descoberta a casa.
P/1 – Cobriu ou descobriu?
R – Descobriu tudo a casa.
P/1 – Por causa do vento?
R – Por causa do vento, chuva. Então, nossa, tava aquele caos.
P/1 – E molhou tudo dentro?
R – Daí ali que a gente acabou fazendo amizade com os vizinhos, porque chegamos, já tava todo mundo colocando telha na casa. E daí foi ali que a gente começou a ter mais contatos, assim, bem bom.
P/1 – E perdeu muita coisa nesse dia do temporal?
R – Não, não. Mais foi só mesmo o teto, que teve que trocar telha, porque as outras coisas, jogamos tudo para o sol, foi secando.
P/1 – E, Franciele, esse lugar que a maré subia... Você falou que a maré subia. Aqui em Joinville?
R – Aham.
P/1 – Que região é essa?
R – No Espinheiros.
P/1 – E lá, o que tem que sobe?
R – Na verdade, aqui em Santa Catarina, aqui em Joinville, bastante lugares alagam. E lá onde eu moro é por causa do mangue, tem um mangue que sobe. Tinha antigamente, que se ouvia muito falar, era a maré de sete anos. Nossa, daí subia bastante a cada sete anos, bastante.
P/1 – E era real essa maré? Era de sete em sete anos? Existia mesmo isso ou era só o nome?
R – Eu vi uma vez só, mas ficou bem... Subiu bastante, daí perdia bastante na minha casa.
P/1 – Subia bastante mesmo? E essa casa ainda existe? Você ainda mora lá?
R – Agora ela foi reformada, que ela era de madeira, não tinha banheiro dentro da casa, era lá fora. Agora não, foi totalmente remodelada, porque daí minhas irmãs se casaram, tiveram filhos. Uma mora ainda até hoje junto com a minha mãe, de parede e meia. Eu casei, fui morar fora, daí voltei a morar com a minha mãe de volta.
P/1 – Muitas coisas aconteceram, né, Franciele? Mas essa casa, ela foi sendo reformada, que você falou.
R – Isso, aos poucos.
P/1 – E aí ficou mais tranquilo?
R – Ficou, ficou mais tranquilo.
P/1 – E quando você foi crescendo, você cresceu nessa casa, a partir dos seus anos? Você brincava? Porque depois você conheceu os vizinhos, como você falou. Tinha brincadeiras ou você fazia outras coisas?
R – Ali era bem pouco, porque daí, assim, logo começou a vir meu... Daí minha irmã teve meu sobrinho mais velho, ele já morava conosco, porque ela teve um primeiro relacionamento, ela engravidou, então ele nasceu. Eu tinha sete anos, ele tinha seis meses. Eu tinha seis anos, ele tinha seis meses. Depois dele, quando ele fez quatro aninhos, começou a vir o outro, porque daí ela casou. Então sempre cheio de criança. E por eu ser a mais velha, então eu tinha que cuidar, então eu não podia ir na rua.
P/1 – Sua mãe trabalhava?
R – Não. Eu e a minha mãe éramos as que cuidávamos da... Nós cuidávamos da nossa casa, cuidávamos da irmã mais velha, da casa do meio, lavávamos pra todo mundo, cozinhávamos, cuidávamos das crianças. Então eram cinco e daí tinha mais a minha tia, que já deixava lá, então eram seis crianças. Então o meu trajeto era ir pra escola, voltava da escola, daí a gente dividia tipo assim: “Ah, hoje tu quer limpar a casa de quem, Leli?”. Eu olhava de qual estava menos bagunçada (risos). Então claro que eu escolhia aquela (risos).
P/1 – Sua mãe que falava?
R – Ela me dava essa oportunidade. Ou às vezes ela falava assim: “Tu quer lavar a louça ou tu quer cuidar, digamos assim, da Bruna, do Rodrigo?”. Eu olhava, ainda falava assim: “Ah, tem pouca louça. Hoje eu prefiro lavar a louça” (risos). Porque senão era muito mais tempo pra ficar cuidando. Ou senão eu trocava, tipo, se eu queria assistir desenho, eu falava assim: “Ah, eu vou cuidar deles”. Mas: “Tu cuida bem, Leli, senão tu vai apanhar” – minha mãe falava. Porque ela era muito boa, mas ela também era firme assim no negócio. Daí ela falava: “Se eu ver essas crianças chorando, Leli, tu vai apanhar”.
P/1 – Quantos anos você tinha, mais ou menos?
R – Eu tinha uns nove anos, mais ou menos. Daí ela falava: “Se eu vir essas crianças chorando, tu vai apanhar”. Eu falava assim: “Tá bom. Tá bom”. Às vezes eles queriam alguma coisa, eu não queria deixar fazer, daí eles queriam chorar, eu falava assim: “Tá bom, sua chata, eu vou te dar. Eu vou te dar, sua chata. Para de pedir, que eu vou te dar”. Porque eu era criança também, então era difícil. Hoje não, as mais mimadas das minhas sobrinhas foram essas últimas, porque daí tu já é grande também, então tu vê ela como uma criança e tu como adulta.
P/1 – E, Franciele, vocês moravam tudo perto uma família da outra?
R – No mesmo terreno. É aquela história “junto e misturado”, porque eles ficavam o dia inteiro lá em casa, ficava à noite, e às vezes até pra dormir. A parte que eu mais gostava era da noite, que assim, depois das nove da noite todo mundo já tinha jantado, todo mundo já tinha ido embora, daí ficávamos eu e minha mãe. Então eu tinha bonecas que eu ganhava das minhas irmãs, e a minha mãe me ajudava, nós lavávamos as bonecas, ela passava escovinha de dente todinho pra poder deixar bem limpinho entre os dedinhos das bonequinhas.
P/1 – Ela?
R – Isso. Ela arrumava as roupinhas. Meu, ela me ajudava muito, então minha melhor hora era aquela, a hora que aquela criançada ia embora, minhas irmãs iam embora (risos). Porque daí ficávamos só eu e ela, porque eu gostava daquele momento. Até hoje ainda, assim, a gente tem um pouquinho de ciúme, então a gente gosta. Mas daí a gente ficava, lavava todas as bonecas, colocava todas em cima da cama, e daí arrumava uma por uma, todas com as roupinhas. Porque as crianças gostavam de pegar. Eles tinham os brinquedos deles, mas eles também gostavam de pegar das minhas. Então às vezes eu escondia, ou o que eu podia deixar pra eles brincarem, eu deixava, mas depois a gente lavava tudo de novo pra não deixar sujo. Mas era bem bom, foi uma época bem boa assim.
P/1 – Apesar do trabalho, foi bom.
R – Isso. Hoje eu olho, sabe, eu penso assim, era bem... Não é que era atribulado, mas assim, era bem agitado. Mas, tipo, eu tenho saudade daquele tempo, porque era tudo pequenininho, hoje já estão grandes também, assim como eu, mas é que a gente tem saudade deles pequenininhos.
P/1 – Franciele, você estudava nessa época?
R – Estudava. Eu estudava sempre de manhã.
P/1 – Sim. E você continuou estudando? Sempre estudou?
R – Estudei até o segundo grau. Porque eu tive que dar uma parada, porque quando eu tinha... Eu estudei até os 14, fiz a oitava série, tudo certinho. Só que depois eu tive que dar uma parada, porque eu trabalhava e depois também o colégio ficava muito longe de casa, minha mãe tinha medo. Porque perto da minha casa, ela escutava muito de falar de... Ela sempre teve muito medo de droga, sabe? Nossa, a palavra “droga”, maconheiro, as pessoas assustavam muito ela, então ela tinha muito medo assim. Então ela falou bem assim: “Não, tu não vai estudar. Fica sem estudar, tal”. E daí eu acabei ficando sem estudar, fui trabalhar. E depois eu comecei a estudar à noite, fazer supletivo. Eu terminei com supletivo. Porque daí tu já dá uma parada, quando tu retoma, já custa um bom tempo.
P/1 – Mas aí o supletivo você já era mais velha?
R – Isso. Já tinha já meus 17 anos, 19 anos, porque daí já tinha muito movimento com outras coisas, então o estudo foi só nessa data que pude fazer.
P/1 – Você começou a trabalhar com que idade, fora?
R – Doze.
P/1 – Do que você foi trabalhar? Em quê?
R – Diarista e de babá (risos). Era o que eu sabia fazer.
P/1 – E como foi esse primeiro trabalho?
R – Foi bom, porque era na minha bibliotecária. Ela trabalhava na biblioteca e ela sempre fazia uma... Porque eu sempre fui muito gordinha, então ela sempre falava assim: “Ai, Fran, se tu emagrecer, eu vou te dar um presente bem lindo, Fran”. Daí eu falava assim: “Ah, eu vou emagrecer. Então eu vou emagrecer” – eu falava assim – “porque eu quero ganhar o presente”. Mas depois eu olhava a comida, minha mãe fazia comida, eu falava assim: “Ah, acho que eu não vou querer o presente mais não. Eu vou é comer, porque eu nem sei o que ela vai me dar, vai que eu não goste” (risos). Minha mãe falava assim: “Ah, mas é que ela quer te ajudar, Leli”.
P/1 – Sua mãe falava?
R – Daí eu falava: “Ah, mas só vou comer hoje”. E ela sempre pegava: “E daí, Fran?”, cada vez que eu ia trabalhar lá ou na escola. Porque na escola a gente sofria muito aquele, o que hoje tem se chamado bullying.
P/1 – E você sofria bullying por?
R – Bastante.
P/1 – Por ser gorda?
R – Isso. Sempre, sempre, sempre. Minha obesidade sempre foi um marco na minha vida.
P/1 – É?
R – Só que antigamente não tinha essa história de bullying, tanto que até a professora tirava sarro dos alunos dentro da sala.
P/1 – É mesmo?
R – Assim, na minha época foi. Tinha eu e um menino, que a gente estudava junto na mesma sala, daí tinha uma professora que tirava bastante sarro de nós.
P/1 – O que ela falava?
R – Fazia piadinha. Tipo assim: “Se desse um incêndio aqui na escola hoje, se nós ficássemos trancado aqui dentro, ninguém ia passar na janela. Ah, todo mundo passava, só a Fran e o Jorge que não”. Daí todo mundo ria, porque ela tirava sarro.
P/1 – A professora?
R – Aham. Então os alunos acompanhavam. Dia de educação física tu ia se pesar, todo mundo queria saber quanto tu pesava (risos). Era horrível.
P/1 – Difícil, né?
R – Mas foi indo, foi indo.
P/1 – Essa moça que ia te dar presente se você emagrecesse, ela era uma bibliotecária da escola?
R – Aham.
P/1 – Mas você cuidava dos filhos dela?
R – Não, eu limpava a casa dela no sábado. Porque daí no sábado eu não estudava, daí no sábado eu fazia faxina na casa dela. Depois eu fui trabalhar pra trabalhar pra sobrinha dela, pra cuidar das crianças e limpar a casa pra ela.
P/1 – E depois que você foi crescendo?
R – Eu fui crescendo, daí fui trabalhando sempre no mesmo trabalho. Sempre trabalhava de babá, porque era o que eu sabia fazer, então eu tinha medo de arriscar. Uma vez eu fui trabalhar na rodoviária, a primeira vez, na Rodoviária de Joinville. Antes da rodoviária, eu trabalhei numa lanchonete ali no centro, numa galeria. Nossa, eu já tinha 19 anos quando eu fui trabalhar nessa galeria, mas eu era muito tímida, meu Deus.
P/1 – Foi o primeiro trabalho além de...
R – Assim, de trabalhar... Isso, diferente. Diferente.
P/1 – Aí você era muito tímida?
R – Bastante. Eu torcia pra que ninguém chegasse ao balcão, assim, comprar, pra eu não precisar perguntar o que ele queria. Ou se às vezes chegasse alguém ao balcão, eu ficava olhando pra ele, pensava assim: “O que tu tá fazendo aqui?”. Porque eu não sabia, sabe, atender nada, assim, as pessoas. E eu morria de vergonha de perguntar assim: “Tu quer alguma coisa? Posso te ajudar?”. Sabe? E aquilo ali, meu, era muito constrangedor. Só que depois eu fui pegando o jeito, foi indo.
P/1 – Lá mesmo?
R – Aham. Daí eu fui trabalhar lá na rodoviária, porque essa lanchonete fechou. Daí eu fui trabalhar na rodoviária, ali eu comecei a pegar mais o jeito de atender. Depois de lá, eu saí e fui pra uma panificadora. Porque daí nessa época que eu trabalhava na rodoviária foi que meu pai faleceu.
P/1 – Seu pai?
R – Isso. Porque daí ele já tava... Já fazia cinco anos que eu o via mais. Porque ele veio um tempo morar pra cá. Ele morou uns anos aqui em Joinville, daí ele voltou para o Mato Grosso, e daí quando eu trabalhava na rodoviária, ele faleceu. E eu nem fui ao velório, porque já fazia cinco anos que eu não via mais ele nem em vida, não ia adiantar querer fazer uma viagem até Mato Grosso, nem ia dar tempo de chegar de ônibus, não tinha condições também de ir de outra forma. E daí então eu comecei a trabalhar numa panificadora. Lá também eu trabalhava de balconista. Daí ali eu comecei a me aprimorar mais, assim, de atendimento, sabe? Mas eu sempre fui envolvida, no que precisasse ajudar, eu ajudava. Então eu comecei a olhar as meninas lá atrás fazendo pão de queijo e uma vez faltou pão de queijo no domingo, daí eu tava de balconista, eu falei assim: “Ah, Rose, eu acho que eu vou fazer”. Ela falou assim: “Tu sabe, Fran?”. Eu falei assim: “Ah, eu acho que sei”. Ela era irmã do meu patrão, que hoje é falecido também. Eu falei assim: “Posso tentar?”. Daí ela: “Então tenta, se der certo”. Meu, eu fiz assim, ficou a coisa mais linda aqueles pães de queijo, sabe? Daí todo domingo as meninas já nem faziam mais, acabou que deixando: “Ah, vou deixar. É metida, gosta de fazer, deixe que faça” (risos). E daí eu comecei a trabalhar como ajudante...
P/1 – E sempre ficava bom?
R – Sempre, graças Deus. Minha mão, sabe, Deus sempre me abençoando nessa área da alimentação. Porque daí eu comecei a trabalhar como ajudante de padeiro. Eu saí da frente, porque eu tava fazendo as férias de uma menina que tava grávida, cinco meses, então quando ela voltou, as vagas da frente eram fechadas, daí ela falou bem assim: “Fran, tu quer ficar lá na padaria até surgir uma vaga pra ti?”. Eu falei: “Pode ser”. Aí eu fui trabalhar como ajudante de padeiro. Eu ajudava o padeiro.
P/1 – Mas primeiro você atendeu no balcão?
R – Isso.
P/1 – Depois você foi pra trás? Ah, porque a moça voltou.
R – Isso. Ela voltou. Eles me colocaram lá. Daí surgiu uma vaga no balcão: “Quer, Fran, voltar?”. Eu falei assim: “Não. Tá bom aqui”. Porque eu trabalhava à tarde, eu falei: “Eu queria ver se eu não podia trabalhar de ajudante de confeiteira, porque já que a menina saiu”. Foi onde eu comecei a trabalhar de ajudante de confeiteira. Eu lavava a louça, limpava bem rápido, correndo, pra poder vê-las fazer e poder ajudar, então a gente se desdobrava. Meu patrão viu aquele interesse, ele falou assim: “Mari – que era a irmã dele – treina a Fran pra ela aprender, Mari, porque tu tá grávida, tu vai sair em licença maternidade, a Fran vai ficar no teu lugar”. Dali começou o negócio fluir. E, nossa, dali eu peguei paixão. Eu falei: “Meu Deus, esse trabalho é o melhor trabalho do mundo, porque como eu gosto de fazer isso!”. E, sabe, eu gostava muito de trabalhar naquela padaria.
P/1 – Você fazia o quê lá?
R – Daí eu já era confeiteira.
P/1 – Não, mas o quê você produzia? O que você gostava muito de fazer, que você achava que ficava muito gostoso?
R – Ah, bolo! A gente fazia bolo, cuca, sabe? Depois também eu passei a ser padeira lá, então eu fazia pão, esses pãezinhos francês, pão caseiro, rosca, pão de queijo. Então foi bem legal. Bem legal mesmo.
P/1 – E o bolo cuca, como é esse bolo cuca?
R – Não, bolos recheados e as cucas.
P/1 – Mas o que é cuca?
R – Cuca? É uma massa de bolo que daí tu pode colocar banana com farofa, ou a cuca de coco, que fica gostoso também, a cuca de queijo. Então ali a gente ia incrementando, sabe? Eu via alguma novidade, ia fazendo. E eu adorava colorir! Uma vez um técnico de um bolo foi lá fazer bolo, que lá era mais simples, assim. A decoração, não existia muita decoração aprimorada. Porque a mãe da minha patroa já tinha vindo também lá de trás, aprendendo a fazer aqueles bolos bem simples. E daí uma vez um técnico foi lá. Meu, muito bom! Daí a gente aprendeu a fazer aquelas rosas.
P/1 – De onde ele era? Você lembra?
R – Ele era daqui mesmo, de Santa Catarina.
P/1 – Mas ele era técnico de alguma empresa?
R – Isso. Ele era da Ritz.
P/1 – De onde?
R – Da empresa que fornece produto da Ritz, da Central Alimentos de Itajaí. Ele foi lá, meu, muito lindo! Daí a gente aprendeu a fazer.
P/1 – Daí ele ensinou?
R – Aham.
P/1 – Ele ensinou o quê?
R – A fazer rosas de chantilly. Nossa, daí a gente podia trabalhar com cor lá dentro. Daí eram rosas vermelhas, rosas laranjas, foi bem bom.
P/1 – Aí você enfeitava os doces?
R – A gente fazia. E no começo, nossa, eu não sabia fazer nada. Tudo dizia: “Não, essa menina não vai levar jeito”. Porque fazer a massa era uma coisa, mas na hora de confeitar era outra. E depois foi, foi indo, que o negócio foi, sabe, fluindo, assim, bem bom.
P/1 – Tinha um enfeite preferido que você gostava de fazer?
R – Ah, eu gosto de tudo que possa colocar cor. Se pode misturar cor, sabe, é comigo.
P/1 – Além de rosas, o que mais você punha nesses enfeites?
R – Eu só aprendi as rosinhas, assim, de mais que é artesão mesmo, de mão. O resto a gente coloca mais o papel comestível, faz ele colorido. Tipo, um bolo do Flamengo, o faz de preto com vermelho; do Grêmio, branco com azul. Então a gente trabalhava assim, com as cores assim, sabe? Bem legal mesmo.
P/1 – E nessa época você tinha 19 anos, mais ou menos?
R – Nessa época, sim.
P/1 – E antes um pouquinho, pra se divertir, você fazia alguma coisa? Além de trabalhar?
R – Além de trabalhar? Eu sempre gostei de ter muito amigos. Nossa casa sempre foi muito cheia. Porque daquela história de infância, tipo assim, quando eu fui pra minha adolescência, aquele negócio de ser gordinha, que me incomodava na escola, que era quietinha, nessa época eu já era bem popular, não por ser “ah, a menina bonita”, mas, tipo assim, de fazer amizade muito fácil.
P/1 – Franciele, você falou que você continuou gordinha, mas você era popular.
R – Sim, porque a gente fazia amizade fácil. E eu sempre andava muito na casa da minha madrinha, então eu tinha meu primo, e ele só tinha amigos meninos, então eu andava igual eles, de bermudão. Nunca fui de andar bem arrumada, sabe? Sempre gostei de andar de bermudão, “tenisão”, bem largadona. Então eu fazia amizade fácil. Sempre fiz amizade. Na escola também, alguma coisa que tinha pra resolver, eles falavam assim: “Ah, vamos pedir pra Fran, que a Fran sabe”. E eu não sabia nada, mas só pela responsabilidade, eu falava assim: “Não, pode deixar que eu vou dar um jeito pra ti, eu vou conseguir”. E, sabe, sempre dava certo (risos). Mas era só no enrolado mesmo, porque não podia falar assim. E nessa época eu também frequentava balada.
P/1 – Ah, com seus amigos?
R – Isso.
P/1 – Que balada era? Que tipo de balada? À noite?
R – Isso. À noite, com música eletrônica.
P/1 – E dançava?
R – Sim.
P/1 – Gostava de dançar?
R – Gostava.
P/1 – Ou melhor, gosta de dançar?
R – Gosto. Já não como antigamente. Hoje eu tenho um estilo diferente da que eu tinha antes, mas assim, eu...
P/1 – Você aproveitou bastante essa parte.
R – Aproveitei bastante.
P/1 – E, Fran, como você chegou até esse trabalho que você faz hoje? Você tava na padaria.
R – Isso. Então, eu tava na padaria. Igual eu falei, assim, meu estilo de vida mudou. Porque eu trabalhava na padaria e eu, assim, eu sirvo um Deus que eu creio que é um Deus vivo que sirvo. E Deus começou a me fazer uma promessa, que Deus ia mudar a minha história.
P/1 – Você sonhou?
R – Não. Eu recebia muitas promessas, porque eu ia à igreja. Então Deus falou que ia mudar a minha história.
P/1 – E como você ouvia essas mensagens ou ficava sabendo dessas mensagens?
R – Pessoas que Deus usava: ou um pastor, ou um obreiro.
P/1 – Entendi.
R – Então assim, eu peguei paixão por aquilo. E uma vez me veio uma ideia de começar a fazer salgadinho pra fora, daí eu falei para o meu marido, falei bem assim: “Vamos...”. A minha tia tava querendo vender um freezer, né? Tudo começou com esse freezer velho dela (risos).
P/1 – Você tava na padaria ainda trabalhando?
R – Isso, eu trabalhava na padaria, daí eu tinha me mudado, porque daí eu morava no Espinheiros, do Espinheiros eu fui morar lá para o Estevão de Matos, que é bem longe, são uns 15 quilômetros.
P/1 – Antes de começar então essa história do freezer, em que momento você casou? Como conheceu o marido?
R – Eu conheci meu marido com 19 anos também. Eu já conhecia ele antes, já via ele, mas a gente nunca tinha conversado assim.
P/1 – E como foi esse encontro?
R – Foi numa rede de jovens.
P/1 – Da igreja?
R – Isso. Tinha um pessoal da rede de jovens e a gente começou a fazer amizade ali. Eu ia fazer aniversário no dia 31 de janeiro, então era no mês de janeiro isso aí, daí a Marcela me convidou, minha amiga, pra ir lá, daí a gente foi, tal. E eu tinha recém saído de um relacionamento de uns bons anos. E foi indo, daí a gente começou a fazer amizade, daí fomos conversando, a gente foi se identificando e foi onde a gente começou a namorar. A gente namorou três anos e depois de três anos, a gente casou.
P/1 – E você continuou trabalhando na padaria?
R – Continuei trabalhando na padaria.
P/1 – E aí você pensou em começar a fazer salgadinhos? Conta a história.
R – Isso. Porque a gente morou cinco anos ali no Espinheiros, daí a gente foi morar lá para o Estevão de Matos. Alugamos uma casa e fomos morar pra lá. Daí então ali, meu, foi um novo ressalto pra minha vida também, porque eu não andava de moto. Eu tinha carteira de moto, mas eu não andava, porque eu tinha medo. Então daí nós tínhamos uma moto, e eu vinha trabalhar, era muito longe pra ficar vindo de ônibus de madrugada, era bem complicado. E às vezes precisava começar quatro horas da manhã na padaria e o primeiro ônibus é esse horário que passa, não tinha como. Então eu fui obrigada aprender a andar de moto, daí eu vinha de moto.
P/1 – Na madrugada?
R – Isso. Daí eu fazia aquele trajeto de moto, porque às vezes era bastante encomenda.
P/1 – Sozinha?
R – Vinha sozinha. Nossa, tudo, tipo assim, a gente acha que não pode, tem medo, e que nada, né? Quanto mais tu vai avançando, tu vai vendo que tu tem um potencial, que tu é capacitada pra fazer aquilo ali. Então eu vinha, trabalhava na padaria. E minha tia falou assim: “Ah, Fran, queria vender esse freezer, porque ele tá aí parado, nem uso mais pra não gastar energia”. Ela falou assim: “Tu não quer comprar?”. Eu falava assim: “Mas o que eu vou fazer com um freezer?” – falei pra ela. Eu sempre naquele negócio de “não”. Daí eu cheguei a casa, me veio aquela ideia assim: “Por que eu não faço salgadinho pra vender?”. Eu falei com o meu marido, falei: “Sale, vamos pegar o freezer da tia pra fazer salgadinho? O que tu acha?”. Daí ele: “Ah, não sei, tu que sabe, se tu quiser. Pois agora, Fran, vou falar o que pra ti, se é tu que trabalha com isso, se tu gosta”. Eu falei: “Ah, eu gosto, mas tu acha que é prudente?”. Ele bem assim: “Não, se tu quiser, eu te ajudo”. Eu falei: “Ah, então vamos pegar o freezer”. A gente pegou o freezer, só que até então ficou esse freezer lá na minha casa, porque daí a gente pegou férias da padaria e a gente foi viajar lá pro Paraná. Quando a gente foi viajar para o Paraná, no que a gente voltou, a mulher tava vendendo a casa, não sabia se ia vender ou não, e a gente morava de aluguel. Daí ela falou assim: “Eu vou ver, Fran, se eu vou vender”. Eu falei: “Ah, eu não vou nem começar a fazer, porque se eu começar a fazer e essa mulher vende a casa, as pessoas vão fazer como pra comprar?”. Foi onde eu falei assim: “Vamos esperar um pouco”. E eu voltei a trabalhar, porque eu tava de férias. Daí essa mulher ficou um mês, dois, eu falei assim: “Tu vai vender a casa ou tu não vai”. Daí ela falou bem assim: “Não, Fran, não deu nada certo. Agora eu não vou mais vender, não, Fran”. Daí a gente começou a fazer salgadinhos. E começou aparecer encomendas. Igual eu tava falando assim, eu não sabia fazer preço de quanto, porque além de fazer, era uma coisa que eu gostava de fazer, e eu chutava preço. Nem sabia fazer: “Ah, eu gastei tanto, tanto, tenho que ganhar tanto”. Eu chutava um preço. Daí a mulher falou bem assim: “Quanto dá um bolo? Um bolo grande, quadrado, tal”. Eu falei assim: “Ah, de uns três, quatro quilos?”. Ela assim: “É”. Eu bem assim: “Ah, vai dar em torno de uns 53 reais” – eu falei pra ela. “Cinquenta e três, 57, porque tu quer o papel comestível”. E o papel, eu sabia que custava sete reais na padaria onde eu trabalhava. Ela bem assim: “Então pode ser”. Daí eu fui atrás de comprar as coisas. E comprar tudo, tipo, as coisas, eu gastei 50 reais pra comprar as coisas pra fazer o bolo da mulher. Porque eu não podia chegar lá e falar: “Ah, me dá meio quilo de açúcar, 400 gramas de açúcar”. Tinha que comprar um pacotinho, né? Falei: “Meu Deus”. Mas ainda ganhei sete reais. Não, ganhei três reais, porque o bolo, eu ainda tive que pagar o papel. Eu falei: “Sale do céu, olha só Sale, o meu lucro. Eu ganhei sete reais, Sale, e ainda tenho que tirar o do papel daqui”. Eu falei assim: “Meu Deus, tenho que aprender a fazer preço”.
P/1 – Mas foi o primeiro bolo que você fez?
R – Foi o primeiro bolo, assim, de encomenda. Nossa! E entregar aquele bolo foi um orgulho.
P/1 – E ficou bom?
R – Ficou bom, porque a mulher elogiou. Depois ela falou: “Não, tava gostoso e tal”. E aí começaram as encomendas surgirem. E foi indo, foi indo, foi indo encomenda. Daí eu comecei me ver de frente que eu ia ter que sair ou da padaria ou parar de fazer encomenda. Mas eu pensava assim: “Eu não posso parar de fazer as encomendas, porque se eu to nessa profissão, se Deus me capacitou pra fazer isso, eu vou fazer o que tá no meu alcance”. E ali eu comecei a buscar, e comecei a querer a fazer um... Comecei a buscar em Deus ali uma direção. Foi onde eu resolvi abandonar o trabalho da própria padaria e trabalhar por conta. Na época meu patrão me ajudou, porque ele fez um acordo comigo, ele liberou todas as coisas certinhas pra mim, fundo de garantia. Não fiquei no prejuízo, não pedi a conta, eu saí bem, sabe, certinho. É uma família que eu amo muito. Ele faleceu.
P/1 – Mas ele perdeu você, né, Fran?
R – Isso. A contadora falou pra mim assim: “Ah, Fran, quando ele foi lá, ele falou bem assim: ‘Tu acerta certinho com essa menina, porque essa menina é batalhadora e ela vai dar certo, porque ela é bem esforçada’” – a Lea, ela falava. Tanto que depois eu saí, depois eu voltei a trabalhar uns dias pra eles, porque eles estavam apurados, precisando de ajuda, eu voltei a fazer alguns bicos ali.
P/1 – Fran, quando você começou a frequentar a igreja Quadrangular? Ou você já nasceu com essa religião?
R – Não, eu não nasci nessa...
P/1 – Como foi? Você pode contar?
R – Posso. Até vou gostar de contar, porque foi um momento, assim, bem... Porque, na verdade, a minha avó já era dessa igreja. Mas eu ia só fazer visita, mas nunca fui da igreja. Então quando eu tinha 26 anos que a gente começou a ir, de 25, pra 26.
P/1 – Você já tinha casado?
R – Já. A gente já era casado, eu e meu marido.
P/1 – Ele não ia?
R – Não. Nem eu, nem ele. Só que a gente tava naquela fase de balada, de bebida, sabe? Então a gente já tava pegando gosto pela coisa. E chegou um momento na nossa vida que a gente viu que isso não era mais futuro nem pra mim, nem pra ele. Então foi onde a gente decidiu sentar e conversar: “Sale, vamos fazer alguma coisa, vamos procurar um lugar pra frequentar, porque senão assim a gente vai acabar se separando”, porque o nosso casamento já não era mais um casamento com uma estrutura boa como tinha começado. Então a gente foi procurar a igreja.
P/1 – Mas, assim, aconteceu alguma coisa que foi a gota d’água?
R – Então, daí eu engravidei, eu tive uma gestação. Quando eu comecei a ir pra igreja, eu descobri que tava grávida. Então, nossa, aquela gravidez assim, eu tava muito contente. Porque as pessoas falavam assim pra mim: “Oh, Fran, tu não quer ter filho?”. Daí eu falava assim: “Não, não quero”. Porque eu sempre fui muito orgulhosa de demonstrar o que eu realmente queria. Daí eu falava assim: “Não. Não quero ter filho, porque essa criançada, eu já me incomodei um monte. Não quero mais”. Mas lá no fundo do meu coração, eu tinha um grande sonho de ser mãe. Então daí eu engravidei, nossa, assim, bem contente com a minha gestação. Só que acabou chegando ao quarto mês... No primeiro mês que eu descobri que eu tava grávida, minhas irmãs tiravam sarro de mim, porque eu reclamava de dor. Que eu tinha muita dor, eu tinha sangramento. E aquilo, daí elas falavam assim: “Meu Deus, tu, Leli, tu não tem jeito, acabou de descobrir que tá grávida, já vai pra maternidade com dor?”. Eu falava assim: “Mas é que é verdade, dói mesmo”. Eu fui a primeira vez, a médica falava que não era nada, mas ela nunca fez um exame pra saber se realmente não era nada. Ela falava assim: “Não, isso daí não é nada”. No segundo mês, assim, eu com a expectativa de poder ouvir o coraçãozinho. Daí a médica falava assim: “Não, porque nem tem como escutar ainda, porque tu é gordinha, nem vai dar pra ouvir o coração, tal”, porque realmente eu tava bem gordinha. Então eu pensava assim: “Meu Deus, mas eu queria tanto escutar o coraçãozinho. Será que eu to grávida mesmo?” – eu pensava. Foi passando, eu cheguei até o quarto mês com essa gestação e sempre com dor assim, mas eu já tava diminuída de ir à maternidade pra não: “Ai, tá com dor”. E eu acabei tendo um aborto. Então, nossa, pra nós foi muito difícil, porque meu marido é filho único. Então, nossa, meu sogro e minha sogra esperavam muito essa criança. E nessa época, assim, era mais difícil a minha convivência com o meu sogro, porque tanto como ele era orgulhoso, eu também era. E no começo ele nunca aceitou o nosso casamento, porque pra ele, ele tava perdendo o filho. Foi uma situação difícil. Hoje eu entendo ele, sabe? Que é porque ele amava demais o filho e pra ele, ele ia perder esse filho. Então, assim, nossa! E quando a gente foi fazer a ultrassom que eu vi que tava morto aquele bebê, eu falava assim: “Meu Deus, e agora o que vai acontecer? Meu Deus, tu falou que eu ia engravidar e eu engravidei, e agora tá morto aqui dentro”. Eu falava com Deus no pensamento e tal. Eu fui pra sala da médica, daí a médica falou bem assim: “Tu vai fazer uma curetagem”. Eu falava assim: “Não, eu não sou obrigada a ficar aqui”. Ela falou assim: “Mas tu vai querer voltar amanhã? Amanhã pra ti vai ser pior, porque tu vai ter que vir pra cá, vai demorar mais pra tu ser atendida. E isso daí tá morto” – ela falava assim pra mim. Nossa, e era horrível ouvir isso. Eu pensava assim: “Não”. No meu pensamento, eu pensava assim: “Não, que nada, hoje eu vou à igreja” – porque eu já tava começando a frequentar a Quadrangular – “eu vou à igreja, eu vou pedir oração, o pastor vai orar, esse bebê vai renascer aqui dentro”, e naquela expectativa. E quando eu saí da porta pra fora, que eu coloquei meu pé assim pra fora, veio aquela voz de Deus no meu coração, falou bem assim: “Eu não vou mudar nada, porque tá no meu propósito”. Nossa, daí eu comecei a me lembrar das vezes que o espírito santo falava assim pra mim: “Mesmo que o teu mundo desabar, confia no amor de Deus”. Porque mesmo acontecendo aquilo comigo, eu tinha que ter certeza que Deus me amava. E eu falava assim: “Poxa, que difícil isso. Ah, meu Deus, e agora?”. Porque é ruim (choro).
P/1 – É ruim mesmo, né, Fran?
R – Mas passou.
P/1 – E você voltou lá ao hospital?
R – Sim. Porque daí eu fiz a curetagem (choro). Não, daí eu já fiquei, fiz a curetagem, porque ele já me deu uma resposta imediata (choro).
P/1 – Que tinha que enfrentar.
R – Isso. Então foi bem difícil. Foi uma das fases...
P/1 – Faz tempo isso, Fran?
R – Isso. Já tem uns três anos pra quatro, porque foi em outubro, seria de novembro então (choro). Mas passou.
P/1 – Você não frequentava a igreja, né, Fran, mas você tinha bastante fé, né?
R – Tinha. Tinha. Porque eu ia à Igreja Católica também, então eu sempre vivi em muita oração. Por isso que eu falo assim, eu nunca falo de religião, eu sempre falo assim, que a gente tem que servir a Cristo, fazer o que Cristo fez pra gente poder conquistar o que Ele nos prometeu, que é a glória eterna. Então, assim, foi um momento bem difícil de aceitar, porque eu não entendia, mas eu também não queria murmurar contra o Deus que eu servia (choro). Porque uma vez eu tinha passado por uma situação assim. Quando aconteceu isso comigo, eu me bati de frente, porque na padaria tinha a irmã do meu patrão, que a filha dela engravidou e ela já tinha tido uns dois abortos também. Então quando ela engravidou, eu falava assim: “Não, Odília, não pode ficar murmurando, porque, poxa vida, Deus sabe todas as coisas, vai que fosse pra ela sofrer”. E ela reclamando, porque ela já tinha passado muita necessidade. Daí ela bem assim: “Tu fala isso porque tu nunca passou por necessidade e porque tu nunca perdeu um filho. Porque se tu passasse por isso, eu queria ver o que tu ia me dizer”. E quando ela me falou isso, eu falei bem assim: “Não é porque eu não falo pra ti que eu não passo necessidade que tu não sabe se eu passei ou não. Eu só acho que não tenho que relembrar isso daí”. E quando eu fui levar o atestado para o meu patrão, porque eu ainda trabalhava na padaria essa época, fui levar o atestado da curetagem, que eu ia ter que ficar uns dias afastada, nossa, a primeira pessoa que eu encontrei foi ela. Então aquilo pra mim foi um baque, porque eu lembrei o que eu falei pra ela e eu me lembrei do que ela me falou. Ela veio me abraçar, ela falou bem assim: “Eu sei pelo que tu tá passando”. E falei bem assim: “Ai, Odília, não é fácil, mas com Deus não é difícil, porque eu sei que ele vai tirar essa dor de dentro de mim. Vai chegar uma hora que ele vai tirar”. Mas aquilo por dentro, eu tava arrebentada. Foi pra mim a dor mais difícil que eu tinha passado (choro). E eu já passei por várias dificuldades, assim, quando minha mãe ficou enferma também. Mas direto comigo tinha sido a primeira. Porque a minha mãe, eu considero que ela nem é minha mãe, ela é minha filha. Porque ela tem hérnias gigantes assim, então ela sempre dependeu de muito cuidado. Então hoje eu voltei a morar com ela por conta disso, poder aproveitar.
P/1 – Você e seu marido voltaram?
R – Isso. Mas daí quando eu tive o aborto assim, meu sogro falava assim: “Meu Deus, um só. Tantas mulheres que têm um monte de filho, abandona, né? Não têm? E pra ti, nenhum. Não conseguiu ter”. Foi difícil, porque fora aquilo ali, ainda ficar... Daí me ligaram da maternidade, quando eu saí, falaram assim: “Tu tem que vir fazer um exame”. Eu falei assim: “Não, porque eu acabei de fazer uma curetagem, faz uma semana” “Não, pois é, mas é que deu um probleminha no exame”. E quando eu fiz a curetagem, tinha uma menina no meu quarto que tava lá pela segunda vez, porque ela tinha miomas dentro do útero. Daí que eu fui descobrir. Falei assim: “Quando é?”. Daí ele bem assim: “É quarta-feira”. Nossa, eu já juntei, que às quartas ela fazia tratamento pra fazer tirada. Daí foi mais um baque, assim. Mas pra mim esse baque foi um presente de Deus, porque foi tirar aquela responsabilidade minha. Porque a primeira coisa que você pensa quando tu perde é que realmente tu tem um útero que não vale nada (choro). E os outros também (choro). Então quando eu cheguei lá ao consultório tinha uns oito médicos, eles falaram assim: “Olha, a gente vai ter que fazer um tratamento, porque tu tá com câncer no teu útero, tal”. Eu falava assim: “Então a culpa não foi minha”. Ele falava assim: “Não. Tu tá ouvindo o que eu to falando? Tu tá com câncer no teu útero”. Eu falava assim: “Mas não foi culpa minha. Não morreu”. Ela falou bem assim: “Não, mesmo que tu levasse a gestação até o nono mês, tu não ia ter, porque ele ia morrer, porque o câncer o envolveu e matou. Não tinha como tu ter essa criança. Já não era mais uma criança, porque ele tava crescendo no lugar dela”. Eu pensei assim: “Poxa vida”. Só que na minha mente, eu tinha certeza que... Eu falava assim: “Não, isso daí pra mim não faz mal, porque o pior já aconteceu na minha vida”. Ele falava assim: “Não, porque agora tu vai ter que fazer quimio, radio, tal”. Eu falava assim: “Ah, doutor, o pior é que não vai voltar essa criança, então o pior já aconteceu. Isso daí é um detalhe pra mim, é um presente” – eu falei. “Pra mim é um presente de saber que eu não sou a culpada”. E realmente, tipo assim, na verdade isso foi de Deus já, pra eu não precisar ficar com aquela culpa, porque depois eu fui curada, sumiu. Não precisei fazer radio, e sumiu. Sumiu, assim, sumido, sabe?
P/1 – Não precisou nem tirar o útero?
R – Não, não. Mas toda semana eu tava na maternidade pra poder fazer o exame. Mas passou, graças a Deus.
P/1 – E você ficou bem, ficou curada.
R – Fiquei bem. Depois eu acabei fazendo a redução de estômago, porque eu já era gordinha, engravidei, daí tinha ficado mais. Na cirurgia eu fiz a redução de estômago.
P/1 – Faz tempo, Fran?
R – Faz três anos que eu fiz a redução.
P/1 – Foi logo depois.
R – Logo depois.
P/1 – E deu tudo certo?
R – Deu. Graças a Deus deu tudo certo.
P/1 – Você emagreceu bem?
R – Emagreci bem. Emagreci bem. Tá certo que hoje eu sou gordinha (risos), mas não como eu era antes. Verdade.
P/1 – Você disse que agora precisa entrar na linha, né, de não comer?
R – Isso. Agora eu quero emagrecer pra poder depois ter um novo bebê.
P/1 – Não, mas você disse que ainda tem umas tentações de comer.
R – Ah, um doce! E eu não tinha essa paixão por doce, hoje eu tenho.
P/1 – É mesmo?
R – Isso.
P/1 – Quando você fazia, você não comia muito?
R – Até hoje eu ainda faço, mas assim, não era do doce. Mas hoje eu não posso ver um doce. Hoje eu gosto de um doce, sabe? E daí hoje eu vejo, tipo assim, que eu nunca culpei Deus por essa perda. Eu sei que vai chegar o dia que... O fruto daquela promessa pode ter morrido, mas quem me prometeu tá vivo e ele pode me dar outro, então é isso que eu espero. Eu sei que vai chegar o tempo certo. E hoje, na verdade, como a gente participa da igreja, aquela criançada, então tu acaba que se tornando mãe de criança. Tu vai passear, sempre tem criança, então tu se envolve. É igual a menina que trabalha conosco, tem a Júlia, nossa, a gente é apaixonada por ela. E ela acaba se tornando tua fã, porque se tu dá um doce pra criança, é teu melhor amigo (risos). Então nessa área assim...
P/1 – Fran, e como você conheceu o Consulado da Mulher?
R – O Consulado da Mulher eu conheci através de um convite. Inclusive, quem conhecia mesmo era a minha pastora. E ela falou, tal, eu falei: “Ai, meu...”, porque eu já tinha ouvido falar do Consulado da Mulher. Daí eu vim, as meninas foram lá a minha casa conhecer o que eu fazia. Até então, eu só sabia lidar mais com salgadinho frito, com bolo. Não tinha assim, não fazia salgado assado. E quando eu fui participar, as meninas foram passear lá em casa, elas falaram dessa lanchonete aqui dentro da Whirlpool, do Espaço Solidário, que era um lugar que se fazia comercialização, era um ponto fixo de venda. Então aqui dentro, tipo, tu ia ter um assessoramento de aprender a vender, a precificar, porque minha maior dificuldade mesmo é poder administrar um negócio em si ali, sabe? Então eu vim pra cá nesse intuito e é onde eu acabei ganhando esses assessoramentos de aprender a fazer. Daí a gente conhece novas pessoas, tu conhece novos produtos, tu vai aprendendo, tu vai fazendo amizade com pessoas, tu vê que cada uma tem um história. Então foi assim que eu conheci o consulado.
P/1 – E você começou fornecer aqui para o espaço?
R – Eu fornecia e trabalhava.
P/1 – Como chama o espaço?
R – Espaço Solidário.
P/1 – Onde fica?
R – Aqui dentro da Whirlpool, numa lanchonete na área do administrativo.
P/1 – Você só fornecia, você não trabalhava aqui?
R – Não, é que antes era assim: eram sete pessoas que trabalhavam, de sete a dez pessoas que era pra ser. Nós éramos sete nessa época, quando eu vim pra cá. E eu fornecia um produto, mas eu também fazia plantão. Então tu vinha pra cá uma vez ou duas vezes na semana e fabricava o teu produto. Daí no outro dia tu não tava aqui, mas o teu produto tava. Então a pessoa que tava aqui, ela vendia o dela e vendia o teu. Hoje já não, hoje já é um grupo que não tem mais o meu produto ou o teu produto, tem o nosso produto. E tem o produto das outras pessoas que trazem, mas já é uma rede de alimentos que tá vindo também. Então é onde todo mundo trabalha, todo mundo ganha igual e trabalha igual também. É bem bom.
P/1 – Antes cada um ganhava o que vendia?
R – Isso. E, assim, cada um tem um gosto, né? Eu não podia te obrigar a comer uma pizza se tu gostava de comer pastel. O que tu me pedia, eu ia te servir, indiferente que tu gostasse muito de mim, mas eu nem te contava qual era o meu produto, tu comia e nem sabia, porque era do grupo. Por isso que hoje virou isso de ser do grupo, que daí todo mundo trabalha e divide igual.
P/1 – E vocês fazem os produtos aqui?
R – Não. A gente tem uma sala, uma cozinha que fica lá no Boa Vista, que fica, acredito eu, uns 12, 13 quilômetros longe daqui. Que então tu produz lá, e de lá tu traz pra cá.
P/1 – E esse espaço foi montado pelo consulado?
R – Sim. Eles nos deram aporte de eletrodomésticos, geladeira, freezer, fogão.
P/1 – E o espaço também eles que alugam?
R – O espaço a gente alugou de uma imobiliária.
P/1 – Mas quem paga o aluguel?
R – Hoje quem paga é o Consulado, que seis meses eles ajudam a gente na parte do aluguel.
P/1 – Vocês estão desde quando trabalhando dessa forma?
R – Que nós estamos lá trabalhando no coletivo, desde fevereiro.
P/1 – Desse ano?
R – De fevereiro não, desde março, na verdade. Porque tava arrumando papelada de poder arrumar sala, então não tava tudo ajeitado. Então que a gente começou a produzir mesmo foi... Que daí o pessoal ficou até fevereiro, e de fevereiro em diante que a gente tá trabalhando assim.
P/1 – Eles ficaram arrumando, né, até fevereiro?
R – É. A papelada de quem... Porque ainda era individual. Daí a gente teve que abrir uma empresa. Na verdade, a gente até tá nesse processo de empresa, porque não é fácil pra abrir uma empresa aqui em Joinville.
P/1 – Quantas pessoas tem agora nesse grupo?
R – Hoje nós trabalhamos em quatro pessoas. E daí mais três que estão sendo fornecedoras de fora.
P/1 – Mas nesse espaço que tá montado pra vocês trabalharem, trabalham quatro?
R – Isso. Nós trabalhamos em quatro.
P/1 – E como foi, assim, pra começar a trabalhar nesse lugar? Como foi o primeiro dia ou a primeira semana?
R – Ah, foi bem louco. Porque antes tu pensava assim: “Ah, tu só tem um produto, e agora? Eu vou ter que aprender a fazer outros produtos”. Daí começa a trocar as receitas, porque uma fazia de um jeito, outra de outro, tempero.
P/1 – Qual era o seu produto antes?
R – O meu aqui era a esfiha e a pizza.
P/1 – E aí você teve que aprender as outras coisas?
R – Isso. E assim, nem só pelo aprender de fazer as outras coisas, tu faz de um jeito, eu faço de outro. “Ah, tá errado assim. Não é assim que eu gosto que faça o meu recheio.” “Não, mas eu gosto de fazer assim.” Então a gente... Mas, assim, nada de voar panela, nem colher dentro da cozinha (risos).
P/1 – Como vocês entram num acordo? Tem um jeito pra fazer?
R – Ah, sempre uma cede. Tem aquela que fala assim: “Ah, se tá bom assim, então vamos deixar assim mesmo”. Ou a gente pergunta: “O que tu acha?”, por mais que tu já tenha a tua opinião formada. Porque falo assim: “O que tu acha?”. Mas eu já pergunto: “O que tu acha?”, mas louca pra que já aceitem a minha opinião. Então de todas eu falo isso, porque cada uma gostava de fazer de um jeito na sua casa.
P/1 – As quatro?
R – Isso. Mas tá sendo bem bom, porque a gente tem uma união bem boa. A gente acaba se tornando uma família. Os maridos da gente acabam também se conhecendo. Vai, almoça uma na casa da outra.
P/1 – Os maridos estão acompanhando? Todos?
R – Também. Nossa, eles ajudam muito!
P/1 – Todos? Todas são casadas?
R – Todos eles ajudam. E todos eles, cada um... Um pinta, que nem essa semana passada, foi pintar a mesa, daí tava meu marido e o marido da Lucimar pintando. O seu Ademar, o marido da Odete, que arrumou os negócios de telinha. Então, sabe, todas nós, a gente trabalha tudo junta. A gente fala que é em quatro, mas na verdade a gente trabalha quase que em sete, oito pessoas, porque de ajudas assim, suporte que a gente ganha. É bem bom.
P/1 – E vocês, em relação à assessoria do Consulado, além de tudo isso que você já contou, tem alguma coisa a mais que teve influência o Consulado? Por exemplo, a renda mudou?
R – Ah, mudou, mudou. Porque imagina, antes tu não tinha um ponto fixo pra vender. Tá certo que onde a gente tá hoje não é que é fixo pra sempre, porque muita gente vai ter oportunidade de estar passando por aqui e aprender como a gente aprende, e ter também um aporte pra tu poder começar a investir em alguma coisa, porque já é um começo. Tudo tem o seu começo, né? E eu quero que a gente tenha esse começo aqui e ser como eles falam mesmo, ser um parceiro do Consulado e não já mais um dependente, para as outras pessoas poderem vir e receber essa ajuda, esse aporte.
P/1 – Não ser dependente?
R – Assim, ser totalmente independente. Porque eles ensinam, é igual ao pássaro, tu ensina a voar, ele aprende a voar, ele bate voo e vai embora. E aqui é isso, tu tá aqui por um tempo pra ti aprender. A hora que tu começa a andar sozinho com as tuas pernas, vêm outras pessoas pra ficarem no seu lugar. E eu acho isso bom.
P/1 – E tem um prazo pra isso?
R – A gente tem um contrato de um ano. Então em um ano você tem que... É esse um ano que tu tem que tá aprendendo. E a gente acha que: “Ah, um ano”. Mas um ano corre rápido, então tu tem que aproveitar o máximo que tu pode de oportunidade.
P/1 – Hoje vocês pensam “ah, daqui um ano” o que vocês vão fazer? Ou não, ainda não?
R – A gente pensa, porque a gente teve que abrir uma empresa agora, então o negócio também mudou. Senão daqui a pouco ou tu fecha a empresa, ou tu vai falir, vai acontecer o que se tu não aprender a andar? A gente pensa em abrir uma confeitaria lá onde a gente já trabalha, porque tem espaço, tudo.
P/1 – As quatro?
R – Isso. Daí a gente pensa em começar desse dinheiro conseguir deixar sempre guardado pra começar a comprar balcões, comprar as coisas assim pra montar um espaço melhor.
P/1 – O aluguel, eles pagam por seis meses?
R – Isso. É que daí vai diminuindo a quantia. Vai diminuindo gradativamente o valor.
P/1 – Vocês quatro, o dinheiro que vocês ganham, vocês revertem para as suas famílias ou vocês fazem de outro jeito?
R – Ah, a gente reverte pra família, porque, tipo, a gente reverte para as nossas para o empreendimento também não morrer, porque tem que suprir as necessidades. Hoje, na verdade, a gente tem feito maior investimento nisso, em comprar produto pra poder está comercializando novos. E como é começo de empresa, tu sabe que teus gastos são bem maiores. Então hoje, se tu perguntar se tenho alguma coisa, eu não tenho nada. Nada de guardado e nada de nada, porque a gente tá investindo no negócio do nosso dinheiro.
P/1 – Agora, tem uma parte que você vai pra ajudar a sua família ou ainda não, não tem uma renda assim?
R – Hoje ainda não, por conta desse negócio de abertura de empresa, compras. Que nem antes, tu fazia na tua casa, tu não precisava... Um exemplo, tu usava uma bacia tua, tu usava na tua casa e usava pra fazer teus produtos, mas não tem como tu começar a tirar todas as coisas da tua casa e levar pra lá, porque daí tu vai ficar sem, e a tua família tá ali, depende daquilo. Então foi onde a gente gastou, que a gente teve que comprar esses aportes. Mas eu creio que isso daí logo vai... É o que nos traz os retornos. Mas o que sobra de dinheiro vai pra dentro da casa pra poder ajudar.
P/1 – É um investimento, né, Fran?
R – Isso, é um investimento. Que pra nós é o nosso lucro guardado, eu digo assim, porque aquilo ali é uma coisa que tu vai ter, não vai precisar gastar depois no outro mês. E assim vai indo até chegar a um ponto que tu vai ficar estabilizada, já vai ter visão para as coisas, assim.
P/1 – E as quatro pretendem continuar juntas?
R – Sim.
P/1 – E qual o seu maior sonho hoje, Fran?
R – Meu maior sonho hoje, então, é ter meu negócio próprio. Assim, aberto, funcionando bem legal, sabe? Pra poder estar ajudando mais a família, que a gente gosta também de ajudar as pessoas. Tem pessoas que a gente conhece que precisam também. Então às vezes tu pensa assim: “Ah, eu queria dar, mas hoje eu não posso dar, porque se eu der hoje, eu vou estar tirando do outro”. Então a gente divide ali um pouquinho pra cada um pra não...
P/1 – Pra quem você divide?
R – Não, assim, em questão às vezes de ajudar com alimento, que às vezes tem bastante família que necessita. Em vez de tu dar uma dúzia de ovo, fala: “Então vamos fazer assim: tu pega meia e fulano pega meia, que daí vamos dividir, que quando melhorar a situação, cada um ganha uma”.
P/1 – Vocês já fazem isso? Vocês ajudam algumas pessoas?
R – Sim.
P/1 – Você ou o empreendimento?
R – Eu. Particularmente, eu gosto de fazer. Sempre no meu particular.
P/1 – Com alimentos?
R – Alimentos, com o que precisa. Às vezes precisa de um investimento também, ou porque quer ir em algum lugar e precisa e não tem condições de ir. Desde às vezes, ah, quer ir ao médico: “Não, se tem gasolina, vamos que eu te levo”. Se não vai dar: “Olha, pega um passe, que passe pelo menos tem, tá aqui um passe de ônibus”. E assim vai.
P/1 – Fran, a gente já tá terminando. Você quer falar mais alguma coisa da sua história?
R – Não, tá bom.
P/1 – O que você achou de fazer essa entrevista?
R – Ótimo. Fez me lembrar de coisas boas, umas nem tão boas, mas que marcaram bastante, que na verdade vai ser sempre, porque é a minha história. E pra mim é um testemunho, que eu vou contar pra minha filha, quando eu tiver, né, desse pedaço que eu já passei.
P/1 – Pra sua filha?
R – Isso. Eu vou ter uma filha.
P/1 – Ótimo, muito bom. Então obrigada, viu, Fran?
R – Obrigada a vocês.
P/1 – Foi um prazer te ouvir, tá?
R – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
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