Projeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Depoimento de André Cotrim Ferreira
Entrevistado por Nataniel Torres (P/1)
Paracatu/MG, 27/11/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1178
P/1 - Pra gente começar, Sr. André, vou pedir 3 coisas que a gente sempre pede: diz, por gentileza, seu nome completo, sua data de nascimento e onde o senhor nasceu.
R - Meu nome é André Cotrim Ferreira, minha data de nascimento é 4 do 2 de 55, 66 anos, e nasci aqui em Paracatu - Na verdade, fui criado no São Domingos, mas nascimento aqui em Paracatu, na cidade.
P/1 - Qual o nome dos seus pais, Sr. André?
R - João Cotrim Ferreira e Júlia Ferreira Gomes.
P/1 - Os dois já estavam na comunidade de São Domingos.
R - Justo.
P/1 - Eles se conheceram lá na comunidade? O senhor sabe da história?
R - Sim. Minha mãe e meu pai se conheceram lá. Se casaram, minha mãe casou com 13 anos, porque na verdade ela perdeu os pais muito cedo, aí ela foi sendo criada por uma tia e naquela época, era criada com tias, e eles colocaram ela logo pra casar, porque ficava na casa de parentes, já era um tipo de incômodo. Aí ela, aos 13 anos, conheceu meu pai - era mais velho do que ela, mas aí eles se casaram.
P/1 - E ficaram lá na comunidade?
R - Continuou morando na comunidade.
P/1 - Seu André, seu pai, sua mãe, eles trabalhavam com o quê?
R - Na verdade, o meu pai a vida toda foi agricultor. Ele trabalhava no terreno dele. Nós tínhamos o nosso terreno e ele plantava. A minha mãe trazia as coisas que colhia, tipo cará, mandioca, milho, essas coisas que eles produziam. Lá no terreno tinha caju, eles pegavam, então traziam tudo pra aqui pra cidade, pra vender. Nesse intervalo, meu pai trabalhava também… Trabalhava em olaria. Fazia tijolinho. De olaria ou então, também, no garimpo, tirando ouro lá no córrego mesmo. Essas eram as atividades de trabalho dele.
P/1 - Seu pai teve todos esses trabalhos, além da lavoura,...
Continuar leituraProjeto Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Depoimento de André Cotrim Ferreira
Entrevistado por Nataniel Torres (P/1)
Paracatu/MG, 27/11/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1178
P/1 - Pra gente começar, Sr. André, vou pedir 3 coisas que a gente sempre pede: diz, por gentileza, seu nome completo, sua data de nascimento e onde o senhor nasceu.
R - Meu nome é André Cotrim Ferreira, minha data de nascimento é 4 do 2 de 55, 66 anos, e nasci aqui em Paracatu - Na verdade, fui criado no São Domingos, mas nascimento aqui em Paracatu, na cidade.
P/1 - Qual o nome dos seus pais, Sr. André?
R - João Cotrim Ferreira e Júlia Ferreira Gomes.
P/1 - Os dois já estavam na comunidade de São Domingos.
R - Justo.
P/1 - Eles se conheceram lá na comunidade? O senhor sabe da história?
R - Sim. Minha mãe e meu pai se conheceram lá. Se casaram, minha mãe casou com 13 anos, porque na verdade ela perdeu os pais muito cedo, aí ela foi sendo criada por uma tia e naquela época, era criada com tias, e eles colocaram ela logo pra casar, porque ficava na casa de parentes, já era um tipo de incômodo. Aí ela, aos 13 anos, conheceu meu pai - era mais velho do que ela, mas aí eles se casaram.
P/1 - E ficaram lá na comunidade?
R - Continuou morando na comunidade.
P/1 - Seu André, seu pai, sua mãe, eles trabalhavam com o quê?
R - Na verdade, o meu pai a vida toda foi agricultor. Ele trabalhava no terreno dele. Nós tínhamos o nosso terreno e ele plantava. A minha mãe trazia as coisas que colhia, tipo cará, mandioca, milho, essas coisas que eles produziam. Lá no terreno tinha caju, eles pegavam, então traziam tudo pra aqui pra cidade, pra vender. Nesse intervalo, meu pai trabalhava também… Trabalhava em olaria. Fazia tijolinho. De olaria ou então, também, no garimpo, tirando ouro lá no córrego mesmo. Essas eram as atividades de trabalho dele.
P/1 - Seu pai teve todos esses trabalhos, além da lavoura, que a sua mãe contribuía. Seu pai teve também o trabalho na olaria e, de alguma forma, tava envolvido no garimpo?
R - O garimpo era porque não tinha profissão, aí então, quando ele não tava trabalhando lá na terra dele mesmo, que eram as safras, ele trabalhava também aqui na construção, na cidade. Ele vinha, trabalhava de servente, mas a maioria do tempo dele foi trabalhar lá em São Domingos, nas lavouras mesmo. Aí trabalhava meeiro para os outros, sabe? E fazia mutirão na época, trabalhar em terreno dos outros, limpar, essas coisas. Foi a vida dele.
P/1 - Aí eu ia fazer uma pergunta da sua infância. O senhor teve irmãos?
R - Tenho.
P/1 - Quantos irmãos o senhor tem?
R - Nós éramos 10 irmãos. Aí faleceram 2, hoje nós somos em 8.
P/1 - As idades de vocês são muito diferentes?
R - 1 ano e meio, 2 anos de diferença.
P/1 - Então teve uma época em que vocês eram todos crianças na casa?
R - Na época, sim…
P/1 - E como é que foi essa época?
R - Eu tinha os meus irmãos mais velhos e então ficaram os mais novos, né? Da minha irmã, que é mais velha do que eu, pra baixo, a gente já ficou, porque nós somos 4 - 5, nasceram dois gêmeos, já de um bom tempo depois. Então a gente ficou na casa. E quando o meu irmão mais velho, já tinha mais idade, trabalhava aqui na cidade, surgiu de ir pra Brasília, então ele foi e nós ficamos.
P/1 - E nessa época de infância, o que vocês faziam, seu André?
R - Quando eu era criança, a gente acompanhava pai e mãe, ia mais era pra… Assim, porque a minha infância aqui no São Domingos foi muito pouca, eu pequenininho… Então meu pai compra, ____ a lavoura, naquela época, a gente já tinha 5, 6 anos, pai já fazia uma enxadinha e a gente ia com ele pra roça, pra fazer limpeza, capinar, essas coisas, ajudar a vigiar roças de arroz que meu pai plantava. Eu e uma irmã minha, mais velha, e um outro irmão meu, mais novo do que eu. Essa era a infância, mas a gente tinha as brincadeiras. Na época chovia muito, então quando era na época de chuva tinha aqueles minadores, que a gente fala, aqueles olhos d’água que nasciam nos buracos de formiga, então aquilo ali era a infância, as brincadeiras da gente. No mais, era ir pro córrego tomar banho, era o que a gente fazia. Mas sempre a gente acompanhando meus pais, tanto que quando eu nasci, tive 2 episódios, que a minha mãe fala. Um, eu era muito bebezinho, então minha mãe não tinha com quem deixar a gente em casa pra olhar e me levou pro córrego. Ela ia tirar ouro e me levou também. Ela me colocava numa bacia ou forrava um pano na areia e colocava a gente deitado ali. Eu era muito bebezinho. Aí veio uma tal formiga-correição, eu deitado na areia e minha mãe garimpando no rio. Disseram que quando ela viu que eu tava chorando, eu tava todo coberto de formigas-correição, as formigas passando, iam me atacar. Aí a minha mãe desesperou, porque viu, disse que eu já tava todo preto, mesmo porque punham umas roupinhas muito leves. Eu na areia deitado, com o pano forrado, aí as formigas começaram a me picar, porque eu tava mexendo. Minha mãe correu, me pegou e me colocou dentro d’água. Disse que eu quase me afogo ainda, porque me jogou direto dentro d’água pra tirar as formigas. Bom, aí passou. Depois, uma outra vez, ela me colocou numa bacia também, eu ainda bebê. Tava chovendo e aí ela foi pro córrego garimpar; me colocou numa bacia, numa proa lá da areia, e estava lá entretida, garimpando. Como tinha chovido muito na cabeceira… E onde ela tava, não tinha chovido. Veio aquela “ranca d’água”, de repente, e ela tava no veio do córrego, garimpando. Quando ela foi tirar as coisas do garimpo, a enchente veio muito rápido, pegou eu na bacia - sorte que a bacia também não virou - e ficou flutuando, já ia descendo comigo, aí ela correu e me pegou. Então, eu tive esses dois episódios. Deus estava comigo, né? (risos)
P/1 - Então desde pequenininho você acompanhava, a mãe levava. Provavelmente, quando você era pequenininho, ela teve você e como ela teve que cuidar, então ela levava o bebezinho no colo…
R - As outras irmãzinhas, mais velhas, sempre ficavam dentro de casa, mas como eu era bebê, mamava, então ela optava pra levar. Levou e aconteceram esses dois episódios. Quando foi na idade, mais ou menos, de 6 pra 7 anos, aqui em São Domingos era muito difícil. Eu estudei pouco tempo também, até era lá na igreja, mas foi pouco tempo. Aí fui pra Brasília.
P/1 - Mas nessa idade de infância ainda, você foi pra Brasília?
R - Eu fui, eu tava na faixa de uns 8, 9 anos.
P/1 - Mas já tinha estudado aqui, largou de estudar aqui pra ir pra Brasília?
R - Pra ir pra Brasília. Mas a escola aqui não era assim, tão significante. Tipo assim, estudava porque quem sabia ler ensinava pra gente, as outras pessoas. Não tinha professora específica. Meu irmão foi pra Brasília, aí a minha irmã mais velha casou também, tinha ido pra Brasília. Como meu irmão tava lá e minha irmã também em Brasília, ele tava com aquela opção de levar a família, já tinha levado meu pai…
P/1 - Aí seu pai tava trabalhando lá, nessa época?
R - Aí ele ficou, porque meu irmão trabalhava numa firma lá em Brasília e meu pai ficava em casa, pra cuidar das coisas lá do meu irmão, porque ele não tinha família, meu irmão era solteiro.
P/1 - Aí seu pai foi e nisso você tava com sua mãe e seus irmãos aqui, os que não eram casados?
R - Não eram casados. Aí depois ele me levou pra lá pra me ajudar também e fazer companhia a meu pai. Eu tava na faixa de 8, 9 anos. Aí foi quando eu estudei lá, ele me colocou num colégio lá, chamava até Zarur, lá na antiga… Hoje é a Vila Tenório III, lá era o IAPI, perto do Núcleo Bandeirante. Aí foi que eu tive a minha infância, eu comecei a conhecer os meninos, que a gente ia brincar. Aí eu brinquei a minha infância…
P/1 - Lá o lugar que você tava era mais cidade, já era menos roça?
R - É, mais cidade. Eu estudei lá no Zarur, fiz até a 4a série, porque na verdade… Aí meu irmão trabalhava na firma e ele colocou tipo um comerciozinho. Como meu pai já tinha mais idade, então eu ficava acompanhando meu pai no comércio. Passou um bom tempo, as coisas muito difíceis aqui, porque não tinha muito emprego naquela época.
P/1 - Quando vocês foram pra lá, a mãe continuou aqui. Você tinha irmãos mais novos, ainda…
R - Minha mãe ficou aqui. Meu irmão conseguiu, aí pegou e levou a minha mãe com os outros irmãos e aí o terreno ficou parado, sabe?
P/1 - Parado, quer dizer, ninguém morou no lugar?
R - Ninguém mais morando no lugar. Só, na verdade, uma irmã minha, que até hoje ela mora aqui, que ficava zelando de lá, mas…
P/1 - Mas ela ia de vez em quando olhar, ela não ficou morando no lugar?
R - Não. Aí lá em Brasília eu fiquei trabalhando com meu pai. Eu ia com ele pra feira vender, trabalhei vendendo pipoca no carrinho, fui engraxate, tudo isso em Brasília, na época de infância. Eu saía da escola…
P/1 - Isso você tinha uns 10, 9 anos, por aí…
R - Estava numa faixa de 10, 11 anos; até uns 13 anos, por aí. Eu fazia isso: saía da escola, ficava com meu pai no comércio, nos domingos que tinha feira, a gente levava as coisas pra vender, e eu sempre acompanhando meu pai. E quando dava meio de semana, que eu não tinha coisa pra fazer, sempre eu punha uma banca, uma caixinha de engraxate na porta do boteco do meu irmão, no comércio, apareciam as pessoas e eu engraxava.
P/1 - E ganhava um dinheirinho nessa época?
R - Assim, não era muito dinheiro, mas dava, né?
P/1 - Eram uns trocados.
R - Eram uns trocados pra gente inteirar, pra ajudar na renda de casa, e também pra mim… Naquela época tinha cinema, então aquela turma de jovens, a gente ia pro cinema, ia pra assistir um filme e eu fazia essas coisas pra ganhar o dinheiro pra participar dessas coisas. E fui assim até os meus 19 anos.
P/1 - Ah, mas aí você foi trabalhando assim, vários trabalhinhos pra ganhar uns trocados. Nisso você continuou em Brasília, nessa época… Até os 19 anos você tava em Brasília?
R - Eu vinha aqui em Paracatu na época de festa, tava mais ou menos com os meus 16, 17 anos. Sempre tinha festa, a gente não tinha aquela proibição de menor viajar, então a gente viajava. Dava época de festa, a gente vinha pra cá, participava das festas e ia embora de novo.
P/1 - Mas era festa da comunidade?
R - Tradição, né? Tipo festa de São Domingos, na Caretada, as Folias de Reis, entendeu? As festas de Nossa Senhora da Piedade. Então, quando dava essas festas tradicionais da comunidade, que dava certo, a gente vinha pra participar. Era com “torda” (?), tinha os biscoitos, a gente se empolgava e vinha. Vinha aquela turma, participava da festa e ia embora. Aos meus 19 anos, eu casei em Brasília, aí tive o meu primeiro filho…
P/1 - Sua esposa é de Brasília?
R - Não, ela é daqui, de Paracatu.
P/1 - Vocês estavam morando próximos, como é que era lá em Brasília? Porque você foi casar com uma mulher de Paracatu, como é que foi essa história?
R - Na verdade, quando nós mudamos pra lá, no IAPI, era uma invasão de barracos, e o irmão dela mais o pai - o pai dela trabalhou lá em Brasília, depois o irmão dela foi, aí ela também, muito nova, foi pra lá e trabalhou lá, de… Nos blocos, de doméstica - como a gente já era parente, aí um procurava o outro, né? A gente reuniu famílias lá. Não era próximo onde morava, mas dava final de semana, tava todo mundo junto. Aí um fazia uma festinha, convidava, a gente ia, então sempre estavam as famílias juntas.
P/1 - E quando você vinha viajar pra Paracatu, ela vinha também?
R - Não, naquela época eu vinha sozinho porque eu era solteiro. Eu era rapaz, 16, 17 anos. Com 17 anos eu me alistei, com 18 eu apresentei, aí fui dispensado do exército. Continuei… Tinha um amigo meu, comecei a trabalhar nas firmas com ele, exclusivamente na construção do Plano Paranoá, ali eu trabalhei. No Guará II eu trabalhei, fiquei fazendo as primeiras casinhas do Guará II. Então o cara empreitava as casas e eu ia pra lá serventear pra ele, com ele. E assim fui seguindo a minha vida.
P/1 - Aí você tava contando que com 19 anos você se casou com a mulher... Eu te cortei.
R - Aí com 19 anos eu casei com a minha esposa, a Benedita, só que ela é bem mais velha do que eu, ela é 14 anos mais velha do que eu - 13 e pouco.
P/1 - Que era paracatuense também…
R - Também que era da… Família, né? Que a gente somos tudo parentesco. Aí…
P/1 - Que era de Paracatu e era de São Domingos!
R - Aí com 20 anos eu tive meu primeiro filho, eu tava completando 20 anos…
P/1 - Aí você voltou pra Paracatu, depois que casou…
R - Aí, quando completei os 20 anos, meu filho nasceu lá, minha sogra pediu pra gente vir embora pra cá, porque lá em Brasília também tava uma fase muito difícil. Eu levantava muito de madrugada pra sair pro serviço, já tava muito difícil pra nós também, aí ela pediu pra gente vir embora pra cá.
P/1 - Isso era mais ou menos que época?
R - Ah, 70 e… Na verdade, nós mudamos pra Ceilândia em 71; [foi em] 75, por aí, assim, que eu vim pra cá, porque meu filho mais velho era de 75. Foi nesse meado de ano, aí a gente veio pra cá, eu tive o segundo filho…
P/1 - Já aqui, em Paracatu?
R - Já aqui, em Paracatu.
P/1 - Porque um é de Brasília e o outro já é paracatuense.
R - O outro é paracatuense. Aí eu continuei aqui, na mesma proporção… Morei na casa da minha sogra por um período. Aí tinha uma casa, um terreno dum primo da minha mulher, que eles também tinham mudado pra Brasília e tinham uma casinha lá, então a casa tava abandonada. Eu achei por bem… A gente mudou pra casa do primo e eu cultivei o terreno; eu plantava, cuidava do terreno. Fiquei sendo tipo um zelador do terreno pra ele.
P/1 - Sim. E ficou morando nessa casa?
R - Fiquei morando na casa.
P/1 - Sabe que eu fiquei só com uma dúvida? Segura só um pouquinho. E aquela casa que era dos seus pais? Sabe aquela que vocês deixaram aqui quando… Você falou que ficou meio parada, ia uma irmã só olhar… Como é que…
R - Tá. Quando a família toda foi pra Brasília, algumas coisas venderam, né? Tipo naquela época as telhas típicas, que eram aquelas telhas de barro, aí foram vendendo. Vendeu, aí ficou o terreno. Depois, já muitos anos depois - a minha mãe já tinha falecido, meu pai já tinha falecido - o meu irmão mais velho achou por bem vender aqui também, porque achou que até então a gente ia viver toda a vida em Brasília, né? E como hoje a maioria dos meus irmãos ainda moram lá…
P/1 - Seus pais foram pra Brasília e ficaram lá, em Brasília…
R - Ficaram lá, faleceram lá também. Até o final da vida em Brasília, aí venderam aqui. Foi na época que eu mudei pra cá, aí eu morei lá na terra da minha sogra, na casa da minha sogra. Depois peguei esse terreno, cultivei, aí eu construí a minha casa, que eu ainda moro até hoje, que é ainda no terreno do meu sogro, da minha sogra. É onde eu moro até hoje.
P/1 - Quando o senhor veio pra Paracatu, também foi pra trabalhar com obra, ou quando você veio, voltou nessa época pra cá, estava trabalhando com outra coisa?
R - Na época, quando eu vim pra cá, trabalhei em diversos lugares. Trabalhei na lavoura, capinando, fazendo plantio para os outros - naquela época tinha aqueles arrendatários, chamavam as pessoas pra trabalhar, eu ia trabalhar. Também, não foi muito tempo, mas trabalhei na fábrica de tijolinhos, e trabalhei mais na construção civil.
P/1 - Que era uma coisa que o senhor já tinha trabalhado em Brasília…
R - Tinha trabalhado em Brasília, aí eu vim pra cá e um dos cunhados meus, ingressei com ele e, como ele pegava serviço aqui, eu passei trabalhando com ele até aprender a profissão de pedreiro. Aí eu passei a exercer a profissão de pedreiro.
P/1 - Hoje o senhor trabalha por conta como pedreiro ou trabalha pra alguma empreiteira?
R - Hoje, na verdade, não, porque na época eu trabalhei muito fichado nas firmas, sabe? Trabalhei muito tempo só em firma. Mas como depois que eu casei, que a minha esposa adoeceu, os últimos tempos que ela adoeceu - 2017… 2015 que foi a última firma que eu entrei, até numa firma dum senhor muito conceituado aqui, eu trabalhei numa montagem de palco, a gente saía pra fora pra montar palco pra cantores, montar palco pra shows infantis. Eu trabalhei por 3 anos. Foi na época que a minha esposa adoeceu, ficou muito mal, aí ela fazia hemodiálise. Ela já não conseguia ir mais fazer hemodiálise sozinha, tinha que ter um acompanhante, porque tinha van que pegava e levava toda vida aqui em Paracatu, ali perto do Atenas, então eu tive que sair do serviço porque ela foi piorando. Eu tinha que acompanhar, não dava pra conciliar o trabalho com ela, porque ela passava muito mal.
P/1 - O senhor falou que ela fazia hemodiálise 3 vezes por semana…
R - 3 vezes por semana: segunda, quarta e sexta.
P/1 - E no começo dependia dessa ambulância, pra ir pegar ela lá…
R - Tinha van, toda a vida a hemodiálise tinha ambulância pra buscar. Só que na época ela passou um período muito mal… Perdia muito sangue, aí eu tinha que ter os cuidados. Era direto eu correndo com ela pro hospital. A penúltima vez que eu fiquei com ela no hospital, eu fiquei 22 dias, sem ir em casa, direto… Igual as enfermeiras falavam: “Você vai virar um morador do hospital”, porque não tinha assim… Alguém trocava comigo, mas dia e noite praticamente era eu. Eu ficava direto.
P/1 - Por isso que você não tinha nem como trabalhar, porque você não tinha como cumprir as responsabilidades do trabalho, porque o tempo todo tava com a mulher, né?
R - É, o tempo todo eu tinha que acompanhar ela, porque meus filhos já estavam de maior, casados também, e tinham o dia a dia deles de trabalho. Tanto que na época, um dos filhos meus ficou muito tempo trabalhando fora, e o outro, o mais novo também, ele trabalhou junto com um cunhado meu em Brasília, de eletricista. Meu cunhado chamou ele pra poder trabalhar nos blocos lá, fazer parte elétrica, então ele ficou muito tempo em Brasília. Aí era eu mesmo pra cuidar da minha esposa. Eu saí do serviço.
P/1 - E ficou cuidando dela até o final?
R - Fiquei cuidando dela até o final.
P/1 - A gente vai voltar nesse pedacinho. Deixa eu só… Pra gente não perder… O senhor tinha falado um pouco do garimpo, depois a gente vai falar da sua esposa, que eu quero conhecer essa história. O senhor tinha falado um pouco do garimpo, que até sua mãe tinha trabalhado no garimpo. Nessa época que o senhor voltou pra Paracatu, que o senhor saiu de Brasília e veio pra cá, que nasceu seu segundo filho, ainda tinha garimpo em Paracatu?
R - Tinha, era o foco da gente lá. Tanto eu garimpei lá…Quando a gente não tinha serviço, como até hoje lá, o pessoal mais velho fala, que a mãe nossa - a mãe de todos lá, na verdade - era o córrego, era garimpar. A gente ia pro córrego garimpar pra ter uma rendazinha pra comprar as coisas.
P/1 - Qual o nome do córrego lá, senhor André?
R - Córrego São Domingos. A gente, toda a vida, é o que eu falo, como meu pai, a minha mãe, a gente tem uma tradição garimpeira, então uns certos tempos eu garimpei. Na época não tinha a RPM - a RPM veio primeiro que a KinRoss, então a linha de Unaí passava ali, pelo Morro do Ouro, atravessava, descia a lagoa e ia pra Unaí. Era estrada de chão. A gente ia lá pra linha, falava a linha, né, ali no Morro do Ouro, os carros passavam, fazia aquela poeira, então a gente varria aquela estrada, levava pros tanques - os tanques eram uns que tinham lá, da época dos escravos - juntava a água, aí a gente levava pra lá e garimpava. Foi com esse dinheiro do garimpo que eu inteirei, construí minha casa, mudei telhado da minha casa, concretei, murei, porque até então a gente não tinha muro, era tudo cerca de arame. Mas aí, vindo o progresso, aquela coisa toda, a mudança, a gente já começou a murar. Esse muro, essas coisas, é bem mais recente. Mas toda a vida a gente foi de garimpo, sabe?
P/1 - Aí achava mesmo ouro e é como o senhor estava contando: achava um pouquinho, vendia…
R - Pouquinho. É como dizem, ouro é sorte. Às vezes você contava com a sorte. Tinha dia que você chegava no córrego, achava num lugarzinho, você trabalhava… Você conseguia fazer um ouro que… Tipo assim, pra você comprar o básico. Você trabalhava a semana toda ali; quando dava final de semana você apurava o ouro, trazia pra cidade, vendia e fazia as compras. Comprinha pouca, passava apertado, quer dizer, não passava fome o dia todo. E no mais, a ajuda do quintal, que a gente plantava. Era uma mandioca, um cará, tinha o mamão, um chuchu, umas coisas assim que unanimizava…
P/1 - Uma coisa complementava a outra e tudo o mais. Eu fiquei com uma dúvida de uma coisa. O senhor falou que lá na estrada, que vocês varriam… pra Unaí. O senhor falou que vocês tinham um tanque que era da época dos escravos. Como é que vocês sabiam? O povo contava?
R - Porque os nossos pais, os mais velhos… Tinha muita história assim, tinha certidões de coisas que… Na época, os meus pais contavam: “Olha, ali em cima, no morro, tem tal isso assim…” Lá tinha uma gruta, os degraus de escada que desciam. “Isso aqui era tudo feito dos escravos.” Porque meu pai, naquela época…. Os avós dele contavam essas histórias. Lá no São Domingos mesmo tinha algumas… Assim, feitas de pedra, alguns muros que eles faziam que falavam que eram senzalas, exclusivamente na cachoeira tinha, sabe? Onde os escravos acampavam eles faziam aquelas coisas de pedra, cortavam no chão, faziam aquilo pra levar água pra outro… Isso tudo o meu pai contava, os mais velhos contavam essas histórias pra nós. Então tinha…
P/1 - Isso existe ainda? Ainda está lá? Não tem mais?
R - Não, por que? Então, naquela época a gente garimpava lá, varria as estradas, tinha. Aí com o progresso, veio a primeira grande empresa pra cá, que foi a RPM - não era a KinRoss. A RPM veio, começou a explorar, trabalhando lá; a RPM ficou um bom ano. Depois, eles mudaram de dono, passou pra KinRoss. A KinRoss veio e começou a fazer essa exploração. Aí veio detonando tudo, tirando todos os morros, desmanchando e acabou com tudo isso. Tanto que a nossa cachoeira… Hoje nós não temos uma cachoeira mais, porque todas as vertentes de água que tinha, ali onde minava as águas, que era a cabeceira das águas, que nascia ali pra formar o córrego, foi tudo destruído e hoje nem o córrego mais nós temos. Não temos água mais, sabe? A cachoeira, hoje, só tem água quando chove; parou a chuva, acabou.
P/1 - Nessa época que você tava contando, muita gente minerava e vinha gente de fora que fazia o garimpo também, né? Não era só o pessoal de Paracatu.
R - Não, na verdade éramos só nós. Lá no São Domingos, a maioria… Éramos só nós, porque era família… Por exemplo: se eu tava trabalhando na cidade, tudo bem; mas [se] parei de trabalhar na cidade, ia pro garimpo. Eu já tinha minhas ferramentas, aí eu ia pro córrego complementar, até achar um outro serviço, mas éramos só nós. Aí depois, lá no São Domingos, foi aumentando, aí teve uma época que teve umas dragas, sabe?
P/1 - Por que aí primeiro vocês faziam bateia…
R - Manual, aí depois começaram essas dragas, veio colocando máquinas, aí veio uma destruição maior. Depois veio o negócio do meio ambiente, aí já foi embargando tudo, proibindo tudo e no final das contas, acabou.
P/1 - E aí esse lugar que vocês mineravam, esse lugar que vocês garimpavam depois ficou proibido, aí não podia mais garimpar naquele lugar?
R - Tinha o córrego lá, mas não pode, até hoje é proibido. Tanto que alguns ainda se aventuram, mas também até não tem mais. Ultimamente não chove assim pra dar aquelas enchentes que cortavam, pra ter o ouro. Agora não tem mais, mas alguns ainda…
P/1 - Ainda se aventuram... Mas o lugar é proibido, não pode naquele lugar fazer mineração, garimpo?
R - Agora não, porque, na verdade, passou pra Kinross, porque aí o meio ambiente, esse negócio… Já foi proibido isso, aquilo outro, aí eles… Na época, diziam que quando a gente garimpava lá no São Domingos e trazia o ouro pra vender aqui na cidade - tanto que os ourives daqui já conheciam o ouro, sabiam que era do São Domingos. Mas como eles começaram garimpando lá também, então eles proibiram aqui na cidade os ourives [de] comprar o ouro. E falavam, na dedução deles, que a gente tava indo lá pra pegar o ouro deles. Mas não era, a gente garimpava no córrego.
P/1 - Essas terras hoje, que é onde tem o córrego, onde tem a cachoeira que o senhor contou, essas terras hoje são da mineradora, é isso?
R - Uma parte é. A outra, que é a nossa, o nosso povoado, o nosso bairro… E tem a divisa deles, de uma parte. Agora a cachoeira ficou como deles, ficou tipo assim uma reserva ambiental, tanto que lá a gente não pode entrar igual de primeiro. A gente ia lá buscar lenha, [se] a gente precisava do cabo de uma enxada, de machado, alguma coisa, a gente ia lá e tirava. Hoje você não pode tirar um… Se você tirar e for pego, nossa mãe…
P/1 - Pelo que eu entendi, essa região aí, que hoje é da mineradora, ela não é explorada; essa região é uma reserva.
R - Uma reserva. Por enquanto, ainda tá sendo uma reserva ambiental, porque o morro mesmo lá, eles já garimparam ele quase todo. Só que eles fazem uma maquiagem, né? Tipo assim, eles tiram e vão fazendo uns outros montantes em forma daquele morro mas, na verdade, natural não tem mais. As nossas frutas que tinha lá, que a gente colhia - pequi, mangaba, o bacupari, que poucos conhecem, os cajuzinhos do campo, essas coisas já foram todas destruídas.
P/1 - É por isso até que o senhor sabe que tá diferente, porque não é o que tinha lá antes?
R - Não é mais o que tinha lá.
P/1 - Assim, tem mato hoje, mas não é o mesmo lugar?
R - As mangabas que a gente ia lá, pegava, trazia pra cidade pra vender. Quando era na época da RPM ainda, que era uma mineradora mais… Tinha os guardas, os seguranças, mas tipo assim frutas, eles até não proibiam da gente entrar pra pegar. Às vezes a gente ia lá, pegava lenha, eles não proibiam assim, sabe? Mas aí depois que passou pra Kinross, aí já teve outras mudanças, outra direção, aí já teve essas outras mudanças.
P/1 - E como é que tá a comunidade agora, seu André? Como é que estão as coisas lá? Porque quando vocês tinham todas as terras, tinham as terras que vocês usavam, que você falou que iam colher, que iam pegar lenha, iam pegar fruta e tudo o mais, aí agora essa terra não tem mais e a comunidade, como ficou nessa história? Como é que ela tá hoje?
R - Na verdade, nessa história a gente ficou limitado, né? A gente ficou igual a história dos indígenas. Os poderosos vêm pegando e a gente vai só se limitando. Hoje a gente tá praticamente “circulado”. A gente já não tem mais aquela liberdade como a gente era. Liberdade de andar… Dava os domingos, a gente juntava um grupo de pessoas: “Vamos passear no morro?” Então a gente subia, tinha as trilhas, que a gente ia lá pra cima dos morros… Até oração, às vezes algumas igrejas iam fazer retiro, então subiam pro morro lá porque era muito lindo, sabe? Aproveitava, nessa coisa, tinha as frutas, pegava algumas. Hoje acabou, a gente ficou limitado. Hoje eu vejo assim, que a nossa liberdade se limitou mais, em questão dessa área, desse modo da gente viver.
P/1 - Esse lugar onde tá a comunidade hoje, que você tá contando que é próximo dessa área que vocês não conseguem mais adentrar… Mas a comunidade ainda existe, as famílias ainda estão ali ao redor. Elas moram próximas, o povo ainda tá lá…
R - Sim. Ainda existem os mais velhos; na verdade, muitos faleceram. Mas a gente, que ainda não arredou o pé de lá… Já teve muitos que entoaram, colocaram na cabeça que a KinRoss vai comprar tudo lá, que vai desapropriar o pessoal, então muita gente ainda, até hoje, tem medo e muitos venderam. Aí fizeram o quê? Venderam, foram embora pra Brasília, foram embora pra outras cidades…
P/1 - Que era esse pessoal que eram os descendentes, eles estavam lá e eles foram se desfazendo…
R - Alguns saíram, né? Ainda tem a gente lá - quilombolas mesmo, nós somos 174, parece, 170, se eu não me engano. Famílias, quer dizer, casas de moradores quilombolas; em total, dá na faixa de 500, 600 pessoas, contando família, filhos, tal. Dá nessa faixa, de 600 e poucas pessoas. Mas com os outros que foram vendendo, aí aumentou. Hoje nós estamos lá com uma média de 240 e poucas casas.
P/1 - Mas muitas dessas casas são de pessoas que não são descendentes de quilombolas, chegaram depois?
R - Chegaram comprando. Outra coisa que colocaram… Porque quem tem dinheiro, você sabe, quer fazer dinheiro. Então compraram lá, a pessoa chega vendendo barato e a pessoa compra na intuição que ele ia construir, ia fazer isso, aquilo outro e quando a Kinross comprasse a indenização seria maior. A intuição de muitos lá é isso, que comprando do lado de lá, eles, construindo e quando a Kinross comprar, eles…
P/1 - Vai valorizar o terreno. Eles compraram por um valor e vão vender por bem mais?
R - Vai valorizar pra eles. É. Muitos mudaram e tão fazendo isso lá nessa intuição, de querer ganhar dinheiro em cima de uma propriedade que é nossa. A gente tá lutando hoje, porque na época que eu mudei pra cá, em 84, nós começamos a fundar a associação de moradores. Aí um rapaz era presidente, eu fui secretário por 4 anos; depois eu passei [a ser] presidente da associação, fiquei por 8 anos, 2 mandatos como presidente da associação. Foi na época que teve uma infraestrutura melhor, porque nossa água lá era difícil; trazia essa água, justamente a nossa água que atendia o povoado, que em 84 a gente tinha 54 casas - eram 54 casas dos moradores antigos. A nossa água era queda livre, um senhor que tinha lá, o senhor Ararão… É o que eu falo: tudo é fruto da sabedoria e tudo tem um começo, meio e fim. O senhor Ararão… Na época, todo mundo tinha os poços, furavam poços pra puxar a água. Seu Ararão, Deus iluminou ele. Teve criatividade e lá em cima da cachoeira, ele fez uma “barraginha” e juntamente com alguns políticos na época - o Zé Maria Andrade Porto, o seu Luís, da Vidraçaria Silva, o pessoal aqui da _________, então ajudou, deu as mangueiras… Eram aqueles tubos de polietileno. Fez a ligação, uma caixa lá no chão, em cima do morro, e bombeava, puxava a água pra lá. Aí então ficava difícil… Eles rocearam, os mais velhos, compraram um carneiro - acho que nem todos conhecem o que é carneiro [hidráulico]. Aí montou o carneiro, da barragem, a água vinha, jogava no carneiro e o carneiro bombeava a água até a caixa. Nossa, mas era uma dificuldade. Aí dessa caixa…
P/1 - Mas era uma caixa que era pra todas essas casas…
R - Pra comunidade toda. Como nós éramos 54 casas, dava pra abastecer. Na época, agora assim, tipo tá chovendo, muita água, não dava muita dificuldade. Mas no período da seca, aí a gente tinha que ir lá na cachoeira pra limpar, tirar as folhas, desentupir cano, às vezes, o cano rachava e a gente tinha que ir lá pra poder emendar…
P/1 - Toda essa manutenção eram vocês que faziam?
R - É. Tudo sempre era a gente. As pessoas, os moradores. Mas era muito unido, as mulheres iam quando os homens não estavam, não dava. As mulheres iam, já sabiam, faziam. Porém, depois renderam essa área lá, que era duma senhora lá, de um mais velho, também ______ o filho, você já viu. Vendeu essa área prum senhor, Pedro Rabelo. Aí ele comprou essa área e limitou, não era todo mundo que podia entrar lá pra mexer com isso. Ele especificou as pessoas que deixava entrar lá. Aí então, por exemplo…
P/1 - Mas vocês continuaram usando a água de lá, só que nem todo mundo podia ir lá pra fazer manutenção?
R - Não podia fazer a manutenção. Tinha vezes que faltava água e tinha que esperar a pessoa chegar pra ir lá, pra poder fazer essa manutenção. Aí foi quando em 84, um rapaz saiu vereador e junto com o deputado Ronan Tito, Moises de Melo, Luís Humberto, esse pessoal na época, e Félix de Melo era vereador, então ele teve um olhar pra nós lá. Ele pediu pra gente formar a associação. A gente formou; ele passou tudo, como formar a associação, a chapa. Formamos, fomos aprovados na igreja. Eu até hoje tenho algumas fotos da assinatura desses documentos, porque nós não tínhamos associação. Tudo, nossa reunião era na igreja. Tudo que acontecia era na igreja. Aí formamos essa associação e foi quando furaram o poço artesiano. Primeiro veio a iluminação; junto com a iluminação furou o poço artesiano, aí colocou uma caixa d’água melhor, a tubulação, aí já veio a melhoria. Aí já teve uma estrutura melhor. Pedro Rabelo, como ele tinha o terreno lá, passava a máquina cortava os canos tudo. Aí ele [o vereador] teve esse olhar melhor, como diz, pro progresso e colocou esse poço artesiano. Eles vieram, fez a inauguração da iluminação das casas, cada um comprou seu padrão de energia, instalou e aqueles pequenos moradores que tinham lá ainda, a gente foi usufruindo. Depois foi aumentando, mais moradores. De 54 casas, muitos que tinham ido embora, alguns voltaram. Aí veio o asfalto. Na época que veio o asfalto, eu já não tava mais aqui. Eu fiquei um período em Uberlândia, trabalhei 10 anos em Uberlândia, mas a minha família ficou aqui.
P/1 - Na época que você tava em Uberlândia foi quando começaram a vir outras coisas?
R - É. Surgiu o asfalto, tudo, durante esse período de 10 anos, passou por uns outros presidentes lá da associação, porque aí eu entreguei e …
P/1 - Porque depois que o senhor foi embora a associação continuou?
R - Continuou. Quando venci o meu mandato… Eu fiquei 4 anos, o meu primeiro mandato. Fizeram outra chapa, eu concorri, ganhei de novo; continuei por mais 4 anos. Depois eu cansei e tava assim, muito apertado pra mim, por causa do serviço, aí fizeram uma outra chapa, aí passaram. Essa outra chapa ganhou, eu saí e fui pra Brasília - ops, Uberlândia. Fiquei 10 anos em Uberlândia, voltei, aí firmei, voltei a entrar na associação e tô até hoje.
P/1 - Nossa, mas desse tempo que o senhor ficou em Uberlândia, quando você voltou já tinham feito outras modernizações no lugar?
R - Já, sim, mas poucas, né? Tiveram inovação, tiveram mudanças de coisas, mais uma infraestrutura. Aí mudou, porque era associação dos moradores, depois veio a titulação de quilombolas, porque aí foram mexendo com os documentos e foram descobrindo. Veio inovações melhores e…
P/1 - Mas isso veio um pouquinho mais recente. Veio dos anos 2000 pra cá, que começou a mudar alguma coisa?
R - Mais ou menos essa faixa aí. Veio remanescente quilombola. Hoje eu olho assim… O meu olhar, porque eu vejo assim a nossa comunidade. O quanto que era sofrido? Era. Difícil? Era. Mas a gente tinha total liberdade. As nossas casas ficavam de porta aberta. Você ia pra festa, até hoje tem. Tô aqui fazendo essa entrevista e a minha casa tá lá, toda aberta, só a chuva que pode ter molhado a janela. (risos) Mas fica aberta. Eu saio de casa e eu não fecho. Tem um muro e tudo mais, mas meu portão nem é trancado, por causa até de acesso também… Porque o meu filho hoje tem a casa dele no fundo, construiu no fundo do terreno, porque meu sogro dividiu os terrenos, aí um dos meus filhos construiu a casa dele. E veio o “Minha Casa, Minha Vida”, na época agora, recente, com a Caixa, aí eu construí num lote que eu tinha comprado. Eu comprei 2 lotes, que esses lotes eu até comprei com meus filhos. Mas aí um não quis porque não queria sair de perto da mãe. Aí o outro casou, veio de Brasília e construiu a casa dele e ficou o outro lote. Como surgiu a “Minha Casa, Minha Vida”, eu falei: “Já que ele não quer, eu vou construir.” De repente, eu não sei. Construí pagando até uma quantia muito mínima, na época. Na época, eu paguei 1200 reais em 4 anos, era uma coisa insignificante. Então teve a casa pronta e ela ficou fechada um tempo, mas deu de coincidência que o meu menino separou da esposa, aí começaram aquela… Aí eu falei: “Não, desamparar não. Um fica numa casa e o outro fica na outra. A casa tá aí fechada, você separou dela, ela continua na casa que vocês construíram e você passa pra outra casa.” E ele mora nessa outra casa até hoje.
P/1 - Ele mora perto do senhor, então vocês estão sempre próximos ali?
R - É, então… Esse que tá morando… Ele mora mais longe, um pouquinho. Mas é uns três, quatro…
P/1 - Mas também ali dentro da comunidade…
R - E o outro, meu filho mais novo, mora na casa do fundo. Tanto que a minha preocupação é menos assim, porque eu saio, não me preocupo muito. Apesar de que ele também mora na casa dele, mas eu tenho uma coisa comigo que eu falo assim: a chave de tudo da gente é na mão de Deus. Eu peço aos anjos, que sempre são os guardiões do meu lado, então eu não tenho preocupação. O pessoal fala assim “rouba”, isso, aquilo outro. Acontece, mas eu sempre tenho essa confiança. Dediquei sempre a minha vida e sempre procuro servir ao meu Deus e ele diz que quem busca a Deus nunca fica desamparado, então eu tenho essa total confiança. Nunca mexeram na minha casa. Eu já viajei, fiquei meses fora; eu viajava com a minha esposa, a gente foi pra Uberaba fazer uma cirurgia e eu fiquei 3 dias lá. A casa, toda a vida fechada, quer dizer, a minha cunhada mora perto também, sempre o meu cunhado vai lá dar uma olhada, mas…
P/1 - Mas só olha, a casa fica lá e o senhor fica tranquilo?
R - Mas hoje em dia a gente não pode confiar, porque justamente chegam as pessoas que são novatas e a gente não sabe quem é.
P/1 - Que não são pessoas que vocês conhecem…
R - Já tiram, assim, aquela liberdade da gente, então a gente já não fica… Tipo assim, você confia não confiando.
P/1 - Já foram tirando mais liberdades e mais essa também, então o senhor já confiou mais e hoje confia um pouco menos?
R - Menos. Igual eu falo: vem a evolução, a gente sabe que vem, mas junto vêm aquelas coisas também ruins. Mas fazer o quê, né? É só a gente saber separar as coisas. A gente também não se… Como se diz, eu não gosto de acusar, não gosto de… Se é, eu trato bem, se não é, trato bem da mesma forma, respeito todos. Como se diz, cada um no seu quadrado, respeitando o direito do outro. Eu faço assim. Eu não gosto de apontar dedo, vejo e faço de conta que não vi, entendeu? Porque a gente tem que ter uma maneira, um jogo de cintura pra lidar com as coisas. Mas que a gente não tem mais aquela confiança, isso não.
P/1 - Vamos voltar um pouquinho pra história da esposa, que eu falei que a gente ia voltar. O senhor estava falando que ela teve um problema de saúde - ela tinha um problema renal, não é isso? Ficou 6 anos, que o senhor tinha contado, fazendo hemodiálise. Nos últimos 2 anos, o senhor teve que sair do emprego pra ficar cuidando dela 100% do tempo.
R - Ela começou a fazer hemodiálise porque ela fazia automedicamento. Foi o que foi constatado, né? Ela era assim: sentia uma dor, aí alguém falava “toma tal remédio” e ela tomava. Aí ela tomava um, vamos supor, um Buscopan. Ela não esperava de 8 em 8 horas pra tomar de novo; ela continuava sentindo a dor e ela tomava de meia em meia hora, de minuto em minuto. Em vez de ela tomar um comprimido, ela tomava 2, então aquilo prejudicou os rins dela. Secou um rim dela, o outro ficou meio paralisado, funcionando 50%, e aí foi quando ela, sentindo muitas cólicas, teve pedras nos rins também e não pôde fazer a cirurgia porque ela já estava muito complicada. Fazer a cirurgia podia gerar mais, então o médico falou: “Ela vai ter que fazer hemodiálise.” Fez uma desintoxicação de medicamentos. Nós ficamos 4 dias no hospital, ela só tomando medicamentos pra desintoxicar dos remédios que ela tinha tomado. Direto com a bolsa, fazendo a medição da urina dela - ela tinha que tomar muita água, e eles medindo, fazendo os exames, até que não deu. Ela fez uma ultrassonografia, aí constataram que o rim dela tinha atrofiado. Aí falaram: “Um tá funcionando 50%, mas talvez nós possamos reverter esse quadro. Nós vamos passar um medicamento, porque se ele continuar trabalhando 50% há possibilidade de ela não fazer hemodiálise. Talvez ela vá ter que fazer a cada 15 dias uma sessão, de mês em mês”... Então ele fez. “Nós vamos fazer um teste.” Aí ficou 15 dias sem ela tomar os medicamentos e não estava fazendo hemodiálise. Ele tornou a fazer os exames, aí os rins dela tinham baixado, tavam funcionando só 20%. Ele falou: ”Não tem como, vai ter que fazer hemodiálise. Vamos ver se ele volta pros 50%.” Aí começou a fazer sessão uma vez por semana. Nesse período, ela fez uns 2 meses; tornou a fazer exame, aí ele falou: “Não tem jeito, vai ter que fazer hemodiálise direto.” Aí ela passou a fazer 3 vezes por semana. Ela ainda estava resistente, ela fazia, conseguia ir sozinha; pegava a van, eles iam lá, buscavam, ela ia, fazia a hemodiálise, ia embora. À noite eu chegava do serviço…Ela conseguia ainda fazer as coisas em casa. Depois de uns 2, 3 anos e meio, ela foi piorando. Veio tendo mais outras complicações. Graças a Deus foi bom, porque ela nunca teve problema de coração, não teve diabetes, porque muitos lá tinham diabetes, mas as veias dela eram muito finas. Ela começou a perder veia, aí tinha que ficar mudando. Nós fomos em Patos 2 vezes pra colocar o cateter na veia, aí colocou num braço, depois passou pra virilha, aí o médico falou: “Na virilha não é bom. Isso aí é muito… Por causa da infecção. Na virilha é muito próximo…” Muito sensível, então é muito propício a dar infecção. Aí fomos pra Patos, passou pro braço. Lá em Patos o cateter não funcionou, passou pro pescoço, a veia, artéria do pescoço. Aí ele falou: “Outra coisa que tem que ter muito cuidado. Vamos fazer outra tentativa, fazer outro no braço.” Fez no braço. Aí já fez em Paracatu, aqui mesmo tinha os médicos, eram cirurgiões pra essas coisas. Aí funcionou.
P/1 - Nessa época ela já tava mais fraca?
R - Já, porque ela perdeu muita veia, perdia muito sangue, aí ela foi se perdendo, enfraquecendo. Chegou um período que ela não conseguia pegar mais, ir na van, aí tinha que ter acompanhante. O médico lá da hemodiálise sempre falava comigo: “Tem que ter muito cuidado com ela”, principalmente nos dias que ela fazia hemodiálise, porque qualquer coisinha que começasse a sangrar, tinha que correr imediatamente com ela pro hospital. “Se ela perder muito sangue, ela morre.” Então, eu ficava. Quando deu mais ou menos esses 2 anos, 2 anos e meio, nesse período, eu tive que sair do serviço pra cuidar dela, porque aí não tinha mais como. Como eu tava trabalhando nessa firma que eu falei, de Humberto Neiva, que hoje é uma pessoa muito conceituada, é o dono da FM aqui em Paracatu… Agradeço muito a ele, porque… Eu falo assim, a gente ser honesto com as coisas, e Deus sempre encaminhou as coisas pra gente. Eu conversei com as meninas, os meus colegas de serviço, e falei: “Ó, infelizmente eu vou ter que sair do serviço porque não tenho condições. Eu tenho que cuidar da minha esposa e eu vou pedir a conta.” A menina do escritório falou comigo assim: “Não, seu André, não pede as contas, porque a gente sabe da sua situação” e eu sempre contava pra eles, pra seu Humberto. Aí ele foi e falou comigo. As meninas falaram: “Nós vamos conversar com seu Humberto. Ele é muito compreensivo. Se você pedir as contas, você vai perder muito dos seus direitos. Quem sabe vocês não podem entrar em um acordo pra você não ficar muito no prejuízo. Você vai ter que parar de trabalhar pra cuidar dela; vai ficar difícil pro senhor.” Eu falei: “Tudo bem.” Eu lembrei duma frase que ele me falou quando eu entrei: “Eu sou assim: as portas estão abertas pra entrar. Eu tô te dando a porta aberta pra você entrar e quero que um dia, se você sair, que eu não bata a porta pra você.” Isso ficou gravado em mim. No dia que eu falei com as meninas, eu falei: “Eu tenho que conversar com ele.” Eu já tava em pânico porque eu não aguentava mais ver ela sofrendo e eu trabalhando. E eu nunca gostei disso. Se eu tô trabalhando… Eu falava com os meninos, eu preferia perder o dia do que pegar atestado. Nunca gostei. Eu falei: “Eu já tô prejudicando o seu Humberto, que é empresa, porque ele está contando comigo e eu não podia ir.” Tinha dia que eu chegava de tardinha, ia com ela pro hospital. Passava a noite com ela no hospital, no outro dia não tinha como… Aí eu falei: “Não, eu vou conversar com ele.” Fui, marquei o dia porque ele viajava, nem sempre estava no escritório, mandei avisar pra ele. Ele foi pro escritório e eu fui direto pra ele. Contei pra ele a minha história e falei com ele: “Seu Humberto, uma coisa tá gravada em mim. O senhor falou que a porta tava aberta pra eu entrar e que quando fosse pra eu sair, que o senhor não batesse a porta. Então eu tô vindo aqui contar pro senhor a minha história, tô pedindo pro senhor me mandar embora se achar bem ou a gente entrar num acordo por isso, isso e isso.” Ele falou: “Parabéns, porque não foi preciso eu mandar você embora por outros motivos. Eu vou fazer o seguinte: vou conversar com o contador pra ver o que eu posso fazer pra você e depois você me procura.” Falei: “Tudo bem.” Passou uns 3 dias, ele me ligou, mandou me chamar no escritório, aí eu fui. Cheguei no escritório, ele falou comigo: “Olha, seu André, vou fazer uma coisa de pai pra filho, porque você foi honesto. Você foi sempre prestativo no serviço, você nunca deixou a desejar por esse período de 3 anos, então eu vou te mandar embora porque aí você vai receber um acertozinho melhor pra você poder cuidar da sua esposa. E assim que você cuidar dela e ela melhorar, se você se interessar, a porta tá aberta pra você voltar a trabalhar mais nós.” Eu agradeci ele, sabe? Deus abençoou, nós acertamos tudo direitinho, pagou o que eu tinha de direito. Eu sempre gostei de ter uma reservinha e também, na época, a minha esposa aposentou… Eu já tinha uma economiazinha, falei: “Eu vou ter que comprar um carro” porque eu sempre tinha que estar dependendo dos outros. Eu tinha uma moto, mas pro meu serviço. Aí eu falei: “Eu não sei dirigir.” Até então eu não gostava de carro. Eu sempre gostei de moto, bicicleta, foi o que eu aprendi. Eu, com 13 anos, aprendi a andar de lambreta sozinho. Meu irmão tinha uma lá em Brasília, eu peguei e comecei a andar, então eu gostei.
P/1 - Mas carro o senhor nunca tinha pegado?
R - Carro eu não tinha pegado, eu não tinha vocação pra carro. Uma época, um cunhado meu, que eu trabalhei com ele em Brasília, falou pra mim: “André, aqui é tão fácil. Tira a carteira aqui, você tem um carro…” Falei: “Não gosto.”
P/1 - O senhor nunca teve interesse nessa época?
R - Não. Aí, nessa minha necessidade, eu falei: “Meu Deus. Vou ser obrigado a comprar um carro, porque eu vou ficar levantando de madrugada, batendo na porta de pessoas pra poder ter uma condução pra me levar. Agradeço muito o rapaz, compadre meu hoje, e meu primo. Ele falava comigo: “André, na hora que você quiser…” Mas eu ia rezando tinha vez. Ele tinha um Fiatinho 147, aí eu batia na porta da casa dele. Chamava, chamava e nada. Ela passando mal e eu: “Meu Deus, ele não quer é levantar.” Quando ele levantava e vinha, eu falava: “Meu Deus, de madrugada, tirar a pessoa do sono…” Ele me levava pro hospital, sabe? Eu agradeço muito por isso, eu falo com ele isso. Aí eu falei: “Vou ter que comprar um carro.” Fui com essa economiazinha, falei com um sobrinho meu que mexe com venda e compra de carro. Falei com ele: “Olha, arruma um carro acessível pra mim, nas minhas condições. Quero comprar e pagar à vista.” “Meu tio, você quer comprar e pagar à vista?” “Eu quero. Eu nunca gostei de comprar nada fiado, então eu quero comprar e pegar à vista.” Ele falou: “Eu vou arrumar um carrinho bom pra você.” Apareceu um rapaz, eu falo, sempre Deus põe as coisas… Eu gostei do carro. Eu nunca gostei… A construção da minha casa eu falei com meu sogro, minha sogra, tudo que eu ia fazer no terreno eu comunicava a eles. Depois falava com meus filhos também. Falei com meu menino: ”Olha, tô comprando tal carro assim”, meu menino olhou, gostou. Aí eu fechei o negócio com o cara. Quando eu falei, eu só vou pegar o dinheiro… Quando foi de tarde… Eu combinei cedo com ele, levei o carro no mecânico. O rapaz falou comigo: “Não, André, pode comprar o carro. O carro é bom.” Quando foi de tarde, o rapaz chegou lá me falando: “Não, seu André, nós não podemos. Eu não vou vender o carro, porque o meu pai não deixou.” Eu falei: “Rapaz, mas você me falou…”
P/1 - Mas tava tudo certo, né?
R - Tava tudo certo, eu com o dinheiro na mão. “Meu pai não deixou porque não sei o quê, e eu tô querendo um pouquinho a mais.” Eu falei: “Não, então não tem negócio. Você já é maior de idade, se fosse menor, tudo bem. Você disse que o carro é seu, se você deixar interferir seu pai no negócio nosso, então não quero mais não.” Tudo bem. Saí do acordo. Falei com meu sobrinho, aí também uns 3 dias depois apareceu outro carro lá, até meu sobrinho que levou. “Ó, esse carro aqui eu trouxe. Esse carro é bom." Falei assim: “Eu vou falar com meus meninos.” Meu menino pegou o carro, que ele já tinha habilitação, aí ele andou no carro, olhou. Levei ele num mecânico, o rapaz olhou e falou: “André, o carro é muito bom. Não é carro pra corrida, mas é um carro que vai… Pra você se manter, ele dá pra te servir.” Aí eu fui e comprei. Na época, comprei o carro por 12 mil. Paguei à vista assim: eu dei a metade e quando fizemos a transferência eu acabei de pagar o resto. Falei: “E agora, meu Deus, pra dirigir?” Tinha um vizinho lá, ele falou: “Ah, André, faz o seguinte: eu vou dirigindo até conhecer, porque eu sei andar na cidade.” Eu não tinha habilitação, né? Aí falei: “O carro é meu, eu vou fazer o seguinte: desde que eu não atropele ninguém nem complique a vida de ninguém…” Como lá no São Domingos era pouco trânsito, eu pegava o carro e andava lá na rua.
P/1 - Você ia treinando no próprio carro?
R - No próprio carro. Mas pra vir pra hemodiálise, esse rapaz que trazia. Um dia, eu falando da hemodiálise, porque ficava difícil pra ele… Ele é de São Paulo, às vezes ele viajava, aí eu tinha que ficar procurando outro motorista pra trazer. Aí eu conversei lá na hemodiálise, o médico falou comigo: “Eu vou te dar uma declaração. Você dirige?” Falei: “Eu tô dirigindo.” “Você anda com cuidado, não vem nas carreiras. Eu vou te dar uma declaração.” Mas nessa altura eu já tava na auto-escola também, né? “Eu vou te dar uma declaração porque se caso você cair numa blitz, a polícia te parar, como você não é habilitado, você só vai poder dirigir com ela.
P/1 - Quando estiver com ela.
R - “Quando você estiver com ela. Se você pegar o carro pra ir pra rua pra fazer uma compra, uma coisa, se ela não estiver você não vai poder dirigir.”
P/1 - Aí vai dar problema pra você.
R - “Você vai ser multado, vai guinchar o carro ou alguma coisa. Aí você leva na Civil.” Assim eu fiz. Ele me deu a declaração, aí eu fui na Civil. Quando eu cheguei, o delegado falou: “Não. Isso aqui não funciona assim. Não é assim.” Contei pra ele a história, ele viu a declaração, aí ele falou: “Você conduz essa declaração, eu não posso te dar essa autonomia. Aí você dirige, você _____ disso, disso”, foi muito legal. Eu disse “tudo bem”. Aí eu fiquei levando ela pra hemodiálise sem habilitação, mas lutando. Fui o primeiro teste, não passei, o segundo não. Falei: “Meu Deus, me ajuda”. Quando foi no quarto, eu passei. Falei: “Eu vou ser persistente.” Aí no quarto eu passei.
P/1 - Aí você tirou a habilitação nessa quarta vez?
R - Eu já tinha a de moto, fiquei com a de moto e a de carro. Eu tenho habilitação A e B. Aí foi que eu fiquei mais conduzindo…
P/1 - Aí você foi levando ela até…
R - Tanto pra hemodiálise quanto aqui, pro hospital. Quando ela passava mal à noite, eu já punha…
P/1 - Aí não dependia mais de ninguém, o senhor também sabia dirigir, já tinha o carro, então qualquer coisa era rapidinho pra poder levar ela. Menos mal.
R - Quantas vezes eu colocava o carro aí na porta do hospital, no pronto socorro, aí ficava lá a noite e no outro dia, aí às vezes eu ligava pro meu menino: “Meu filho, vem cá. Você pega o carro e leva pra casa. Se eu precisar, eu ligo e você vem me buscar.”
P/1 - Porque às vezes você tinha que ficar com ela no hospital.
R - Eu tinha que ficar. Aí ele vinha, buscava o carro. Eu ligava quando dava alta, aí ele vinha, pegava ela, me pegava e a gente ia embora.
P/1 - Quando ela faleceu, foi em Paracatu mesmo? Vocês estavam aqui quando aconteceu?
R - Tava. E eu orava muito a Deus, pedindo proteção, aí ela passou muito mal lá na hemodiálise. Ela teve que parar de fazer hemodiálise, aí um médico lá me deu um laudo. Falou comigo: “André, você não sabe a gravidade que tá a sua esposa.” Ela já tava numa situação que do jeito que eu punha ela, ela ficava. Se eu punha um braço dela prum lado, ela ficava, se punha pro outro, ela ficava. Aí ele falou: “Não tem como mais, ela perdeu as veias todas. Não tem mais como fazer hemodiálise.”
P/1 - Aí não dava nem mais pra fazer hemodiálise.
R - Não dava. Ele falou: ”Agora é Deus e ela. E você, porque você cuida muito bem dela, então você vai cuidar dela assim, assim e assim. Não descuide.” Ela não alimentava mais assim, era tudo sopinha, eu tinha que estar pondo na boca dela a água. Ela ficou tipo uma boneca, uma criança. Aí eu pedindo muito a Deus força, entrei em pânico, tive depressão, porque um homem cuidar de uma mulher não era fácil. Dar banho, trocar, essas coisas, sabe? Eu ficava muito assim, fiquei muito tenso. Até que no último dia eu falei: “Meu Deus…” Aí as meninas lá da hemodiálise falaram comigo: “Seu André, nunca leve a dona Benedita, peça muito a Deus pra que ela não precise ir pra UTI, porque o senhor já entrou na UTI?” Eu falei: “Não.” Ela falou assim: “Porque de vez em quando, a gente faz hemodiálise lá no hospital, então a gente entra na UTI. Lá cheira a defunto. Tanto vai ser tortura pra ela, porque vão colocar aparelhos demais nela, quanto pro senhor, que tá acompanhando.”
P/1 - E você não ia poder estar com ela na UTI…
R - “E o senhor não vai poder estar com ela. Você vai ficar muito torturado lá, lá cheira a defunto.” Aí foi que eu entrei mais em pânico. Eu ficava 24 horas, eu não dormia. Eu sentava na beira da cama, ela dormindo e eu não conseguia dormir porque eu tinha medo. Eu pensava assim: se eu dormisse, ela poderia morrer e eu não ver. Isso foi por uns 3 ou 4 meses, ela ficou nessa situação.
P/1 - Você levou ela pra casa e falou “vou cuidar dela do jeito que der”... Entendi.
R - Até a última hora. Assim ficou uns 3 ou 4 meses, eu cuidando dela assim. Eu dava banho nela na cama, trocava, tudo, fazia comida, sopinha pra ela. As meninas da hemodiálise, a nutricionista me deu uma lista e falou: “Olha, faz assim, assim…” Me ensinou como fazer pra ela, e assim eu fazia. Tudo batido no liquidificador, porque ela não se alimentava. Tinha que pôr na colher e tinha que saber até as horas. Eu fiquei com ela e sempre chegava uma pessoa que dava apoio, e eu sempre 24 horas ali, sentado na beira da cama. No último dia, que ela faleceu - eu lembro, foi num dia de terça-feira - ela deitada… Antes disso, dela ficar muito ruim, eu chamei o padre. Ela mesma falou comigo; ela falava muito arrastado, mas ela falou que queria que o padre fosse lá. Eu fui, conversei com o padre, aí o padre foi lá, conversou muito com ela, porque ela ficou meio revoltada com um problema que tinha acontecido na igreja e ela ficou muito chateada, então ela abandonou. Ela conversou com o padre, contou, aí o padre falou pra ela, confessou ela, tudo. Aí ela foi 3 vezes na igreja, eu punha ela no carro, levava, punha na cadeira; outra vez eu levava ela na cadeira de rodas, ela assistiu missa 3 vezes. Nas 3 vezes, na semana que inteirou as 3 vezes, na outra semana, que as missas eram no domingo… Quando foi numa terça-feira, ela foi piorando; já não tinha condições de levar ela mais pra lugar nenhum, eu não tinha mais como sair com ela. Até então, não tinha como eu pegar ela, não conseguia carregar ela mais. Deu numa terça-feira de tarde, eu lembro bem direitinho. Eu falei: “Berê, eu vou fazer sua janta.” Fiz a sopinha dela. Falei: ”Tá muito quente, então eu vou esperar esfriar.” Coloquei ela direitinho na cama, eu punha ela em pé, encostada na cama, ela perdia a respiração. Falei: “Eu vou colocar você aqui e vou ao banheiro, tomar banho. Rapidinho eu tomo o banho, pra gente jantar junto. Eu te dou e janto junto também. A minha comida já tá pronta.” Aí ela ficou. Perguntei se ela queria água, eu conhecia as coisas só pelo olhar dela. Tanto que tinha gente que chegava lá, “ela quer água”; eu dizia “não adianta, ela não quer água. Quando ela quer água, eu sei.” E quando ela também… Pra alimentar, às vezes a pessoa: “Dá isso pra ela.” “Não adianta.” “Tem hora certinha, como dar, a hora que ela se alimenta", porque nem a água… Até a água, porque ela não conseguia engolir. Nesse dia, eu entrei pro banheiro. Rapidinho eu tomei o banho e saí. Quando eu saí, passei na porta do quarto, que eu fui vestir a minha bermuda, quando eu passei na porta do quarto, eu senti um respirar diferente, sabe? Ela deu aquele respirar e fez “aaaah…” Eu falei: “Bené, o que é que foi?” Já vesti a bermuda e corri pro quarto. Cheguei lá, ela já tava assim, sabe, com o olho parado. Aí eu abracei ela, falei com ela: “Vou tirar o travesseiro e te deitar.” Da forma que eu abracei ela pra suspender ela, pra puxar o travesseiro, sentado na cama, porque ela era mais forte do que eu, ela era pesada, então tudo eu tinha que fazer em cima da cama. Eu sentei, dobrei o joelho na cama, peguei ela no braço, abracei ela assim no ombro, aí ela pôs a mão no meu ombro assim, aí eu puxei o travesseiro. Da forma que eu fui deitando ela, falei: “Deita pra você ter a respiração melhor.” Quando eu deitei ela assim, aí ela parou as vistas assim, sabe? E com o braço pra cima. Eu segurei na mão dela assim, quando eu segurei ela parou, ficou olhando pra mim, aí deu o segundo respiro. Ela deu aquela respirada assim e foi amolecendo o corpo. Quando amoleceu o corpo, eu falei: “Ah, acabou.” Eu, com ela no braço assim, nossa… Eu só gritei, sabe? E por incrível que pareça eram seis horas da tarde, mais ou menos, seis e pouquinho. No grito que eu dei… E por incrível que pareça, a minha irmã ia chegando no portão. Ela já veio correndo. A minha sobrinha, que mora mais perto, já veio correndo. Eu, pra mim, não tinha dado esse grito tão forte. A minha sobrinha chegou, eu tava com ela no quarto; minha irmã, chegaram tudo junto, e eu falando “a Bené morreu”. A minha sobrinha: “Não, ela não morreu. Ela desmaiou, ela tá quente.” “Ela morreu. Ela soltou do meu braço, olha aqui pra você ver.” Eu já não conseguia ligar, tentando ligar pro meu filho, eu não conseguia. Dei o telefone pra minha sobrinha, falei: “Olha, tenta achar o telefone, liga pra ambulância.” Na época já tinha o bombeiro aqui, falei: “Liga pro Corpo de Bombeiros.” Também foi rapidinho, eles chegaram acho que não demorou mais que 5 minutos. Quando o bombeiro chegou, colocou o aparelho, falou: “Não, ela faleceu. Pode acionar a funerária.”
P/1 - Ah, os bombeiros já decretaram que ela tinha falecido.
R - É. Aí ele falou: “Agora isso aí já é tudo serviço com a funerária.” Como já tinha muitos anos que a gente pagava a funerária… Aí a menina, minha sobrinha, já acionou, também rapidinho eles vieram, já fizeram os procedimentos, tudo. Eu acompanhei, a gente foi pro hospital porque tinha que fazer o laudo, até pra levar pra funerária. Foi o que aconteceu, mas eu fiquei em pânico. Eu não conseguia dormir, não comia, sabe? Nunca tive medo. Eu não gosto… É engraçado, a gente tem umas histórias porque uma época, quando morria uma pessoa, se falassem assim “morreu fulano ali” eu nem .. Não beirava cemitério, nem nada. Uma vez, nós, numa viagem, teve um acidente… Até foi em Uberlândia esse acidente que teve. Não, minto. Esse outro que aconteceu, eu tava em Brasília. Eu fui fazer um serviço, até lá me chamou, eu tava aqui em Paracatu e fui pra Brasília. Aconteceu um acidente lá na W3, o cara num carro pegou um rapaz numa moto com uma moça na garupa, eles de moto. O cara bateu, a pancada foi tão forte que jogou a moça assim… Eles tavam perto de um ponto de ônibus, a moça bateu naquelas… Aquelas coisas eram de cimento. No que ela bateu lá, na coisa de cimento da parada de ônibus, a perna dela arrancou. E nós íamos passando. Aí parou o trânsito tudo…
P/1 - Você não chegou a ver o acidente, mas viu o que…
R - Vi o acidente e ajudei a pegar… Aí no pânico tão grande, porque quando ela bateu, que ela arrancou a perna, aí fui encostando o carro, sabe? Tinha um senhor e ela ainda mexendo, sabe? “Vamos pegar, leva pro hospital. Pega a perna dela.” Aí nós pegando… Foi muito sangue, sujamos de sangue, sabe? Aí até acionar o bombeiro… Brasília naquela época ainda era difícil. Até que chegou a ambulância, mas o cara já tinha pegado ela, já tinha pegado o rapaz e tinha levado pro hospital. Aí que eu fui raciocinar. Eu falei: “Gente, eu tava com medo de coisas assim à toa.” Eu perdi o medo de ver defunto, a moça ainda não tinha morrido. Quando vim pra cá, fiquei com aquilo na cabeça. Morreu um parente da gente, tinha um senhor que fazia sepultura lá no São Domingos. Ele me chamou pra ajudar. Meu Deus, tinha que ser eu? Aí eu fui…
P/1 - Pra fazer, você tá falando pra construir a sepultura…
R - Pra furar, porque lá é furado. Aí eu fui lá ajudar ele a furar, né? Ele me ensinou. “Eu vou ensinar você, porque você vai aprender…” Dessa data pra cá, eu falei: “Gente, eu tinha medo de defunto à toa. Eu tô com medo à toa.” Perdi o medo. Quando a minha esposa faleceu, o pessoal: “Você não vai ficar na casa.” “Não, vou dormir no mesmo quarto, na mesma cama.” Só que eu não dormia de noite porque eu via aquela cena. Fiquei uns meses… E até hoje, porque ela gemia demais quando tava doente. Ela tinha um gemido profundo. Até hoje, de vez em quando eu tô em casa, quando eu penso que não, parece que eu escuto o gemido dela, tanto que eu não gosto de ficar dentro de casa sozinho. Eu tô dentro de casa e parece que a casa vai ficando apertada, tá faltando alguma coisa, aí eu saio. Eu entro dentro de casa, eu faço as coisas dentro de casa, mas ficar sozinho… Tem hora que eu paro lá em casa, aí eu saio pra casa da minha cunhada. Fico na casa da minha cunhada sentado no portão, as pessoas falam… Tem gente que passa, fala comigo: “Você não sai da rua.” “Não, eu tô na porta da minha casa, vou ficar lá dentro pra quê?” Porque eu vou vendo a imagem dela.
P/1 - Sim. Você tinha responsabilidade de ficar cuidando dela, agora não tem.
R - Aquilo ali ainda pesa. 3 anos e pouco…
P/1 - Faz relativamente pouco tempo ainda.
R - Então ainda hoje eu tenho assim, sabe?
P/1 - Mas hoje o filho mora lá no fundo da casa.
R - É, ele continua morando lá.
P/1 - E ele tá lá no fundo da casa, até hoje.
R - Até hoje.
P/1 - Deixa eu te perguntar: quais as necessidades que o senhor vê hoje pra comunidade? Porque o senhor participou da associação, então o senhor tem um olhar até mais politizado sobre a comunidade. Quais as necessidades que o senhor vê hoje pra São Domingos, que precisam ser sanadas hoje?
R - Olha, relevante a tudo que eu conheci, que eu passei, hoje, dos tempos difíceis… Com as facilidades que tem hoje, a primeira coisa que eu penso, que vejo: a união mais próxima de nós, que somos quilombolas, com as pessoas que estão entrando hoje, a gente ser um pouco mais unido pra que a gente busque… Porque hoje eu tô conhecendo também, de toda a vida participar… Então a gente tem muitas prioridades. A partir do momento que eu fiquei conhecendo muito bem o que é um remanescente quilombola, que eu entrei nessa caminhada, participando sempre dessas reuniões, dessas coisas que são sempre legadas ao quilombola, às comunidades, hoje eu vejo assim: tem o crescimento? Tem, mas a gente precisa se unir pra que mais prioridades a gente vá tendo, sabe? Porque muitos benefícios tem. Às vezes, a gente participa de algumas reuniões… “Ah, mas tem isso pra comunidade quilombola”, ”Ah, mas tem isso que os quilombos têm prioridade.” Mas às vezes, a gente leva na comunidade, chega lá e fala, mas muitos ainda têm dúvida. Eles ficam assim ainda: “Mas será que vem? Será que não vem?” Então o que eu sinto: prioridade mesmo pra nossa comunidade é a união, porque a gente sendo mais unido, a comunidade quilombola, mais fechados, a gente tem mais oportunidades. Grita mais junto, fala mais junto, entendeu? A gente tem mais uma oportunidade, mais uma chance de ter mais benefícios pra comunidade. Muitos benefícios tem, mas às vezes fica meio disperso devido ao interesse. O que eu vejo hoje de prioridade pra comunidade é mais um pouco de união e mais reconhecimento de como a gente é remanescente de quilombolas.
P/1 - E das culturas antigas, o que o senhor percebe que ainda existe e o que já não existe mais, que o senhor fala “isso aqui tinha, que era das culturas quilombolas e não existe mais e isso aqui ainda existe”? Se tem alguma coisa que persiste…
R - Eu vejo as mudanças, né? Primeiro: as nossas casas lá eram de chão batido. Hoje, a única casa que tem histórico é onde hoje ficou representante como o museu lá, mas hoje tudo mudou muito pra construção - tijolos, casas rebocadas, pintadas, telhas novas, piso de cerâmica. Essas culturas que a gente tinha tradição mesmo… Tipo as ruas hoje, tudo com asfalto. Antigamente lá era tudo chão. Era ruim? Era, mas hoje a gente tem uma prioridade. Veio pra melhoria, tudo bem. A gente vinha pra cidade a pé, hoje tem coletivo, cada um tem seu carro, tem sua moto. Se vier pra cidade a pé não tem problema de poeira, essas coisas. Mas algumas coisas também foram se dispersando. A tradição que a gente tinha pra hoje vai mudando, vai tirando a característica do lugar. Muitos venderam lá, foram fazendo muros. Lá, antigamente eram cercas de arame, você passava na rua e via o quintal de fulano, via a plantação; hoje é tudo murado, tudo é muro alto, então vai tirando a característica de roça, sabe? Tá acabando. Isso aí às vezes me dói, porque eu falo: a gente tinha liberdade. Você olhava daqui e via lá do outro lado e hoje tudo são muros. Muros e mais muros, as casas modeladas. Isso pra mim, da cultura nossa pra hoje, a modelagem de hoje, a gente tá perdendo aquela tradição da cultura que a gente tinha. Melhorou? Em parte, sim. Quem não quer ter uma casa arrumadinha, não viver numa casa igual a gente vivia? Porém, algumas coisas mudaram, então perde muito a tradição.
P/1 - Seu André, a gente tá terminando a entrevista. Vou fazer uma última pergunta, que a gente faz pra todos os entrevistados. O que o senhor achou de contar a sua história de vida pro Museu da Pessoa, a sua história de vida se tornar acervo de um museu? O que o senhor achou disso, seu André?
R - Primeiramente… É o seguinte: eu nem ia esperar que um dia chegaria o ponto de eu ser entrevistado assim, né? Apesar que de vez em quando a gente tá em palestras, algumas coisas…Eu até já participei de muitas palestras, mas hoje, nessa finalidade, eu falando, pra mim é muito emocionante, muito gratificante, porque poder contar um pouco do que eu vivi, o que eu vivo, a minha tradição hoje… É o que eu falo, se alguém me perguntar assim: “Você é garimpeiro?” Eu falo: “Sou e tenho sangue de garimpeiro, porque meus pais, meus avós foram todos garimpeiros, então não tem como eu perder essa cultura.” Hoje, então, eu levar essa minha cultura, a minha história pra que alguém amanhã ou depois… O André tem uma origem de garimpeiro, tem na veia a tradição de garimpeiro, é filho, remanescente de quilombola, é muito gratificante. Fico muito agradecido e até emocionado. Eu creio que se falei algumas coisas, vocês me perdoem porque é muita emoção contar, eu nunca esperava contar uma história assim, parte da minha história.
P/1 - Imagina, a gente é que agradece. Eu gostei muito de ouvir a sua história. Com certeza o museu vai gostar muito de ter a sua história no acervo, é muito importante. Muito obrigado, seu André.
R - Obrigado vocês, eu agradeço muito e como diz, a nossa comunidade está aberta. Qualquer dia, qualquer momento, se vocês aceitarem o nosso convite pra vocês irem lá e conhecerem mais um pouquinho, as portas estão abertas pra vocês irem lá.
P/1 - Obrigado, seu André.
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