Projeto Mestres do Brasil
Depoimento de Jean Carlos Ramos Montes
Entrevistado por Winny Choe e Douglas Thomaz
Rio de Janeiro, 15/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: OFMB_HV002
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisado por Natália Ártico Tozo
P/1 – Jean, pra gente começar eu queria que você falasse o seu nome completo, a cidade e a data do seu nascimento.
R – Jean Carlos Ramos Montes, Cardoso Moreira, 24 de maio de 1980.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – O meu pai é José Carlos Montes, e a minha mãe é Valtemira Ramos Montes.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho duas irmãs, a Juliana Ramos Montes e a Priscila Ramos Montes.
P/1 – Os seus pais trabalham?
R – É, a minha mãe é professora, porém, não está exercendo mais, e o meu pai é motorista; foi motorista de ônibus por um bom tempo, trabalhou aqui no Rio muito tempo e hoje está aposentado.
P/1 – E na sua infância lá em Cardoso Moreira, como é que era a cidade?
R – Ah, é, quando, há alguns anos. Hoje, eu tenho 28 anos, então, vamos colocar lá na infância mesmo, não é? Lá foi sempre um lugar muito pequeno, não tinha desenvolvimento. Então, existiam dificuldades, mas a gente quando criança sempre dava jeito, arrumava sempre alguma coisa pra fazer. A gente vê, hoje a realidade é totalmente diferente, eu vejo os meus filhos hoje brincando e a forma totalmente diferente do que eu fazia. Eles fazem coisas hoje que, sinceramente, eu vejo que os meus filhos não têm infância, porque enquanto eu pegava uma latinha de óleo, cortava e fazia um carrinho, meu filho, hoje, quer um brinquedo da loja. Então, falta um pouco nas crianças de hoje, não é? Mas lá sempre foi um lugar legal, muito calmo. Até muitas pessoas daqui do Rio gostam de ir pra lá no período de férias, porque é um lugar sossegado e porque foge um pouco da rotina daqui, que eu não sei como que é, mas eu acredito que seja estressante trabalhar no Rio....
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Depoimento de Jean Carlos Ramos Montes
Entrevistado por Winny Choe e Douglas Thomaz
Rio de Janeiro, 15/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: OFMB_HV002
Transcrito por Regina Paula de Souza
Revisado por Natália Ártico Tozo
P/1 – Jean, pra gente começar eu queria que você falasse o seu nome completo, a cidade e a data do seu nascimento.
R – Jean Carlos Ramos Montes, Cardoso Moreira, 24 de maio de 1980.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – O meu pai é José Carlos Montes, e a minha mãe é Valtemira Ramos Montes.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho duas irmãs, a Juliana Ramos Montes e a Priscila Ramos Montes.
P/1 – Os seus pais trabalham?
R – É, a minha mãe é professora, porém, não está exercendo mais, e o meu pai é motorista; foi motorista de ônibus por um bom tempo, trabalhou aqui no Rio muito tempo e hoje está aposentado.
P/1 – E na sua infância lá em Cardoso Moreira, como é que era a cidade?
R – Ah, é, quando, há alguns anos. Hoje, eu tenho 28 anos, então, vamos colocar lá na infância mesmo, não é? Lá foi sempre um lugar muito pequeno, não tinha desenvolvimento. Então, existiam dificuldades, mas a gente quando criança sempre dava jeito, arrumava sempre alguma coisa pra fazer. A gente vê, hoje a realidade é totalmente diferente, eu vejo os meus filhos hoje brincando e a forma totalmente diferente do que eu fazia. Eles fazem coisas hoje que, sinceramente, eu vejo que os meus filhos não têm infância, porque enquanto eu pegava uma latinha de óleo, cortava e fazia um carrinho, meu filho, hoje, quer um brinquedo da loja. Então, falta um pouco nas crianças de hoje, não é? Mas lá sempre foi um lugar legal, muito calmo. Até muitas pessoas daqui do Rio gostam de ir pra lá no período de férias, porque é um lugar sossegado e porque foge um pouco da rotina daqui, que eu não sei como que é, mas eu acredito que seja estressante trabalhar no Rio. Então, fugir um pouco da rotina. Mas é um lugar tranquilo, muito bom! A infância lá foi maravilhosa! Eu não tenho do que falar, a não ser de como foi bom, tinha liberdade, aquela questão de você poder sair, não é? De seus pais saberem que você está indo, está brincando, e sem violência. Não é como hoje, por exemplo, que você tem que ter o maior cuidado em deixar os seus filhos sairem, porque você não sabe o que vai acontecer, existe muita maldade. Lá na minha infância não tinha nada disso, a gente saía, a gente brincava, jogava bola, brincava de carrinho, bolinha de gude e era maravilhoso! Não tinha essa maldade, hoje a gente vê tudo diferente. Mas lá é um lugar maravilhoso, até hoje continua.
P/1 – As ruas mudaram muito lá, assim, de quando você brincava de carrinho e tal?
R – É, mudaram, não é? A cidade cresceu um pouco, houve um desenvolvimento na prefeitura e investimentos. Então, esse desenvolvimento foi fazendo com que a cidade crescesse um pouco também; não muito, mas cresceu um pouco. Isso fez com que algumas coisas mudassem, tirando a liberdade de alguns e dando para outros, vamos dizer assim, porque hoje em dia... Antigamente, a gente não tinha praça. Naquela época, na minha infância, por exemplo, não tinham essas pracinhas com brinquedinhos, escorrega... Não tinha nada disso. A gente brincava em pastos abertos, corria atrás de boi, era essa a nossa diversão! E hoje, a gente não vê mais isso, não é? Mas as coisas mudaram! A cidade melhorou, ela cresceu, desenvolveu, e isso é até interessante, isso é importante, não é? Por um lado é interessante.
P/1 – E como era a sua casa que você passou a infância? Ou você morou em várias casas?
R – Eu morei em várias casas, até mesmo, por quê? Porque os meus pais não tinham, no caso, ele tinha uma casa, mas isso antes de eu nascer e isso foi vendido, o meu pai mudou de Cardoso, a minha família não morava em Cardoso, depois eles voltaram pra Cardoso, aí, no caso, a gente morava de aluguel e passamos por momentos complicados, porque eu não sei se vocês conhecem lá ou já ouviram falar que a cidade é uma cidade muito baixa, não é? Tanto que a BR passa no alto e a cidade é lá embaixo, quer dizer, é muito no nível do rio, então, o que acontecia? As cheias, as enchentes direto, então muitas enchentes! Então, isso fazia com que tivéssemos que estar sempre mudando, de uma casa para a outra, devido a esse problema que ocorre até hoje ainda. Eu não sei se vocês já ouviram falar, mas ocorre até hoje! Mas mudamos, vai mudando. Ficamos em várias casas por um bom tempo.
P/1 – Era porque vocês moravam próximo ao rio?
R – Não, porque a cidade é pequena, então sempre que tem a cheia, vamos dizer assim, 70% da cidade é afetada. Isso é um problema, isso é um grande problema lá do município! Então, a gente mudava! E também a gente foi sempre melhorando, na casa dos meus pais, então foram melhorando as condições de vida e alugando casas melhores e melhores, vindo morar mais próximos do centro. E eu acredito, que eu me recorde, mas nós moramos acho que em umas cinco casas diferentes nesse período aí da infância pra adolescência, mais ou menos isso.
P/1 – E os seus amigos de infância, o pessoal que você brincava na rua, mesmo você mudando, você sempre encontrava? Como é que era?
R – É, porque é aquela questão de lugar pequeno e você sempre se esbarra, conhecia as pessoas por apelido. E isso é legal! Então, por mais que eu mudasse, mas eu sempre voltava no mesmo local, a gente sempre estava brincando, estava sempre se encontrando. As escolas também, escolas próximas, todos nós estudávamos no mesmo lugar, então isso fez com que as amizades não acabassem, muito pelo contrário, a gente estava um pouco distante, mas um ia pra casa do outro e tal, brincava. Até porque existia também aquela questão, não é? Nós brincávamos muito ali, próximos das nossas casas, então quando um saía aquele ia para aquele outro local. Era próximo! Mas ia para um outro local, então acabava conhecendo, tendo liberdade. Como eu vinha pra cá, eles iam pra lá, pra minha casa, então isso foi bom! Mas as amizades, elas nunca acabaram, muito pelo contrário e, graças a Deus, até hoje muitas amizades, muitas amizades de infância mesmo!
P/2 – E tinha uma brincadeira preferida que você se lembre?
R – Olha, a gente gostava muito de... Eu estava, até, quando eu falei o negócio da latinha, não é? A gente tinha uma mania, e tinham épocas, não é? A gente dividia o ano – era muito engraçado, a gente não vê essas coisas acontecendo mais! – em épocas de dois em dois meses, tinha um período que era só bolinha de gude. Bolinha de gude, bolinha de gude! Aí, enjoava! Depois era só soltar pipa! Pipa, empinar papagaio, pipa! Aí, acabava! “Não, agora vamos fazer carrinhos de lata”. Pegava aquelas latas de óleo, abria ela com a tesoura, cortava ela direitinho, fazia um carrinho. E fazia igual aqueles carrinhos de Fórmula 1, era criatividade pura! A gente hoje, se for fazer um negócio desses, eu acho que eu quebro a cabeça, eu não sei como que eu fazia aqueles carrinhos, caminhõezinhos e brincava, era divertido demais, entendeu? Aquilo ali pra gente era tudo! Era tudo, era maravilhoso. Foi muito bom! Então, pra você falar exatamente de uma brincadeira, não é? A gente gostava muito de pique, brincava de pique correr, pique esconde, e éramos muitos. Hoje a gente não vê quase as crianças brincando disso, a não ser dentro de uma escola, mas lá éramos muitos, éramos vinte, trinta meninos brincando, correndo, pique bandeira. Então, a gente não tinha, exatamente, uma coisa, uma certa brincadeira, a gente brincava de tudo. Tudo era divertido, era divertimento, era o dia todo. (risos)
P/2 – E você se lembra de alguma brincadeira que os seus pais proibiram?
R – É, os meus pais, eles... Eu morava, eu morei um bom tempo próximo a um valão que dava num rio, então o que acontecia? Nesse valão era a rua, a nossa casa, aí nos fundos, lá no fundo o valão e um canavial, então a gente tinha mania de ir para o canavial, a gente juntava as folhas de cana seca, depois da colheita juntava aquelas folhas, colocava fogo nelas, aí ficava aquele, não é? Num pedaço e ficávamos brincando em volta daquilo ali, como se fosse índio! Brincando, correndo em volta daquilo ali. Isso o meu pai não gostava! A gente era novo, eu dava um jeitinho, saia escondido e ia, atravessava. A minha mãe ficava maluca; quando chegava em casa, aí tinha que ouvir. (risos)
P/2 – Por que ele não gostava?
R – Não gostava por ser perigoso, não é? Primeiro: brincar perto de fogo, e a questão de atravessar o valão. Era um valão raso, mas não gostava dessa travessia no valão, achava perigoso, até mesmo por ser a água suja. Então, passava por ali, os meus pais não gostavam. Outra coisa também, brincar durante o dia, durante o dia, escola, depois das atividades pode brincar, à noite não! Às vezes a gente dava um jeitinho, porque a gente vai brincando, brincando, brincando e a hora passa; a gente vai ver e já está à noite, então quando eu via a minha mãe já estava me procurando, me caçando na rua pra ver onde eu estava, e pergunta aqui e pergunta ali, a gente brincando, aquela ansiedade, as horas passam muito rápido. Criança, a gente via a hora passar, na verdade, a gente não vê a hora passar! Mas eles não gostavam que a gente brincasse à noite. Nem eu, a minha irmã era mais nova, então ela não pegou esse período, mas era uma das coisas que eles não gostavam, que a gente brincasse à noite, que brincássemos de pique, por exemplo, à noite, que era o que a gente gostava de fazer, achava divertido brincar à noite, eu não sei porquê, mas gostávamos. (risos)
P/2 – Jean, quem era a autoridade na sua casa: o seu pai ou a sua mãe?
R – Olha, como é que eu posso dizer? O meu pai nessa época era caminhoneiro, então ele passava muito tempo fora de casa; meu pai vinha sempre nos finais de semana, sábado e domingo, então a minha mãe sempre foi mãe e pai, na verdade. Não tirando a responsabilidade dele de pai, nunca, muito pelo contrário! Mas a minha mãe sempre foi mãe e pai, apesar de que nós morávamos com... Eu morava com os meus avós, no caso os meus avós paternos, e a autoridade na casa, eu não vou afirmar que era a minha mãe, não é? Mas a minha mãe sempre foi mãe e pai. Agora, na casa mesmo eu, por exemplo, respeitava muito o meu avô, que sempre tive ele como o meu pai; ele foi a pessoa que, junto da minha mãe, ajudou a me educar, então a educação que eu tenho hoje é graças aos meus avós e aos meus pais, porque todo o período que o meu pai não estava em casa a minha mãe, porque éramos dois, eu e a minha irmã, na época, então os meus avós sempre ajudaram a minha mãe a fazer essa educação. Então afirmar, exatamente, quem era a autoridade, talvez, eu não vou dizer que a autoridade era a minha mãe, mas ela sempre fez esse trabalho duplo de mãe, de pai, e com a ajuda dos meus avós.
P/1 – E os seus avós, os seus pais, eles são da região de Cardoso?
R – É, no caso, eles sempre foram dali, de uma localidade próxima; depois, mudaram pra lá. Meus avós, hoje, são falecidos, todos os dois.
P/1 – Ela fazia umas comidinhas pra vocês?
R – É, maravilhosas. A gente sente falta dos temperos de avó, que é sempre muito bom! E a minha avó gostava muito, ela era muito apegada a gente; viu crescer, trocou fraldas e tudo mais, a gente sempre foi criado junto deles, então isso era maravilhoso! E o respeito, eu respeitava muito, muito os meus avós! É aquela questão de, hoje a gente fala, não é? Com os filhos. Não, eles só olhavam! Olhavam e a gente já sabia o que era. Só pela maneira de olhar, então existia um grande respeito! E isso daí foi muito bom pra minha mãe, porque tirou um pouquinho, ajudou muito a minha mãe nessa parte da educação, nessa questão de respeitar. Isso foi importante, muito importante pra mim, com certeza!
P/1 – Mas e aí, você morando com os seus avós, com a sua mãe, como é que era o cotidiano?
R – Era muito bom, porque o relacionamento, porque falam muito que nora com sogra as coisas, às vezes, não batem bem, mas o relacionamento era muito bom, porque a minha avó tinha a minha mãe como filha, até mesmo porque as filhas, no caso as irmãs do meu pai, moravam todas aqui no Rio, então a minha mãe era uma filha, sempre foi tratada como filha. O relacionamento da minha mãe com os meus avós era maravilhoso. Eu vou ser sincero, eu não lembro de um momento de discussão, eu não lembro, isso entre os meus avós e a minha mãe, muito pelo contrário. E minha mãe, também, sempre respeitou muito eles, até mesmo porque os pais dela não moravam ali, moravam na cidade mais próxima, a cinquenta quilômetros. Então, ela sempre teve aquele respeito pelo meu avô e pela minha avó. Aquele respeito que meus avós tinham por ela, tinham como filha.
P/1 – Mas, por exemplo, na hora de almoçar, vocês almoçavam juntos sempre ou era só de fim de semana?
R – Não, a gente sempre almoçava, a gente tinha aquele horariozinho de almoçar, chegava da escola e almoçávamos, assim, que eu estudava no período da manhã, eu chegava sempre 11 horas, 11 e pouquinho, aí a minha avó sempre, não é? Gostava, cozinha era com ela, fazia a comidinha, então ela fazia tudo, aí a minha mãe ia, ajudava, tal. Então, tinha aquele horariozinho de todo dia, sagrado; ao meio dia todo mundo na mesa almoçando. Eu mesmo gostava muito de almoçar vendo televisão, eu pegava o meu pratinho e aí arrumava um problema: “Não, não pode, não pode! Televisão é depois”. Tanto que até um dia eu passei mal na frente da televisão almoçando, aí depois desse dia eu falei: “Não, eu tenho que obedecer” (risos). Aí parei. (risos) Mas sempre a gente almoçava junto. Os momentos de almoço, janta, eram sempre juntos, isso sempre!
P/1 – E quais eram as comidas que você gostava mais?
R – Eu acho que como todo brasileiro eu gosto muito daquele feijãozinho que ela fazia, que eu não me esqueço, maravilhoso! Aquele arrozinho, uma abóbora maravilhosa que ela fazia e uma carninha ensopada na panela; não é ensopada, era na panela lá que ela fazia. Aquilo, para mim, era maravilhoso! Eu gostava muito de comer ovo também, eu comia, fritava um ovinho e comia! Isso era muito bom, muito! De um jeito que eu não como hoje. Como! Mas acho diferente, não sei por que é diferente. Naquela época, não sei se eu sentia um prazer maior em comer, eu não sei, eu não sei explicar exatamente, mas a comida era maravilhosa! Isso eu posso te garantir, o tempero! Vamos dizer, assim, eu vou levar para o lado do tempero, o tempero era maravilhoso! E a gente sempre dava muito valor pra aquilo ali, não é? Até mesmo por nunca ter muito. Então, a gente sempre valorizava muito o que tinha, nós sempre fomos criados dessa forma, dando valor sempre às coisas que a gente tinha e isso fez com que as coisas sempre ficassem muito boas entre a gente.
P/1 – Jean, quando seu pai era caminhoneiro, ele não te contava umas histórias que ele ouvia ou alguém no bairro contava?
R – Olha, realmente, meu pai já, apesar que eu era novo, não é? Mas meu pai já contou histórias, sim. Por exemplo, uma vez ele estava, tanto que ele me mostrou depois, eu viajei com ele poucas vezes, fui crescendo, aí em uma das viagens ele me mostrou. Passamos em uma estrada de chão, sem calçamento, indo pra fazer uma entrega – na época ele trabalhava pra empresa Votorantim de cimento e ele estava indo levar uma entrega – e ele falou: “Jean, está vendo aquela casa ali?”. Eu falei: “Tô, uma casa assim...”. A estrada, aí quando chegava a casa era de frente, a estrada ia de frente pra casa, a estrada fazia, assim, ao lado da casa. Ele falou: “Tá vendo essa casa?”. Eu falei: “Tô”; “Olha como é que ela está toda rachada, não é? Toda com massa e rachadura, e muitas rachaduras na casa”; “Ué, o quê? Por quê? O que é aquilo lá na casa, está toda rachada?”. Ele falou: “Olha, até hoje você não sabe disso, eu vou te falar uma coisa. Eu dou graças a Deus por estar aqui hoje com você, porque nesse caminhão que eu estou, aqui, eu vim nessa mesma estrada, dormi, bati no muro da casa, fui fui fui, bati lá na casa, quebrei, entrei dentro do quarto, no quarto das pessoas que moravam na frente e entrei com o caminhão dentro do quarto”. A grade do muro – porque era o muro e tinha uma grade em cima – veio e parou, aqui, oh, perto do rosto dele, as pontas da grade pertinho, ficou parado, o caminhão na hora que parou a grade estava assim, oh, parada no rosto dele. Isso foi graças a Deus! Tem que dar graças a Deus por isso, porque foi um momento que ele falou e, na hora, eu fiquei assustado com aquilo tudo, que eu não sabia de nada disso, e ele me contando que foi um dos momentos que ele passou, e eu fui saber disso anos depois, anos depois! Até então, porque eu era muito novo, mas aquilo me assustou, assustou muito! Quando ele falou, na hora que ele falou da casa, eu falei: “O que tem a casa?”. Ele falou: “Eu bati naquela casa. Aí, tá vendo porque ela tá toda assim, remendadinha, porque eles tiveram que fazer cobertura de novo, tá vendo o muro?”. O muro, realmente, estava quebrado. E ainda o muro ficou quebrado muito tempo! A casa é que eles mexeram.
P/1 – E sendo o seu pai caminhoneiro, você tinha vontade de dirigir? Como é que ele te convidava pra ir viajar com ele?
R – Olha, o meu pai sempre viajava pra longe, ficava muito tempo fora de casa, então eu não podia acompanhá-lo devido a escola, mas quando ele fazia aquelas viagens no final de semana, no sábado, chegava sexta, tinha que sair no sábado: “Ah, vamos?”; “Vamos!”; “Vamos à Macaé”. Nas cidades mais próximas que ele fazia as entregas aí me chamava. Eu, no caso, a minha irmã, a minha mãe também, às vezes ia com a gente, mas também não eram muitas viagens não, eram poucas, mas a gente ia, ele chamava e a gente saía, era muito bom por quê? Bom pra mim, porque estava conhecendo os lugares, e bom pra ele, acredito, sempre acreditei, de estar perto da gente, não é? Que passava sempre os finais de semana todos longe, então naquele momento que ele chegava na sexta-feira: “Olha, gente, tem uma viagem pra fazer amanhã”. Assim, quando era perto: “Vamos?”; “Vamos!”; “Mas vamos todo mundo”. A gente ia, não é? Ele fazia a entrega, tal, a gente almoçava, depois voltava. Então, isso era muito bom! Eu, ih, adorava! Contava os dias pra chegar na sexta. (risos)
P/2 – O que o seu avô fazia?
R – O meu avô era ferreiro. Ele tinha um local onde ele fazia, trabalhava com toda essa parte de ferro, de soldas. Soldagem de ferro, soldando – como é que se diz? Oh, meu Deus! –, na época eles usavam aquelas carroças. Então, aquelas molas que eles usavam. O meu avô trabalhava com aquilo, ali, soldando, ele era ferreiro na época. Toda a parte de ferragem era ele que fazia lá em Cardoso, mas isso há muitos anos. O meu avô era até conhecido como o Alfredo ferreiro, mas há muitos anos. Mas, depois, aposentado, não é? Meu avô depois mudou, foi morar numa fazenda, ele ficou trabalhando nessa fazenda, aí aposentou lá nessa fazenda e veio pra Cardoso, mas foi um bom tempo trabalhando como ferreiro, por um bom tempo mesmo!
P/2 – E em Cardoso, ele não trabalhava como ferreiro?
R – Não, não! Ele não chegou a trabalhar em Cardoso, não. Ele trabalhou fora, porque era num distrito próximo à Cardoso, é, vinte quilômetros de Cardoso, pertence à Cardoso, na verdade, mas é um distrito chamado Santa Rosa, é um distrito próximo à Cardoso, ele trabalhava lá, aonde se aposentou, viveu muito anos lá, teve grande parte dos filhos dele, grande parte mesmo! Acho que todos os filhos dele nasceram lá, todos! Meu pai, todos eles nasceram lá, nesse lugar. Um lugar pequenininho que se você passava hoje, não é? Esses dias eu passei – é difícil eu passar lá –, eu passei, aí estão lá três casinhas, a casa que o meu avô morava, a casa que o meu tio e que a minha tia moravam, os mais velhos, eles moravam. E as mesmas casinhas, o mesmo lugar. Isso, porque, meu Deus do céu, há mais de trinta anos. Vinte e oito anos eu tenho e quarenta anos as casinhas, lá no mesmo lugarzinho, do mesmo jeitinho, as três casinhas, que era um lugar pequeno e ao lado de uma fazenda. É, mas o meu avô trabalhou sempre lá, nessa fazenda, um bom tempo.
P/1 – Quantos filhos o seu avô teve?
R – O meu avô teve treze, faleceram. Eu cheguei a conhecer, na verdade, eu conheci onze, eu conheci onze dos treze, dois falesceram novos. É muito filho, é bastante!
P/1 – Então você tem bastante primos também?
R – Ichi, aqui no Rio tem um montão. (risos) Está espalhado, aqui tem muitos. Grande parte da minha família é daqui, todos aqui do Rio. Eu tenho muitos primos! Aqui, no Paraná, e está espalhado, tem um montão!
P/1 – Jean, você falou que quando você viveu com os seus avós e com a sua mãe que você aprendeu muito a respeitar, e uma coisa de olhar. Você se lembra de mais algumas coisas que você tenha aprendido quando novo e que você repense isso como momentos da sua infância?
R – Olha, o meu avô, por ele ter esses dons, sempre tinha muitas ferramentas, muitas mesmo! O meu avô tinha um quartinho cheio de ferramentas, então ele sempre me ensinava tudo que ele ia fazer; se ele ia pegar um radinho velhinho e ia consertar ele me ensinava, tudo ele me ensinava! Então, teve um dia que eu estava querendo mexer na minha bicicleta, achava que eu tinha que tirar a roda da bicicleta pra consertar, porque não estava muito boa. Aí ele estava olhando, ele só ali, e eu mexo com a chave pra lá e mexe pra cá e nada, não resolvia, aí ele chegou: “Jean, oh, é assim”, pegou a chave certa e me mostrava. Então, eu aprendi muita coisa com o meu avô, eu aprendi a lidar com coisas até mesmo que eu utilizo nos dias de hoje, coisas que eu aprendi lá com ele, na minha infância eu aprendi com ele. Então, ele me ensinou muito nessa parte, tudo o que ele ia fazer ele me ensinava, ele tinha o prazer de me chamar: “Olha, Jean, vem cá. Vem cá pra você vê isso daqui”. Aí ele ia consertar alguma coisa e: “Oh, isso é assim, você não pode ligar aqui”. Às vezes eu não entendia nada, eu era muito novo, mas prestava atenção, ficava prestando atenção, não é? E pra mim aquilo era experiência. Aí: “Oh, Jean, isso daqui você vai ligar aqui, você não pode usar a chave aqui, porque se não...”. Então, ele foi me explicando e eu fui conhecendo algumas coisas. E aprendendo, e aprendendo muito com ele! Mas o meu avô, o meu avô era tudo tudo tudo! Era uma benção. (risos)
P/2 – Como era a relação do seu pai com o seu avô?
R – Era boa, tinha uma relação de respeito. O meu avô nunca foi de cobrar muito do meu pai, ele não cobrava, não fazia cobrança, porque o meu pai passava muito tempo fora de casa, mas a relação era muito boa, até mesmo, por quê? Esse respeito que eu falei que eu tinha por questão de olhar, se eu tinha esse respeito por ele, imagina os filhos dele, não é? Então, era muito mais. O meu pai respeitava muito. E meu pai, quando novo, conta também que teve, ele e o irmão, um dos irmãos, eles passaram por um momento naquela época, por dificuldades de médicos e tudo mais. Eles passaram por um momento de problema de saúde e meu avô andando com eles pra baixo e pra cima procurando um médico, aquela correria. E o meu pai lembra disso até hoje, meu pai conta como que o meu avô era apegado aos filhos, sem diferença, sem diferenciar! E pegou ele e o meu tio, ele e o irmão, e levar, ali, procurando um médico, porque eles estavam com problema de saúde, tipo, pneumonia, que hoje é uma coisa que cuida com mais facilidade, naquela época não era assim, não era tão simples, eles que faziam aqueles rémedios deles lá, mas no final das contas tinha que procurar um médico, tinha que ter uma ajuda, então, existia a dificuldade. Meu pai lembra até hoje dessas dificuldades que ele teve, que meu avô teve. Então, ele sempre valorizou muito isso, porque o meu avô sempre se empenhou em ajudá-lo, ele sempre se empenhou. Como filho, ele sempre deu tudo pra ele, isso sem falar da educação, não é? O meu pai é uma pessoa, também, maravilhosa!
P/1 – Falando em educação, quando você era mais novinho como que foi o seu primeiro contato com livros ou histórias em quadrinhos?
R – Olha, eu passei a ter mais esse contato na escola. Só aconteceu na escola. Eu entrei na escola com três, quatro anos de idade, então foi aí que eu comecei a ter um contato mais com livros. Na verdade, até então, isso pra mim era novidade, eu era muito novo, mas que eu passei a ter contato foi dentro da escola, e gostando aos poucos, não é? No início eu não gostava de ir pra escola, que o meu negócio era brincar, sempre gostava de brincar, não gostava, aí depois fui me apegando, apegando, não é? Vai crescendo, vai mudando o pensamento. Mas o primeiro contato com os livros foi dentro da escola, na escola da época.
P/1 – E como era a escola?
R – É a mesma escola onde eu trabalho hoje, porém, (risos) toda diferente, porque hoje, na escola, nós temos um prédio novo e o outro prédio, que era o prédio antigo da minha época. Então, era uma escola pequena, com poucas salas, porém, uma área grande em volta dela, aonde foi feita essa nova obra, mas era uma escola pequena, bons professores, a educação era maravillhosa! E o meu contato eu acho que foi muito bom ali, porque eu sempre tive pessoas ao meu lado que gostavam de mim, eram pessoas vizinhas que conheciam os meus pais, então, eu não vou nem dizer que me tratavam melhor, não! Eu estou dizendo, simplesmente, que esse relacionamento com a escola foi muito bom graças aos professores, que eram pessoas que me tratavam muito bem, porque eu acho que esse contato inicial se o professor não tiver uma liberdade, uma forma de trabalhar com o aluno, ele vai sentir essa dificuldade no início. Hoje, eu não digo só naquela época, eu digo hoje também, então, pra mim isso foi muito bom, porque os professores daquela época eram pessoas conhecidas da família, eles faziam de tudo pra que eu me sentisse à vontade, que aquilo tudo pra mim era novidade, não é? A escola era novidade!
P/1 – Como se chama a escola?
R – Hoje é Escola Municipal Maria da Penha. Na minha época era Escola Municipal Cândido Lacerda. Mudou o nome, que hoje é Escola Municipal Maria da Penha.
P/1 – E era um predinho menor?
R – Um predinho menor, telha, não é? Hoje, não! As salas todas de laje e tal, mais um prédio! Antes era uma salinha de telha, forradinha, tinha até o forrinho, mas telha! Um prédio menor tinha uma, duas, três, quatro salas, cinco salas! Atrás das salas tinha um refeitório, mas pequenininho também, era pequena, era tudo muito pequeno! A escola era pequena, mas mesmo assim era muito bom, era muito bom!
P/1 – Tinha uniforme?
R – Não, tínhamos, tínhamos uniforme, não é? Na época usávamos a camisa branca com o emblemazinho da escola, um shortinho azul, era um short azul com uma camisa branca, isso! Era o uniforme que era utilizado, mas depois foi mudando, a escola mesmo foi mudando um pouco. A de agora já mudou! Agora é short verde com a camisa branca! Mas o short já não é mais azul, na época era um shortinho azul que nós utilizávamos.
P/1 – A escola fica no centro?
R – Não, a escola fica no bairro Cachoeiro, bem próximo ao centro, bem próximo de onde eu moro, na verdade, não é? Não é no centro, não.
P/1 – E eram meninos e meninas?
R – Éramos! Éramos meninos e meninas, em cada sala tínhamos o quê? Uns quinze alunos, no máximo vinte, porque as salas não eram grandes, então naquela época não se colocavam muitos alunos na sala de aula, eram quinze, vinte alunos. Mas éramos meninos e meninas.
P/1 – E pra ir até a escola era longe, era perto?
R – Olha, a pé a gente andava uns dez minutos, de bicicleta era rapidinho, mas a pé era uns dez minutos, então, no começo, é, como o primeiro. Eu lembro até hoje quando eu fui pra escola pela primeira vez! Eu lembro como se fosse hoje, a minha mãe me levando pra escola. Aí, até, eu estava conversando com as meninas, ela falou: “Jean, como é que você consegue lembrar de algumas coisas?”; “Não sei”. Eu lembro até hoje, a minha mãe ficou lá na escola me esperando, eu fui, aí entrei, não queria ficar, depois a professora foi, me levou e a minha mãe ficou lá me esperando, aí eu vim com um caderninho e mostrei o que eu tinha feito, aí aquilo ali, pra mim, era uma novidade, não é? Maravilhoso! Mas me recordo até hoje disso, é uma lembrança que eu não me esqueço.
P/1 – Conta mais, então, você estava entrando na sala e aí?
R – Não, foi maravilhoso, e bom também, porque muitas das crianças que estavam ali eram aquelas crianças que eu brincava, não é? Então, o clima já ficou muito melhor, já melhorou a coisa, porque antes de entrar eu não queria, eu não queria, eu tinha medo na verdade, e era muito tímido, e era muito tímido! Até hoje eu sou tímido! Mas era muito tímido, então, eu não queria entrar, aí ela: “Não, vamos lá”. Aí a professora me abraçou, foi, levou: “Não, vamos sim. Vamos!”. Aí: “Mãe, fica aí, fica aí, calma aí um pouquinho”. Aí ela me levou, me colocou; quando eu cheguei na sala que eu vi que grande parte dos alunos lá eram meus amiguinhos do dia-a-dia, eu falei assim: “É aqui mesmo”. Ah, parti, entrei, sentei, pronto! Mas aí comecei me soltando, me soltando! Aí, conversando com a professora, e brincadeirinha com ela e com os alunos, até isso depois acabou me prejudicando um pouco. Por quê? Porque aquela amizade e eu acabei levando muito aquela brincadeira pra dentro da sala de aula, aí eu tive que ser corrigido, não é? E a professora! Puxão de orelha, não é? Mas no começo foi bom, foi bom ter aqueles amigos dentro da sala de aula, porque eu acho que se eu chegasse lá e aquelas crianças fossem todas diferentes, ah, eu ia arrumar um problema sério, não ia ficar, não! Eu iria ficar, mas eu não sei como, não seria a mesma coisa! E quando eu olhei, assim, as crianças todas, os meus amiguinhos, eu falei: “Ih, é aqui mesmo”. Pronto, sentei! (risos)
P/1 – E você tomou puxão de orelha mesmo?
R – Tomei! (risos) Tomei! Tomei, porque no começo tudo era flores, as brincadeirinhas, depois as brincadeiras começaram aumentando e aumentando e já começou a atrapalhar um pouco as aulas, aí a professora segurou na orelha: “Não pode!”. Aí, eu... Isso nunca tinha acontecido, não é? Eu nunca, a não ser dos meus pais. Então, acabou, acabou ali! Não, com certeza! Eu estava muito soltinho na hora que... Parou, parou mesmo! Eu era muito tímido. Vontade de chorar! Me deu uma vontade de chorar imensa na hora. Eu fiquei segurando, uma vontade de chorar, porque ninguém de fora da minha família, ali, o meu pai. O meu pai! O meu pai nunca, o meu pai, não! A minha mãe, não é, vou até levar para o lado da minha mãe, minha mãe! Acho que ninguém nunca tinha feito isso! Então, aquilo pra mim era novo! Eu era muito tímido, talvez se eu fosse mais agressivo, mas eu não era! Eu era muito calmo, muito tímido, então aquela vontade de chorar. E outra coisa, não queria voltar pra escola no outro dia! Não, isso com certeza, não é? Ah, pra voltar pra escola, ih, minha mãe me levou praticamente a força pra escola. Aí depois vai ficando, vai passando e tal, aí as coisas foram melhorando. Eu fui reconhecendo também que eu tinha que começar mudando um pouquinho, mas não foi tão fácil, não, demorou um pouco, mas eu tive que ir mudando. (risos)
P/1 – Mas você lembra o que você fez pra tomar esse puxão traumático?
R – Foi, eu levantei. Olha, só! Eu estava fazendo uma atividade, um desenho, pintando alguma coisa, aí eu levantei e fui na mesa ao lado, sentei ao lado e esqueci do meu! Deixei o meu pra lá, fui e comecei conversando, e conversa, e brinca, e conversa, e brincando, quando vi a professora estava do meu lado: “Jean, terminou?”. Eu tomei aquele susto: “Vem cá, senta aqui, vamos terminar!”. Aí, aquilo ali pra mim foi, eu falei: “Não, acabou!”. Nunca tinha acontecido!
P/1 – E depois disso, não teve outras artes?
R – Ah, tive, com certeza! Não, houveram outras, talvez não dentro da sala de aula, porque teve uma vez que aconteceu algo nessa escola aí. A escola já tinha passado o quê? Alguns anos, mas a escola era a mesma, continuava a mesma coisinha, só que aí eles aumentaram um pouco o muro, então não tinha como você pular e eu era muito pequeno também, aí eu comecei, já, indo de bicicleta, eu já tinha uma bicicletinha, então eu ia sozinho, ia sozinho, não! Ia eu e uns amiguinhos, a gente ia de bicicleta. Aí cheguei, fui pra sala e assisti a minha aula, quando eu terminei a aula, ao invés de pegar a bicicleta e ir embora, eu peguei a bicicleta e fui lá pra trás, que era aonde tinha um campinho dentro da escola, fiquei. Todo mundo saiu da escola! Os professores, a diretora, todos, todo mundo! E a gente lá brincando. Trancaram o portão e a gente brincando lá atrás, e pra sair da escola? O muro alto, eu tive que pedir, gritei gritei gritei pra um rapaz que passou na rua, ele foi por cima e subiu no muro, pegou a minha bicicleta, jogou a minha bicicleta, quebrou a minha bicicleta naquele dia, e pra eu explicar quando chegasse em casa com a bicicleta quebrada? Jogou a bicicleta por cima do muro e me puxou, eu e o resto da criançada, pegou a gente e passou por cima do muro, eu tive que ir empurrando a minha bicicleta quebrada pra casa. E a minha mãe estava vindo ao meu encontro já pra saber o porquê que eu perdi a hora, já tinha passado mais de uma hora e eu não chegava em casa, ela já estava vindo ao meu encontro, e vai explicar! “Como é que eu vou explicar a bicicleta quebrada?”. Aí, eu tive que contar a história, não é? Ih, aí foi um problema. (risos) São coisas que eu não esqueço, foram momentos muito engraçados, muito engraçados que eu já passei, com certeza!
P/1 – E essa quadra, não tem mais ou ainda existe?
R – Não, a área aonde era foi construído um prédio, onde são algumas salas hoje, e uma quadra mesmo, hoje existe uma quadra mesmo toda bonitinha nesse local, antes não, antes era um terreno, aí a gente tinha, eu estou falando de um local aonde a gente brincava de bola, mas era praticamente capim e terra, e botava dois chinelinhos lá pra fazer um golzinho. Tinha um pé de jambo no meio desse local e a gente brincava ao lado. E aí, essa área hoje foi, praticamente, toda ocupada por salas. A escola foi modernizando, crescendo, então toda a área foi ocupada
P/1 – Além de brincar no campinho, que parece que era o lugar preferido, não é?
R – Hum, hum, com certeza!
P/1 – O que mais que você gostava na escola?
R – Olha, eu gostava muito também da merenda. Poxa, como eu gostava da merenda, porque a cozinheira, uma das cozinheiras, era... Porque a minha avó, nessa época, trabalhava num outro colégio, era um colégio municipal aonde eu estudava e o colégio estadual, a minha avó trabalhava nesse colégio estadual, então, essa senhora que trabalhava como merendeira na escola que eu estudava era muito amiga também lá de casa e também perfeita no tempero, que elas faziam tudo, não é? Hoje se faz junto as alimentações das escolas, hoje são muito boas, não é? Mas naquela época! Eu acho que eles usavam um carinho pra fazer as coisas. Eram coisas simples, um arrozinho, uma carninha, um feijãozinho, um angú, eram coisas simples, mas muito bem feitas e você sentia aquele carinho que a gente tinha, eu gostava muito! Eu almoçava, o horário em casa era... Eu estudava na parte da tarde, então quando eram duas e meia pra três horas, é o horário que a gente parava, o intervalo, um intervalo de quinze à vinte minutos, então, eu gostava muito do tempero dela! Que era muito parecido com o tempero que eu tinha em casa, da minha avó, então pra mim era uma coisa maravilhosa, não é? Mas era muito bom! E o ensino da época, também, era muito bom, eu não tenho do que questionar. As professoras, elas realmente davam muito de si para que aqueles alunos – eram muitos – tivessem um bom aprendizado, elas batiam em cima mesmo, você pode ter certeza! E cobravam, cobravam muito! Eu comparo hoje ao ensino que os meus filhos têm, não é? Na época, a cobrança era muito maior do que é hoje, por exemplo. Isso, no caso, na escola aonde eles estudam, fazendo uma comparação. Mas o ensino da época era muito bom! Muito bom, porque havia certa cobrança, muita cobrança! Então, você era muito cobrado, você tinha que fazer. E o medo de você não levar uma atividade pronta pra escola, um trabalhinho. Passou um trabalho tem que fazer o trabalho, não tinha esse negócio de não levar: “Ah, esqueci!”. Não, tinha que levar o trabalho. Hoje, não! Hoje, leva, não leva, não é? Esqueci! Não, naquela época não tinha isso, não! Passou, tinha que fazer, tinha que fazer mesmo! Então, isso era muito bom, fazia a diferença.
(PAUSA)
P/1 – Então, voltando, Jean, essa escola que você estudou e que hoje você está nela de novo. Eu queria que você contasse um pouco se você se lembra do nome de algumas professoras e, assim, alguma aula especial que você teve ou até mesmo daquela que te puxou a orelha.
R – Olha, aula, eu gostava muito de matemática, como gosto até hoje. No caso, essa professora era aquela professora que passava de tudo, não é? Passava, porque era no primário, então ela passava de tudo, era a mesma professora pra tudo, o nome dela, da professora, era Lucinéia, isso mesmo, era Lucinéia. Ela trabalhou lá, isso há muito anos, muitos anos mesmo! E, excelente! Excelente professora, eu gostava muito dela, independente de ter me dado o puxão de orelha (risos) ou não, que eu merecia, mas era uma professora excelente! Ah, lá era muito legal, eu não tenho do que falar, a não ser que a escola era muito boa, então o aprendizado era muito bom, a escola muito boa, o professor era muito bom, pra mim aquilo tudo era muito bom! Coisas que eu não vejo hoje, dificilmente a gente vê hoje! Eu sei, porque é um momento bom que eu vivi, entendeu? Então, eu gostaria, como eu gostaria que voltasse um pouquinho! Pô, só um pouquinho, só pra mim passar de novo e depois voltar! (risos)
P/1 – Me conta mais alguma coisa que você se lembre, alguma coisa diferente que aconteceu com você ou que tenha te marcado na escola.
R – Ah, teve uma coisa que aconteceu na escola, sim!
P/1 – Namorinho?
R – Namoro? Não! Namoro, eu acho que não. Ah, mas teve um momento! Isso a minha irmã me lembra até hoje, me joga na cara isso até hoje! A minha mãe, no caso, é a minha avó, a minha avó preparou as nossas lancheiras. Cada um tinha a sua lancheira, a gente levava lá o nosso negocinho; às vezes, quando não comia na escola, a gente levava. Aí o que ela fez? A minha mãe fez o suco, só que não mandou na lancheira! Quer dizer, mandou a lancheira com o que a gente ia comer e deixou pra levar o suco na hora do intervalo, pra ficar gelado, se não ia ficar ali dentro e ia esquentar, e era período de calor. Aí, levou. Não! Só que ela, ao invés de levar dois potinhos de suco, ela levou o maior e pediu, no caso, não era a professora, era uma pessoa que trabalhava na escola, que era pra me entregar e que era pra eu dividir com a minha irmã. Aí, tudo bem! Ela foi lá: “Oh, Jean, sua mãe mandou te entregar isso aqui, é pra você dividir com a sua irmã”; “Ah, tudo bem!”. Peguei, botei na minha lancheirinha e fiquei quieto, deu o intervalo, não é? Que foi antes do intervalo, um pouquinho antes do intervalo, deu a hora do intervalo, minha irmã não sabia que a minha mãe tinha mandado o suco, não sabia! Eu fui, peguei o suco, peguei o meu lanchinho, comi, comi e tomei o suco todo. Todo, todo, todo! Aí, tudo bem, tomei, acabou a aula, acabou o recreio, fomos embora pra casa, em casa a minha irmã: “Mãe, a senhora não levou nada pra eu tomar, a senhora só colocou um negocinho pra eu comer”; “Não, minha filha! Eu levei, sim! Eu levei e pedi pra entregar ao seu irmão!”. Aí, na hora eu ouvindo, não é? A longa distância, falei: “Epa, olha o problema”. (risos) Daí: “Não, eu levei. Jean, vem cá!”. Aí, fui lá: “Cadê o suco da sua irmã, você não entregou?”; “Eu esqueci”; “Mas não falei que era pra você dividir?”; “Não, mas eu esqueci. Eu esqueci, eu tomei tudo”. E a minha irmã me cobra disso até hoje, me lembra disso até hoje, ela: “Jean, naquela época você era muito olho grande, muito olho grande! Você não pensou em mim em nenhum momento”. Foi um momento dentro da escola divertido, é, aquilo. A minha avó dava risada quando lembrava disso, que eu tomei o suco todo, e era uma garrafa enorme! Eu não sei como eu consegui fazer aquilo, eu tomei aquilo tudo! Tomei tudo e não dei nada pra ela. Isso aí foi quando a minha irmã, logo que ela começou a estudar, a minha irmã era pequenininha, não é? Então, quando ela começou a estudar, foi um momento engraçado dentro da escola. Teve um momento engraçado também, teve um momento de susto, um outro momento por quê? Como eu comentei, que naquele campinho lá que a gente brincava de bola, tinha um pé de jambo. Deu uma chuva lá em Cardoso, uma chuva muito forte, uma chuva de raios. Raios, raios, relâmpagos! No outro dia, quando nós chegamos na escola, o pé de jambo era muito grande, ele estava... O raio caiu no meio dele certinho, no meio! Eu nunca tinha visto aquilo. Ele estava na metade assim, oh! Da metade pra cima aberto, não foi até embaixo, a metade aberta. E você chegava, assim, você colocava o ouvido perto dele e você ouvia aquele barulho como se ele estivesse abrindo, e ficou! Eu terminei, me formei na escola, no período que eu estudei, aí depois eu passei pra outra e aquele pé de jambo ficou assim, você chegava perto dele e colocava o ouvido você ouvia como se ele estivesse se abrindo, aquele negócio rangindo dentro dele. E por muitos e muitos anos! Até eu sair e eles terem que cortar esse pé de jambo para construir essas salas existentes hoje. Então, aquilo ali foi um momento de susto, porque a gente... Tudo a gente brincava, não é? Subia no pé de jambo, brincava de bola, ia lá, tirava jambo e comia, jogava bola. E no outro dia, quando nós chegamos, isso foi no final de semana, quando nós chegamos na segunda-feira o pé de jambo estava todo aberto, então a gente, por exemplo, pra gente era novidade, a gente nunca tinha visto aquilo: “O que aconteceu aqui?”. Aí é que foram explicar que caiu um raio ali. Eu nunca tinha visto isso! Um raio cair no meio de uma árvore e a árvore ficar. Eu nunca tinha visto! Aquilo, pra mim, é novidade até hoje, não é? Foi só ali, eu nunca mais vi nada parecido.
P/1 – Além de ter acertado o pé de jambo, não é?
R – Não, exatamente!
P/1 – O preferido, não é?
R – Ah, sem falar do jambinho, não é? Que aí como é que ia subir agora no pé de jambo? A dificuldade, aí as professoras e a direção não deixavam mais, não, proibiu, acabou o jambo! Aí, eu fiquei, que aquilo ali pra gente, que o pé de jambo era no pátio, então, aí tem aquele período, não é? O jambo dá uma vez por ano, eu não sei como que é o negócio, eu não lembro! E a gente brincava, brincava, brincava e comia, a gente comia jambo e voltava a brincar, e jambo! Não lavava, só pegava do pé e comia. (risos) Naquela época não tinha nada disso, pegava e comia. E depois que caiu o raio, cadê o jambo? Onde ficava o jambo a gente não podia pegar, porque não dava pra subir, que a gente subia no pé, ia lá e tirava, mas depois disso a gente não tinha. Aí, passou o tempo, aí sim a gente começou a ir se atrevendo um pouquinho, escondido ia lá e pegava um, descia sem ninguém ver, contra a vontade da escola. Mas foi um bom tempo, até que depois eu me formei e saí da escola.
P/1 – Até que ano você estudou lá?
R – É uma boa pergunta. Eu não me recordo.
P/1 – Até a oitava série, até o ensino fundamental?
R – Não, foi de primeira à quarta, não é? Eu fiquei aquele periodozinho do CA e fui até a quarta série. Aí, o ginásio, que é o ensino fundamental, eu fiz numa escola do estado, aonde a minha avó trabalhava, eu passei a estudar lá, porque essa escola era muito pequena, então lá eles só tinham de primeira, aquele CA, aquele início, ali, até a quarta série, aí acabou a quarta, aí você já ia para a outra escola, que é uma escola do estado, é uma escola maior, ia estudar lá. E a minha vontade sempre... Depois de um bom tempo eu não via a hora de chegar, acabar a quarta série pra ir para o outro, porque lá eram os alunos maiores, então aquela vontade de ficar no meio dos maiores, todos eles ficavam lá. A minha vontade era de terminar a quarta série ali e partir pra lá. Aí, fiquei, graças a Deus, me formei ali. Tive um problema! Demorei a me formar, porque tive um problema de saúde onde tive que parar de estudar por um ano. Eu fiquei dois anos. Um ano passando muito mal, eu passei muito mal. Aí o outro ano foi praticamente fazendo tratamentos, eu tinha que fazer tratamentos constantes; eu perdi dois anos na terceira série. Eu tive um princípio de epilepsia, então isso me afetou. Aí eu passei mal num período, até que foi descobrir isso também afetou um pouco na parte de estudos. Quando chegou na terceira série, eu tive que, praticamente, parar pra fazer tratamentos. Não é que eu parei de estudar! Mas eu tinha que ficar muito tempo fora fazendo tratamentos, então aquilo ali acabou atrapalhando, tanto que teve uma vez que eu tive que parar mesmo, eu não tive condições de continuar até o fim. Eu passava muito tempo na cidade próxima de lá chamada Itaperuna fazendo tratamento. Então, eu perdi dois anos na terceira série devido a um problema, um princípio de epilepsia que eu tive. Mas, graças a Deus, também, depois eu fiz tratamentos, acompanhamentos, e tudo se resolveu.
P/1 – Me conta uma coisa, quando você foi pra escola estadual, lá no meio dos maiores, como é que foi?
R – Oh...
P/1 – Começa o tempo de paquera também, não é?
R – Não, isso aí já tinha na quarta série. Eu estava já de olho nas menininhas, não é? Principalmente as vizinhas. E lá na escola tinha um problema! Porque lá tinha a minha avó que trabalhava na escola e que ficava de olho em mim, então eu não podia muito, porque, naquela época, não podia, eles achavam isso um absurdo. Não, não podia! Mas eu dava o meu jeitinho, não é? Conversa daqui. Mas naquela época eu era muito tímido, eu conversava, mas era tímido! E tinha um medo de falar, nunca chegava! Eu, chegar perto de uma menina pra falar! Chegava, não! Nada, não fazia isso! Mas eu gostava, queria falar, e as meninas também queriam! Aí, ficava aquela troca de olhar, e mandava cartinha! Escrevia uma cartinha e mandava pra lá, aí vinha uma cartinha de lá pra cá, e conversava, aí depois ia lá, sentava, aí conversava um pouquinho. E era muito bom, que daí eu fui aprendendo. Aprendendo, porque eram coisas novas que estavam acontecendo pra mim, então a minha vontade já era de ir pra essa escola, pensando nisso: “Quando eu chegar lá, aquele monte de menininhas, os meus amigos, os mais velhos, os irmãos dos meus amigos vão estar todos estudando lá”. Mas quando chegou não foi tão fácil assim, porque eu cheguei lá com outra realidade. Aí me deparei com outra realidade e a minha timidez só aumentou: “Ih, agora o que eu faço?”. Mas eu fui levando daqui, vai levando de lá, aí foi tudo ok. Mas foi muito bom, até mesmo porque a minha avó estava lá, então na hora de ir embora: “Vou embora com a minha avó”. Então, o meu horário, a gente saía, praticamente, na mesma... Eu saía um pouquinho mais cedo, o meu horário de saída era quatro e meia, o dela, por trabalhar na escola, o horário era às cinco, mas eu ficava por ali, a gente ia embora juntos, então tinha sempre aquela companhia. E a minha avó eu tive sempre como uma mãe, então era muito bom! Nem sempre isso acontecia, ir junto com a minha vó, mas sempre que podia eu aguardava e a gente ia juntos. E ela me ajudou, também, muito, que num lugar pequeno, o que acontece na cidade pequena é que todo mundo conhece todo mundo, como nessa escola, também, as pessoas que trabalhavam lá eram todos conhecidos da gente, então a adaptação na escola sempre foi muito fácil, eu sempre me adaptei muito bem! Me adaptei na outra, tive aquelas dificuldades iniciais, mas me adaptei na outra e me adaptei nessa também! Apesar de ter tomado aquele susto quando eu cheguei, não é? Uma realidade totalmente diferente. É que nem eu fico pensando: hoje, esse pessoal que termina o ensino médio e vai pra faculdade, a realidade é diferente! A faculdade é muito diferente! Então, era algo parecido com isso; quando eu cheguei lá era tudo diferente, uma escola totalmente diferente, um prédio enorme e tudo muito grande, muitas crianças grandes e pequenas, muitos professores, tudo muito diferente, então aquilo pra mim foi um impacto. Mas eu tinha a minha avó dentro e conhecia muitos dos professores, que eram amigos lá de casa, então isso foi ajudando de uma forma ou de outra e eu, também, já tinha passado por aquele período inicial de escola, então eu já tinha perdido aquele medo de escola, foi mais fácil, foi bem mais fácil!
P/1 – E lá também usava uniforme?
R – Usávamos! Usávamos um uniforme. Lá era uma camisa branca também! A gente usava uma camisa branca, aí muda, não é? A gente colocava qualquer uma. Não tinha negócio de cor, mas a camisa tinha que ser, tanto que a escola era muito rígida, só podia entrar se estivesse com a camisa, sem camisa não entra na escola. Eu até passei uma vez, que era um dia de prova, e eu não sei o que aconteceu que a minha camisa sujou e não lavaram, a minha mãe eu acho que não, eu não sei o que aconteceu, eu não lembro! Mas eu tinha que ir pra escola pra fazer a prova! Aí eu cheguei na escola, no portão da escola: “Eu preciso...”; “Não, não pode! Não pode! Não pode!”; “Mas eu preciso entrar”. E comecei a chorar, e chorando, e chorando, e chorando: “Eu tenho que fazer a minha prova”. E a preocupação! Eu fui, eu tive que voltar. Não podia entrar mesmo! Eu voltei pra casa chorando, aí eu fui falar com a minha mãe que eu não fiz a prova. Aí a minha mãe não podia falar nada que, realmente, a roupa não estava limpa, então até não aconteceu nada em relação a dentro de casa. Mas, ih, chorei muito naquele dia, chorei! Eu queria fazer aquela prova de qualquer maneira! Nada me tirava da cabeça, eu tinha que entrar pra fazer a prova, tinha! Eu falei: “Gente, eu vou pular esse muro, eu pulo”. Mas o muro era muito alto, eu era muito pequeno, (risos) não tinha como pular o muro: “Gente, eu tenho que entrar na escola”. Aí, quando eu vi que não tinha jeito mesmo, depois de implorar muito no portão, tive que abrir a cara pra chorar. (risos)
P/1 – De qual matéria era essa prova?
R – Ah, é! Eu não lembro.
P/1 – De que disciplina, você não se lembra?
R – Era algo que eu gostava. É, eu gostava muito. Eu não vou te afirmar, mas eu acho que era matemática. E eu também estava precisando, porque eu tinha tirado uma nota, apesar de gostar muito de matemática, mas eu lembro que eu tinha tirado uma nota um pouco baixa em uma prova anterior, então eu precisava recuperar aquela nota. E estudei, eu estudei muito! Eu tinha estudado muito para aquela prova! Que eu falei: “Eu tenho que fazer essa prova. Nessa prova eu tenho que tirar a nota máxima”. E o meu negócio era sempre tirar 100. “Eu quero tirar a maior nota”. E tinha estudado muito por quê? Pra tentar recuperar aquela nota anterior. Então, aquilo ali pra mim... Quando eu cheguei lá, que eu não consegui entrar, eu entrei em desespero: “Não, não pode! Não tem condições”. E estudei pra caramba “Não, não! Jean, volta pra casa. Não, não tem! Volta”. Aí, tive que voltar pra casa com a cara aberta chorando.
P/1 – Jean, quando você era adolescente, você tinha algum sonho? Porque tem muitos meninos que desde pequenos falam: “Ah, eu queria ser isso!”.
R – Olha, primeiro: eu tinha uma vontade imensa de morar sozinho, não me pergunte porquê. Sempre tive um tratamento excelente de educação, alimentação, tudo! Não tinha do que reclamar, mas queria morar sozinho! Eu novo, com doze anos, novo, novo, novinho! Eu queria porque queria morar sozinho! Tanto que uma vez, eu e a minha irmã, é, a minha irmã era um pouco atrevida, porque ela é uma pessoa brava, normalmente, ela é brava. Aí, a gente brigou lá, no caso, a gente brigou, não é? Ela lá, a minha mãe foi e fez alguma coisa com ela, lá: “Eu vou embora!”. Eu falei: “Calma aí! Eu também vou!”. Aí, eu fui e peguei a minha mochilinha, fui botando a minha roupa dentro da mochila e estava indo embora, estava indo! A minha mãe foi lá e pegou o chinelo e... Toma! (risos). Aí, nós dois... Pronto! Aquilo ali foi uma só também, e acabou, nunca mais, nunca mais! Mas sempre tive muita vontade de morar sozinho! A minha vontade era enorme de sair e morar. Eu não sei porque, eu não sei de onde que eu tirei isso, que morar sozinho era muito bom, aí eu queria porque eu queria, queria!
P/1 – E tem mais alguma coisa que você se lembre?
R – Deixa eu ver, hum. Ah, tinha também, tinha sim! Quando adolescente, também. Voltando naquela questão do namoro. Eu queria, porque queria, eu gostava de uma menina, mas eu, voltando a questão da timidez, muito tímido! Eu não conseguia, mas eu gostava, gostava! Eu gostava demais, demais! E eu mandava cartinhas. E eu guardei cartas por muito e muito tempo, muito tempo mesmo! Eu guardei as cartinhas, a gente mandava cartinhas e eu queria encontrar com ela, o meu negócio era encontrar com ela, só que a mãe dela, o pai dela era muito bravo. Não vou nem dizer pelos meus, mas o pai dela era muito bravo, então, eu queria muito encontrar com ela, mas a gente não conseguia, porque ela tinha medo do pai. A gente só ficava... Sempre tinha uma amiga, não é? Aquela que leva e traz, aí pegava a minha e levava pra ela, pegava a dela e trazia pra mim, e cartinha: “Você vai na festa hoje?”; “Não, eu vou na festa, sim!”. A gente vinha na festa, mas chegar perto um do outro mesmo que era bom, isso nunca acontecia. Mas aí eu queria muito encontrá-la. Casei, não é? Cresci, hoje estou casado e nunca tivemos nada! E ela mora, até hoje, lá no mesmo lugar, e eu fiquei gostando dela por muito tempo, aquela questão de adolescente, não é? Fiquei gostando dela por muito tempo e nós nunca tivemos nada! Tanto que eu me apaixonei por uma outra, que foi a que eu casei, (risos) aí mudou! Mas é uma coisa que eu sempre quis, eu sempre quis poder estar com ela, mas não teve como, não teve! Era aquela vontade de adolescente mesmo, uma coisa que deu e teve que passar, infelizmente!
P/1 – Antes da gente passar um pouco mais pra juventude eu me lembrei. Lembra na sensibilização que a gente fez na nossa oficina, na primeira vez que a gente se encontrou? Você contou uma história, lembra? Quando você estava na praia, você era pequeno...
R – Lembro.
P/1 – Você quer contar ela pra gente?
R – Foi. Aquilo ali também foi no período de adolescente, foi naquele período de adolescência mesmo que aconteceu isso, foi na primeira vez que, é, porque os meus pais não queriam que eu fosse à praia naquele dia. Não queria!
P/1 – Foi aqui no Rio?
R – Foi, eu não sei se vocês conhecem, é, Santa Clara? É pra lá, mais Campos, não é? É uma das praias de Campos, São João da Barra, próximo ali. Então, os meus pais não queriam que eu fosse à praia naquele dia. Não queriam, não queriam, não queriam; eu, novo! Não queriam que eu fosse, mas eu dei aquele jeitinho e fui, parti! Eu e mais dois, fomos andando, andando, andando, aí quando chega, que tem uma divisa de uma praia para a outra, é uma vazante que tem de uma praia pra outra, aí na hora que você passa na parte da manhã a água está aqui, oh, mais ou menos, é rasinho! Só que a maré vai subindo, vai subindo, vai subindo! Aí eu passei pra lá e fui. Meus pais não sabiam disso, meu pai não sabia que eu tinha saído fora. Eu pedi pra ir e eles não deixaram. Eu dei o meu jeito, falei que ia em outro lugar e fui! Fui lá, nós atravessamos essa vazante, andamos na praia, aí andamos bastante e paramos, comemos e tomamos banho. Na hora de voltar a maré já estava mais alta, a água já estava um pouco mais perto do meu peito, mas eu não sabia nadar. Então, mas eu falei: “Mas dá pra passar, não é?”. Aí, os outros dois passaram com muita dificuldade, eu não sei o que aconteceu que na hora que eu estava na metade me deu uma fraqueza nas pernas, alguma coisa que eu não sei explicar e eu não conseguia nem voltar e nem continuar, aquilo estava me puxando, me puxando! Me puxando e teve um momento que ficou mais fundo, foi na hora que eu... Parece, também, que já estava abaixando, que eu levantei o braço, quando eu levantei o braço o salva-vidas viu, aí na hora que ele viu ele foi e pulou na água, e eu não, é sempre assim, era um pouco grande e ele teve uma certa dificuldade pra me tirar, tanto que essa vazante estava puxando ele também, começou a puxar ele, ele falou: “Me ajuda!”. O salva-vidas: “Me ajuda, me ajuda, porque se não eu não vou conseguir te tirar daqui”. E eu não conseguia fazer nada, na época eu não sabia nadar, e todo mundo desesperado, e desesperado! Aí, veio um rapaz num barco, num barquinho, aquele barquinho pequenininho, foi chegando próximo assim, aí o salva-vidas foi, começou, aí uma outra pessoa puxou eu e o salva-vidas, e ele me segurando, praticamente, já tomando água e foi aonde saiu e o barco chegando e foi e ajudou a gente a sair dali. Tanto que eu falei que os meus pais não sabem disso até hoje, não sabem! Eu não consegui falar isso pra eles, entendeu? Por quê? Porque eles me avisaram: “Jean, não vai, não vá à praia, não vai hoje”. Não é que não vá: “Não vá hoje”. Porque eles sempre iam. Então: “Não vai hoje”. Ah, mas amizade, os amiguinhos chamando pra ir e tal, os colegas: “Vamos sim! Nós vamos dar um jeito, nós vamos dar um jeito”. Eu arrumei um jeito e fui, até hoje eles não sabem disso, eu não falei isso pra eles ainda, mas foi um momento difícil que eu passei, aquilo ali, pode ter certeza, aquilo ali eu paro pra pensar: “Gente, que...”. A questão da obediência, você ouvir, às vezes, é muito importante e eu paro muito, que aquilo ali, pra mim, foi experiência! Conta como experiência, porque você pode ter certeza que nunca mais eu fiz outra e, se Deus quiser, eu não vou fazer. (risos) Não, porque foi um momento inesquecível. Eu vejo pessoas falando quando passa na televisão, eu tenho trauma, eu não nado, eu não nado! Eu vou em praia e tal, mas eu não nado, eu não tenho prazer nenhum nem de aprender a nadar! Eu não quero, eu não quero! O meu contato com a água é ficar num lugar legal, tal. Aonde eu levo os meus filhos a gente fica por ali, nadar! Eu não tenho prazer nenhum nisso, nenhum! Eu perdi todo naquele dia, porque foi um momento inesquecível pra mim, um momento difícil, cara! Algo que eu não vou esquecer, aquilo ali, realmente!
P/1 – Esse foi o aperto, não é?
R – O aperto, pode ter certeza! Foi o momento, porque, sinceramente, eu não gostei, e não gostaria que ninguém passasse pelo que eu passei, não! A gente vê, às vezes, na televisão, o salva-vidas entrando na água, tirando as pessoas. Poxa, eu vivi aquilo! Então, eu sei o quanto é difícil você achar que não dá mais, não tem explicação! Era: “Gente, o que está contecendo?”. Tanto que eu estava com um relógio e esse relógio tinha uma trava, a trava abriu, eu fiz assim na palma da mão, eu fiquei com a palma da mão aberta por quê? Para o relógio não sair! Fiquei assim, ele me segurou nesse braço e o relógio aqui, aí o relógio abriu, se eu ficasse normal ele ia sair, eu abri, ele ficou parado aqui, oh, na minha mão. Eu não perdi o relógio! Aí, fiquei assim, o salva-vidas me segurando por esse braço, me puxando, ele segurou por aqui, com o braço aqui, me puxando, me puxando e eu com a mão aberta, a mão aberta, até onde eu consegui sair e com o meu reloginho! Mas olha, sinceramente, aquilo ali foi pra eu aprender.
P/1 – Você ainda salvou o relógio?
R – Salvei! Ah, tive que salvar! Pelo menos isso, não é? Fui salvo e tive que salvar o relógio. (risos)
P/1 – E depois voltou pra casa e ficou pianinho lá?
R – Mas voltar pra casa, também, não foi fácil, não! Não foi por quê? Porque, pra todos os casos, eu estava indo pra casa, ainda dei um jeitinho de ir pra casa de um amigo. Então, eles ficaram assustados! Eles ficaram assustados, porque, também, novos, não sabiam fazer nada e eu tive que sair dali e me acalmar, até o salva-vidas me acalmou também, então, me perguntou, eu falei: “Não, eu tô bem”. Aí, eu saí com eles, ele falou: “Não volta aqui, não! Vá direto pra casa. Você mora aonde?”; “Meu avô mora ali pertinho”; “Então, vá direto pra casa”. Eu fui, direto pra casa, não! Parei na casa dele lá, aí a gente conversou, paramos, ficamos um bom tempo parados e pensando no que tinha acontecido, aí depois, pra chegar em casa, eu ficava na cabeça que os meus pais sabiam o que tinha acontecido: “Gente, eu vou chegar em casa e eles já sabem disso, já sabem, já sabem! Com certeza a minha mãe vai estar lá com o chinelinho me esperando. Já sabem, já sabem!”. Até que eu cheguei em casa e tal. E eu nunca falei isso, não! Nananinanão! Ficou guardado, está até hoje. Eu vou falar, eu vou falar! Eu falei com você naquele dia que eu ia falar, mas não falei ainda, não! Não vou falar isso pra eles ainda. Ele vai falar: “Eu te avisei pra você não ir, eu te avisei!”. E avisaram mesmo, não é? Pediram pra eu não ir.
P/1 – Jean, agora passando à frente da parte da sua juventude, não que você seja velho, porque você ainda é novo, mas você se lembra de algumas coisas que você tenha feito quando você começou a sair? Você saía pra dançar? Você gostava de dançar ou praticava esportes?
R – Não, eu nunca fui muito de dançar, por não saber, duro, eu não sabia dançar. Tive muita vontade de aprender, mas não sabia. Gostava de jogar bola, gostava. Eu brincava muito de bola devido a infância, então eu brincava muito de futebol, jogava bastante, muito! Depois de um tempo eu parei também e comecei com bicicleta, a andar, pedalar, pedalava muito, comecei pedalando, aí o esporte que eu praticava era pedalar, aí depois eu parei. Tanto que eu voltei a fazer, porque eu fiquei um bom tempo sem praticar esportes, um bom tempo mesmo! Mas eu sempre gostei muito de pedalar, de andar de bicicleta, eu sinto o maior prazer em andar de bicicleta! Quando eu vejo as pessoas andando de moto de baixo pra cima, sai daqui, vai daqui ali e pega uma moto, vai daqui ali e pega um carro, eu não! Eu sinto o maior prazer em andar de bicicleta, eu gosto é de subir na bicicletinha e ir pedalando. Ih, eu ando o dia todo, tanto que hoje eu vou trabalhar, não é? Se eu vou pra escola, a distância da escola é o quê? Deve ser uns cinco minutos de bicicleta, é pertinho! Então, bicicleta! É, em moto, não! É bicicleta. Quero ir lá no centro! De bicicleta! Tudo pra mim é de bicicleta! Eu gosto muito, eu gosto de pedalar. A minha bicicletinha está lá, velhinha, eu vou até trocar ela, eu estou até com pena de passar ela, eu vou dar um jeitinho lá. Mas eu gosto muito, eu gosto! O esporte que eu gosto é pedalar, eu gosto muito de ficar pedalando, eu gosto muito de andar, sempre gostei!
P/1 – E lá é como se fosse um vale, é bom para andar de bicicleta, não é?
R – É, porque lá é tranquilo. Não tem esse problema de trânsito, nada disso e é bom pra mim, é bom para as crianças. Aí eu pego os meus filhos, que cada um tem a sua bicicletinha, a gente sai pra andar, nós saímos todos. Vamos lá na pracinha, depois voltamos, a gente brinca. Então, isso pra mim eu gosto, eu gosto disso, eu gosto muito de pedalar, eu gosto muito de estar em cima da minha bicicletinha, a minha Juremazinha, como eu chamo ela! (risos)
P/1 – E o colegial como é que foi?
R – Ah, ele foi bom. O meu colegial eu passei, que aí nesse período, logo em seguida eu mudei de Cardoso, eu fui pra uma cidade chamada Bom Jesus. Então, eu comecei em Cardoso, não é? Estudei um período lá e depois eu mudei, fui pra uma cidade aonde o meu pai trabalhava, meu pai depois deixou de ser caminhoneiro, foi ser motorista de ônibus, a linha que ele trabalhava era pra essa cidade, então ele comprou uma casa e fomos morar todos lá. A adaptação foi complicada por quê? Porque as pessoas, eu não tinha aqueles amigos como era lá, que todo mundo conhecia todo mundo, então voltei na estaca zero de novo, apesar de já ter idade, já conhecer e tudo mais, mas mesmo assim eu voltei na estaca zero, tanto que quando eu cheguei lá o meu primeiro dia de aula foi uma prova de química, e química é uma matéria que eu tinha muita dificuldade, sempre tive dificuldade! E prova, aquilo me assustou, então a minha adaptação que poderia ter sido mais fácil, não foi! Foi complicado, eu tive até muita sorte também, por quê? Porque nessa turma, uma turma muito grande, eu conheci umas duas meninas. No primeiro dia de aula, quando eu cheguei lá, eu conheci umas duas meninas, porque elas viram que eu estava perdido, então, não era prova, não! Era um teste, um exercício avaliativo, que o professor estava passando. Aí as meninas foram e me chamaram, era em dupla, aí elas: “Jean, senta aqui”. Jean, não! Elas não sabiam o meu nome: “Ei, vem cá, senta aqui”. Eu estava sentado sozinho: “Faz com a gente aqui”. Eu falei: “Meu!”. Eu lembro como se fosse hoje: “Eu não sei isso daí”, porque era uma matéria que a escola estava avançada em relação ao conteúdo que eu tinha visto, eu falei: “Meninas, eu não sei isso daí”. Aí, me apresentei primeiro: “Oh, o meu nome é Jean e tal. Mas eu não sei isso daí, não!”; “Não, não tem problema, não! A gente vai fazer aqui. Você mora aonde?”. Eu falei assim: “Olha, pra ser sincero eu cheguei essa semana, eu não sei nem... Eu vim aqui, porque o meu pai me acompanhou, porque eu não conheço a cidade, não! Pra eu voltar eu acho que vou ter que esperar ele vir aqui, ele vai vir me buscar pra me levar pra casa”, porque eu não conhecia, era um pouco distante: “Mas eu moro em tal lugar”. Eu falei pra ela: “Eu moro, mais ou menos, em tal lugar”; “Ah, então vamos marcar um dia e tal, que você venha aqui na casa da gente e a gente possa ver o conteúdo”. Foi ali que eu comecei, tive que voltar na estaca zero de adaptação. Aí me adaptei totalmente diferente! Tudo diferente do que eu tinha visto, pessoas, a forma de tratar, porque de escola pra escola isso muda muito, muito mesmo! Então, quando eu cheguei lá, tudo, as professoras, a forma de lidar com os alunos era muito diferente, muito! Nós estávamos numa cidade pequena! Pô, todo mundo conhecia todo mundo, então passa a mão na cabeça de um, brinca com o outro, lá não tinha nada disso, uma cidade maior, cidade grande. Então, às vezes, o professor não conhecia o aluno, tipo assim, conhecia o aluno, é o aluno Paulo, o João, o Pedro, mas não é aquele Pedro que mora do lado da casa dele. Não era isso, não é? Ele conhecia dentro da sala de aula, então isso não acontecia. Para mim essa adaptação foi complicada, essas meninas me ajudaram. Até, nem lembro o nome delas, é, o nome delas eu esqueci, mas foi graças a elas, a esse pontapé inicial, mas eu tive que voltar na estaca zero de novo, de adaptação, não é? Mudança de escola é complicado! Eu pensei nisso também quando eu fui tirar a minha filha da escola pública e colocar na particular, eu falei: “Gente, a adaptação!”. Aí eu tive que acompanhar! Todo dia eu ia na escola, que eu ia levá-la e buscava, ia lá, conversava com a professora: “E aí, como que ela está?”. Ela começou fazendo as amizadezinhas dela com as menininhas, foi se soltando, que ela também é muito tímida, me puxou, então foi se soltando, aí, sim! Foi uma adaptação legal inicialmente, mas eu sempre estava ali, pertinho, observando, porque você tem que observar, porque eu passei tudo isso, então eu sei como que é, então eu fui sempre, sempre do lado. Nunca fiquei dentro de sala de aula, isso não! Acho que o pai não tem que fazer isso, entendeu? Mas sempre procurando em saber informações: “Como é que está aí? Como que foi hoje? Como que ela se comportou?”. E ela é uma criança excelente! Não é porque é minha filha, mas é uma criança excelente! Então, a adaptação dela também foi boa, ao contrário da minha, que foi complicada quando eu mudei de escola! Claro, tive muita sorte de conhecer essas meninas que me ajudaram nesse início, nesse pontapé inicial. Agora, o meu pai! O meu pai não tinha tempo. A minha mãe na época já estava com a minha irmã mais nova. No caso, é a Juliana, já estava com a minha irmã mais nova, então minha mãe não tinha aquele tempo pra ficar à minha disposição na questão de escola, isso acabou! Quando era só eu, beleza, não é? Era filho único e tal, a minha mãe me levava na escola, buscava e depois isso foi acabando, veio a segunda, veio a terceira, aí a conversa já era outra. Não era tão simples mais, mas foi um período, eu acho que nós passamos por um período de adaptação, acho que não só na escola, mas em todos os lugares, mas a gente vai superando, isso vai sendo superado e a gente vai encarando como experiência, isso é muito bom! Acho que fazendo amizades, não é? Isso pra mim foi bom e graças a Deus hoje não moro mais! Aí, voltei! Hoje eu moro em Cardoso, não é? Que eu fui pra Bom Jesus, me formei lá e voltei pra Cardoso.
P/1 – Foi uma faculdade ou colegial?
R – Não, não, o colegial, porque eu acabei o segundo grau lá em Bom Jesus, comecei em Cardoso e terminei em Bom Jesus, agora eu voltei pra Cardoso novamente. Devo começar uma faculdade agora, no início do ano por quê? Por estar trabalhando. Sempre tive dois empregos, sempre trabalhei em dois lugares, eu não tive tempo de fazer uma faculdade. Eu sempre gostei muito de trabalhar, outra coisa que eu não abria mão e que meu avô também me ensinou: “Jean, sempre trabalhe”.
P/1 – Desde pequeno?
R – Desde pequeno! Desde pequeno eu sempre gostei de trabalhar. Eu gostava de fazer mandado, minha mãe: “Oh, Jean!”. Eu nunca fui aquela criança de: “Ah, eu não quero ir, não!”. Não, eu gostava: “Oh, Jean, vai lá comprar isso e isso pra mim”. Montava na minha bicicletinha, partia, ia e voltava. Eu tinha o maior prazer! Então, eu gostava disso e isso pra mim foi bom. E depois fui crescendo, comecei a trabalhar novo, mas não é trabalho pesado, nada disso, não! Um trabalhozinho, uma coisinha aqui, outra ali, aprendendo. Isso, para mim, foi abrindo um pouco a minha mente. Eu acho que a responsabilidade, eu acho que pessoas, eu não estou dizendo que a pessoa que não trabalha não tenha responsabilidade, não é isso! Mas o trabalho te obriga a ter algumas responsabilidades, você por obrigação tem que ter algumas responsabilidades. Então, eu passei a ter elas depois que eu comecei a trabalhar, comecei a dar valor a algumas coisas que eu não dava, dinheiro! O dinheiro vinha do bolso da minha mãe e do meu pai, então entrava, saía. Hoje, a conversa é muito diferente, depois que eu comecei a trabalhar, ganhava pouquinho! Mas dava o maior valor, dava o maior valor!
P/1 – Quando você voltou pra Cardoso, você voltou a trabalhar lá também?
R – Voltei, trabalhei em Bom Jesus, não é? Eu não sei se vocês conhecem aqui no Rio um docinho chamado Xamego Bom? Uns quadradinhos de leite, a fábrica é lá.
P/1 – Xamego Bom?
R – Xamego Bom, são uns docinhos de leite. A fábrica é lá em Bom Jesus. Então, se vocês tiverem o prazer! Você vai ver, é muito bom! É bom, ele é gostoso demais! Eu trabalhei nessa fábrica lá, depois eu voltei pra Cardoso. Até então, quando eu morava em Bom Jesus, nada a ver com informática! Eu não trabalhava em nada de informática. Trabalhando nessa empresa, aí voltei pra Cardoso e comecei trabalhando em um curso, um curso de informática, mas somente trabalhava no curso, eu não era professor, aí nesse curso eu fui fazer aula, até então eu não gostava.
P/1 – Era curso de quê? Desculpa!
R – De informática, um cursinho de informática. Aí comecei trabalhando ali, ajudando, mas não gostava! Eu não gostava de computador, não me agradava, eu não gostava, tanto que fiz o curso depois que eu já estava trabalhando. Aí comecei fazendo o curso e comecei a gostar! Foi amor à primeira vista! Eu não gostava, eu detestava computador, eu não via graça nenhuma em computador! Meu negócio era outro, eu não queria nada com isso. Aí comecei usando, usando e comecei a gostar, foi realmente amor à primeira vista, aquela paixão! Daí comecei mexendo em computador e usando, usando, e nesse curso eram dois professores: o dono e um outro professor. O que aconteceu? Esse professor passou numa prova aqui no Rio, mas não lembro pra que na época, então ele pediu pra sair. Só que tinha um outro garoto que trabalhava lá também, que já estava fazendo estágio nas turmas, que assumiu algumas turmas, o dono do curso me colocou na turma dele, ele percebeu que eu estava gostando da informática, o meu negócio era que eu chegava junto, eu ia mais cedo pra lá, pegava a apostila do curso que eu não tinha feito ainda, que eu ia fazer, pegava a apostila, sentava na frente do computador e ia fazendo tudo, tudo! Quando chegava no curso, na minha aula, eu sabia aquilo tudo, então ele foi vendo, ele foi só observando. E eu gostava, prestava ateção, ele ia, mexia no computador, ia abrir pra consertar e eu sempre em cima, só prestando atenção, e ele foi vendo tudo isso, falou: “Jean, eu vou te colocar em mais turmas”. Eu falei: “Como assim?”; “Não, você não estuda num horário...”. O meu horário era de três às quatro; “Você não estuda no horário das três às quatro? Então, eu vou te colocar pra fazer aulas. Não fazer aula, acompanhar as minhas aulas em outras turmas”; “Ok!”. Ele era um excelente professor, eu comecei acompanhando e vendo a didática que ele usava, a forma como ele trabalhava e sempre observando, ajudando ele, ajudava os alunos, e fui me soltando, e me soltando, até que um dia ele olhou pra mim: “Jean, dá essa aula hoje pra mim”. Era uma turma que estava iniciando e era um conteúdo que eu já tinha visto, aí falei: “Como, rapaz, eu nunca dei aula!”; “Então, vai lá, dá aula hoje, eu vou te... Senta aqui”. Aí, ele foi e falou: “Gente, oh!”. Pra ser avaliado, daí é complicado! Ele sentou lá atrás, ele pegou a cadeirinha. Você acha que se ele não estivesse na sala teria tudo sido diferente, ele pegou a cadeirinha e sentou lá atrás, cruzou a perna, aí falou: “Gente! Oh, o instrutor Jean. Hoje ele vai passar o conteúdo pra vocês aí, esse conteúdo aqui, tá? Então, é a primeira vez que ele vai dar aula, ele está aqui ajudando a gente há um tempão, vocês já sabem. Então, hoje ele vai passar o conteúdo pra vocês”. Se ele não estivesse na sala eu teria me soltado, é diferente, até mesmo porque eu conhecia alguns alunos, mas você ser avaliado é um problema sério! Aí você sabe, mas na hora (risos) dá um branco. Eu comecei, não é? E falando, e suando, e falava, e gaguejava.
(PAUSA)
P/1 – Então, Jean, você estava contando da sua primeira aula de informática. Mas antes eu queria que você falasse: qual era o nome da escola, qual era o nome do seu professor e também quantos anos você tinha.
R – Eu tinha mais ou menos – eu vou fazer, mais ou menos, um cálculo – dezessete anos, eu acho! Mais ou menos, isso daí, que eu tinha dezessete para dezoito anos quando eu comecei a trabalhar nesse curso. O professor lá, o meu professor e dono era o Andre, o Andre Mota, que ele era o dono do curso, uma pessoa excelente! E que me colocou pra fazer esses estágios nas turmas por ter percebido que eu estava gostando, pra quem não gostava nada, eu estava gostando muito, então ele começou a perceber e foi me colocando nas turmas para fazer os estágios. E estágios, e estágios, em mais turmas, aumentando as turmas, até que chegou o dia: “Hoje é o dia, então, você hoje vai passar esse conteúdo pra mim”; “Não, Andre, mas eu não estou preparado”; “Não, rapaz, é fácil”. E eu já tinha visto aquilo tudo, já sabia fazer, sabia tudo, explicar pra uma pessoa? Beleza! Sentar do lado e explicar? Beleza! Agora, ir lá pra frente, você olhar todo mundo sentado, eram vinte alunos, o meu problema não eram os vinte que estavam na sala, era ele sentado lá, com a perninha cruzada, lá no fundo, eu olhava assim e começava a suar. E comecei falando, e gaguejando, e falando, e gaguejando, e errei! E coisas que eu sabia, errei! Aí ele foi e me corrigiu: “Jean! Oh, mas é isso e isso”. Aí foi e fez a correção: “Não, é, realmente! Gente, desculpa por isso”; Aí ele foi e brincou: “Não, é nervosismo, é assim mesmo, é a primeira aula, não liga, não! Vamos lá!”. Até que eu concluí o conteúdo, aí a turma saiu, ele chegou perto de mim, eu falei: “Poxa, Andre! Rapaz, eu nunca fiz isso, tanto que na época de escola, pra apresentar trabalho, ir lá na frente apresentar trabalho, nossa senhora! Era complicado, era complicadíssimo”. Mas quando eu olhava, eu sabia o conteúdo todo, mas chegar lá e explicar pra todo mundo, eu parava, bloqueava, eu não sei por quê. Ainda eu falei: “Andre, rapaz, como que eu vou passar isso? Realmente, não tem condições”. Ele falou: “Não, vamos fazendo aos poucos, na próxima agora você vai fazer o seguinte: você vai ficar com a turma sozinho”. Eu falei assim: “Vai ser melhor, não é? Aí a conversa é outra”. Aí eu peguei uma turma, ele falou: “E você vai escolher a turma”. Tinha aquela turminha que eu conhecia todo mundo, eu falei: “É nessa turma aqui”. Eu falei: “Andre, é nessa turma aqui, porque o conteúdo é um conteúdo fácil, então eu vou passar pra eles”; “Então, ok, beleza!”. Fui, dei a aula muito mais leve, levíssimo! Passei o conteúdo, brinquei com a turma, uma maravilha! Mas ele está o quê? Na sala que eu estava dando aula tem um corredor ao lado que era o local onde ele fazia a manutenção, ele ficou ali atrás ouvindo, praticamente tudo, porque tinha uma saída, então dava pra ouvir tudo, ele ouviu praticamente tudo que eu falei. Aí, na hora que eu terminei a aula, ele chegou perto de mim: “Oh, meus parabéns!”. Eu perguntei: “Gostou?”, brincando, não é? Ele não sabe, ele não estava aqui. “Você gostou?”; “Não, eu gostei, eu ouvi tudo que você falou”; “Você ouviu?”; “Ouvi, eu estava ali atrás ouvindo tudo que você falou, meus parabéns!”. Ele abriu uma loja para vender computadores numa outra cidade e não pôde continuar com as turmas, eu assumi todas as turmas dele, então, vê, olha a responsabilidade! Eu assumi a turma, e detalhe! Assumi a turma que eu estava estudando. A turma que eu estava estudando eu assumi pra dar aula! Como que eu ia dar aula de conteúdo que eu não tinha visto ainda? Só que eu já tinha passado por todos aqueles conteúdos em outras turmas, já sabia aquilo tudo. Eu formei a turma que eu comecei estudando, foi o que aconteceu! Eu nunca tinha visto acontecer. (risos) Eu formei, eu fui o professor. O certificado, eu assinei o certificado da turma que eu comecei estudando! Então aquilo ali, para mim, foi o máximo, foi o máximo! Aí eu me apaixonei pela informática, trabalho com informática há sete anos em sala de aula. Gosto muito, gosto de sala de aula, gosto de passar os conhecimentos!
P/2 – Você já tinha computador próprio ou não?
R – Não, não!
P/2 – Quando foi que você veio a ter o primeiro computador?
R – Ah, eu fui adquirir o primeiro computador há três anos! Olha, quanto tempo que eu já trabalho com informática! Então, há três anos é que eu fui adquirir o primeiro computador, sempre trabalhei muito em computador, aí eu comecei a trabalhar no curso, depois comecei a trabalhar na prefeitura com manutenção, porque aí eu fiz um curso de manutenção de computadores, fiz dois cursos de manutenção, passei a ser técnico de manutenção, comecei a trabalhar na prefeitura consertando computadores e dando aula, consertando computadores e dando aula. Eu mexia muito com computador, então tudo que eu precisava de computador eu tinha ou na prefeitura ou no curso, mexia lá, o dia todo, então nunca liguei pra ter computador dentro de casa, eu não ligava, porque o tempo que eu tinha lá em casa não era pra mexer em computador, não é? Eu queria ficar perto da família e tal, então eu não me importava, só que a necessidade hoje, é filhos, precisam e tal, então eu adquiri um computador, agora tem três anos, não tem mais do que isso, não!
P/1 – Jean, você imaginava que você iria dar aula assim?
R – Não, não imaginava, não! Muito pelo contrário, eu não gostava nem de computador, então imaginar eu numa sala de aula, eu não gostava nem de apresentar trabalho de escola dentro de uma sala explicando o conteúdo, não! Com certeza que não! Isso não passava pela minha cabeça de maneira nenhuma, não tinha como, eu não me via como um professor! Eu ficava olhando ele lá na frente passando o conteúdo, achava aquilo o máximo, achava muito legal, mas eu não me via nessa posição de professor de informática, passando informações, por mais que eu soubesse. Passar informação, assim, sentado do seu lado, te mostrar! É muito diferente do que você ir lá na frente e começar a falar tudo que você sabe, isso não passava pela minha cabeça, então foi aquele impacto quando ele falou: “Jean, você assume a turma hoje”. Eu falei: “Meu Deus do céu, agora que são elas!”. E, graças a Deus, foi um... Oh, os alunos saíram satisfeitos, muito satisfeitos e muitos me agradecem até hoje por aquele curso que eu apliquei lá, porque eu sempre fui uma pessoa muito calma, muito maleável, trabalho fácil com as pessoas, gosto muito de conversar. Tímido, mas gosto de conversar! Gosto muito de conversar, de estar sempre perto, então, mostrar: “Não entendeu?”. Mostrar de novo e procurar um caminho mais fácil, eu sempre fui assim. Então, tem pessoas que gostam, a maioria das pessoas gosta disso! Eu trabalhei com a terceira idade. Gente, que experiência maravilhosa, que experiência! Quando eu assumi a turma, quando me colocaram pra assumir a turma, eu falei: “Gente, eu vou ter problemas”. Porque, imagina! Você dando aula pra pessoas de sessenta, setenta anos, 75 anos de idade, que não têm aquela sensibilidade pra segurar um mouse, teclado! Então, eu falei: “Eu vou ter problemas”. Que problema, adorei, adorei trabalhar! Tinha uma turma de doze alunos maravilhosa! Tanto que isso daí, olha o que aconteceu: depois de passar por esse período nesse curso, esse curso acabou, eu fui trabalhar na prefeitura, aí fui trabalhar, no caso, no laboratório da Telemar. A prefeitura adquiriu um outro laboratório, um outro projeto, tanto que lá no município nós temos dois projetos de informática, adquiriu um outro projeto, pegou os mesmos professores, no caso eu, o Rafael e o outro rapaz que também trabalhava na prefeitura, e o Andre, que esse Andre também trabalha na prefeitura hoje, nós quatro para assumirmos esse novo projeto pra fazer a coisa acontecer, porque eles não tinham ninguém, então precisavam. Então, eu e o Rafael já trabalhávamos, já dávamos aula pela prefeitura, o Andre trabalhava dentro da prefeitura e esse outro rapaz também trabalhava na prefeitura: “Então, vocês quatro, vocês vão assumir esse projeto e vão fazer a coisa decolar”. Abraçamos ali.
P/1 – Projeto de...?
R – Projeto de inclusão digital. Aí, tá: “Vamos selecionar as turmas”. Abrimos as inscrições, não é? Fechou tudo! Só que tinha que ter uma turma da terceira idade, tinha que ter! O primeiro horário era o horário das oito às nove: “Quem vai assumir a turma?”. Aí, todo mundo, um saiu pra lá, o outro saiu pra cá, eu falei: “Gente, isso vai sobrar pra mim”. Não deu outra, eu falei: “Não, eu vou lá, vamos ver o que vai dar”. Que experiência, que experiência! Porque, para mim, foi mais do que experiência, porque eles também, é, porque curso de informática, que eu falo aos meus alunos, é que o desenvolvimento não está ali só pra vocês, pra gente ver informática, aquilo ali é um curso de vida! Você lidar com pessoas você está tendo um curso de vida, entendeu? Imagina, você lidar com pessoas que já viveram situações que você nem imagina um dia passar, a ter como essas de sessenta, setenta anos, não é? Eles já passaram por muitos momentos, então a gente conversava, porque se a gente ficasse naquelas aulas maçantes de informática, não! Eu sei que aquilo ali não era pra eles, eles estavam ali por curiosidade. Eles gostam. Então, a gente conversava, a gente brincava, informática! Informática é mais um curso de vida. Então, eles passavam a experiência deles, os momentos que eles viveram. E aquilo ali foi maravilhoso! Se todo professor de informática tivesse um momento como esse, pegar uma turma como essa e não tivesse medo, porque a maioria deles tem medo, não é? Não tivessem medo, iam ver o quanto iriam adquirir de experiência, é muito bom, muito bom!
P/1 – E tem duas coisas bem interessantes que você vai contando: que na sua infância você era muito tímido e que você sempre respeitou muito os seus avós e os seus pais, então vencer a timidez pra dar aula e dar aula para pessoas mais velhas...
R – Exatamente, não é? Então, isso tudo mudou. Tudo foi uma mudança que houve por quê? Da timidez, como sempre fui muito, a chegar ao ponto de fazer algo que eu achei que eu nunca faria, que é entrar numa sala de aula e passar informações e chegar ao ponto de pegar e passar informações para pessoas que também estavam ali pra me ensinar. Aí vem aquela lembrança dos avós, dos pais, daquela época de infância, quer dizer, pessoas passando conhecimento e conhecimento de sobra que eles têm, não é? Talvez não tivessem conhecimento de informática, mas do resto, podem ter certeza, então, para mim foi mais do que experiência, foi muito bom, muito bom!
P/1 – E conta um pouco pra gente, como foi você voltar pra escola aonde você começou os estudos?
R – Olha, por quê? Você está falando na questão de hoje, do meu trabalho de hoje?
P/1 – De ter chegado, como que você chegou na escola de novo?
R – Isso foi um reencontro, na verdade. Isso, para mim, foi um reencontro, porque depois de muitos anos, não é? Assim, praticamente, saí da escola e não voltei mais, mudei, fiquei um tempo fora. Então, foi um reencontro e, muito bom! Mas tudo muito diferente. O ambiente diferente, a maneira de se trabalhar é diferente. Só que eu estava voltando pra escola não mais para sala de aula estudar, como um dia eu já passei por ali, eu olhava para aquilo tudo ali, como hoje eu olho: “Gente, quantas vezes eu já passei correndo aqui. Quantas vezes eu já fiz isso aqui. Já andei de bicicleta aqui. Ah, e o pé de jambo que tinha ali”. Então, tudo isso. Agora não, eu entro na escola a trabalho, eu entro hoje pra passar a informação, fazer hoje o que já fizeram comigo um dia, então isso para mim também é legal, por isso que eu acho que eu tento sempre fazer o melhor, por que sempre fazer o melhor? Porque sempre fizeram o melhor quando eu estava lá, sentadinho na cadeira, e a minha professora estava lá na frente tolerando aquela criança gritando e chorando. Então, tipo assim, hoje você tenta fazer o melhor: “Poxa, hoje eu estou aqui, olhando pra tudo isso”. Eu lembro, às vezes, eu vou lá na sala, nas mesmas salas, eu olho, nas mesmas salas, que estão todas elas lá! As mesmas salinhas. “Poxa, quanto tempo que eu passei aqui dentro”. Então, você tem que valorizar tudo isso, você tem que dar valor pra isso, porque pra mim, hoje, eu dou muito valor, por já ter vivido. Então, esse reencontro com a escola foi muito bom! Não é por ter sido uma escola qualquer, mas a escola aonde tudo começou, o meu aprendizado começou, vamos dizer assim, porque o aprendizado começou ali e eu voltei pra ela pra passar informações, então isso é gratificante, isso é muito bom, com certeza é maravilhoso!
P/1 – Quando foi que você foi convidado para voltar pra lá?
R – Há quatro anos. Três anos e... Em 2004, quatro anos atrás. Fevereiro de 2004; 2005, 2006, 2007, 2008, é isso aí, não! 2005, fevereiro de 2005.
P/1 – E teve um processo seletivo, como é que foi?
R – Não, o que aconteceu lá foi o seguinte: eu fui indicado, porque, graças a Deus, eu sempre trabalhei muito bem dentro de sala de aula, sempre tentei fazer com que o meu trabalho fosse um trabalho respeitado, não só em sala de aula como também na parte da manutenção, então chegou o momento de ser reconhecido. Eu acho que quando você presta um bom trabalho, por obrigação, você vai ser reconhecido, você pode ter certeza, se não for hoje vai ser amanhã, você vai ser reconhecido pelo que você faz, desde que você seja um bom profissional, então foi o que aconteceu, não houve um processo seletivo, nem eu e nem o Rafael. O Rafael, por exemplo, nós entramos juntos pra trabalhar, nós começamos a trabalhar juntos nesse projeto, no curso lá pela prefeitura, porque, na verdade, não era o To no Mundo, na época. O laboratório era da Telemar, mas o projeto ainda não era o projeto To no Mundo, não é? Que até então, a gente também não tinha alguns conhecimentos do projeto, porque a gente assumiu o laboratório, fomos convidados a assumir o laboratório para fazer uma inclusão digital, aí sim, que depois que nós já estávamos lá dentro é que fomos saber que existia um projeto, que aquele laboratório não estava ali por estar, aí fomos vendo, não é?
P/1 – Então, só voltando um pouquinho, você foi convidado pra trabalhar num projeto de inclusão digital pela prefeitura e aí esse projeto passou pelas escolas municipais?
R – Não, não! O projeto. O que aconteceu foi o seguinte: eu fui convidado, eu e o Rafael fomos convidados pra trabalhar nesse projeto de inclusão digital, porque a unidade que iria certificar era o CEFET [Centro Federal de Educação Tecnológica] de Campos, a unidade do CEFET. Então eles mandaram uma unidade móvel para o município e nós trabalhávamos nessa unidade móvel, trabalhamos um período. Então, a unidade foi lá, ficou um tempo e acabou, o projeto parou? Não! Foi um sucesso, todo mundo gostou, então: “Vamos continuar”. O prefeito, no caso, a prefeitura: “Gente! Oh, vamos continuar, mas vamos continuar aonde?”; “Oh, tem um laboratório no Maria da Penha, na Escola Municipal Maria da Penha”; “Tem laboratório?”; “Tem!”; “Qual é a possibilidade de utilizá-lo?”; “Não, o laboratório está à disposição de vocês. Vocês podem desempenhar o papel de vocês lá e continuar o projeto lá”. Entramos em contato com o CEFET: “Oh, nós temos o laboratório, vamos permanecer na parceria?”; “Vamos permanecer na perceria, sim!”; “Então tá”. É uma parceria que ainda existe, até hoje: “Então, vamos permanecer, vamos trabalhar no laboratório”. Até então nós não sabíamos que o laboratório, que existia um projeto por trás daquele monte de computador, daquilo tudo, nós não sabíamos disso. Fomos saber de tudo isso depois que nós já estávamos lá, estávamos lá dentro trabalhando, fazendo inclusão digital, aí sim, fomos descobrir que existia um projeto ali a ser trabalhado, que não estava sendo trabalhado na época. Então fomos ver formas de fazer as coisas acontecerem, não é? Sem fugir também da inclusão digital, que era, até então, o porquê da gente estar ali no laboratório que nós utilizávamos. Entramos em contato com os responsáveis do laboratório e pedimos uma autorização para utilizar o laboratório, então fizemos uma parceria. Como você me perguntou, fomos convidados? Fomos. Houve processo seletivo? Não, não houve processo seletivo, eu acho que nós fomos indicados, vamos dizer, houve indicações, indicações por questões de confiança, por acreditarem no nosso trabalho. Então, nós fomos indicados a assumir esse projeto.
P/1 – E houve informação depois para esse projeto To no Mundo? Porque tem um momento que você descobre que existe um projeto nesse laboratório e aí você tem já a sua própria didática, digamos assim, como professor, mas tem um projeto lá, vocês acabaram se envolvendo? O programa te deu alguma resposta?
R – O que aconteceu foi o seguinte: existia uma pessoa lá na escola que era o responsável, e foi a pessoa que foi cadastrada, foi orientada, treinada para manter o projeto, vamos dizer, To no Mundo lá. Só que isso não estava acontecendo. Então, por exemplo, quando nós entramos a gente não sabia, não sabíamos de nada sobre o projeto, fomos saber tempos depois, depois que a gente já estava instalado, estávamos aplicando conhecimento, aí: “Existe um projeto”. Existe um projeto por quê? Porque nós recebemos uma visita do Pedro da USP [Universidade de São Paulo] de São Paulo, então, ele é o coordenador geral.
P/1 – Da Escola do Futuro, não é?
R – Isso, Escola do Futuro, exatamente! Então, ele nos visitou, foi lá, tal, conversamos, aí a gente foi descobrir essa questão do projeto To no Mundo: “Precisamos trabalhar com o projeto. Gente, o que a gente vai fazer? O que é na verdade o To no Mundo? Qual é o objetivo do To no Mundo? O que vai ser feito? É trabalhar com o quê? É trabalhar com o professor, para o professor trazer o aluno pra dentro da sala de aula? É trabalhar com o aluno, vamos pegar o aluno e trabalharmos com ele dentro da sala de aula? E como que vai ser? Qual é o objetivo? O que ele vai alcançar?”. Então, alguns professores, houve até uma questão de cadastro que foi feito na escola, dos alunos da época, então nós fizemos aquele cadastro enorme de todos os alunos, de todos os professores e tentando trabalhar com eles, pegamos os professores e colocamos em sala de aula. Tivemos problemas, sérios problemas, por quê? Porque, por uma questão de... A direção da época, ela não apoiou muito, não nos deu o incentivo que a gente precisava, então nós tivemos algumas dificuldades para trabalhar, não era pra trabalhar com o projeto, mas de dar continuidade do projeto, a gente precisava, porque o projeto To no Mundo eu acho que ele não funciona somente com os formadores, não é? Você precisa de todo o grupo, toda a escola precisa estar envolvida com aquilo ali e isso não estava acontecendo. Então, nós tivemos uma certa dificuldade pra fazer o projeto andar.
P/1 – E o que é o To no Mundo? Quais são as impressões que você tem?
R – Cheguei a seguinte conclusão, depois de conversar um pouco. Mas, na verdade, usa-se pouco o projeto To no Mundo ainda, eu queria muito poder sentar mais e conhecer mais e visitar outras escolas que utilizam o projeto, como a nossa escola. O To no mundo está abrangendo um mundo diferente, eu acho que a questão da formação, mostrar para professores e alunos que a sala de aula, espero que um dia isso aconteça, a sala de aula com a informática, com a tecnologia, talvez, não vou dizer facilitar a educação, que eu acho que a educação vai partir muito do princípio do professor, ele tem que impor, ele tem que fazer a parte dele, não vai ser sozinho, mas essa tecnologia vai ajudar muito na formação, abrir um pouco mais os conhecimentos. E o projeto To no Mundo faz com que esses professores possam se especializar e passar conhecimentos para esses alunos, o que não acontece em alguns casos, por exemplo, nós temos muitos professores na escola que não sabem nem usar um computador, o negócio deles é entrar na sala de aula, passar o conteúdo e ir embora, não sabem nem o que é um computador. Não é saber o que é, mas não sabem usar. Então, o que a gente tenta fazer é o seguinte: pegar esse professor, tanto que nós abrimos turmas só pra professores, pegamos só professores: “Oh, vamos formar professores”. Eles precisavam conhecer aquilo ali, não tinha cabimento um professor, hoje, em 2008 não conhecer uma máquina, não saber usar, então a gente precisava formar esses professores, passar o conhecimento pra eles, para que em seguida a gente pudesse pegar todos aqueles alunos e colocá-los dentro da sala de aula com o professor, o professor ele tem que estar ali, ele tem que acompanhar, ele tem que saber, também orientar. Eu estou ali para auxiliar? Sim! Mas o professor é que vai passar, a didática vai vir do professor. Então, a gente procurava sempre trabalhar dessa forma, levar o professor pra dentro da sala de aula, não é só levar os alunos e colocar lá, e eu simplesmente, não! A didática, o conteúdo tem que vir dele. Ele é o professor de sala de aula. Então, o To no Mundo fez o quê? Ele fez com que essa relação professor, aluno e tecnologia ficasse mais próxima. É o que eu vejo, porque o professor não é nada sem o aluno, nem o aluno não é nada sem um professor e os dois precisam da tecnologia, então, fechou aquilo ali. Então, o projeto está trabalhando dessa forma, assim eu vejo, não é? Unindo essa tecnologia, essa informática aos conhecimentos dos professores às suas didáticas, e as necessidades dos alunos. É dessa forma que a gente tenta trabalhar.
P/1 – Qual seria a importância da informática e de outros recursos pedagógicos dentro da sala de aula?
R – Oh, recursos pedagógicos, por exemplo, eu acho muito interessante, já vi em algumas escolas, poucas também, usarem data show. Eu acho legal passar informações em data show, mostrar vídeos, trabalhar muito. Porque o professor tem que acompanhar esse desenvolvimento, se ele ficar parado não vai dar! Então, ele tem que acompanhar! Então, você ter lá, uma imagem, pegar alguma coisa da realidade, do dia-a-dia e levar pra dentro da sala de aula, porque escola não é simplesmente pra ensinar português e matemática, escola é educação, é vida, você tem que mostrar para os seus alunos que eles têm muito o que aprender, entendeu? Que a escola, também, não vai ensinar tudo, mas vai dar um passo pra eles. A educação, na verdade, ela vem de berço e a escola, simplesmente, ela complementa tudo isso, então a tecnologia ajuda a melhorar esse contato com o aluno e professor, ajuda a melhorar, a passar essas informações, até mesmo em lugares pequenos aonde os recursos são poucos, então, as pessoas têm poucos conhecimentos, por exemplo, existe a diferença do Rio de Janeiro pra Cardoso Moreira, as informações, aqui... Existem formas diferentes de se terem informações, lá não, lá não é assim! Laboratório de informática? Você vai contar. Lan house? Você vai contar quantas lan houses tem, não é? Previlégio de poucos, não é? Agora está até aumentando! Mas, há alguns anos atrás, não era assim que a banda tocava, então, são previlégios. A tecnologia tem que fazer parte da sala de aula, sim! Não estou dizendo que ela vá substituir a didática do professor, isso nunca, nunca! Agora, ela vai ajudar o professor a ter uma relação melhor, a passar, ela vai ser uma facilidade que o professor vai ter, uma ferramenta a mais para passar informações para os alunos, passar conhecimentos. Então, a tecnologia, para mim, é uma ferramenta a mais que o professor vai ter dentro da sala de aula.
P/1 – E você está dando aula de informática aos professores na mesma escola que você passou a infância, tem mais alguma outra atividade que você faça lá ou que você participe? Não só na escola, mas na sua comunidade também?
R – Olha, na escola, eu tento sempre ajudar a direção da escola. Na verdade, eu não sou declarado amigo da escola, como registrado bonitinho, mas me considero, sabe por quê? Por sempre estar próximo. Por exemplo, uma das diretoras está presente aqui e ela sabe o quanto eu ajudo a escola, o quanto eu estou: “Jean, nós estamos com uma dúvida aqui, você poderia vir aqui pra nos ajudar?”; “Com o maior prazer”. Então, eu estou lá, sempre ajudando. Fui convidado a fazer parte da direção da escola. Eles queriam que eu ficasse na direção, mas eu não tenho horários pra fazer isso, acho que direção de escola você tem que ter um tempo disponível, é muita coisa pra ser resolvida, então isso pra mim não seria interessante, mas se eu fui convidado é porque alguma coisa tem, não é? Então, eles acreditam que eu poderia fazer, poderia fazer as coisas acontecerem. E eu me considero uma pessoa que sempre está ligado às funções da escola, não só porque eu trabalho ali, porque eu dou aula na escola, não! Porque aquela escola ali, pra mim, foi onde tudo começou, então eu quero zelar por ela. Zelar para que, quem sabe, o meu filho volte pra lá, que o meu neto estude lá, não é? Então, a gente tem que zelar! Na verdade, amigo da escola, esse amigo da escola, tem que ser aquela pessoa que vai, realmente, zelar por aquele patromônio que está ali, isso tem que ser feito por todos nós. Na minha escola, na sua escola, na escola dele, que de repente você voltasse lá na sua escola, onde você começou, onde ele voltasse na dele, de você olhar: “Poxa, como a escola melhorou, não é? Está desenvolvida”. Não, chegar lá simplesmente e ver que aquilo tudo acabou, não! É você ver que as coisas estão melhorando, isso aí é zelar pelo o que você sempre teve, não é? Você teve uma oportunidade ali, então você vai zelar por aquilo ali!
P/1 – É uma ótima iniciativa, não é?
R – Com certeza!
P/1 – Jean, você é casado?
R – Eu sou casado.
P/1 – Qual é o nome da sua esposa?
R – Marcela.
P/1 – E como você conheceu ela?
R – Foi no colégio. Foi no período que eu antes de mudar de Cardoso para Bom Jesus a conheci. Na verdade, voltando à parte da timidez, ela que me conheceu. Ela é que queria me conhecer, então, eu falei: “Gente!”. Eu não a conhecia, chegou uma amiga: “Oh, Jean, tem uma pessoa querendo te conhecer”; “Ah, tem! Quem é?”; “Não, eu não vou falar quem é, não! Você vai ter que descobrir quem é”. E nessa época ela treinava lá no campo, não sei, que é o amor, vontade de jogar bola, e foi jogar bola, um monte de meninas jogando bola. Aí, tinha um monte de meninas sentadas, ali tinha mais ou menos umas vinte, aí essa amiga que sabia disso tudo: “Oh, Jean, você vai lá no campo e olha. As meninas estão tudo sentadas lá. Vai lá agora e tenta descobrir quem é”. Meu deus do céu, cheguei lá, assim, encostei na grade do campo, olhei, todas elas sentadas, falei: “Gente, e agora? E como é que eu vou falar com uma? E se não for? Vou aqui olhar”. E todas olhavam! Nenhuma olhava, falei: “Não, eu vou dar meia volta e vou voltar. Eu vou voltar e vou procurar ela, porque ela vai ter que falar”. E voltei, peguei a bicicletinha e parti: “Olha, me fala, me fala quem é?”; “Você não descobriu, não?”. Falei: “Mas não tem como, tem umas vinte meninas sentadas lá, como que eu vou saber quem é?”; “Não, mas ela... Não, tem como saber, sim!”. Falei: “Não tem, não tem!”; “Não, então tá bom! Vamos fazer o seguinte: eu vou lá e você em seguida chega, depois eu vou sair e você sai e eu vou te falar qual roupa que ela está”. Aí ela estava fazendo sacanagem comigo, (risos) porque todas elas estavam com roupa igual, uniforme de campo. (risos) Daí, saiu, aí ela falou: “Jean, ela tá com o short verde...”. Que era a roupa que elas estavam usando: “Um short verde com a blusa branca”. Eu falei: “Minha querida, todas elas tão com short verde e blusa branca! Como que eu vou saber?”; “Não, mas tem um detalhe, ela está com uma blusa pendurada no ombro”. Eu falei: “Opa, aí já melhorou”. Aí, eu voltei lá dentro de novo, eu fui olhar quem que estava com a blusa pendurada no ombro, aí já eram duas, eu falei: “Pelo menos já descartei dezoito, (risos) ficou só duas. Agora, tá mais fácil” (risos). Falei: “Oh, a de lá não é. Tem que ser a de cá”. Aí, esperei acabar aquilo tudo, mesmo tímido, acabou, eu falei: “Vem cá, eu estava querendo te conhecer já, há muito tempo”. Nada, eu nem conhecia ela! Não sabia nem quem era, sabia o nome, porque a menina tinha falado depois “Oh, eu queria te conhecer”; “Ah, você queria me conhecer? Não, eu não te conheço, não!”. Falei: “Ih, gente, não é essa, então, não! Então, é a outra. Então, eu vou ter que voltar pra outra” (risos). Eu falei: “Não, mas tudo bem!”; “Eu sei o seu nome! O seu nome é Jean, não é?”. Eu falei: “É isso mesmo. Poxa, eu venho há um tempão já te olhando, mas não tinha uma oportunidade e eu também sou muito tímido”. Aí, ela: “Mas eu também estou te olhando há bastante tempo, mas você não olha pra mim”. Eu falei: “Eu sou muito tímido”; “É, é assim mesmo”; “Vamos conversar”. Ela falou: “Vamos, mas hoje, não! Um outro dia, porque hoje eu tenho que ir embora, já está tarde”. Aí, tudo começou dali. Isso foi num final de semana, quando foi na quarta-feira a gente se encontrou na escola, falei: “E aí, vamos conversar?”; “Vamos, vamos conversar, sim!”; “Então, vamos conversar hoje a noite?”; “Vamos!”. Aí, eu fui pra igreja, saí da igreja oito e meia, fomos pra praça, nos encontramos na praça e conversamos, conversamos, conversamos. E como mulher na primeira vez gosta de fazer aquele jogo duro mesmo, e conversa, e conversa, e conversa, e conversa, e conversa, e a hora passava, e só conversa, e conversa, e conversa, eu falei: “Meu Deus do céu, e agora?”. Aí, pronto, chegou um ponto, eu falei: “Olha, eu to a fim de ficar com você”. Aí, ela: “Eu também”. Aí, pronto, fechou com chave de ouro. Aí, de lá pra cá namorinhos, namorinhos, namorinhos, namorinhos, até que um dia eu fui pra casa dela e fiquei lá na frente da casa dela, a gente ficou, ficou, ficou, quando eu fui ver, isso era oito horas da noite, quando foi meia noite e meia eu estava na porta da casa dela ainda, quando eu olho para o lado quem está chegando lá, assim, de bicicleta? A minha mãe, depois de eu já estar com quase dezoito anos a minha mãe vindo me buscar. (risos) Aí a minha mãe passou no local aonde eu estava, perguntou. Ela veio me buscar, mas quando eu olhei ela estava vindo e um amigo meu vindo junto, na frente dela, pra me avisar que ela estava me procurando. Olha, que situação! Aí, eu levei uns esporrozinhos, falou um pouquinho: “Você não pode sair assim e não avisar!”. Mas tudo começou assim, de uma coisinha de adolescente, e aquilo foi despertando, eu fui vendo nela uma pessoa maravilhosa e a gente está junto até hoje, com três filhos.
P/1 – E você tem filhos, não é?
R – Três, tenho três filhos! A Sara, o Sávio e agora a Maria Fernanda.
P/1 – Quantos anos eles têm?
R – A Sara tem oito, o Sávio quatro e a Maria Fernanda um mês – que data é hoje?
P/1 – Hoje, dia 15.
R – A Maria Fernanda está com, fez um mês. Faz dois meses dia 23, agora. Isso, e dia 23 faz dois meses.
P/1 – Recém-chegada?
R – Recém-chegada! Isso, é uma graça, uma graça!
P/1 – Além das aulas que você dá e de algumas atividades que você já faz, o que mais que você faz no seu dia-a-dia? Joga uma bola, às vezes, no fim de semana? Como que está o seu cotidiano?
R – Olha, eu não tenho tido muito tempo pra praticar esporte, tanto que eu preciso, não é? O que eu fiz? Eu preciso, mas eu não tenho tempo! Então, eu tenho que juntar o útil ao agradável, eu tenho que fazer! Aí agora eu estou me sacrificando, academia! Vou pra academia todo dia às sete horas, de sete às oito, todo dia das sete às oito. Eu preciso pra fazer um exercício, eu não podia! Eu estava começando a engordar, não é? “Está gordinho, a tua barriguinha!”. Eu falei: “Não, não pode! tenho que ir na academia”. E exercícios todos os dias de sete às oito, de sete às oito, e exercícios. Saio de lá, vou em casa, tomo um banho, prefeitura, trabalho! Trabalho de manhã, à tarde saio da prefeitura, vou em casa, como alguma coisa, tomo um banho, para o curso, pra aula! Aí dou aula à noite. Finais de semana eu tenho muitos clientes, por fazer manutenção eu tenho muitos clientes, então eu vou atender os clientes sempre que possível no sábado, mas sempre também tentando encaixar os meus horários, por quê? Porque eu também preciso ficar perto da família, então, trabalho, trabalho, trabalho! Não, eu não acho isso certo, não é? Então, eu tenho que ter os momentos de lazer, porque se não estressa, pira, tem que saber dividir as coisas. Mas o meu dia-a-dia é muito trabalho, muito trabalho, é bastante! Esporte! Eu pratico pouco esporte, meu esporte é andar de bicicleta, que é o que eu faço, andar o dia todo de bicicleta, sempre me deslocando de um lugar para o outro, que eu trabalho atendendo secretarias, então, me deslocar e, academia, não é? Isso pra tapar o buraco, ali, onde estava vazio, que é a questão que eu tinha que fazer um esporte. Eu precisava fazer um esporte, eu tinha que praticar algum esporte: “Como eu vou praticar?”. Eu gosto muito de jogar vôlei, eu já joguei muito vôlei, bastante tempo! Parei, também por questão de falta de tempo, mas são coisinhas que a gente tem que voltar, porque são esportes que já que você gosta você tem que aproveitar, então, enquanto as coisas estão bem pra você praticar, não é? Então, não pode parar.
P/1 – Jean, a gente já está chegando no fim da entrevista, ainda temos algumas poucas perguntas, mas uma um pouco mais aberta, eu queria saber quais são os aprendizados que você tirou da sua vida até hoje? Eu sei que você já falou de muitos aprendizados, mas tem mais algum?
R – Olha, um dos muitos aprendizados, como você mesma disse, eu já falei de alguns, os aprendizados de vida que eu tenho, até hoje, chama-se respeito, que é respeitar, eu aprendi a respeitar. Já passei uma fase, eu acho que muitos de nós passam, às vezes, por momentos complicados, então, eu já passei por momentos, também bem complicadinhos e eu aprendi a respeitar, eu já tinha sido educado, desde pequeno, que o respeito é em primeiro lugar, mas por algum motivo, eu não me recordo muito bem, fugi um pouco da regra, mas o respeito é um aprendizado, você tem que respeitar, você tem que saber respeitar as pessoas, saber respeitar situações, não é? Não sempre se impor, você estar sempre, não! Você tem que saber respeitar, tem que saber se colocar em momentos e situações. Isso faz diferença, por exemplo, respeitar pessoas é muito importante por quê? Eu, por exemplo, sou um tipo de pessoa que detesto briga, não gosto de brigas, eu não gosto! Eu não gosto, porque, ao invés de brigar, eu prefiro respeitar as pessoas, evitar situações, quando você evita, quando você impõe respeito, você é respeitado! Isso é correto, isso não é um ditado, isso é certo, se você impõe respeito você vai ser respeitado! Se você não está impondo respeito você está dando confianças e abrindo portas para que as pessoas falem alguma coisa, aí muda, perde-se o respeito, agora, se você está impondo respeito você vai ser respeitado, então, sempre respeite as pessoas, independente de quem ela seja, qual a sua profissão, qual a sua sexualidade, o que for, respeite as pessoas! Isso é importante, isso é muito importante! Entendeu? Isso conta! Então, eu aprendi muito, é, a questão do preconceito! O preconceito é um problema sério, porque a maioria das pessoas que tem preconceito é porque não tem respeito, porque não respeitam as pessoas. Então, eu acho que se o respeito estivesse em primeiro lugar o preconceito iria diminuir, não é? A gente precisa acabar com o preconceito. Nós temos preconceitos, eu acho que já é natural os preconceitos por algumas coisas, porque nós não respeitamos algumas situações, a gente precisa abrir os olhos pra ver que nem tudo é do jeito que a gente quer, não é? Então, existem essas diferenças.
P/1 – Qual é o seu sonho um pouco pra frente?
R – Sonho? Olha, eu estava comentando, até eu vim comentando isso, eu comentei isso essa semana com as meninas, que a gente estava conversando quando eu comentei isso em casa, eu estou com muita vontade de voltar a estudar, eu não fiz faculdade ainda, eu tenho que fazer uma faculdade urgente! Eu estou querendo estudar, até mesmo porque eu estou com vontade de crescer. Existe uma vontade agora, eu decidi, de um ano pra cá está me dando uma vontade de crescer, de sair, de ver coisas novas, conhecer pessoas, conhecer lugares! Profissionalmente, crescer profissionalmente! Isso tudo está mexendo comigo de um tempo pra cá. Acredita que de seis meses pra cá isso está mexendo muito comigo, muito? Eu tenho conversado muito com as pessoas, eu quero crescer, eu estou com muita vontade de crescer, de expandir, conhecer pessoas, conhecer lugares, eu estava falando: “Gente! Oh, tem muito lugar pra ser conhecido, poxa!”. Eu gosto muito de sair, eu gosto muito de viajar, eu adoro, eu adoro viajar! Conhecer lugares, conhecer pessoas, eu adoro fazer amizades, mas eu gosto muito! Então, essa minha vontade de crescer já está acompanhada de tudo isso, coisas que eu já gosto, então é só uma consequência. Eu, se Deus quiser, eu vou apostar nisso, eu quero aumentar os meus conhecimentos para que eu tenha melhores oportunidades. Um amanhã bem próximo, se Deus quiser!
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