Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 – Whirlpool
Depoimento de Odete Maria dos Santos
Entrevistada por Márcia Trezza
Joinville, 9 de maio de 2014
Realização Museu da Pessoa
WHLP_HV027_Odete Maria dos Santos
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Odete, nós vamos começar a entrevista, fala seu nome completo.
R – Odete Maria dos Santos.
P/1 – Você nasceu onde?
R – Em Getúlio Vargas, no Rio Grande do Sul.
P/1 – Quando? Em que data?
R – Sete de julho de 1956.
P/1 – Odete, qual o nome dos seus pais?
R – Rosalino Pegoraro e Lurdes Santina Pegoraro.
P/1 – Qual a atividade do seu pai?
R – O meu pai até os meus sete anos, mais ou menos, ele foi agricultor, trabalhava no interior. Depois daí ele veio morar pra cidade.
P/1 – Por quê?
R – Ele começou a trabalhar numa firma que distribuía bebida. Naquela época, não é como hoje que vai o vendedor fazer o pedido e depois vai o caminhão entregar. Ele carregava o caminhão e ia de cidade em cidade, daí vendia a bebida, no caso.
P/1 – Ele comprava e depois vendia?
R – Não, não. Ele trabalhava pra uma empresa, pra uma distribuidora, no caso.
P/1 – E sua mãe?
R – A minha mãe sempre foi doméstica. Depois de um tempo, daí ela...
P/1 –Ela só trabalhava em casa?
R – Em casa. Em casa. Daí depois de um tempo ela começou a vender Avon. Vendia muito bem Avon naquela época.
P/1 – Aqui?
R – Não. Lá no Rio Grande do Sul. Eles são gaúchos.
P/1 – Eles não vieram pra cá com vocês?
R – Não. O meu pai já faleceu. A minha mãe mora lá no Rio Grande do Sul ainda.
P/1 – Ainda mora lá. E eu soube de uma história, quando eles se conheceram. Você não quer contar?
R – (risos) Bom, quando meu pai e minha mãe se conheceram, daí
P/1 – Eles estavam onde?
R – Eles estavam numa festa, vamos supor, assim. E de tarde, hoje nem sei mais como chama, mas antigamente chamavam de matinê. Daí então era uma área dançante, vamos supor assim. Ali eles se conheceram, nem sei se dançaram ou não dançaram, mas começaram a conversar. Daí minha mãe tinha que ir pra casa, porque naquela época morava no interior, tinha que fazer os a fazeres da casa. Então meu pai foi acompanhar a minha mãe até um pedaço, como a gente diz, até na entrada da propriedade. Chegando lá, ele olhou pra ela e disse assim: “Você quer me namorar, me namora, senão pra mim tanto faz” (risos). Até hoje, agora ele já faleceu, mas a gente brincava muito com ele com esse negócio ali de “quer me namorar, me namora, senão pra mim tanto faz” (risos).
P/1 – E que lembranças você tem dele, Odete, seu pai?
R – Ah, eu tenho lembranças muito boas! Meu pai foi assim, uma pessoa... Nunca foi de sair de casa ou coisa assim. Ele é de origem italiana, daí ele era mais reservado. Ele sempre foi aquela pessoa assim: sim, sim, não, não. Se a gente pedisse uma coisa pra ele, ele dissesse sim, beleza; se ele dissesse não, não adiantava argumentar, era não e não! E eu adorava o meu pai, porque, assim, que nem eu tava contando pra Fran, ou pra Lu, eu não lembro, que quando ele tava vivo ainda, que ele ficou adoentado, a minha mãe tinha que viajar, a minha mãe pedia pra ir lá cuidar dele, era eu.
P/1 – Você era muito apegada?
R – As minhas outras irmãs, ele não queria muito, mas eu, sempre ele pedia pra cuidar dele.
P/1 – E você conviveu com ele até que idade, mais ou menos?
R – Até casar.
P/1 – Ah, você morou na casa dos pais até casar.
R – Depois que eu casei, ainda fiquei morando um ano com eles. Daí ele cedeu um quarto pra nós, porque a gente também não tinha nada, daí então ele cedeu um quarto até, vamos supor assim. Eu tinha 23 anos, praticamente, quando saí de casa, mas já tava casada há um ano, já tinha um filho. Então moramos ali, depois nós fomos morar sozinhos.
P/1 – E ele, você falou que ele era de origem italiana. Ele era italiano ou só filho de italiano?
R – Ele era filho de italiano. O meu bisavô veio da Itália.
P/1 – E assim, você era muito apegada a ele, você se lembra de situações?
R – Não, tem uma situação que até hoje eu lembro e conto para os meus filhos também. Quando eu tinha acho que uns dez, 12 anos assim, uma vez a mãe pediu pra fazer a polenta, que naquela época faziam polenta, e daí eu disse assim: “Ah, eu não vou fazer polenta, né?”. Daí ele disse assim: “Vai fazer, sim, porque na tua idade eu já fazia” – ele me disse. Eu disse assim: “Então por que o pai não faz pra nós vermos?”. Ele disse assim: “E pra que eu to criando vocês?” (risos). E ele não quis ir fazer a polenta pra nós vermos como ele fazia a polenta (risos).
P/1 – Ainda você argumentou dessa vez.
R – Argumentei com ele, “então por que ele não vem fazer pra nós?”.
P/1 – Odete, e a sua mãe, que lembranças você tem dela quando você era criança?
R – Quando eu era criança?
P/1 – Ou mais adolescente.
R – Ah, a minha mãe, assim, sempre foi uma pessoa mais... Ela ficava em casa, então ela tomava conta das filhas, que nós somos quatro irmãs. Então ela protegia a gente também, ela cuidava, coisa assim. É mais a lembrança assim que eu tenho dela.
P/1 – E, Odete, o seu pai era agricultor.
R – Era.
P/1 – Ele trabalhava diretamente, na época que ele era agricultor?
R – Sim.
P/1 – Ou ele tinha as pessoas que trabalhavam com ele?
R – Não, não. Ele trabalhava direto na lavoura. Até quando meu pai e minha mãe se casaram, daí fizeram a casinha deles, então eu nasci, daí eles iam trabalhar na lavoura, plantar milho, coisa assim.
P/1 – A sua mãe?
R – A minha mãe e meu pai. Daí então eles me levavam junto pra eles trabalharem, daí eles me colocavam numa sombra, naquela época tinha aqueles, eles chamavam de cesto de balaio, pra colocar o milho quando quebrava o milho. Daí me colocavam lá dentro daquele cesto, eu ficava embaixo de uma árvore, na sombra. Eles trabalhando e eu lá (risos).
P/1 – E, Odete, sua mãe também ia e trabalhava, além dos serviços de casa, com ele?
R – Trabalhava com ele, ajudava.
P/1 – E vocês produziam alguma coisa pra vender ou era só pra vocês?
R – Era mais para o consumo. Mais para o consumo deles, da família, que nem, da minha mãe e do meu pai.
P/1 – Além da plantação, tinha alguma outra coisa? Criavam animais?
R – Ah, criavam animais: porco, galinha, vaca de leite, que a gente chama naquela época. Eles tinham o sítio deles, vamos supor assim, que era perto do meu “vô”. Então ele cedeu um pedaço de terra pra eles, daí eles fizeram a casinha e começaram a vida ali, os dois.
P/1 – E você contou uma história que desde criança você gostava de cozinha.
R – Sim.
P/1 – E desde muito pequena. Que idade você tinha, mais ou menos, quando você começava a querer cozinhar?
R – Ah, acho que eu tinha uns sete, oito anos, eu acho.
P/1 – Conta como você fazia.
R – Eu pegava três tijolos, fazia um cercadinho, ia catar uns gravetinhos, coisa assim, pra fazer o fogo, daí pegava um pedaço de lata ou uma tampa velha de panela, ou qualquer coisa, colocava em cima, colocava fogo. Daí pegava a latinha de milho, de ervilha, de sardinha, que naquela época tinha sardinha de latinha, daí ia lá dentro de casa, pegava da mãe feijão, arroz, tudo que dava pra cozinhar, ia lá, colocava em cima daquela coisa e ficava lá brincando de fazer comida. Também teve a época que a minha mãe, quando nós, eu e minhas irmãs, ela fazia, vamos supor assim, roupa de lã, porque lá no Rio Grande do Sul é frio, né? Daí ela fazia roupa de lã. Naquela época também não tinha tantas condições, daí ela pegava, tinha a agulha de fazer o tricô, e como não tinha pra mim, eu pegava uns pregos grandões, pegava um pedaço de fio de lã e ficava passando de um prego pra outro. Foi ali que eu aprendi também. Então tem a parte da culinária e a parte do artesanato. Na verdade, eu sou dos dois.
P/1 – Até hoje?
R – O que precisar, artesanato ou culinária, comida ali, eu tou fazendo.
P/1 – E sua mãe te ensinava alguma coisa dessa...
R – Sim.
P/1 – O que você acha que aprendeu melhor com ela assim?
R – Cozinhar. Até depois que eu casei, daí então nós moramos com ela um ano. Daí minha mãe sempre teve pensionista, que antigamente era o Normal que eles chamavam, hoje é pedagogia. Antigamente era um colégio de freiras, aí então vinham as moças de fora, do interior, pra estudar na cidade. Elas não tinham onde morar, então a mãe cedia um quarto. Eram todas dentro de um quarto só. Tinha a cama, cada um tinha a sua cama. Então quando eu casei, a mãe tinha as pensionistas, tinha as minhas irmãs, o meu pai e minha mãe, e vinham mais três rapazes pra almoçar. Então eu comecei a tomar conta da cozinha e mãe tomava conta de limpar casa e lavar a roupa. Eu já tava grávida naquela época, que eu casei grávida, então a mãe disse assim: “Lavar roupa e limpar casa não. Então tu fica na parte da comida, fazer comida, lavar louça, e eu cuido da outra parte”.
P/1 – Seu pai nessa época não trabalhava mais?
R – Não! Trabalhava, trabalhava sim.
P/1 – Odete, você disse que quando ainda criança seu pai mudou pra cidade. Ainda era Getúlio Vargas?
R – Era tudo em Getúlio Vargas.
P/1 – Mas ele veio do sítio para a sede?
R – Pra sede, é.
P/1 – Por que você acha que ele mudou assim, resolveu trabalhar na distribuidora?
R – Eu acho que naquela época também... Porque todo mundo sonha em sempre conseguir mais, né, e começa a pensar também na família. Até hoje eu nunca pedi pra eles por que eles vieram de lá pra cidade. Porque naquela época tinha a fantasia “ah, morar em Getúlio Vargas, na sede”, que eles chamavam. Eu acredito que seja por isso que eles saíram de lá. E depois também é muito cansativo.
P/1 – O que é cansativo?
R – Vamos supor assim, trabalhar. Que nem, naquela época não tinha que nem hoje, não tinha maquinário, não tinha nada, era tudo com... A gente chamava de arado lá. Aqui eu não sei como chama.
P/1 – Arado.
R – Com o boi, puxar e coisa. E o dia inteiro lá lavrando, que nem a gente chama lá. Eu acho que isso ali cansou ele um pouco. Daí então resolveram vir pra cidade.
P/1 – E você lá, antes de mudar pra cidade, você se lembra das suas brincadeiras lá?
R – Olha, eu lembro muito pouco. Da minha infância assim lá do “coiso” eu lembro muito pouco.
P/1 – Você não sentiu, ou sentiu diferença?
R – Não. Não senti diferença nenhuma. Porque naquela época lá também a gente não tinha, vamos supor assim, há 40, 50 anos atrás não tinha o conhecimento que tem hoje, então naquela época tudo era válido, tudo servia (risos).
P/1 – Mesmo assim tinha certa diferença do sítio para a sede.
R – Tinha, tinha. Porque naquela época, há 50 anos, morar na cidade era “meu Deus”, era gente que tinha condições. Hoje já é bem diferente a mentalidade das pessoas.
P/1 – Você acha que é diferente em que, Odete?
R – Eu acho. Eu acho.
P/1 – Você diz “antigamente”, vocês achavam que mudar pra cidade era uma coisa importante.
R – Era uma coisa mais nobre, uma coisa, assim. Hoje em dia não muda tanto, porque hoje em dia tá quase igual.
P/1 – Você acha que o campo...
R – Eu acho. Eu acho.
P/1 – Você vivenciou isso?
R – Quando eu morei nessa última cidade ali, antes de eu vir morar aqui pra Joinville, daí a gente morava na cidade. A cidade, vamos supor, era um pouquinho maior.
P/1 – Qual era?
R – Era Getúlio Vargas.
P/1 – Ainda lá. Sei.
R – Tudo era referente a Getúlio Vargas. Depois eu fui morar nessa cidade em Charrua, que é essa que tem a reserva indígena ali. Então ali a gente começou a notar a diferença de morar na cidade e morar no interior.
P/1 – Era sítio também?
R – Era uma cidade, mas “pequeninha”, tinha dois mil e poucos habitantes. Então era bem pequena. Era, vamos supor assim, não era um povoado, mas era uma cidade bem “pequeninha”, que todo mundo se conhecia. Saíam as festas, todo mundo se encontrava. Todo mundo se conhecia naquela cidade.
P/1 – Mas não trabalhavam na agricultura?
R – Não. Não. Não. Meu marido se aposentou como policial militar.
P/1 – Então vamos voltar pra infância de novo.
R – Vamos voltar.
P/1 – Odete, e aqui, quando você foi morar na sede de Getúlio Vargas, aí tinham algumas brincadeiras assim marcantes, coisas que você lembra que vocês faziam?
R – Tinha. Eu lembro quando eu comecei ir ao colégio, (risos) é até uma história engraçada, né? Daí eu comecei ir ao colégio, naquela época eram aquelas classes que sentavam dois, um do lado do outro, e tinha um menino que sentava sempre do meu lado e ele sempre dizia que queria me namorar. Era Álvaro o nome dele. E eu dizia que não queria nada com ele. Depois vinham as brincadeiras, as brincadeiras de roda, de pega-pega, que eles chamam. Nós chamamos aqui de jogar bolita, aqui chamam de peca, aquelas bolinhas de gude. Daí jogava aquilo ali, pulava corda, aquelas Três Marias lá, Cinco Marias, não sei, que jogava com a mão. Até hoje eu comento com os meus filhos, daquele tempo, da minha infância pra hoje, como mudaram as brincadeiras das crianças. Mas eu lembro muito das minhas brincadeiras.
P/1 – E com o menino Álvaro?
R – Não (risos). Depois a gente trocou de classe, cada um foi pra um lado. Mas nem sabia o que era namoro (risos).
P/1 – E na escola, você ia como? Assim, como você se desenvolvia nos estudos?
R – Eu sempre fui uma boa aluna. Nesse quesito aí não posso me queixar, sempre fui. Voltando um pouquinho ao meu pai, que eu disse que pra ele é sim sim, não não. Que nem eu conto para os meus filhos hoje, que naquela época, vamos supor assim, nós quando terminávamos o lápis, que naquela época não tinha caneta, era lápis e borracha, daí terminavam o lápis e a borracha, aí a gente pedia: “Pai, o pai dá dinheiro pra nós comprarmos o lápis e a borracha?” “Não!”. E não adiantava argumentar. Então a minha mãe, por baixo dos panos, comprava e dava pra nós. Mas ele era assim, se ele dizia sim, sim; não, não, e não tinha. Não era, vamos supor assim, por maldade que ele fazia isso, porque ele era aquele de economizar. Então se ele economizava, nós também tínhamos que economizar. Então a gente procurava economizar o máximo o lápis e a borracha, mas quando terminava, não tinha o que fazer, né (risos)?
P/1 – Odete, e professor, você se lembra de algum, ou professora inesquecível?
R – Professora? Só que eu não lembro o nome dela. Mas tem várias professoras assim, só que hoje em dia eu não lembro mais o nome delas.
P/1 – Mas assim, alguma coisa que aconteceu, que você falou: “Ah, até hoje aquela professora...”?
R – Das professoras, assim, eu lembro até da fisionomia delas, mas do nome, não. Mas a única coisa que eu me lembro do colégio é que eu não comia, porque eu não gostava. Mas hoje, parece que eu sinto o gosto e o cheiro, era de um bolinho que elas faziam. A gente chama merendeira, as tias da cozinha faziam. Era um bolinho, não sei se era de trigo integral, eu não sei o que era lá. Tinha um cheirinho tão bom, que eu não comia.
P/1 – Por que você não comia?
R – Não sei. Eu olhava para o bolinho e não comia. Mas hoje, às vezes eu paro, parece que eu sinto o gosto e o cheiro daquele bolinho, mas eu não comia o bolinho.
P/1 – E não tem vontade de um dia, quem sabe?
R – Até hoje eu vou ao mercado e fico procurando uma coisa parecida com aquilo lá. Ah, outra coisa que eu lembro também do colégio, negócio do Dia das Crianças. Daí então todo mundo alvoroçado, porque era o Dia das Criança, então a gente ia ao colégio e ia ganhar um lanche (risos).
P/1 – Só no Dia das Criança que tinha?
R – O lanche era um pão grande com uma salsicha no meio. Era um cachorro quente, mas o pão era enorme (risos). Daí até terminar aquele cachorro quente ia... E ganhava um copo de suco. Era o cachorro quente e um copo de suco no Dia das Criança.
P/1 – Todo Dia das Criança tinha?
R – Todo Dia das Criança tinha o cachorro quente e o copo de suco (risos).
P/1 – Bolinho não tinha?
R – Não tinha (risos).
P/1 – Odete, você estudou até que série nesse colégio, ou depois você já passou pra outro? Como foi essa parte do estudo?
R – Que aquela época chamavam a quarta série. Depois daí era a quinta, a sexta, a sétima e a oitava, que hoje já mudou o sistema do colégio. Até a quinta série, eu estudei no mesmo colégio.
P/1 – E depois?
R – Era um colégio estadual, daí depois... Ali na quinta série terminava aquele estudo, daí então passava pra outro colégio, que daí era a sexta, a sétima e a oitava série.
P/1 – E, Odete, nessa quinta, sexta, sétima, no outro colégio, como foi?
R – Tem cada história (risos)!
P/1 – Então conta pra gente (risos).
R – Então eu estudava de noite. Daí eu comecei a trabalhar de dia, eu tinha lá meus 16 anos, daí comecei a estudar de noite.
P/1 – Isso na sexta, sétima?
R – Na sexta, que eu estudei até a sétima. Nós estudávamos na sétima série, daí chegava na hora do intervalo, que lá chamavam de recreio, daí quando terminava a última aula ali, nós saíamos, passávamos a mão na pasta, na mochila, e corríamos a um café. Lá nós jogávamos dominó e tomávamos caipirinha, tanto é que naquele ano eu reprovei (risos). Também mais falta que presença na sala de aula. Então eu reprovei naquele ano.
P/1 – E seus pais? Seu pai ainda era vivo?
R – Era vivo, sim.
P/1 – E aí, como foi?
R – Não, eles nem sabiam.
P/1 – Ah, não?
R – Não. Nem sabiam.
P/1 – Mas souberam que você reprovou?
R – Sim, sim! Porque tinha que apresentar o boletim, as notas, daí souberam que eu reprovei naquele ano.
P/1 – E aí você não continuou mais?
R – Não. Daí no outro ano eu voltei a estudar, daí como eu tinha reprovado, voltei na sétima série, daí chegou à metade do ano, eu desisti. Porque daí eu tava trabalhando, não tinha mais... Eu fazia hora extra, então já não conciliava mais o estudo com o trabalho.
P/1 – Qual foi seu primeiro trabalho? Foi nessa ocasião, né, que você começou.
R – É. Não, o meu primeiro trabalho, eu comecei a trabalhar de doméstica na casa de uma família. Eu trabalhei acho que uns seis meses nessa família. Depois apareceu essa vaga pra eu ir trabalhar numa empresa, então eu saí da casa da família e fui trabalhar na empresa.
P/1 – E você achou melhor qual trabalho?
R – Na empresa. É, tinha mais estabilidade, tinha todos os direitos trabalhistas e coisa assim, então na empresa foi bem melhor.
P/1 – E você fazia o quê nessa empresa?
R – Nessa empresa, ela era um curtume, que a gente chama. Era curtimento de couro de porco. Então primeiro eu trabalhei na expedição, naquela época a gente dizia “estaquear o couro”. Eram umas placas que tinha, daí a gente colocava o couro em cima, daí com os grampos a gente puxava e grampeava todo ele pra ficar bem retinho. Depois saía dali e ia pra outros processos, depois chegava à expedição, como chamava naquela época. Tinha uma máquina que media todo o couro, daí a gente marcava no couro, depois a gente fazia os fardos, que chamavam.
P/1 – Você fazia os fardos?
R – É. Primeiro eu trabalhei na estaqueação, depois eu fui pra essa expedição. Dali que eu comecei a aprender a, vamos supor assim, fazer números melhores, aperfeiçoar os números, porque daí passava na máquina e com o giz tinha que colocar o metro, quantos metros davam, metros quadrados davam cada peça. Depois ia pra uma mesa...
P/1 – Você riscava o couro com...
R – É. Na parte de trás, daí a gente colocava o número, vamos supor assim, dois metros e 50, coisa assim. Depois ia pra uma mesa, então a gente somava quantos metros tinha dado aquele fardo, daí empacotava ele e ia para as fábricas de sapato, casaco de couro, bolsas. Era pra isso que era. Lá tinha dois curtumes: esse era curtimento de couro de porco e tinha o de gado, daí o couro era bem maior, mas nesse eu não trabalhei, trabalhei só nesse de couro ali.
P/1 – E como era trabalhar nessa empresa, Odete?
R – Ah, era bom! Era bom.
P/1 – Era? No que era bom?
R – Pela amizade que a gente tinha, até mesmo pelos patrões que a gente tinha, eles eram bem amigos assim dos funcionários. Eles, vamos supor assim, nunca xingaram ninguém. Naquela época era bem bom de trabalhar na empresa.
P/1 – E os colegas, como era a convivência? Só mulheres?
R – Não, tinha mulher e homem.
P/1 – Trabalhando juntos?
R – Trabalhando juntos.
P/1 – E como era essa convivência?
R – Ah, a gente, vamos supor assim, trabalhava junto ali, cada uma tinha sua equipe na mesa ali, então era aquela conversa de namorado, de família e coisa assim. Depois então a gente saía pra ir almoçar, então cada um ia pra sua casa, depois voltava e se juntava na frente da empresa até a hora de dar o horário de entrar, daí a gente ficava ali conversando.
P/1 – Quer dizer que saía pra almoçar e ia pra casa?
R – Ia pra casa. Eu morava, deixe-me ver, acho que davam uns cinco, não, cinco não, uns três quilômetros dali da empresa até a minha casa. E eu ia pra casa almoçar e voltava pra trabalhar.
P/1 – A pé?
R – A pé. A pé. E muitas vezes depois eu comecei a ficar cansada e coisa, então a minha mãe pagava um menino pra me trazer tipo uma marmita. Como tinha a casinha, que a gente chama, que era o salão de festas da empresa, aí eu almoçava lá na cozinha, tinha fogão, tudo, pra gente esquentar a comida, tudo.
P/1 – Além de ir para o bar jogar dominó, tinham outras coisas que vocês faziam pra se divertir, os amigos, os jovens?
R – Ah, naquela época chamavam boate. Então às vezes, não era sempre, porque eu nunca fui de sair, mas de vez em quando eu ia dançar, ou coisa assim. Às vezes nos fins de semana a gente se reunia, vamos supor assim: as moças, vamos supor, levavam uma comida, e os homens levavam a bebida. Então cada fim de semana ou a cada 15 dias era na casa de uma. Então se juntavam tudo lá pra conversar, pra escutar música, coisa assim.
P/1 – E esse pessoal era o pessoal da fábrica?
R – Da fábrica mesmo.
P/1 – Moravam próximos assim?
R – Tudo próximo ali da empresa. Então às vezes era na minha casa, depois era na casa da colega, daí ia passando de casa em casa. Mas era tão bom naquela época!
P/1 – Era bom?
R – Era bom.
P/1 – Quanto tempo você ficou lá?
R – Nessa empresa? Quase seis anos.
P/1 – Você entrou com 16?
R – É. E eu saí quando eu casei.
P/1 – Odete, você falou que era bom. Além de tudo isso que você falou, por que mais era bom? Tinha mais alguma coisa que fazia ser tão bom assim?
R – Eu posso contar?
P/1 – Pode.
R – Foi ali que eu conheci o meu atual marido. Meu atual marido, meu único marido, né? Meu marido. Como a gente diz, eu sou gringa, italiana. Daí ele tava parado na porta da empresa e eu queria entrar pra bater o cartão-ponto, e ele não me deixava entrar. Então eu passei por ele e disse assim: “Com licença”. Assim, bem, né? E hoje ele conta que ele olhou e disse assim: “Essa aí, eu vou namorá-la” (risos). E não deu outra (risos)!
P/1 – Gostou da sua braveza (risos).
R – É (risos).
P/1 – E você reparou nele nessa época?
R – Não. Naquela época, não. Depois, trabalhando, que hoje eu não sei como eles chamam, eram umas rodas grandes que eles colocavam os couros lá dentro pra eles curtirem, vamos supor assim, curtimento de couro, era curtir o couro. E um dia eu tava lá nessa mesa de estaqueação, daí eu olhei assim para o lado, e ele era magrinho assim, pequenininho, daí então ele tinha que fechar uma porta, depois ligava, aquilo lá ficava girando pra curtir o couro, pra amaciar o couro. Um dia eu olhei para o lado, tava ele lá tentando fechar a porta, pendurado naquele couro. Ali que eu comecei a notar ele. Como eu disse, depois a gente foi naqueles almoços (risos).
P/1 – Pode contar. Que almoço foi esse?
R – Todo ano tinha o dia do trabalhador, o dia primeiro de maio, então o sindicado dos trabalhadores lá do curtimento fazia um almoço para os funcionários dos curtumes. Um dia nós fomos lá almoçar, depois então tinha que lavar a louça, o prato, de todo mundo.
P/1 – Cada um lavava o seu?
R – Não. Daí lavava o de todo mundo. Juntava, recolhia das mesas, levava lá à cozinha, daí então tinha que ter uma turma pra lavar a louça, porque a maioria do pessoal ali ia embora, ficava só uma turma lá. Então nós fomos lá, aí eu, o Ademar e mais umas colegas, daí nós começamos de brincadeira. Daí um pegou no braço do outro assim, entrelaçado o braço e cada um com uma toalha de prato, daí começamos a secar a louça. Ali começou, que nem diz aqui, começou a interagir e coisa. Depois, mês de outubro, isso foi primeiro de maio, mês de outubro eu fui a uma reunião dançante no colégio perto da casa dele, que naquela época faziam no colégio para as crianças. E dali que nós começamos a dançar e coisa. Daí ali começou o namoro (risos).
P/1 – Aí começou o namoro pra valer.
R – Aí começou o namoro pra valer.
P/1 – E depois, como aconteceu?
R – Depois a gente namorou, depois nós noivamos, depois ele foi para o quartel, para o Exército.
P/1 – E seu pai? Seu pai sabia que vocês namoravam?
R – Sabia, sabia. Ah, deixe-me contar da minha mãe. Então o Ademar nunca foi muito de estudar, então ele resolveu fazer, hoje chama EJA, naquela época era a Feplam, antigamente. Então a minha mãe também resolveu estudar. Daí se juntou o Ademar e a minha mãe na mesma sala. Mas ali nós estávamos recentes, estávamos começando a namorar. Então o Ademar e a minha mãe estudavam na mesma sala de aula, então não sei o que a minha mãe falou lá, e daí o Ademar respondeu pra ela, disse assim: “Ah, vá pra casa cuidar do teu marido, não sei o quê”.
P/1 – Ele não sabia que era a sua mãe?
R – Não, não sabia! Dali uns dias então nós saímos do serviço, ele foi me levar pra casa, né? Quando chegou à frente de casa lá, minha mãe sai à porta, ele diz assim: “Não acredito que essa aí é a tua mãe”. Eu disse assim: “Pior que é”. Ele disse assim... Depois que ele me contou a história, disse assim: “Eu a mandei ir pra casa cuidar do teu pai” (risos). Depois ele foi para o quartel, depois ele voltou, daí eu engravidei do meu filho.
P/1 – E o quartel não era lá em Getúlio?
R – Não. Era em Uruguaiana, era lá na fronteira com Argentina e Uruguai. Era divisa com Argentina, a Uruguaiana lá no Rio Grande do Sul. Bem lá no sul mesmo. Daí ele foi pra lá. Depois ele voltou, nós já éramos noivos, eu engravidei do meu filho mais velho. O dia que ele foi, então nós contamos pra minha mãe, minha mãe disse assim pra ele: “Amanhã de manhã, seis horas da manhã, você aqui na frente de casa e vai contar para o Pegoraro”. Que nós chamávamos meu pai de Pegoraro (risos).
P/1 – Que é o sobrenome.
R – O meu pai. É. O sobrenome do meu pai. O meu pai é Rosalino, mas a gente chamava de Pegoraro. Daí disse assim: “Amanhã de manhã, seis horas da manhã, você vem aqui contar para o Pegoraro”. Ele chegou lá seis horas da manhã, porque meu pai levantava cedo e saía cedo pra trabalhar. E chegou lá, ele tinha a bicicleta, colocou a bicicleta já pronta pra sair. Ele entrou, começou a conversar com o meu pai: “A Odete tá grávida, pá pá pá”.
P/1 – Seu pai não sabia?
R – Não sabia.
P/1 – Sua mãe não preparou?
R – Não. Ele disse: “A Odete tá grávida, coisa assim, o que dá pra gente fazer?”. Ele disse assim: “Casar. E aquele quarto do meio – que lá na minha mãe tinha três quartos – aquele quarto do meio, você pode ajeitá-lo pra você, pode pintar e pode morar aqui”. Daí casamos, moramos um ano...
P/1 – E seu pai então nem ficou muito bravo?
R – Não, não. Pra ele, assim, parece que foi uma coisa bem natural pra ele. A minha mãe não, a minha mãe já foi mais braba (risos).
P/1 – E vocês estavam bem, assim, de tomar essa decisão?
R – Sim. Sim. Daí eu saí da firma, casei, depois eu fiquei em casa. Aí veio essa parte que eu ajudava a minha mãe a fazer comida, que eu já gostava de fazer comida.
P/1 – Aí já era, já tinha o pensionato?
R – Sim. Sim. A minha mãe ficou anos com as meninas.
P/1 – Antes de você...
R – Antes de eu casar ainda.
P/1 – Ah, tá.
R – Daí as moças que vinham de fora ficavam num quarto, e as três irmãs ficavam no outro quarto. Daí foi uma guerra, porque eu peguei o quarto do meio. Tinha meu pai, o quarto do meio e o outro. Então as minhas três irmãs tiveram que passar para o outro quarto.
P/1 – Junto com o pessoal de fora.
R – Junto com o pessoal de fora.
P/1 – Então eram aquelas... Como chamam aquelas camas de fechar?
P/1 – Campana?
R – Não, tinha outro nome. Agora eu não lembro o nome. Então tinham aquelas camas que fechavam assim e de noite abriam. Daí então era um poleiro lá dentro (risos), todo mundo se ajeitava como podia.
P/1 – E sua mãe fazia isso como uma forma de renda, né?
R – Sim. Sim.
P/1 – Que as pessoas pagavam uma pensão?
R – Sim. Pagavam por mês, assim, um tanto por mês pra ficarem lá.
P/1 – E tinham que continuar, né?
R – Tinham que continuar. Daí então foi engraçado, porque eu engravidei e a minha irmã, a segunda, também engravidou.
P/1 – Sem casar antes?
R – As duas engravidaram antes. Daí quando a minha irmã foi contar pra minha mãe que tava grávida, a minha mãe aceitou na maior, porque já tinha levado a bomba da primeira (risos), né? Daí nós casamos. Eu casei dia 15 de abril e ela casou dia seis de maio, 15 dias de diferença uma da outra.
P/1 – E ela? Qual foi a solução pra ela?
R – A minha irmã foi morar com a sogra. E os nossos filhos, os dois mais velhos, o meu e o dela, são quatro dias de diferença um do outro! O meu é do dia 26 de setembro e o dela é do dia 30 de setembro.
P/1 – Olha! Como ele chama, o seu filho mais velho?
R – Anderson.
P/1 – E você lá ajudando a mãe a cuidar da pensão, como foi assim? Sempre trabalhando fora, trabalhando na fábrica, como foi depois trabalhar só em casa?
R – Ah, no começo não foi fácil, porque daí eu já tava grávida, então já tinha que... Vamos supor assim, eu tinha meu dinheiro, né? Depois tinha que ficar só com o dinheiro do marido, porque ele também trabalhava nessa mesma firma. Mas apesar de que a mãe sempre ajudou. A mãe sempre tinha o dinheiro das pensionistas dela, daí ela vendia também o Avon, que ela sempre vendeu Avon, daí então ela ajudava.
P/1 – Você? Ajudava você?
R – Ajudava nós. Como então eu casei grávida, daí as amigas da minha mãe começaram também a ajudar. Assim, roupinha para o bebê, ou coisa assim. Foi uma fase assim bem boa da minha vida.
P/1 – Foi boa?
R – Eu não me arrependo dessa fase de ter engravidado, de ter casado, porque foi tudo na corrida, mas eu não me arrependo.
P/1 – E o casamento? O dia do casamento?
R – Aí tem outra história (risos). Nesse dia, daí então nós nos casamos de manhã, às dez horas no civil, e cinco horas da tarde foi na igreja. E o meu marido, como era festa, coisa assim, resolveu tomar um pouquinho (risos).
P/1 – A festa foi de manhã no civil?
R – Não. De manhã foi o casamento no civil, e de tarde foi o casamento na igreja.
P/1 – Mas que horas que ele tomou um pouquinho?
R – Nesse intervalo das dez da manhã até as cinco da tarde. Ele foi casar, ele disse que foi casar meio tonto, que nem ele diz. Então nós tínhamos um padre lá, que hoje já é falecido, o padre Estanislau, aí na hora que casamos ali, tudo, na hora de os noivos se beijarem, como ele tava mais pra lá do que pra cá, daí ele me deu o beijo e não soltava. O padre olhou e disse assim: “Continuai sempre assim” – ele disse. Que ele era polonês, o padre. Daí ele disse: “Continuai sempre assim”. Que de certo ele achou bonito aquele gesto dele. O padre também não sabia o que tava se passando (risos).
P/1 – E você?
R – Eu tentava empurrá-lo assim com as mãos e ele não queria largar (risos).
P/1 – E você ficou na casa da sua mãe durante quanto tempo?
R – Um ano. Um ano nós moramos com ela, depois a gente começou... Porque antes de eu casar, ainda quando eu trabalhava na firma, naquela época tinha o Sesi, então eu comprei a geladeira, que naquela época tinha a geladeira, eles vendiam, comprei um cobertor, tipo cobertor térmico, mas não é aqueles cobertores, de lã bem grossa, e comprei a minha máquina de costura. Na firma ali, antes de eu casar, então eu já tinha isso ali. Depois então nós compramos a cozinha, o meu pai ajudou a comprar o fogão à lenha. Que lá é muito frio, daí tem que ter o fogão à lenha.
P/1 – Tem pra aquecer a casa?
R – Aquecer a casa. O meu filho também, ele era muito doente, o mais velho...
P/1 – O primeiro?
R – O primeiro, sim. Duas vezes eu quase perdi ele.
P/1 – Mas o que ele tinha?
R – Ele tinha bronquite asmática e alérgica.
P/1 – Então até um ano e meio ele mais passava no hospital do que em casa. Então davam aquelas infecções nele, tinha que correr para o hospital fosse a hora que fosse. Depois foi, foi, duas vezes quase perdemos ele. Daí uma época o doutor tinha até desenganado ele, dito que ele não ia...
P/1 – Por causa das crises.
R – Por causa das crises. Que daí deu uma infecção tipo generalizada, intestino, garganta, pulmão, ouvido, tudo. Nós trocamos de médico, tinha um doutor muito bom lá. Daí nós trocamos de médico, daí esse doutor disse assim: “Olha, eu vou tentar o último recurso”, que era tipo uma injeção, uma vacina nova que tinha sido lançada. Ele disse assim: “Vamos tentar. Vamos ver o que dá”. Daí ele aplicou essa injeção nele. Depois daquele dia, ele só melhorou. E a fé também que eu tinha que ele ia melhorar.
P/1 – Ele era pequenininho ainda?
R – Sim. Tinha... Essa primeira crise que deu nele, acho que ele tinha uns seis meses. Depois, quando ele tinha quase um ano, também. Mas depois só melhorou.
P/1 – Aí depois melhorou?
R – Melhorou.
P/1 – Aí você foi pra sua casa?
R – Daí eu fui pra minha casa. Então era o filho doente, tinha que sempre pagar consulta particular e coisa, daí a gente também não tinha tanto recurso, porque só o marido trabalhava. Então eu lembro que o meu pai, naquela época tinha lenha, lenha de lenha, hoje em dia não pode mais desmatar, né? Naquela época ainda podia. Meu pai vinha com, sabe aqueles carrinhos de pedreiro, de mão, que a gente chama? Ele enchia um saco de lenha (choro)... Ele enchia esse saco de lenha e levava lá pra fazer fogo pra esquentar a casa (choro). Às vezes ele levava comida também (choro). Então ele pegava um carrinho, daí ele levava lenha pra nós pra esquentar a casa, porque era muito frio. E como tinha o filho doente, então tinha que aquecer a casa, né (choro)? Essa também do meu pai é uma coisa que mais me marcou, pela dedicação dele, sair no frio, ir lá levar lenha pra gente fazer... Porque não tinha condições de comprar lenha. A gente comprava lenha em metro, assim. Depois guardava pra fazer o fogo. Daí isso é uma coisa que me marcou muito também do meu pai.
P/1 – Bonito, né, Odete? E quando você teve o segundo? Você teve mais filhos?
R – Tenho. Tenho quatro filhos homens.
P/1 – Todos homens?
R – É. Todos homens. Daí veio esse mais velho, daí todos eles, os três mais velhos, não dão três anos de diferença um do outro. Então veio o segundo, depois veio o terceiro, do terceiro para o quarto, daí deram oito anos de diferença.
P/1 – Você nem esperava mais?
R – Nem esperava. Então a minha mãe, quando eu engravidei, do segundo não, mas do terceiro ela me olhou e disse assim: “Pra que tu quer mais filho?”. Porque naquela época também não tinha tantas condições. Que eu sempre queria uma menina. Meu sonho era ter uma menina, não consegui, não tive, mas tenho as minhas netas agora. Então a minha sogra me olhava e dizia assim: “Outro menino”. E era um menino.
P/1 – Ela falava quando você tava grávida?
R – Ela falava. Ela dizia: “Outro menino”. E dito e feito, era menino. E do quarto, daí então eu queria saber o sexo, porque naquela época já dava pra ver, não consegui ver. Daí foi uma surpresa também. Então todo mundo dizia: “É menina, menina, menina”. Outro menino.
P/1 – E você achou que fosse?
R – Outro menino (risos).
P/1 – Odete, e você disse que comprou a máquina de costura. E como começou a sua atividade que hoje você faz, essa de doceira, de confeiteira?
R – O meu filho mais velho, quando ele fez um aninho, como tinha ele e o meu sobrinho, que eram quatro dias de diferença, então a gente dividiu as despesas, vamos supor assim, daí nós mandamos fazer o bolo e muitas coisas. E os docinhos e coisa, daí a gente fez em casa. Depois eu disse assim, no segundo aninho dele, eu disse assim: “Não, eu não vou mais mandar fazer fora”. Daí eu comecei. Eu disse assim: “Eu vou fazer o bolo dele”. E ali eu comecei a fazer. Eu fazia o bolo, fui fazendo do aniversário dele, daí a minha cunhada já pedia, daí ali foi indo.
P/1 – O pessoal gostou.
R – Gostou, gostou. Então começou.
P/1 – Qual foi seu primeiro bolo assim pra vender?
R – Pra vender?
P/1 – Você lembra?
R – Eu morava numa cidade, foi para o aniversário de uma criança, de um menino, que foi o primeiro bolo que eu fiz pra vender.
P/1 – Do que era esse bolo, você lembra?
R – Ah, deixa eu me lembrar. Eu acho que era de chocolate, assim recheado. Bolo de chocolate recheado.
P/1 – Você ainda morava em Getúlio Vargas?
R – Não, não. No município de Getúlio eu morei em várias casas, depois eu fui pra outra cidade, que dão cinco quilômetros dali, daí ali eu morei acho que uns quatro anos eu morei ali nessa cidade.
P/1 – Por que vocês mudaram pra lá?
R – Por causa do serviço dele. Como ele era policial, muitas vezes eles transferiam, que a gente diz, transferiam pra outra cidade, pra coisa assim.
P/1 – Da fábrica, ele virou...
R – Policial.
P/1 – Como ele conseguiu virar assim de trabalhador...
R – Ele fez o concurso. Tinha uma prova que eles faziam, não é como hoje. Era só uma prova que ele fazia lá. Daí ele passou e daí foi.
P/1 – E você gostava desse trabalho dele?
R – Eu gostava. Até hoje eu tenho orgulho do trabalho dele, dele fardado.
P/1 – É?
R – Até lá em casa ainda tem aquele... Que ele já é aposentado, né?
P/1 – Aposentou?
R – Aposentou. Já faz acho que uns oito, nove anos que ele aposentou. E lá em casa ainda tem uma farda dele, tá guardada lá.
P/1 – Você gostava de vê-lo fardado?
R – Gostava, gostava. E ele tinha orgulho da farda dele! Então dessa cidade que nós fomos morar, que era Estação, era, vamos supor assim, tipo um distrito de Getúlio Vargas, mas depois ele se emancipou, aí virou cidade. Como virou cidade, nós fomos morar pra lá. Meu marido foi lá pra comandar. Eram dois, então ele comandava ele e mais um, né? Daí então depois dali nós voltamos pra Getúlio Vargas, que eu engravidei do terceiro, eu tinha só os dois. Voltei pra Getúlio, engravidei do terceiro. Depois dali eu vim morar em Marcelino Ramos, que é divisa aqui com Santa Catarina. Tem o Rio Uruguai que divide o estado. Eu vim morar, e ali morei 13 anos.
P/1 – Treze? Porque ele foi transferido?
R – Foi transferido ali pra... Ele nem foi transferido. Na verdade, ele pediu pra vir trabalhar ali.
P/1 – Por que, você lembra?
R – Era uma opção que eles tinham. Eles podiam pedir, naquela época: “Ah, eu quero trabalhar em tal cidade”. Então se tinha vaga, eles transferiam.
P/1 – E você lembra por que ele fez essa opção?
R – Pra mudar. Pra mudar de cidade, mudar de ares, de pessoas, de coisa.
P/1 – E você achou bom?
R – No começo foi um choque! Porque quando eu morava ali em Getúlio Vargas, era da casa da mãe pra sogra, da sogra pra mãe, então... Assim, claro, tinha as cunhadas, coisa assim, mas você não tinha, vamos supor assim, ir à casa das pessoas. Eu era uma pessoa mais reservada, mais tímida, vamos supor assim. Hoje eu não sou mais (risos). Daí então era da casa da mãe pra sogra. Então quando eu fui morar pra lá, eu não conhecia ninguém, com três crianças, porque tinha os três mais velhos, daí fui morar pra lá, daí então eu disse assim: “Meus Deus do céu, aonde eu vim morar?”. Tinha a vizinha dos fundos, o marido dela também era policial, então começamos a conversar. Depois, então pelo serviço dele, daí já veio a mulher de outro policial, aí foi indo. Olha, até hoje, o dia que eu saí daquela cidade, que daí eu voltei pra Getúlio Vargas, eu chorei, pela amizade que nós tínhamos deixado pra lá.
P/1 – Naquele lugar.
R – Naquele lugar.
P/1 – E por que você voltou pra Getúlio Vargas?
R – Porque ele foi transferido pra Getúlio Vargas de volta. Então ele trabalhou uns meses em Erechim, que era a sede da polícia, da brigada, que lá eles chamam brigada militar da polícia, depois ele foi transferido pra Getúlio de volta. Daí nós voltamos pra lá.
P/1 – E você, o seu trabalho? Você começou a fazer bolo pra vender, doces, antes dessas mudanças?
R – É.
P/1 – E aí, como ficou seu trabalho, esse trabalho, com a mudança?
R – Ah, depois, que nem a gente diz, com a mudança você tem que refazer tudo, começar tudo de novo. Daí devagarzinho. Comentando com uma, eu fazia bolo, fazia salgadinho, daí ali: “Ah, então você podia fazer um bolo pra mim. Ah, você podia fazer um cento de salgadinho, coisa assim”. Daí ali começou.
P/1 – E tinha alguma renda desse trabalho, assim, significativa, Odete?
R – Olha, no começo não é fácil, porque a gente tem que conquistar cliente. Mas depois, ali quando eu fui morar na última cidade antes de eu vir morar aqui pra Joinville de vez, ali sim, ali vali a pena.
P/1 – Onde era?
R – Em Charrua.
P/1 – Você foi mudando cada vez pra um lugar?
R – Cada vez pra um lugar. Eu acho que fiz umas 15 mudanças (risos). Mudando de lugar em lugar.
P/1 – E sempre tentando...
R – Melhorar.
P/1 – Eu tou falando em relação a sua parte de produção.
R – É. É. Daí ali eu comecei a fazer cursos, fiz curso de artesanato, fiz curso de culinária, sempre fui procurando a me aperfeiçoar mais dentro das duas áreas, porque eu amo artesanato e amo a culinária, né? Que nem, eu digo assim: se não dá no artesanato, dá na culinária. Uma ou outra vai dar.
P/1 – E o artesanato, qual material você faz?
R – Eu trabalho com tecido.
P/1 – Tecido?
R – É.
P/1 – Você costura?
R – Eu tenho a minha máquina doméstica, comum. Que eu gosto mais de trabalhar com linha de bebê. Agora que eu parei, porque eu comecei no empreendimento ali, né?
P/1 – E você faz toalhinhas, né? Toalhas de bebê bordadas?
R – Eu bordava o nome da criança, vamos supor assim, no ponto cruz, daí eu fazia a aplicação e deixava uma partezinha que era pra bordar o nome da criança. Depois eu me apaixonei pelo patchwork, aquele bordado de patchwork. Meu Deus, eu amo aquilo lá!
P/1 – E você faz?
R – Faço.
P/1 – Você ainda faz?
R – Ah, agora eu parei porque não tenho mais tanto tempo, mas se der uma folguinha, eu faço.
P/1 – E como você veio pra Joinville, que seu marido já tava aposentado?
R – Daí, assim, o meu filho mais velho, ele... Veio uma família lá do Rio Grande do Sul pra montar uma empresa aqui em Joinville, uma empresa de sorvete, daí lá como todo mundo, era uma cidade menor, se conheciam assim. Então veio essa família, trouxe meus cunhados, e daí meus cunhados trouxeram o meu filho mais velho, que já faz 16, 17, acho que quase 18 anos que ele tá morando aqui em Joinville. É até engraçado, né? Daí veio o mais velho, ficou ali uns anos trabalhando, depois trouxe o segundo. O meu filho mais velho trouxe o segundo. Daí os dois trouxeram o terceiro filho pra trabalhar na mesma firma. Depois então deu o intervalo ali da doença do meu filho, coisa, daí como eles estavam morando tudo aqui, eu vim, fiz o tratamento do meu filho aqui no hospital de Joinville.
P/1 – Qual filho?
R – O meu mais novo, o Alison. Com oito anos nós descobrimos que ele tinha leucemia.
P/1 – Ele tinha oito anos?
R – Oito anos. Daí tem uma história ali no meio. Ele veio se tratar aqui em Joinville. Então nós ficamos todos morando na mesma casa, os quatro irmãos, no caso, e mais a mãe. E meu marido ficou lá no Rio Grande do Sul, porque naquela época ele não era aposentado ainda. Então eu morei três anos aqui em Joinville, morei dois anos com o tratamento, a primeira fase, daí voltei pra lá um ano, depois voltei mais um ano pra cá. Que daí fechava os quatro anos de tratamento. Mas o tratamento em si foram cinco anos, dele.
P/1 – E ele ficou bem?
R – Ficou. Graças a Deus tá curado. Hoje tá com 22 anos.
P/1 – E nesse período que você veio pra cá, você veio pra fazer o tratamento dele?
R – Pra fazer o tratamento do filho.
P/1 – Era mais fácil aqui do que Porto Alegre?
R – Não, porque assim, olha, na verdade nós não sabíamos que ele tinha essa doença. Daí lá ele brincava o dia todo, ia ao colégio, brincava. E chegou uma época lá que ele começou a dar febre, ele não queria mais brincar, daí então a gente começou a levá-lo ao médico. E tinham épocas que chegava de noite, ele gritava de dor, de dor nas pernas. Daí nós corríamos para o hospital, que ali na cidade não tinha, ia em outra cidade. Então o internava, o médico medicava ele, e coisa, passava a dor, no outro dia ia embora. Eu ficava um dia lá no hospital. Isso foi acho que uns três, quatro meses assim. Até nem gostaria de comentar isso, mas eu vou falar. Daí então como esse médico que ele tava se tratando, um dia ele me disse assim: “Mãezinha, seu filho não gosta de sentir dor”. Mas só que ele também não fez um exame mais aprofundado pra ver o que ele tinha. Então nós resolvemos voltar pra pediatra que tratava dele, lá em Getúlio Vargas. Voltamos lá, até essa doutora tinha parado de clinicar, naquele dia ela tinha voltado, parece que tudo ajudou. Nós levamos ele lá, ela o examinou, tudo, daí ela disse assim: “Vamos fazer um exame de sangue nele”. Ela disse assim: “Mas eu quero que vocês façam no laboratório lá de tal hospital, que aquele laboratório eu confio”. Daí o pega, leva lá, colheram o sangue, fizeram o exame, nós ficamos lá esperando pra ficar pronta a análise. Daí voltamos lá para o consultório. Ela disse assim: “Internação urgente”. Daí já mandou para o hospital quando ela viu o resultado do exame. E o meu marido como não é... Ele entendeu a coisa. Nós fomos lá ao hospital, internou, e o meu marido disse assim: “Vou dar uma saída”. Voltou lá ao consultório da doutora. E daí a doutora tava esperando-o, ela disse assim: “Eu sabia que o senhor ia voltar”. Ela disse assim: “Pelos exames dele, ele tá com uma doença bem grave” – ela disse. Daí até ela mesma pegou e ligou para a cidade de Passo Fundo, que é um polo, como se fosse Joinville, um polo grande, daí marcou uma consulta com um especialista, uma hematologista. Então nesse intervalo o meu cunhado, que ele trabalha aqui no hospital de Joinville, ele foi pra lá. Nós mostramos os exames pra ele, ele olhou os exames, disse assim: “Tiram-me uma cópia, um xérox de cada exame”. Ele tava de férias, ele voltou pra cá, disse assim: “Eu vou mostrar pra um doutor lá do hospital”. Ele veio, trouxe o exame, e o doutor, esse, disse assim: “Me tragam essa criança urgente, porque senão vocês vão perder ele”, porque já tava passando quase da fase. Então o meu cunhado ligou, isso era véspera das Eleições, foi dia primeiro de outubro as Eleições. Meu cunhado ligou um pouquinho antes, disse assim: “Olha, tragam ele pra cá urgente”. No dia das Eleições eu fui a minha cidade votar e voltei. E o Ademar disse assim: “Como nós vamos fazer?”. O Ademar foi lá à casa da doutora, falou com a doutora, por telefone ela deu alta pra ele de noite no hospital, nós voltamos pra nossa cidade, pegamos as malas, enchemos as malas de roupa, coisa, e daí de madrugada nós saímos. Meu cunhado disse assim: “Olha, até meio-dia vocês têm que estar aqui no hospital”. Nós saímos de lá eram duas horas da madrugada. Nem dormimos direito, e viemos pra cá. Chegamos aqui eram 11 horas. Eles disseram: “Não, a consulta é às duas horas no pronto-socorro do hospital”. Chegamos ali, voltamos pra lá, fomos na casa da cunhada do Orli. Daí voltamos lá para o hospital, duas horas ele consultou, quatro horas ele tava internado.
P/1 – E foi bem sucedido, né?
R – Só que daí nem os médicos não sabiam o que ele tinha. Porque daí ele inchou a barriga, aqui nós chamamos de íngua, eles chamam de linfomas. Ele se encheu, tava assim. Então colhiam o material, fizeram um monte de exame, todos os exames que podem ter ali de sangue, eles fizeram. Até aquelas doenças que a gente não gosta muito de falar. Então fizeram os exames e daí não deu nada. E pelo laudo dos exames, ele tem LLA, que é leucemia linfoide aguda. Então eles colheram o material dele, meu filho e meu marido levaram pra Florianópolis, no laboratório que era lá, o centro grande, e dali a dois dias veio o resultado que era leucemia. Daí ali que eles começaram a tratar mesmo a doença. Que daí ele fez quimioterapia, fazia todos aqueles procedimentos que tinha que fazer.
P/1 – E conseguiu se recuperar?
R – Conseguiu, graças a Deus. Graças a Deus conseguiu! Essa foi a maior vitória que eu tive na minha vida até hoje.
P/1 – E você resolveu continuar morando aqui, Odete?
R – Daí, assim, como ele tinha oito anos, então nós voltamos pra lá. Depois que terminou o tratamento, nós voltamos pra lá. Quando ele tava com – ele tem 22 – 16 pra 17 anos, os meus três filhos convidaram ele pra vir trabalhar também na mesma empresa. Aí iam ficar só o pai e a mãe lá, porque os outros estavam todos aqui. Ele disse assim: “Eu só vou pra lá se o pai e a mãe forem também”. Daí fazer o quê? O pai e a mãe largou tudo lá. Largou tudo é modo de dizer. Tinha casa, vendeu casa, tudo lá, e veio morar pra cá por causa do filho.
P/1 – Quanto tempo faz? Uns cinco anos?
R – Cinco anos. Cinco anos que nós estamos morando aqui.
P/1 – E como você se sentiu aqui nessa cidade?
R – Ah, eu adoro Joinville!
P/1 – Desde o começo?
R – Desde o começo. Desde a primeira vez que eu conheci Joinville, que o filho mais velho veio, daí depois nós queríamos conhecer onde ele foi trabalhar, né? Então o pai e a mãe vêm pra cá pra conhecer. Eu sou apaixonada por Joinville.
P/1 – É mesmo, Odete?
R – Eu sim. Meu marido sempre fala de voltar para o Rio Grande do Sul, porque o sonho dele é voltar pra lá. Eu disse: “Não. Enquanto nós pudermos, nós vamos ficar aqui”.
P/1 – Do que você gosta daqui?
R – Da cidade. Da agitação da cidade, coisa assim. Eu adoro Joinville.
P/1 – Odete, e seu trabalho ou de artesanato, ou da parte da culinária?
R – Quando eu vim morar pra cá, então meus filhos tinham os colegas deles da firma, então a gente já conhecia quando veio pra cá, daí começou, eles convidavam os amigos pra irem lá. Então tinha uma amiga, a Débora, ela disse assim... A gente começou a comentar que eu fazia artesanato, coisa assim, ela disse assim: “Ah, tu faz artesanato?”. Então tinha a cunhada dela que também faz artesanato, todas fazem artesanato, as cunhadas, daí uma delas lá, a Ana, disse assim: “Odete, você não quer participar da Economia Solidária? E tem o Consulado da Mulher também. Olha, tal dia tem reunião, vai lá”. Eu não conhecia a cidade, eu disse: “Eu vou aonde?”. Ela me deu o endereço, tudo. Daí eu sou aquela que quando me dão o endereço, que eu não sei onde é, eu pego a guia telefônica, tem o mapa da cidade, eu me localizo por uma rua principal. Eu digo, bom aqui é a rua tal, eu vou indo, vou indo até achar aquela rua. Eu disse: “Bom, então eu tenho que chegar até aqui pra depois ir lá”. E fui! Que nem dizem, com a cara e com a coragem, mas fui. E depois ali começou. Aí comecei a participar de feiras.
P/1 – Odete, aí você chegou a essa reunião, o que é essa reunião da Economia Solidária?
R – A Economia Solidária é... Como eu vou dizer assim? É um grupo que se reúne e daí então eles estão lutando, vamos supor assim, para o artesanato ter mais força perante a sociedade, perante o Governo. A Economia Solidária também lida com pessoas assim que precisam, vamos supor assim, pessoas de bairro, coisa assim. Então a Economia de Solidária tenta resgatar as pessoas pra formar grupo pra ter uma geração de renda também.
P/1 – Quem promove essas reuniões da Economia Solidária, você sabe?
R – Geralmente tem um grupo, vamos supor assim, a... Como a gente chama? A Assistência Social da Prefeitura. Eles que gerenciam essa parte da geração de renda ou coisa assim, então eles que fazem as reuniões. Agora eles estão lutando para o artesanato ser tipo como se fosse uma profissão. Porque até antes era um lazer, vamos supor assim, agora eles querem resgatar como uma profissão.
P/1 – E, Odete, você disse que também tinha o Consulado da Mulher.
R – É.
P/1 – Nessa reunião, você chegou a conhecê-los, o pessoal do consulado?
R – Sim. Daí então a Economia Solidária é uma parte e o consulado é outra. Então a Ana, essa me convidou também pra participar do Consulado. Então desde que eu vim pra cá, eu vim mês de fevereiro, mês de março eu já comecei a participar das duas reuniões. Não deu nem um mês, vamos supor. Ali também, o Consulado, ele dá formação pra gente. Como a gente, vamos supor assim, tivemos um curso no Sebrae também. Então pra atender o público, né?
P/1 – Mas lá atrás você ainda era uma artesã?
R – Era uma artesã. O Consulado também, ele trabalha também com artesanato.
P/1 – E você teve o que com ele primeiro?
R – Daí comecei a participar de feiras.
P/1 – Mas você já tinha seu artesanato?
R – Já tinha meu artesanato. Eu tava começando, praticamente. Eu sempre fiz, né? Vamos supor assim, logo que eu casei, daí eu então também tinha que ganhar uma renda, fora os meus bolos. Daí eu sempre fiz tricô, crochê, sempre fiz bordado de ponta de fita, aquelas de toalha. Daí então eu sempre procurei fazer coisas, assim, pra ajudar em casa.
P/1 – E aí você começou a participar de feiras?
R – Comecei a participar de feiras.
P/1 – Como você veio para o Espaço Solidário, que é o empreendimento que você participa? Como você passou do artesanato pra trabalhar no Espaço Solidário?
R – No ano retrasado, numa feira que nós tivemos aqui na Embraco, que é uma parte da Whirlpool também, daí então eu tava participando da feira. Daí eu sempre comentava que eu sempre fiz salgadinho, docinho, bolo pra casamento, pra aniversário, festas de igreja. E daí sempre comentava, mas ficava naquilo, porque eu tava no artesanato, eles, acho que pensavam assim: “O que ela tá pensando em comida?”. Daí teve uma pessoa que trabalhou aqui no consulado, que agora ela não se encontra mais, então ela tava ali, eu fui lá pra receber os produtos e coisa, e outra também que era presidente da associação do artesanato, daí elas me disseram assim: “Odete, por que tu não vem trabalhar lá no Espaço Solidário?”.
P/1 – Mas ela era do Consulado?
R – Era do Consulado. Ela disse assim: “Por que você não vem trabalhar lá no Espaço Solidário, já que você faz alimentação, coisa?”. Eu disse: “Ah, sei lá. Vou pensar” – eu disse. Daí tá, isso foi mês de dezembro. Passou janeiro, começo de fevereiro, essa pessoa me ligou: “Oh, Odete, você se lembra daquela conversa assim, assim, de você vir trabalhar no Espaço Solidário, o que você acha?”. Eu disse: “Posso tentar” – eu disse. Porque eu sou aquela que gosto de desafio. Eu disse: “Eu posso tentar”. Ela disse assim: “Então tal dia eu vou mandar duas pessoas ali na tua casa pra ver onde você produz, o que você faz, coisa, pra daí você ver”. Daí tá, que eu faço pastel assado pra vender. Daí então eu fiz pastel assado, tudo, elas foram lá, comeram, gostaram, disse: “O que tu acha, Odete?”. Eu disse: “Quer saber de uma coisa? Eu posso tentar. Vamos fazer assim: 30 dias. Se eu achar que pra mim dá, vamos supor assim, eu gostar, daí eu fico, senão eu dou lugar pra outra”. E dia quatro de março do ano passado, fez um ano agora dia quatro que eu comecei no Espaço Solidário e tou aqui até hoje.
P/1 – Gostou.
R – Adorei. Adoro, adoro, adoro vir pra cá. Adoro!
P/1 – Odete, tem muita gente que faz os salgados, os doces, por que você acha que você, a Franciele e mais a outra menina, por que vocês foram escolhidas, selecionadas? Porque tem outras pessoas.
R – Porque antes nós éramos um grupo de sete pessoas, daí então, vamos supor assim, nós tivemos que montar uma empresa pra poder continuar aqui dentro da fábrica, por causa daqueles negócios trabalhistas. Daí então as outras acharam que pra elas não dava. Porque tinham duas que já tinham o empreendimento delas, elas estavam aqui porque gostavam também. Então elas disseram assim: “Não, nós não vamos ficar, porque nós queremos seguir a nossa marca”. Tinha outra também que depois, na última hora ali, resolveu sair. Nós ficamos em três. Então ficamos eu, a Franciele e a Lúcia. Depois a Lúcia também, ela tinha que fazer uma cirurgia urgente, daí ela disse assim: “Não, eu também não vou continuar”. Daí ficamos nós duas. Pra montar a empresa tinha que ter quatro pessoas, porque é o mínimo, vamos supor. Então ficamos eu, a Franciele, o esposo da Franciele, o Salles, e a Lucimar.
P/1 – Que entrou depois, né?
R – É. Entrou depois, que a Lúcia saiu, daí entrou a Lucimar. Daí nós montamos a empresa. Agora vamos tocar a empresa, vamos ver até onde nós vamos, né? Espero ir bem longe (risos).
P/1 – Que mudanças tiveram assim na sua vida depois que você conheceu o Consulado, vamos dizer assim?
R – Ah, o Consulado ajudou na parte de formações. O ano passado nós fizemos um curso na Univille, que é a Faculdade de Gastronomia, lá dentro da cozinha mesmo da Gastronomia. Esse ano continua, mas aí por causa da empresa, muita carga horária de trabalho pra nós, daí esse ano a gente não pôde continuar o curso. Porque na verdade já faz quatro anos, quase cinco anos que eu faço curso na Univille.
P/1 – Todo ano?
R – Todo ano. Primeiro, olha, três anos eu fiz só de artesanato, a parte de designer. E daí o ano passado, como eu comecei na culinária, daí então eu fiz o de Gastronomia. E fiz o curso no Sebrae também referente ao artesanato. A gente sempre tem formação. O Consulado proporciona pra gente formações pra gente sempre tocar o empreendimento. Agora eles estão nos ajudando, vamos supor assim, a gerenciar o empreendimento. Porque, como a gente diz, a gente é nova no mercado, não tem muita experiência, então tem que ter alguém pra dar suporte pra gente.
P/1 – E você já fazia uns doces, salgados bem gostosos? Ou não?
R – Sim (risos).
P/1 – E esse curso de culinária acrescentou alguma coisa?
R – Acrescentou. Que nem eu, vamos supor assim, fiz cursos, tudo, mas você nunca aprende todas as técnicas dentro da Gastronomia. Esse curso da Univille ajudou a gente, vamos supor assim, você sabe uma técnica, ele ajudou a mesma técnica, mas num modo diferente. Então isso aí acrescentou pra gente, porque eu fazia um pão assim, daí então, vamos supor assim, você faz a massa do pão, eu colocava o sal tudo junto na massa, aí a professora ensinou que o sal é o último que vai na massa do pão. Então é uma coisa nova que a gente aprendeu. Porque senão o pão não cresce, ou coisa assim. Então o sal é sempre a última coisa a acrescentar na massa do pão.
P/1 – E como é o trabalho de vocês aqui no espaço solidário?
R – Ah, é uma amizade que tá louco! Que nem, eu digo assim, a gente nem é, vamos supor assim, colega, a gente é uma família. Que nem, a gente brinca, a gente dá risada, uma brinca com a outra, a outra não se incomoda, ou muitas vezes faz uma cara feia, mas dali um pouquinho vira o rosto, mas volta, já com um sorriso no rosto. Ah, é uma amizade que tá louco!
P/1 – E o trabalho, como ele é organizado, dividido? Quem faz o quê?
R – Na verdade, todo mundo faz um pouco de tudo. Vamos supor assim, o que a Fran faz, eu faço; o que eu faço, a Lucimar faz. Porque nós temos a cozinha, que a gente produz lá pra trazer pra cá. Então, vamos supor assim, duas ficam aqui e uma fica lá na cozinha com a nossa assistente, com a dona Constantina. Daí então quem fica na cozinha tem que saber fazer tudo, pra produzir, pra no outro dia elas trazerem pra cá. Então não tem divisão de trabalho: você faz bolo, você faz pão, ou coisa assim. Todo mundo sabe o trabalho da outra.
P/1 – E, Odete, essa pessoa assistente, ela ganha por hora?
R – Ela, vamos supor assim, é um salário que a gente dá pra ela. Ela cumpre a carga horária das oito horas. Que nem, ela entra junto conosco de manhã cedo, fechou as oito horas, ela vai pra casa. E nós continuamos, porque nós não temos horário pra entrar e não temos horário pra sair, mas ela cumpre o horário dela.
P/1 – E pra renda como tá? Teve mudanças em relação ao seu rendimento pra família?
R – Vamos supor assim, mudança, mudança, por enquanto a gente não tá tendo, porque é uma empresa nova, a gente recém abriu, então a gente ainda não tem uma noção, vamos supor assim, do valor em si. Mas, assim, tá muito bom, porque continua o mesmo ritmo, não diminuiu nada. Mas então como a gente tem que comprar ainda matéria-prima, aquelas coisas, e material também pra gente produzir, então a gente não tá ainda tendo um fluxo de caixa pra gente saber o “coiso”, mas mais adiante a gente vai conseguir. Até o Consulado agora tá nos ajudando agora a organizar a casa (risos).
P/1 – E o que de mais importante nesse gerenciamento vocês estão aprendendo? O que o Consulado tá ensinando?
R – Ah, vamos supor assim, a ter um livro-caixa, pra gente saber o que entra e o que sai pra gente conseguir administrar o dinheiro. Porque, que nem a gente diz, não adianta entrar, entrar, entrar dinheiro, e amanhã sair e você não saber onde foi aquele dinheiro. Porque tudo tem que saber o que comprar, o que pagar, pra gente não se perder no caminho (riso).
P/1 – E vocês ficam aqui um tempo, né, Odete? E depois como é que funciona?
R – A gente assina um termo de compromisso, é um ano prorrogável por mais um ano. Que nem a gente pode ficar aqui um ano, como pode ficar dois anos. Depois, se o consulado achar por bem trocar, daí entra outra turma. Daí gente sai, e entra outra turma.
P/1 – E qual é a expectativa para o futuro nesse caso?
R – Nesse caso é nós tocarmos o nosso empreendimento independente do Consulado. Claro, enquanto a gente puder usufruir, claro. Mas, vamos supor assim, quando terminar esse aporte, nós queremos continuar o nosso empreendimento com as nossas pernas.
P/1 – Todas juntas?
R – Todas juntas.
P/1 – E qual é o seu maior sonho, Odete, hoje?
R – O meu maior sonho hoje é que o empreendimento, vamos supor assim, ele consiga abrir caminhos. Vamos supor assim, nós abrirmos nossa confeitaria, nosso espaço, abrir nossas portas e tocarmos o nosso empreendimento. Pra gente também sentir o que o povo quer, porque a gente tá sempre atrás do gosto do povo. Que nem, se vem um, pede assim um bolo de chocolate, você tem que fazer do gosto dele. Então eu espero assim um dia nós abrirmos nossa confeitaria (risos).
P/1 – Você quer falar mais alguma coisa, Odete, que você não falou?
R – Não, eu acho que já falei demais (risos).
P/1 – O que você achou de contar essa história pra nós?
R – Olha, tem partes ali que, vamos supor assim, às vezes a gente não comenta, mas você não se aprofunda no assunto. Que nem, agora não, agora eu comentei, não me aprofundei tanto como seria necessário, mas eu, assim, que nem eu digo, abri meu coração. Contei coisas do meu passado que, vamos supor assim, eu teria vergonha de contar, não porque eu fiz coisa errada, não fiz coisa errada, mas, vamos supor assim, que nem do meu pai, do meu casamento, coisas assim, que é uma coisa mais íntima. Que nem, agora eu abri meu coração.
P/1 – E assim, eu gostaria de saber o que significou abrir o coração numa entrevista assim pra nós? Pode ter sido bom ou ruim.
R – Foi ótimo, foi ótimo. Porque a gente começa a relembrar coisas do passado que às vezes tá lá dentro guardado, mas você no dia-a-dia não comenta, porque muitas vezes o assunto não interessa pra certas pessoas, daí então você fica guardando pra você. Que nem, hoje eu abri meu coração, eu contei coisas que sei lá seu eu contaria ou não contaria pra outra pessoa (risos).
P/1 – Porque essa é a sua história, né, Odete?
R – É a minha história.
P/1 – Então agora a sua história tá gravada.
R – Quero ver o que vai sair.
P/1 – A sua história faz parte da história geral agora.
R – É (risos). Vamos ver o que saiu aí!
P/1 – E foi uma ótima contribuição, viu?
R – É?
P/1 – Com certeza. Porque por meio da sua história, Odete, a gente conhece muitas coisas de costumes, por isso que eu fui perguntando da fábrica, da educação, dos valores, até chegar aos dias de hoje, das suas lutas.
R – É. E todo mundo tem uma luta na vida, né?
P/1 – Então muito obrigada.
R – Obrigada digo eu!
FINAL DA ENTREVISTA
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