Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Dom Luis Flávio Cappio
Entrevistado por Winny Choe
Sobradinho, 09/12/2007
MB_HV091_Dom Cappio
Transcrito por Vivian Wolf Krauss
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P/1 – Dom Cappio, é um prazer estar conversando um pouquinho com o senhor e eu queria, pra começar, que o senhor falasse o seu nome completo, o nome dos seus pais e a cidade de nascimento.
R – Meu nome completo é Luis Flávio Cappio. Nasci na cidade de Guaratinguetá, Estado de São Paulo, e meus pais se chamavam Luis Cappio e Letícia Levis Cappio.
P/1 – Os seus pais são de São Paulo também?
R – Não, eles nasceram na Itália e vieram para o Brasil na década de 1930.
P/1 – Senhor Dom Cappio, o senhor poderia contar pra gente um pouco como se iniciou a sua vida religiosa, como o senhor começou em Guaratinguetá?
R – Sim, eu venho de uma família cristã, católica praticante, e toda a minha infância, a minha adolescência, a minha juventude foi nesse ambiente assim marcadamente formado pela religião, pela fé. E nesse clima eu descobri minha vocação religiosa sacerdotal e optei por entrar na Ordem dos Frades Menores Franciscanos. Ingressei na Ordem dos Franciscanos, me ordenei Sacerdote e logo depois eu vim para o Sertão da Bahia. Já faz 33 anos que eu trabalho no sertão da Bahia.
P/1 – E como foi esse começo do trabalho do senhor no sertão da Bahia?
R – Eu vim como missionário porque, como a senhora deve saber, os franciscanos optam por aqueles locais mais carentes, mais necessitados e mais pobres. E o sertão da Bahia é o lugar onde predominantemente vivem os mais pobres deste país e é por isso que eu vim morar e servir esse povo.
R – E o senhor poderia me contar um pouco de como foi a primeira lembrança que o senhor tem do São Francisco, do rio?
R – Eu conheci o Rio São Francisco como acidente geográfico nas aulas de geografia no meu tempo de estudante. Mas quando eu vim para o sertão da Bahia,...
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Projeto Memória dos Brasileiros
Depoimento de Dom Luis Flávio Cappio
Entrevistado por Winny Choe
Sobradinho, 09/12/2007
MB_HV091_Dom Cappio
Transcrito por Vivian Wolf Krauss
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P/1 – Dom Cappio, é um prazer estar conversando um pouquinho com o senhor e eu queria, pra começar, que o senhor falasse o seu nome completo, o nome dos seus pais e a cidade de nascimento.
R – Meu nome completo é Luis Flávio Cappio. Nasci na cidade de Guaratinguetá, Estado de São Paulo, e meus pais se chamavam Luis Cappio e Letícia Levis Cappio.
P/1 – Os seus pais são de São Paulo também?
R – Não, eles nasceram na Itália e vieram para o Brasil na década de 1930.
P/1 – Senhor Dom Cappio, o senhor poderia contar pra gente um pouco como se iniciou a sua vida religiosa, como o senhor começou em Guaratinguetá?
R – Sim, eu venho de uma família cristã, católica praticante, e toda a minha infância, a minha adolescência, a minha juventude foi nesse ambiente assim marcadamente formado pela religião, pela fé. E nesse clima eu descobri minha vocação religiosa sacerdotal e optei por entrar na Ordem dos Frades Menores Franciscanos. Ingressei na Ordem dos Franciscanos, me ordenei Sacerdote e logo depois eu vim para o Sertão da Bahia. Já faz 33 anos que eu trabalho no sertão da Bahia.
P/1 – E como foi esse começo do trabalho do senhor no sertão da Bahia?
R – Eu vim como missionário porque, como a senhora deve saber, os franciscanos optam por aqueles locais mais carentes, mais necessitados e mais pobres. E o sertão da Bahia é o lugar onde predominantemente vivem os mais pobres deste país e é por isso que eu vim morar e servir esse povo.
R – E o senhor poderia me contar um pouco de como foi a primeira lembrança que o senhor tem do São Francisco, do rio?
R – Eu conheci o Rio São Francisco como acidente geográfico nas aulas de geografia no meu tempo de estudante. Mas quando eu vim para o sertão da Bahia, eu observei que o São Francisco é muito mais que um acidente geográfico: ele é a vida de um povo, não é? Ele é o pai de um povo, é a mãe de um povo. É o rio e a sua bacia que garante a vida de milhões de nordestinos. Então eu passei a admirá-lo e venerá-lo, como um ente, um dom de Deus para a vida dessa população. E me preocupei, me impressionei muito, pelo seu grau de degradação, e eu percebi que a vida do povo depende da vida do rio, então lutar pela vida do rio é lutar pela vida do povo.
P/1 – E quando foi que o senhor... A lembrança de quando o senhor foi ao rio, pela primeira vez?
R – Quando?
P/1 – Quando foi que o senhor foi a primeira vez, ao rio mesmo? Que chegou perto?
R – É, eu cheguei próximo do rio quando eu cheguei na cidade de Bom Jesus da Lapa. Quando eu cheguei na cidade de Bom Jesus da Lapa, foi o meu primeiro contato com o rio, com o Rio São Francisco.
P/1 – É, a gente sabe um pouco da história do senhor e sabemos também que o senhor, de 1992 a 1993, fez uma longa peregrinação, durou um ano. O senhor podia contar um pouco pra gente como é que foi, onde ele começou, o que o senhor foi vendo, as impressões?
R – Perfeitamente. Nós, o que nos motivou a essa peregrinação foi justamente a situação em que o rio se encontra e a necessidade de entabular um diálogo com as comunidades beiradeiras para refletir com o povo a situação do rio e mostrar para o povo que em primeiro lugar esse rio é um grande dom de Deus para a vida deles. Em segundo lugar, que ele está num agudo processo de degradação. Em terceiro lugar, que é necessário que o povo assuma essa luta em defesa do seu rio. E nós estamos vendo a resposta do povo, não é? Nós iniciamos a nossa peregrinação no dia 4 de outubro de 1992, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde o rio nasce, e concluímos a nossa peregrinação no dia 4 de outubro de 1993, lá na Foz do Rio São Francisco, onde ele deságua no mar. E durante todo esse ano nós passamos em todos os municípios beiradeiros, nas Sedes Municipais, nas comunidades banhadas pelo rio, nós visitamos todas as escolas, desde a pré-escola até a universidade, falamos com todos os meios de comunicação, Câmaras de Vereadores, Prefeituras, Poder Público Municipal, autoridades, povo ribeirinho, justamente refletindo sobre a vida do rio e a necessidade de preservá-lo.
P/1 – O senhor deve ter presenciado uma diversidade muito grande, tanto da natureza quanto das pessoas.
R – Ah, perfeitamente. Em quase três mil quilômetros de distância nós saímos do muito rico, muito rico, sudoeste de Minas Gerais e chegamos ao muito pobre Alagoas e Sergipe.
P/1 – Em 2005, o senhor fez a primeira greve de fome, não é? O quê que... Como foi que o senhor começou a pensar nisso, particularmente, a refletir?
R – Sim. Nós só assumimos aquela postura, que eu vejo como sendo radical, porque quando nós soubemos do intuito do Governo Federal de realizar o projeto de transposição nós tentamos de todas as maneiras possíveis fazer com que o projeto não acontecesse. E quando nós vimos que ele estava para ser viabilizado, e não havia maneira de fazer com que a voz do povo chegasse até a oficialidade, nós então dizíamos: “Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho”. Então demos esse grito, que foi um grito que foi muito desesperado, mas que alcançou seu objetivo: motivou a todos para a questão do rio. Despertou a nação brasileira, e quem sabe até o mundo, para a real situação do rio. E só desfizemos, saímos do jejum, deixamos o jejum, porque houve um acordo explícito assinado entre eu, representando a sociedade civil brasileira e o presidente Lula, representando o Governo, onde lá se estabelecia que se abriria um amplo diálogo nacional para discutir esse projeto porque, dada à sua magnitude, merecia uma conversa com a população. E como, infelizmente esse diálogo não aconteceu, não houve meio algum – nesses dois anos tentamos de tudo para fazer com que ele acontecesse, e não aconteceu. É por isso que estamos aqui de volta.
P/1 – Nesse tempo entre essas duas greves, como o senhor viu ocorrer essa discussão da transposição e quais são os pontos do projeto que o senhor acha que são os pontos mais fortes, que não são a favor dessas comunidades moradoras?
R – Em primeiro lugar, ele é economicamente absurdo, economicamente absurdo. Por quê? Porque hoje o próprio governo tem as alternativas. No início desse ano a Agência Nacional de Águas, a ANA, publicou o Atlas do Nordeste, com mais de quinhentas alternativas de abastecimento hídrico das comunidades dos centros urbanos de todo Nordeste brasileiro, e a Articulação do Semi-Árido, a ASA, também tem uma série de experiências destinadas a dar água para as comunidades rurais. Então, se essas alternativas, que são do Governo, fossem levadas a sério, seja da ANA, seja da ASA, nós atenderíamos 44 milhões de habitantes de todo o Semi-Árido brasileiro, não apenas dos Estados do Nordeste Setentrional, pela metade do preço da transposição. O próprio Governo tem as alternativas e economicamente muito mais interessantes. Por isso que eu digo que é economicamente inviável. Em segundo lugar, é ecologicamente insustentável. Por quê? Porque vai usar água de um rio que está urgentemente necessitando de ser ajudado, de ser revitalizado, e nós não podemos atrelar o projeto de revitalização com o projeto de transposição. Em primeiro lugar, o Rio São Francisco precisa ser revitalizado, e como eu sempre digo: anêmico não doa sangue. E é ecologicamente insustentável porque já está provado que no Nordeste Setentrional tem água suficiente. O que é necessário é democratizar a água. Nós estamos na beira do Rio São Francisco e as comunidades não têm água. Então o que falta é uma infra-estrutura de distribuição da água, não é? Então é por isso que eu sempre digo: é ecologicamente insustentável. Em terceiro lugar, é socialmente injusto, socialmente injusto. Por quê? Porque tira essa água para quê? Não é para levar para os pobres, como a propaganda enganosa do governo diz, não é para isso. É para atender a infra-estrutura industrial dos grandes aglomerados industriais, então é uma água que vai para o incremento do capital, e não para o abastecimento hídrico das comunidades carentes. E, de mais a mais, quem vai pagar essa água depois, que vai ficar caríssima, é o próprio povo: o povo paga uma água que vai ser utilizada pelas oligarquias. Por isso que eu sempre digo que é um projeto socialmente injusto. E por último lugar, é um projeto eticamente errado, impossível. Por quê? Porque a água é um dom de Deus, um bem essencial, vital, e não pode ser cobrado. Quando nós pagamos a conta de água, nós pagamos o serviço, não pagamos a água: a água não pode ser paga, ela é um dom de Deus, todo ser humano tem o direito à água de qualidade e com esse projeto inaugura-se um “hidronegócio”. O que significa isso? A água na banca do comércio, a água como bem de capital que vai se transformar em bem de consumo, em bem de mercado, e isso é eticamente, não podemos aceitar. É diante desses pontos que nós dizemos que somos contrários ao projeto de transposição.
P/1 – Dom Cappio, percebo também que tem inúmeras organizações, além de pessoas que individualmente vêm pra cá, existem inúmeras organizações, que tão próximas à solidariedade desse momento que o senhor está passando. Quem são essas organizações, o senhor poderia citar algumas?
R – Ah, são muitíssimas, são centenas, centenas, centenas, centenas, nós... Vocês puderam observar que um movimento como o de hoje, que está acontecendo no Brasil e no mundo, esse gesto consegue aglutinar, em primeiro lugar, a indignação do povo, em segundo lugar, uma esperança. Então é a indignação somada à esperança que faz com que o povo parta para a luta.
P/1 – E o que o senhor acha que, o que o senhor sonha, espera pro São Francisco daqui pra frente?
R – Olha, aquilo que você deseja pro seu pai, aquilo que você deseja pra sua mãe, aquilo é o que todos nós ribeirinhos desejamos pro São Francisco, não é? Que ele tenha vida para poder continuar gerando vida pra essa população.
P/1 – É eu queria agradecer muito em nome do Museu da Pessoa.
R – Eu agradeço a todos vocês também e felicito pelo trabalho de vocês. Muito obrigado.
P/1 – Obrigado. Muito obrigada.
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