P1 – Boa tarde, Larissa, tudo bem?
R – Tudo bem.
P1 – Vamos começar com a primeira pergunta, bem simples: o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R – Meu nome é Larissa Cassiano Castro. (risos) Ai, às vezes, eu ainda me perco com o nome de casada. Eu nasci no dia 14 de abril de 1988, em Ouro Branco, uma cidade do interior de Minas Gerais.
P1 – Qual o nome dos seus pais, Larissa?
R – O nome da minha mãe é Cleide Aparecida Cassiano e o nome do meu pai é José Antônio da Silva.
P1 – Você tem irmãos?
R – Não, eu sou filha única, de mãe solo.
P1 – E qual a atividade dos seus pais, Larissa?
R – A minha mãe é auxiliar de enfermagem, aposentada e o meu pai, nós praticamente não tivemos contato. Ele já é falecido há alguns anos. Nós convivemos muito pouco, mas ele era comerciante.
P1 – Certo. Então, vamos começar falar um pouquinho da sua infância, Larissa. Você se lembra da casa onde passou a sua infância?
R – Eu me lembro. Era uma casa em Suzano, interior de São Paulo, uma casa com espaço amplo, que eu podia brincar e que tinha uma pequena horta. Era uma casa bem gostosa, pequena, mas muito aconchegante.
P1 – E você se mudou pra Suzano ainda pequena?
R – Eu me mudei pra Suzano com, mais ou menos, quatro anos de idade, junto com a minha mãe e os meus avós.
P1 – Certo. Você morava com seus avós e com a sua mãe?
R – Isso, morávamos os três. Os quatro, na verdade, né: minha mãe, o meu avô e avó, maternos.
P1 – A sua mãe e seus avós também eram mineiros?
R – Os meus avós eram mineiros, a minha mãe paulista. Os meus avós vieram para São Paulo (SP), quando eles ainda eram jovens. Moraram aqui [e] minha mãe nasceu aqui. Depois, minha mãe voltou pra Minas Gerais, pra trabalhar e, quando eu tinha quatro anos, ela voltou de novo pra São Paulo.
P1 – E como era em volta da sua casa?...
Continuar leituraP1 – Boa tarde, Larissa, tudo bem?
R – Tudo bem.
P1 – Vamos começar com a primeira pergunta, bem simples: o seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R – Meu nome é Larissa Cassiano Castro. (risos) Ai, às vezes, eu ainda me perco com o nome de casada. Eu nasci no dia 14 de abril de 1988, em Ouro Branco, uma cidade do interior de Minas Gerais.
P1 – Qual o nome dos seus pais, Larissa?
R – O nome da minha mãe é Cleide Aparecida Cassiano e o nome do meu pai é José Antônio da Silva.
P1 – Você tem irmãos?
R – Não, eu sou filha única, de mãe solo.
P1 – E qual a atividade dos seus pais, Larissa?
R – A minha mãe é auxiliar de enfermagem, aposentada e o meu pai, nós praticamente não tivemos contato. Ele já é falecido há alguns anos. Nós convivemos muito pouco, mas ele era comerciante.
P1 – Certo. Então, vamos começar falar um pouquinho da sua infância, Larissa. Você se lembra da casa onde passou a sua infância?
R – Eu me lembro. Era uma casa em Suzano, interior de São Paulo, uma casa com espaço amplo, que eu podia brincar e que tinha uma pequena horta. Era uma casa bem gostosa, pequena, mas muito aconchegante.
P1 – E você se mudou pra Suzano ainda pequena?
R – Eu me mudei pra Suzano com, mais ou menos, quatro anos de idade, junto com a minha mãe e os meus avós.
P1 – Certo. Você morava com seus avós e com a sua mãe?
R – Isso, morávamos os três. Os quatro, na verdade, né: minha mãe, o meu avô e avó, maternos.
P1 – A sua mãe e seus avós também eram mineiros?
R – Os meus avós eram mineiros, a minha mãe paulista. Os meus avós vieram para São Paulo (SP), quando eles ainda eram jovens. Moraram aqui [e] minha mãe nasceu aqui. Depois, minha mãe voltou pra Minas Gerais, pra trabalhar e, quando eu tinha quatro anos, ela voltou de novo pra São Paulo.
P1 – E como era em volta da sua casa? Você tinha espaço pra brincar, conhecia os vizinhos? Me conta um pouco como era esse seu dia a dia de criança.
R – Era bem gostoso. Acho que era uma outra realidade, né, muito diferente de hoje, então era uma criação muito na rua, de chegar da escola, almoçar e ficar brincando com os coleguinhas na rua, com as crianças, os vizinhos. Eu me lembro que brincava muito com a neta da vizinha. Brincava muito, tanto na rua, mas também dentro de casa, com brincadeiras muito de terra, de casinha, de montar e construir coisas dentro do quintal de casa.
P1 – E com as outras crianças, do que mais você gostava de brincar, Larissa?
R – Acho que era muito, a gente brincava muito de corre-corre, de amarelinha, aquelas coisas, que a rua era muito tranquila e a gente tinha uma parte da rua que era sem saída. Então, nesse canto que era sem saída, a gente brincava muito de corre-corre, esconde-esconde, amarelinha, de coisas desse tipo. Também gostava muito de brincar com bonecas, então, que eram as brincadeiras mais em casa, que a gente podia fazer. Era uma infância muito gostosa, uma época com uma certa limitação financeira, mas que, dentro daquela limitação, eu acho que consegui ter uma infância muito gostosa. Porque as brincadeiras não tinham essa questão, né, financeira. A gente não se apega a isso na infância. Isso era muito gostoso, esse crescimento podendo brincar na rua e podendo brincar ao ar livre.
P1 – Você tinha algum sonho de infância, Larissa?
R – Acho que, na infância, os meus sonhos eram muito relacionados com meu pai, eu cresci muito com sonhos relacionados a isso, assim. Os meus desejos eram muito relacionados a ter o meu pai próximo, a ter a família junto com a família dele, ter essa reunião juntos. Era uma coisa que eu sonhava muito, que eu pensava muito, e também ter a minha mãe mais próxima. Minha mãe trabalhava muito. Ela trabalhava em dois hospitais. À noite, então, praticamente, ela estava todas as noites fora de casa. Durante o dia, ela estava em casa, dormindo. Então, os meus sonhos eram muito de ter a minha mãe [por] mais tempo e de ter o meu pai próximo. Então, ter os dois mais próximos.
P1 – Certo. Então, vamos entrar, agora, um pouco na sua vida escolar. Você se lembra... Quais as primeiras memórias que você tem de ir pra escola?
R – Acho que a minha primeira escola foi bem pertinho de casa, então minha memória era muito da minha mãe me levando, do intervalo. Eu me lembro muito do intervalo, da escola, das brincadeiras durante o intervalo. Então eu me recordo muito desse momento em que minha mãe me levava e que minha vó me buscava da escola, daquela escola perto de casa. Eu estudei pouco tempo perto de casa, foi só a primeira série, depois eu me mudei pra escolas que eram mais na região central. Mas, esse primeiro ano, na escola perto de casa, me dá boas memórias, memórias bem gostosas.
P1 – E depois que você se mudou de escola, quantos anos você estudou nessa outra escola [que era] mais longe?
R – Nessa outra escola, eu fiquei praticamente o ensino fundamental inteiro. Na verdade, eu estudei a primeira série nessa escola próxima de casa; na segunda série, eu estudei numa escola particular; daí, nos outros anos, eu voltei pra escola pública, por questões financeiras, e alí fiquei, da segunda série até, se eu não me engano, a oitava série, quando eu mudei pro ensino médio. Então, eu me mantive na mesma escola, por todo esse período.
P1 - Nesse período, nessa escola onde você passou mais tempo, você se lembra de alguma matéria que você gostava mais ou de algum professor que tenha te marcado até hoje por algum motivo?
R - Eu me lembro bastante [que] gostava muito de Português. Eu me lembro muito das professoras dessa época e uma que me marcou, na verdade, foi uma professora que deu aula pra mim na pré-escola e na época escolar ela me dava aulas de reforço de Português. Eu gostava muito. Ela era uma vizinha, então me dava aulas de reforço. E era uma memória muito gostosa, porque era aquela coisa dela ter dado aula para mim na pré-escola e voltar a ter aulas de reforço com ela, ali, naquele período escolar do ensino fundamental. Foi uma das professoras que eu me recordo mais, com muito carinho.
P1 - E a escola tinha outras atividades? Você se lembra de algum outro momento marcante, que você se lembra até hoje, alguma festa, algum evento?
R - Na infância, eu gostava muito de festa junina, então era um período escolar que me marcava muito. As festas juninas eram coisas que eu gostava muito de participar, que eu me envolvia bastante. Então, eu me lembro dessas festas, de levar comida, de danças, de ensaiar. Eram coisas que eu gostava muito.
P1 – Então, vamos passar agora para o seu ensino médio: aí você mudou de escola novamente. O que mudou nesse período, pra você?
R - Acho que o ensino médio foi um período um pouco mais difícil. A transição de você sair de uma escola mais infantil pra uma escola de ensino médio, que tem alunos mais velhos, [com] alunos que têm várias vivências, né? Era uma escola no Centro de São Paulo... No centro de Suzano, mas uma escola pública, então ela tinha várias questões de dificuldades, diversos tipos de alunos ali, naquele ambiente. E eu tinha saído de uma escola menor, numa escola que até então era mais infantil. Então, eu acho que o “bullying”, nessa escola, essa mudança foi algo que me marcou bastante. Era uma coisa assim que, de certa forma, marcava um pouco, tudo isso, toda essa questão de alunos maiores, alunos que eu não conhecia, porque numa escola menor, você conhece todo mundo. Então, essa transição, no início, foi um pouco difícil. Eu era uma pessoa que estudava muito, eu gostava muito de estudar e era o tipo de aluna que os outros não gostavam, porque eu não parava de fazer pergunta. Então eu recebia muito apelido de Zé Perguntinha, coisas desse tipo que, quando você está no período escolar e não tem esse entendimento, às vezes, de também dar o espaço pros outros, porque você quer aprender, você está aprendendo. E eu fazia muitas aulas de reforço, então muitas vezes eu já tinha visto o que eles estavam dando. Então, foram fases um pouco difíceis, essa transição, essa manutenção. Acredito que, no ensino médio, talvez tenha sido uma das fases escolares que eu tive mais dificuldade, por isso, por essa dificuldade de adaptação e de vínculo com os outros colegas, porque o “bullying” era uma coisa bem real, era uma coisa frequente. Eu já era uma pessoa gorda, uma menina gorda, então isso era uma coisa que fazia com que houvesse muitas piadas, houvesse muitas coisas. Então, foi uma fase um pouco mais difícil.
P1 - Entendi. E, nesse período de adolescência, já, o que você gostava de fazer no seu tempo livre?
R - Eu era muito caseira, muito “nerd” mesmo, então gostava muito de ler. Eu gostava muito de ficar em casa. Foi numa fase em que eu tive também uma transição religiosa, então era uma fase em que eu ia muito pra igreja e ficava muito em casa. Então, as coisas que eu mais gostava, praticamente, nessa fase da adolescência, eram de estar em ambientes da igreja, estar em casa, ler. Eu estudava muito nessa época do ensino médio. No segundo ano do ensino médio, eu já comecei a fazer cursinho preparatório. Então, no final de semana, eu participava do cursinho, que era um cursinho voluntário, o Educafro, então eu participava nos fins de semana. Durante a semana, eu estudava, participava de coisas da igreja.
P1 – Nesse período, você já tinha uma ideia do que gostaria de fazer, em curso superior?
R - Nesse período, eu tinha muito uma vontade de seguir algo dentro da Saúde, só que tinha muito essa questão da limitação financeira. A minha mãe é uma auxiliar de enfermagem, então eu via a dificuldade dela de me manter estudando, de ajudar nos meus estudos, então era uma coisa difícil e eu ficava muito na dúvida de como me manter, de como fazer tudo isso acontecer. Nesse período, eu comecei a trabalhar numa papelaria, pra tentar ajuntar dinheiro, pra poder pagar o cursinho, porque, até então, eu queria muito, de certa forma, Medicina, mas, ao mesmo tempo, em que eu queria... Acho que o medo de não conseguir me assustava, daí eu ficava naquela coisa: “Então, eu vou fazer Enfermagem”, mas não era bem o que eu queria. Eu ficava muito nessa dúvida, de tipo: “E agora, o que eu faço? Que eu quero uma coisa que parece inalcançável, a outra não é o que eu quero, mas talvez seja a possibilidade que eu tenho”. Então, foi uma coisa que me deixou dividida, por um tempo.
P1 – Quando você foi prestar o vestibular, foi logo em seguida no ensino médio ou esperou um tempo, pra fazer cursinho e depois tentar?
R - Então, eu prestei vestibular no primeiro ano e não fui aprovada. No segundo ano, eu fiz o cursinho e aí prestei três vestibulares. Eu tinha muito a ideia de que eu queria passar por todas as dificuldades de estar no cursinho, de me manter no cursinho. Eu fazia o cursinho no Objetivo da Avenida Paulista, que é um cursinho muito grande e eram salas de praticamente, duzentos alunos, todos querendo Medicina. Então, isso me assustava muito, me assustava estar ali, com todas aquelas pessoas que queriam a mesma coisa e que tinham pessoas com vivências totalmente diferentes. Eu tinha que pegar praticamente três transportes diferentes, então: ônibus, trem, metrô, pra chegar ali. Tinham pessoas que moravam na frente do cursinho, quitinetes, e que estudavam o dia inteiro. Eu tinha que pegar todos [os] transportes, trabalhar à noite. Então, era bem cansativo e eu fiquei pensando que, se ficasse muito tempo ali, eu ia, talvez, perder a minha motivação, ia cada vez ficar mais cansada. Eu resolvi que eu ia dar o máximo que eu pudesse. Então, era chegar lá, estudar, sem sair. Eu me lembro muito, que é engraçado: eu fiz um ano de cursinho na Avenida Paulista [e] eu nunca fui, naquela época, no Stand Center, que era do lado do Objetivo. Eu nunca fui no “shopping center”, nunca tinha ido em nada, em nenhuma das lojas que eram ali do lado. Eu, simplesmente, chegava do metrô, descia, entrava e saía, e ficava lá. Na reta final, mesmo, eu chegava às oito da manhã e ficava até às dez da noite, estudando o dia inteiro. Só uma pausa pra o almoço e alguns lanchinhos durante o dia. E fui mantendo esse ritmo, até que prestei todos esses vestibulares. O mais difícil, para mim, dessa época, de tantos vestibulares, é que eu fui ficando muito cansada. Então, tinha vestibulares que eram longe, daí tinha que ir de ônibus, às vezes, um dia e meio de ônibus, aquela coisa toda bem cansativa, de economizar na passagem, passei todo aquele (pibi?). E eu me lembro que o vestibular da Fuvest foi já um dos últimos que eu estava prestando. No primeiro ano, eu não fui pra segunda fase. No segundo ano, quando eu fui pra segunda fase, teve alguma coisa no trem, perto de casa - e eu sempre saía muito cedo - e eu não consegui [ir]. Daí eu voltei pra casa, falei com a minha mãe e pedi pra ela me levar de carro, pra ver se a gente conseguia chegar. Minha mãe me levou. A gente estava bem perto já do local da prova, praticamente, a gente estava na frente da universidade que seria a prova, só que do outro lado da ponte. A gente precisava atravessar a ponte. Eu cheguei com dez minutos de atraso, a porta já estava fechada e era a primeira vez em que eu estava conseguindo ir pra segunda fase. Então, foi muito difícil aquele dia pra eu sair dali, de ver um ano inteiro de estudos e ver que eu não tinha conseguido fazer a prova por uma questão tão pequena de tempo. Foi uma coisa que me deixou muito mal, mas que também foi uma das coisas que mais me marcou, assim, na vida, porque isso aconteceu no domingo, que seria aquela semana de segunda fase. Eu já tinha me inscrito no Prouni, tinha feito [o] Enem. A minha nota da redação no Enem foi muito alta, me lembro que eu tirei noventa e pouco, naquela época que ia até cem, e as questões, eu também fui muito bem, então minha nota ficou muito alta. Mas eu sabia que Medicina era muito concorrido, era muito difícil, mesmo com notas altas, mas eu me inscrevi. Então eu me inscrevi na Universidade Mogi das Cruzes, me inscrevi na Santa Casa e algumas... Acho que podia se inscrever em cinco, alguma coisa do tipo: eu me inscrevi em quatro pra Medicina, uma pra Enfermagem. E, na segunda-feira, depois da prova que que perdi, saiu a classificação do Prouni e eu tinha sido aprovada. Aí, pra mim, foi uma coisa muito marcante, porque eu me lembro de sair da prova, da tentativa de chegar na prova, ficar muito mal, começar a chorar. Eu saí e fui direto pra minha mãe, pra igreja, porque eu não conseguia parar de chorar, não conseguia. Tudo que eu me lembrava era, não de um ano, porque às vezes você fica nessa de vestibular, de “mais um ano”, mas pra mim não era mais um ano, porque eu tinha colocado na minha cabeça que seria o último e que eu já estava cansada disso tudo. Então, pra mim era tipo uma vida que eu tinha percorrido até ali e perdido aquela prova, mas aí, no dia seguinte, quando me chamaram, quando eu vi minha classificação no Prouni, fiquei um tempo, assim, sem acreditar. Eu não conseguia acreditar, não queria falar pra ninguém. Eu me lembro que a prova era naquele dia, eu vi o resultado no cursinho, eu vi o resultado no Objetivo, lá tinha os computadores e eu vi o resultado lá, não acreditava. Só acreditei depois que eu liguei. Eu me lembro que liguei e falei com a secretária, que foi a secretária do curso o tempo todo - e eu me lembro do nome dela, que era Teresinha -, e eu falei: “Não, mas é isso mesmo? E eu não vou pagar mesmo, é (risos) isso?”. Eu ficava perguntando umas mil vezes e ela falou: “Você quer vir aqui, conversar comigo?”. E eu falei: “Quero”. (risos) E eu me lembro que fui até lá, só pra conversar, porque eu não acreditava que tinha passado e que era isso mesmo que eu ia entrar. Depois disso, eu só - assim, eu fiquei muito grata – consegui, realmente, entender. Acho que quando eu levei os documentos, que oficializei tudo, porque o tempo todo eu ainda ficava com medo de alguma coisa dar errado: algum papel, alguma coisa disso, qualquer coisa de dar errado, alguma coisa do tipo. Que a gente ouvia muitas histórias que: “Ah, não deu certo isso, não deu certo aquilo”. Então, quando eu efetivei tudo isso, quando deu certo pra mim, foi fechar um ciclo que eu queria realmente fechar e que senti que já estava muito difícil. Foi também uma vitória, que eu percebi que eu estava levando muitas pessoas junto. Assim, era o sonho de muitas pessoas, era o sonho da minha mãe, pessoas que trabalhavam com a minha mãe, que viam a luta dela. Minha mãe chegou a ter uma época em que ela trabalhava em três hospitais: ela trabalhava todas as noites e o dia inteiro num posto de saúde. Então, eu via a minha mãe a cada três ou quatro dias, minha mãe não dormia. Era muito difícil esse período para ela conseguir me ajudar, [e] eu também trabalhava muito. Então, esse momento de passar na faculdade, foi muito marcante pra mim, muito especial.
P1 - E em qual faculdade você foi estudar?
R - Eu fui estudar na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), é uma faculdade particular. Eu morava em Suzano, então, essa faculdade, era também perfeita pra mim, porque era trinta minutos da minha casa. Não precisei sair de casa. Eu recebia uma bolsa, naquela época, nós recebíamos trezentos reais por mês, do governo. Praticamente, eu conseguia pagar o meu transporte, a minha alimentação… Porque a faculdade é integral. Então, aí eu continuei trabalhando, mas pra conseguir manter os livros, pra conseguir manter as outras coisas. Então, também passar ali, naquela faculdade, foi importante, pra que eu conseguisse me manter porque, se fosse em outro lugar, talvez eu não conseguisse.
P1 - Larissa, conta um pouco pra gente como começaram as suas aulas. Você chegou na faculdade [e], de repente, caiu a ficha: “É isso, eu estou fazendo faculdade de Medicina”. Como você se sentiu, começando esse cotidiano de estudos na faculdade?
R - Eu acho que demorou um pouco pra cair a ficha e, de certa forma, hoje, quando eu revejo tudo isso, às vezes eu acho que não caiu. Acho que eu era muito menina, assim, muito infantil e sonhadora. Então, eu acho que, talvez, se eu vivesse a faculdade hoje, seria difícil. Naquela época, eu não via várias coisas, não percebia muitas coisas. Era uma turma de cem alunos [e] eu era a única aluna negra, então existia um preconceito, um racismo, uma coisa que era real. Era muito, ali, presente, mas que eu não posicionava, que muitas vezes eu via e abaixava a cabeça, porque muitas vezes, quando você entra numa universidade particular, em que a mensalidade, na minha época, chegava em quatro [mil] e duzentos. Isso há dez, quinze anos, era um valor muito alto. Hoje, a mensalidade é sete mil reais. Então, a gente colocando, a gente tem uma ideia. Era uma mensalidade cara e eu... Minha mãe, juntando toda renda dela, não teria dinheiro da mensalidade. Então, era uma realidade muito diferente pra gente, viver tudo aquilo, pra mim era muito diferente ver as pessoas, histórias de vida e se cruzava muito, porque as pessoas compravam o livro que o professor orientava, eu ia na biblioteca e tinha que tirar xerox, tinha que depender da xerox, mas a minha vontade de estar ali era muito grande, a minha vontade de terminar e de me formar. Então, eu acho que, assim, as dificuldades vinham, mas, às vezes, eu não olhava pra ela, eu simplesmente olhava pro fato de que eu quero me formar, né? “Eu quero o meu diploma, quero tudo isso”. E era muito difícil, porque as pessoas vinham de várias escolas diferentes, com bagagens diferentes e eu vim de uma escola pública, que tinha várias lacunas. Então, o meu Inglês era muito fraco, a minha Biologia era muito fraca, comparada com a de outros alunos. Era uma rotina em que eu tinha que correr atrás o tempo inteiro. E eu me lembro muito, assim, uma coisa que me marcou e que hoje eu vejo como negativo, mas, ao mesmo tempo, vejo que foi positivo: umas das minhas, teoricamente, colegas ou amigas de escola, logo quando eu passei pra ela, passei e falei que eu seria bolsista, que eu tinha entrado. Ela me falou: “Cuidado, hein, porque bolsista não pode pegar DP, senão você perde a bolsa”. Então, o tempo inteiro, aquilo... Porque foi uma das primeiras pessoas que eu contei, totalmente feliz, esperando uma coisa boa e ela veio com aquele balde de água fria. Aquilo me motivou muito a estudar, porque eu ficava o tempo inteiro pensando: “Nossa, eu cheguei num lugar que é tão difícil. Não posso sair daqui, eu não posso perder isso”. Então, ficava muito isso na minha cabeça, de que eu não posso perder algo que foi muito difícil de conquistar. Acho que, muitas vezes, eu abaixava a cabeça, porque eu ficava sempre pensando: “Eu não posso reclamar disso, porque e se fizerem alguma coisa, se a faculdade não gostar, se as outras pessoas não gostarem?”. Então, às vezes, eu acho que tentava até agradar demais, pra essa aceitação. Hoje, eu entendo que não tinha, né? Todos ali eram alunos, independente de pagantes ou bolsistas, todos tinham o mesmo número de matrícula, o mesmo... Pra faculdade, claro, eles preferem os alunos pagantes, de certa forma, mas os alunos bolsistas também eram desconto de imposto. Financeiramente, as contas estavam sendo pagas, estavam sendo fechadas, mas o meu medo era muito grande. Então, foi, assim, um choque de sair de uma escola pública, em que as pessoas têm uma renda familiar próxima, a chegar num lugar em que eu ouvia histórias de colegas que iam pra outros países, que tinham uma vivência muito diferente e que tinham acesso mais fáceis às coisas da própria faculdade. Então, eu vi que fui me adaptando a essa realidade, que era diferente da minha. De certa forma, às vezes me sentia mal, mas sempre tentava me motivar por esses percalços do tempo, de pessoas que falavam coisas ofensivas, de pessoas que, às vezes, não ajudavam. Eu me lembro que, numa das vezes, estava muito cansada, aí um veterano veio me perguntar o que estava acontecendo. Num primeiro momento, ele foi super agradável: “Nossa, mas é, não fica assim”. Daí eu falei: “Por que está tão difícil?”. E ele: “E quem te falou que era fácil? Você achou que seria como?”. (risos) Aí eu peguei e guardei aquilo ali, tipo assim: “Tá, não é fácil. Então eu vou ficar comigo, vou levar isso comigo”. E acho que hoje, embora eu não ache que foi certo da minha parte me calar, mas talvez tenha sido o meu sistema de defesa de, se eu tivesse batido de frente, todas essas vezes em que eu via coisas que me ofendiam, ou coisas ruins, talvez estivesse sido muito mais difícil. Foi difícil, mas acho que poderia ter sido pior, porque, também, lidar com hostilidade poderia ter sido algo mais difícil. Então, de certa forma, eu acho que foi uma transição entre sair de uma cidade pequenininha, de uma escola pequena, pro mundo, porque a universidade também é um mundo, né, são várias pessoas, totalmente diferentes, que estão morando fora de casa. Então, a maior parte dos alunos da minha faculdade eram de outras cidades, outros estados e vinham pra cá e eu não, já era da região, conhecia a região. Então, pra mim tinha também esse benefício de lidar mais fácil com algumas coisas, ali, da região. Eu acho que é uma adaptação. Foi um momento importante para mim.
P1 - E me conta como você foi prosseguindo, né, a residência, enfim, os momentos finais, quando você começou, já, a ganhar experiência profissional.
R - Durante a faculdade, pra me manter na faculdade, eu trabalhava como instrumentadora cirúrgica num hospital da minha cidade. Então, na minha faculdade, alguns alunos faziam esse trabalho. Durante o período noturno, finais de semana e alguns horários de aula livre, a gente se revezava numa escala de plantão, de auxílio às cesáreas, no hospital. Então, as pessoas ficavam de plantão e faziam todas as cesáreas. Foi o primeiro momento em que eu comecei a ter contato com a obstetrícia. Nesse primeiro momento, eu até gostava, mas ficava sempre pensando aquela coisa: “Ai, obstetra não tem rotina, não tem horário. É uma vida difícil”. E eu gostava muito de criança, eu ouvia muito isso: “Ah, a sua voz é tão de pediatra!”. As pessoas falavam muito isso pra mim: “Você tem um jeito de pediatra”. E isso foi entrando, assim, na minha cabeça, de gostar da Pediatria. Durante a faculdade, durante [os] cinco anos iniciais da faculdade, tudo o que eu fiz foi ligada à Pediatria e aí, no quinto ano, eu entrei no estágio de Pediatria e foi muito difícil pra mim. Foi um dos estágios mais difíceis, porque a gente rodava na enfermaria de crianças crônicas e tinha um bebê crônico lá que me marcou demais, que era uma história muito triste: era uma criança que, ainda recém-nascido, estava na cama; a mãe puxou o lençol, ele caiu da cama, bateu a cabeça, ficou crônico e com muitas sequelas. Ele morava no hospital, já tinha tipo uns dois anos que ele morava lá. Era uma criança muito, muito difícil e, pra mim, olhar pra ele era muito sofrido, muito doloroso. A cada vez que eu olhava, marcava muito e a gente ficava um tempo naquele estágio, passava visita todos os dias. Ver toda essa história e que a mãe, de certa forma, quase não ia, então ele ficava sempre sozinho, ali, aquilo mexeu comigo. Eu percebi que não conseguiria fazer aquilo da minha vida. E aí eu vi mais alguns casos de maus tratos e de abandono às crianças e eu não conseguia lidar com isso, assim, eu chegava em casa, eu ficava: “Mas, como assim? Tem que fazer alguma coisa!”. Eu queria denunciar, fazer de tudo e percebi que, por mais que eu não concordasse, que quisesse denunciar, de certa forma, elas já estavam ali no hospital: o serviço social sabia, o hospital sabia e não era a minha função punitiva, né? A minha função não era essa e eu não podia fazer isso. Então, com isso, eu falei: “Não, eu não posso fazer Pediatria. Não posso. Toda criança que eu encontrar nessa situação, trazer isso pra mim e nem criar essa raiva das mães, porque não dá certo fazer isso pra vida”. Eu rodei nesse estágio e logo depois comecei [o] estágio de Ginecologia e Obstetrícia, que eu já conhecia, então já tinha essa vivência dos partos, mas era muito mais de cesárea, que eu só instrumentava as cesáreas e alguns partos normais. E aí, quando eu fui pra maternidade, que vi o pós-parto, que eu vi partos vaginais, em que vi o início, na verdade, da humanização do parto, que foi bem nessa época que tudo estava aumentando, né, a humanização do parto, eu comecei a gostar muito. Me fascinou muito, esse estágio. Então, foi o momento que eu falei: “Não, é uma coisa que eu gosto: obstetrícia, ginecologia. Dá muito com a vida e com a saúde” e era uma coisa que eu senti que tinha mais afinidade. Aí foi quando eu decidi. E no sexto ano, eu já comecei a estudar, pensando em fazer as provas de residência para Ginecologia e Obstetrícia e prestei a prova. Então, eu terminei direto a faculdade, trabalhei um ano no PSF (Programa Saúde da Família), que a gente chama, que são as unidades básicas de saúde. Eu trabalhei por um ano pra juntar dinheiro, também pra residência, pra conseguir ficar, porque a residência é praticamente de dedicação exclusiva: são sessenta horas semanais. Então eu precisava de dinheiro, para eu conseguir me manter. Trabalhei esse ano, prestei a prova e aí eu comecei. Então, eu fiz três anos de especialização em Ginecologia e Obstetrícia.
P1 - Como foi essa experiência? Você teve certeza que era isso mesmo que queria? Quais foram os percalços dessa especialização em Obstetrícia?
R - É uma especialização pesada, porque ela tem tanto a parte química, de consultório ginecológico, de ambulatório, de pré-natal, mas também tem a parte cirúrgica e tem a parte dos plantões, então é meio que uma divisão entre tudo isso. Eu fiz especialização no Hospital e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, que é uma das maternidades, uma das maiores maternidades de São Paulo, que tem um volume muito grande. Então, cansaço era uma coisa que, às vezes, pegava muito. Não dormir, ter um plantão com muitos partos. Eu cheguei a ter plantões em que tive dez partos, oito partos. Então, era aquela coisa, aquele ritmo bem pesado. O cansaço, às vezes, me batia, eu ficava nessa dúvida de: “Nossa, será que eu aguento tudo isso? São três anos”. Mas eram três anos em que eu ficava assim: “Gente, será que vai passar, será que vai acabar?”. Porque pra mim já tinha sido difícil o cursinho, difícil a faculdade e eu ficava: “Quando que vem o dia calmo, quando vem a calma?”, mas eu gostava muito. Eu sempre gostei muito de pré-natal e desde o início da faculdade, a gente já tinha esse contato com o pré-natal. Então, era uma coisa que me fascinava muito e que foi me movendo, assim. Pensava no cansaço, mas, às vezes, eu também pensava, tipo: “Não é assim pra sempre, né, vai chegar o momento que as coisas vão ficar mais tranquilas”. E ao longo, também, da própria residência, foram ficando mais tranquilos e eu gostei muito, eu gostava muito de ultrassom, de obstetrícia e também das cirurgias. E aí foi um caminho construído, que eu acho que é muito importante, pra entender e pra conseguir acolher também. Hoje, eu faço pré-natal de alto risco, que envolve muitas coisas da Ginecologia, que muitas vezes precisa de cirurgias. Então, ter passado por tudo isso me deu uma segurança pra conseguir, hoje, cuidar de casos difíceis.
P1 - Ia te perguntar se você, se essa questão da assistência, do tratamento humanizado, sempre fez parte da maneira como você trabalha? Você disse que, quando começou, foi justamente o momento que isso estava surgindo, isso estava começando a ficar mais visível. Me conta um pouco exato o que é, né, as características, de tratamento humanizado e também como isso foi tomando conta do seu trabalho.
R - O hospital em que eu fiz especialização tinha várias coisas, assim, vários movimentos já de humanização, que não eram tão comuns hoje em dia: então, de mudar a posição de parto, de analgesia, de medicações pra reduzir a dor, banho, bola. Tinha tudo isso. E ali eu cresci com isso que, até então, me lembro que, assim: quando eu entrei, não se falava tanto em parto humanizado; começou a falar já no último ano em que eu estava na especialização. Então, a gente sempre tinha essa questão de tratamento com respeito, de entender o que a paciente queria, porque a humanização do parto nada mais é do que respeito. É respeito à vontade da paciente, respeito ao cuidar. É o respeito a isso. Então, era isso. A gente fazia isso, mas não tinha esse nome, esse rótulo de parto humanizado, igual hoje a gente coloca, porque algumas pessoas ainda acham que parto humanizado é só parto vaginal, que é parto na água. Então, são coisas desse tipo. Não, parto humanizado é parto com respeito, que pode ser parto vaginal, pode ser cesárea, não importa a via, o respeito pode estar em qualquer forma de nascimento. Naquela época, a gente não tinha muito essa ideia e como é um hospital com um volume muito grande, mesmo na assistência mais humanizada possível, ainda, de certa forma, tem lacunas que ficam em aberto, porque a gente tinha dias com pacientes na maca, no corredor, que não tinha leito. A gente tinha, muitas vezes, muitas pacientes em trabalho de parto, então tinha toda essa questão, mas tinha já essa ideia de acolher, de tentar fazer com que ela tivesse a menor dor possível, de abreviar aquele tempo ali, num local que talvez não fosse tão confortável. Isso já existia e mexeu muito comigo. Eu acho que foi nesse momento em que as coisas começaram a acontecer e também, depois que eu me formei, eu fui trabalhar num hospital pequeno. Esse hospital tinha muito foco na humanização, e como era um hospital bem pequeno, com o apoio das enfermeiras, a gente podia fazer muita coisa ali, porque era um hospital pequenininho. E foi ali que eu comecei a acompanhar e a ver que eu gostei muito, na especialização também, no alto-risco, tinha muito essa coisa de tentar humanizar a paciente, não a patologia. Porque muitas vezes você escutava: “Gestante diabética, gestante hipertensa”. Não, essa é a fulana que tem hipertensão. Então, tentar trazer isso, pra não ficar uma coisa tão rotulada, pra não ficar uma coisa tão despersonalizada. E aí eu acho que as coisas foram acontecendo, fui encontrando pacientes. Eu acho que a humanização também tem muito do encontro, né? Hoje, eu falo muito que tenho pacientes que se tornaram amigas, que a gente criou uma conexão fora do consultório, tipo, acaba o parto e a gente fica: “Nossa, quando você vai engravidar de novo pra voltar?”, que a gente fica nesse vínculo, né? Porque você encontra a pessoa todos os meses, por uma hora e meia; depois, no final da gestação, você a encontra duas vezes por semana, toda semana; você conhece a família; conhece, ali, o convívio; conhece a história dela. Então cria um vínculo muito gostoso, muito próximo da pessoa. Foi uma coisa que veio e fez muito a diferença para mim. Eu também percebo que muitas coisas mudaram, ao longo disso, porque, por muito tempo trabalhei no SUS e no convênio e, infelizmente, dentro da realidade do nosso país, isso é uma coisa difícil: de você, muitas vezes, criar o vínculo com a paciente, porque você tem vinte, trinta minutos pra fazer a consulta, verificar pressão, checar exame, anotar cartão de pré-natal, anotar planilha. Você tem muito tempo... Tem muita coisa pra pouco tempo e muitas vezes não criava esse vínculo que eu gostava de criar. E no consultório, como a agenda [é] eu que faço, a coordenação do tempo, eu que administro isso, consegui fazer do meu jeito. Então criar a agenda do meu meu jeito, personalizar do meu jeito e criar esse vínculo do jeito que eu sempre quis, nessa proximidade de trazer tudo isso. Eu acho também que foram construções, as construções de entender que não é que um atendimento seja ruim ou outro seja melhor. Um é mais direcionado pela questão do tempo; o outro, a gente consegue agregar mais coisas. Então, foram várias coisas que eu fui construindo, ao longo do tempo, pra entender e pra conseguir me sentir mais próxima do que eu gosto. Porque o que eu penso muito hoje é: terminei minha formação já há um tempo, ainda estou no mestrado, continuo fazendo outras coisas, pós-graduação, mas a parte mais pesada já foi. Então, agora, o que eu tô construindo é o que eu vou viver pelos próximos trinta anos. Não dá para viver de uma maneira acelerada, fazendo coisas que eu não goste por trinta anos. Prefiro estar num ambiente que me sinta bem, que consiga dar a assistência que eu sempre quis e que agora sinto que está tudo encaixando mais.
P1 - Por que especialização em gestação de alto risco? De onde veio essa ideia?
R - Essa ideia de fazer o alto risco foi durante a formação. A maior parte dos meus colegas queria fazer coisas cirúrgicas e eu percebi que gostava muito de gestante, muito de pré-natal. E a única especialização ligada a obstetrícia, na época, era em gestação de alto risco e ultrassom. Então, eu ficava muito na dúvida: “Vou fazer ultrassom, vou fazer gestação de alto risco” e ficava nessa dúvida. E o ultrassom, eu via muito como uma coisa mais fria, mais dinâmica, assim, de: faz o exame, libera a paciente, libera o laudo. E eu gostava dessa coisa de: “E aí, me conta o que está acontecendo?”. Eu gostava desse bate papo, desse encontro, e percebia que o ultrassom talvez fosse mais um complemento. Então foi o que eu fiz, me especializei em gestação de alto risco e depois fiz ultrassom, pra ter um complemento e não para ter uma coisa só ou outra.
P1 - Voltando um pouco numa pergunta que eu não fiz pra você: você teve alguma médica negra como inspiração?
R – Infelizmente, não. Infelizmente, por... Na verdade, assim, não posso dizer que não: a maior parte da minha faculdade não; no último ano, eu soube da Dra. Katleen Conceição, que é uma dermatologista; Mas aí eu já estava no último ano, então passei a faculdade praticamente inteira sem nenhuma referência. Num ano da faculdade, eu tive um professor negro, que fez o ambulatório com a gente, mas foi um período muito curto e ele foi o único médico negro, praticamente, que eu encontrei ali. Aí, a Dra. Katleen, eu fiquei sabendo da existência dela já no último ano. Quando eu fiquei sabendo, fiquei desesperada, porque queria conhecer [ela]. Queria, assim, ter essa referência. E aí eu me lembro que, naquela época, fiz todo esforço do mundo possível pra conseguir vir pagar a consulta e fiz uma consulta com ela. Foi muito especial, porque foi, assim, o primeiro momento que vi uma médica negra, porque eu já tinha visto um médico, que foi meu professor, mas não tinha visto nenhuma mulher. Então, é uma referência muito mais forte: uma mulher negra, uma médica. Então, foi muito importante para mim.
P1 - Eu gostaria que você me contasse um pouco como é o seu cotidiano hoje, já com seu consultório. Me fala como você... Quais são suas atividades profissionais, hoje em dia?
R - Praticamente, hoje, eu trabalho no consultório três dias na semana, né? Eu fico segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira no consultório. Na quinta-feira, eu tenho atividade do mestrado - Então, eu ainda tô no mestrado. -, e na terça-feira, eu faço plantão. Então, basicamente, hoje, a minha atividade é dividida nesses locais. E aí, dentro do consultório, eu faço tanto o consultório, quanto os partos que acontecem. Então, eu vou remanejando a agenda, dentro desses períodos que consigo ajustar, pra acompanhar os partos. Hoje, posso dizer que a minha rotina ficou bem mais tranquila. Já tive períodos em que eu dava plantão três a quatro vezes por semana. E hoje, um plantão é algo bem diferente, já é uma rotina bem mais tranquila.
P1 – E no meio dessa correria, Larissa, quando você arranjou tempo pra se casar? (risos)
R - Eu me casei no último ano de especialização. Então, eu estava no... Eu me formei em março, na especialização e me casei em outubro. Então foi nessa fase. A gente ia esperar um pouco mais, mas daí eu também fiquei muito nessa questão de: “Será que esse momento tranquilo vai chegar?” e aí a gente acabou [se] casando num domingo à tarde de outubro, num domingo de sol, em outubro.
P1 - E de qual ano? Em qual ano foi, Larissa?
R - 2016.
P1 - E você se lembra do dia do seu casamento?
R - Muito. Foi tudo muito planejado. Assim, a gente tentou organizar o máximo possível, os detalhes. Tinha muitos detalhes muito especiais, assim, do casamento, muita coisa que a gente fez, mesmo, de pôr a mão na massa, de fazer, e isso foi algo muito especial pra mim. É, a escolha do dia foi meio que ao acaso e escolhi um lugar que eu queria. Queria muito num local que era bem ao ar livre, com um logo, um local muito bonito. Quando nós fomos pra escolher a data e só tinha data pra um ano, mais pra frente, e só tinha um domingo naquele ano. Praticamente, já não tinha mais nenhuma data. Achei muito estranho casar no domingo e eu ouvia muito isso das pessoas, falando que era estranho casar [nesse dia], mas, no fim, eu falei: "Não, se só tem essa data e é esse lugar que eu quero, vamo tentar organizar tudo pra essa data" e aí a gente conseguiu organizar. Era um dia bem quente no começo do casamento, mas depois ficou bem arejado, um sol. O local era bem gostoso, então foi um domingo à tarde muito gostoso e muito especial pra mim. Acho que tinha muito carinho envolvido, tanto por mim como meu marido, quanto com as pessoas que estavam ali. Foi um número pequeno de pessoas que a gente convidou, então eram, realmente, as pessoas mais próximas e isso foi muito especial pra mim.
P1 - E qual o nome do seu esposo, Larissa?
R - Fábio.
P1 - Certo. É, eu vou então passar pros próximos, pro último blocos de perguntas, que é o bloco mais pessoal também: quais são as coisas mais importantes pra você hoje, Larissa?
R - Hoje, pra mim, acho que o mais importante é eu ter tempo em casa. Assim, é uma coisa que antes eu não valorizava muito e hoje ter tempo, estar com a família, acho que é o que eu mais valorizo. A minha mãe teve Covid o ano passado, numa época em que, acho que o covid nunca teve uma época tranquila, né, mas foi numa época em que não era tão difícil, igual nós vivemos alguns períodos do começo do ano passado e o começo desse ano. Foi numa época em que não tinha tantos pacientes internados, então eu consegui, é, ali, acompanhar um pouco mais essa evolução dela, mas, ao mesmo tempo, em que eu consegui, de certa forma, acompanhar, foi muito desesperador O Covid é aquela coisa de você não sabe o que vai acontecer o tempo todo, então eu, o meu acompanhar era de ouvir as ligações, mas eu não podia ir nos hospital da mesma forma. Então essa coisa de esperar ligarem pra você pra contar [sobre como] uma pessoa que você ama está e com uma doença que não tem tratamento específico, que é uma evolução ruim, me fez repensar muitas coisas e uma dessas coisas foi o tempo, então, de estar mais próximo sempre que possível, de conversar mais, de me aproximar mais. Foram coisas que eu trouxe muito disso, que hoje eu penso muito. Então, acho que muita coisa da minha rotina mudou também pensando nisso, de ter mais tempo, de não fazer aquela coisa de vários plantões pra poder trocar de carro ou pra fazer coisas desses tipos. Hoje, eu prefiro manter mais o meu pé no chão, ter essa proximidade com as pacientes, mas dentro do meu ambiente, dentro de uma forma em que eu consiga não, também, entrar numa rotina que fique ruim pra mim. Então, hoje, eu tento. Tenho pacientes de pré-natal, mas eu tenho limite. Tenho consultório, mas eu tenho limite. Antes, era uma coisa mais desenfreada, de consultório, de parto, de muita coisa e hoje eu tento priorizar esse momento em família, porque eu acho que tudo a gente consegue ajustar. A gente consegue ajustar uma conta que não dá pra pagar, a gente parcela, mas o tempo, a gente não consegue de volta e foi o que eu aprendi, porque eu também perdi ao longo do tempo muitas pessoas que eu amava e muitas pessoas que eu talvez não tivesse condições de viver. Eu nunca tive o convívio com meu pai, nunca foi uma coisa possível, mas eu também entendo [que] eu era muito pequena e não tinha como, né, [de ter] essa proatividade de ir atrás, de coisas do tipo. Dependia muito dele e isso não aconteceu. E esse tempo em que nós não vivemos, essa história que nós não vivemos, ela nunca vai voltar. Então, hoje, eu vejo muito essa questão do tempo, de pessoas que nós perdemos, pessoas que a gente deixa de conviver. Isso, nada vai trazer de volta. Não tem nada que posso substituir. A gente pode escrever uma nova história, mas não consegue reescrever essa que passou. E foi aí que eu acho que comecei a mudar um pouco a minha rotina, pensando muito nisso, de estar mais próximas das pessoas que eu amo, de focar muito nisso, nesse amor e nessa proximidade.
P1 - Quais são os seus planos para o futuro, Larissa?
R - Eu tenho muita vontade de conseguir montar um consultório multidisciplinar, em que a gestante tenha todo acompanhamento no mesmo local: que ela possa ter o pré-natal, o ultrassom, colher os exames de sangue, fisioterapia, enfermagem, nutrição, psicologia - que ela possa ter todos esses contatos, todo num único ambiente. Então meu sonho é poder criar esse ambiente e sonho muito em um ambiente como uma casa, mesmo, que ela se sinta dentro desse acolhimento da casa em que ela pode ir, fazer tudo e levar as pessoas. Então, esse, hoje, é o meu maior sonho.
P1 - Então, vamos na última pergunta, Larissa. Como foi pra você contar pra gente hoje a história da sua vida?
R - Foi muito gostoso! É muito bom reviver esses momentos, né? Eu acho, que, às vezes, as coisas vão passando tão no automático que a gente vai esquecendo, né, as coisas que já foram, os bons momentos, as boas pessoas. E eu sou muito grata, porque, ao longo da vida, eu encontrei muitas pessoas especiais que me trouxeram até aqui. Porque eu acho que a força que algumas pessoas me deram foi fundamental em momentos difíceis por questões de saúde, em questão financeiras, em questões de carência, de saudades de tudo isso. Então eu tive muitas pessoas e tenho ainda hoje muitas pessoas, muitos amigos que me ajudam de várias formas e que eu tenho um carinho muito especial. Voltar e relembrar tudo isso, é muito gostoso, né, porque eu acho que se a gente não tem uma boa estrutura de passado, não tem um futuro. Então, pra mim, foi muito gostoso lembrar disso tudo.
P1 - Bom, então, o Museu da Pessoa agradece muito, né, a você ter aceitado o convite e a sua participação. Muito obrigada, Larissa!
R - Eu que agradeço! Brigada vocês.
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