Projeto Nestlé - Ouvir o Outro Compartilhando Valores
Depoimento de Maria Rosária Silva Calil
Entrevistada por Vanuza Ramos
São Paulo, 25 de fevereiro de 2014
NCV_HV02_Maria Rosária Silva Calil
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Rosária, pra começar a gente queria saber o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Maria Rosária Silva Calil, nasci 30 de dezembro de 1960, em São José do Rio Preto, Estado de São Paulo.
P/1 – Seus pais, Rosária, qual o nome deles?
R – Valdemar da Silva, Eleonora Serra da Silva.
P/1 – Seus pais faziam o que, Rosária? Qual era a profissão deles?
R – O meu pai, ele teve vários trabalhos, mas ele se aposentou em colégio público estadual, ele trabalhava no almoxarifado de um colégio do estado. E minha mãe era dona de casa.
P/1 – Como você resumiria o seu pai? Que característica marcante ele tinha? O que mais te lembra ele?
R – O meu pai ainda é vivo. Ele completou 90 anos no ano passado. Assim, ele é uma pessoa muito boa, humilde, simples e muito honesto.
P/1 – E sobre a sua mãe, o que você tem a falar dela?
R – Minha mãe já é falecida, ela faleceu aos 70 anos, é uma pessoa de muita garra, uma pessoa muito forte (pausa), uma pessoa batalhadora, dinâmica, sempre teve muita garra, muito lutadora.
P/1 – Você sabe como os seus pais se conheceram, Rosária?
R – Eles se conheceram na cidade de Fernandópolis, que minha mãe morava nessa cidade e o meu pai foi trabalhar lá na época numa farmácia, porque, como eu disse, o meu pai teve várias profissões. O meu pai, a primeira profissão dele foi como farmacêutico, ele se formou mesmo como, na época ele fez o curso de Farmácia, de farmacêutico, ele era como um boticário, ele preparava fórmulas, fórmulas na farmácia. Então ele trabalhava, ele foi trabalhar, ele residia em São José do Rio Preto, mas aí ele foi trabalhar numa farmácia lá em Fernandópolis, numa farmácia,...
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Depoimento de Maria Rosária Silva Calil
Entrevistada por Vanuza Ramos
São Paulo, 25 de fevereiro de 2014
NCV_HV02_Maria Rosária Silva Calil
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Rosária, pra começar a gente queria saber o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Maria Rosária Silva Calil, nasci 30 de dezembro de 1960, em São José do Rio Preto, Estado de São Paulo.
P/1 – Seus pais, Rosária, qual o nome deles?
R – Valdemar da Silva, Eleonora Serra da Silva.
P/1 – Seus pais faziam o que, Rosária? Qual era a profissão deles?
R – O meu pai, ele teve vários trabalhos, mas ele se aposentou em colégio público estadual, ele trabalhava no almoxarifado de um colégio do estado. E minha mãe era dona de casa.
P/1 – Como você resumiria o seu pai? Que característica marcante ele tinha? O que mais te lembra ele?
R – O meu pai ainda é vivo. Ele completou 90 anos no ano passado. Assim, ele é uma pessoa muito boa, humilde, simples e muito honesto.
P/1 – E sobre a sua mãe, o que você tem a falar dela?
R – Minha mãe já é falecida, ela faleceu aos 70 anos, é uma pessoa de muita garra, uma pessoa muito forte (pausa), uma pessoa batalhadora, dinâmica, sempre teve muita garra, muito lutadora.
P/1 – Você sabe como os seus pais se conheceram, Rosária?
R – Eles se conheceram na cidade de Fernandópolis, que minha mãe morava nessa cidade e o meu pai foi trabalhar lá na época numa farmácia, porque, como eu disse, o meu pai teve várias profissões. O meu pai, a primeira profissão dele foi como farmacêutico, ele se formou mesmo como, na época ele fez o curso de Farmácia, de farmacêutico, ele era como um boticário, ele preparava fórmulas, fórmulas na farmácia. Então ele trabalhava, ele foi trabalhar, ele residia em São José do Rio Preto, mas aí ele foi trabalhar numa farmácia lá em Fernandópolis, numa farmácia, e como minha mãe residia lá, eles se conheceram ali na cidade, nessa cidade.
P/1 – Eles são de Fernandópolis? A sua mãe é de Fernandópolis e o seu pai é de Rio Preto?
R – Não, a minha mãe é de uma outra cidade, nasceu numa cidade chamada Nova Granada, que fica no Estado de São Paulo, mas é uma cidade que fica próxima à divisa de Minas Gerais. Mas depois, os pais dela eram sitiantes, né, e o meu avô acabou indo pra Fernandópolis, adquirindo um sítio em Fernandópolis, e eles se mudaram pra lá. Eu não sei exatamente com que idade, mas acredito que ela era pequena quando eles se mudaram, a família toda, era uma família numerosa, e eles foram para Fernandópolis. E o meu vai nasceu numa cidadezinha próxima a São José do Rio Preto chamada Vila Ventura, mas foi criado numa cidade também próxima, nas imediações lá de São José do Rio Preto, chamada Monte Alto. Até há bem pouco tempo eu conheci essa cidadezinha que o meu pai nasceu chamada Vila Ventura, é uma cidade próxima da região de Catanduva e, assim, como o próprio nome diz, Vila Ventura é uma vila mesmo. Eu não conhecia, fica próxima de Termas de Ibirá, uma estância hidromineral que tem próxima a São José do Rio Preto, chamada Termas de Ibirá. Como nós, frequentemente nós passamos por ali, né, por essas termas, fomos passear por ali e um dia estávamos com o meu pai no carro, nós resolvemos entrar ali, né, nessa cidade de Vila Ventura com ele. Então foi, assim, um passeio bem interessante um passeio muito rápido porque a cidade é uma vila mesmo. Então nós entramos na cidade e pro meu pai foi, assim, muito prazeroso porque ele, assim, em alguns minutos ele começou a relembrar toda a vida dele. Então, assim (choro), ele lembrou da escola dele, o grupo escolar que ele estudou, a casa que ele morou, que era do lado da escola, a praça, essa pequena vila ainda conserva ali a praça, o coreto. Assim, pra mim foi muito emocionante, porque de repente, em alguns minutos, a gente pôde reviver um pouquinho dessa história que ele teve ali. E, assim, me emociona contar isso porque o meu pai, assim, ele tá muito desmemoriado, ele não chega a ter Alzheimer, mas ele se lembra muito pouco da história de vida dele. Quem contava muito sobre as histórias pra nós era a minha mãe e depois que ela se foi a gente perdeu muito esse fio dessa história de vida. Porque quando nós perguntamos pra ele, ele diz que não se lembra, ele sempre, a resposta que ele dá é: “Eu não lembro”. Até a gente brinca com ele, porque a gente pergunta e ele, e a resposta sempre que ele dá é: “Eu não lembro, eu não lembro, não lembro”. E foi interessante que de repente, quando nós entramos nessa vila, que até eu tenho vontade de ir de novo, levá-lo de novo nesse lugar, ele foi relembrando todo esse passado dele e retomando essa história e contando: “Aqui era a minha casa, aqui era a casa de tal pessoa, aqui eu brincava, aqui eu fazia isso, aqui eu fazia aquilo”. Então foi muito, muito legal.
P/1 – Você tem irmãos, Rosária?
R – Eu tenho, eu sou a caçula, né, de dois irmãos, mas hoje eu tenho uma irmã, minha irmã é 11 anos mais velha que eu. E eu tinha um irmão que era dez anos mais velho que eu, mas o meu irmão morreu num acidente de carro em 79.
P/1 – Qual é o nome deles?
R – Minha irmã, o nome dela é Sueli e o meu irmão Sérgio.
P/1 – Você lembra da sua infância, Rosária? Como era a casa que vocês moravam quando você era criança?
R – Eu nasci, assim, numa casa no centro da cidade, os meus pais moravam no centro da cidade de São José do Rio Preto. A história do meu nascimento também é uma história um tanto quanto pitoresca, assim, digamos, porque minha mãe teve todos os filhos em casa, né? E aí ela contou que quando ela começou a sentir as dores do parto, sabia que eu ia nascer, ela pediu... O meu pai nessa época trabalhava no hospital, que ele também, além de farmacêutico, ele também trabalhou um tempo em hospital, e aí ela disse pra ele que era pra ele chamar a parteira, que ela achava que tava, né, chegando a hora de eu nascer. E aí ele saiu de casa de madrugada e foi chamar a parteira. Só que aí não deu tempo, eu acabei nascendo antes dele chegar, antes dele voltar com a parteira. E aí a minha mãe conta que fiquei eu, ela e eu ali na cama, né, esperando a parteira chegar pra cortar o cordão. E aí até eu sempre falava com ela que eu achava que, por conta dessa demora nesse corte nesse cordão, eu tinha um vínculo muito forte com ela (choro). Eu sempre tive uma ligação muito forte com ela, muito.
P/1 – Então, Rosária, você tava contando um pouco do seu nascimento, da casa onde você cresceu. Você lembra da cidade, do bairro, como era a cidade, como era São José do Rio Preto quando você era criança?
R – Então, eu nasci nesse bairro, que ficava próximo ao centro da cidade, né, que os meus pais moravam, que meus irmãos já moravam, os meus pais com os meus irmãos. E era um, como ficava próximo ao centro, era uma rua bem movimentada ali da cidade. Eu não podia sair pra rua, porque tinha muito trânsito. Então eu olhava, eu me lembro, assim, de criança olhando a rua pelo portão. Eu me lembro, assim, que eu tinha muito medo porque pra mim uma imagem forte era a imagem da, tinha um pessoal que fazia folia de reis, aquele grupo assim de folia de reis, que passava e eu tinha muito medo daquilo, aquilo chamava muito a minha atenção. Só que, assim, aos cinco anos meus pais compraram uma casa num bairro distante, bem afastado do centro da cidade. Enquanto, assim, pros meus irmãos foi um problema, né, porque eles já eram jovens. Eu tinha cinco e a minha irmã tinha 11 a mais que eu, já tinha 16 anos e o meu irmão tinha 15, pra eles era complicado ir pra um bairro afastado, pra mim foi uma delícia, porque esse bairro, ele já parecia um sítio. Então as ruas eram de terra, as casas eram todas, tinham quintais grandes, né, as crianças podiam brincar na rua. Aí nesse bairro eu fiz muita amizade, né, tinha os amigos, tinha as amigas, e amigos que até tenho até hoje: íamos pra escola juntos, né, passávamos no meio de campos com gado, cachorros. Era assim, parecia um sítio mesmo, mas pra mim tudo isso era uma festa, eu adorava tudo isso.
P/1 – Vocês brincavam de que nessa época?
R – Ah, nós brincávamos de tudo, tudo era uma brincadeira.
P/1 – Quais eram as brincadeiras prediletas?
R – Brincava de circo, porque nos terrenos ao lado de casa tinha as empresas lá que jogavam palha de arroz, então jogavam muita palha de arroz, as empresas que beneficiavam arroz jogavam palha, então pra nós era uma festa, nós fazíamos circo ali! Nós pegávamos paus, panos e fazíamos as tendas de circo, então nós usávamos de toda a criatividade pra fazer todo o espetáculo, né, de circo. Brincávamos de casinha, fazíamos comida mesmo, fazíamos fogueira, comida em latinha no fogareiro ali no chão. A maioria das famílias tinha horta no quintal, então nós pegávamos as verduras das hortas! A maioria, muitas pessoas também criavam porcos, criavam galinhas. Então tinha um chiqueiro, então nós brincávamos até dentro dos chiqueiros, dentro dos galinheiros, até piolho de galinha nós pegávamos, porque nós aprontávamos tudo. E aí depois, conforme nós fomos crescendo, brincávamos também com aquelas brincadeiras de rua, tipo queimada, nossa, mil coisas! Então brinquei muito, muito, muito. Minha vida era brincar na rua e a rua era tudo ali, não tinha movimento, não passava carro, então era ir pra escola de manhã e depois era brincadeira, era só brincadeira, era o tempo da escola, da lição de casa e o tempo da brincadeira.
P/1 – Você lembra o que você comia na infância? O que era que você mais gostava de comer na infância?
R – Ah, eu gostava... Eu era muito enjoada pra comer, então eu era muito magrinha, muito magra, eu lembro que eu pesava muito pouco. Minha mãe vivia me levando ao médico, tomava fortificantes pra ver se engordava um pouco, minha mãe fazia uns preparados lá pra ver se eu engordava. Então, assim, eu não era de muita comida, eu comia basicamente arroz, feijão, ovo, leite, batata frita. Até estava comentando ontem com a minha filha, que eu tava com a minha filha e o meu neto, que eu detestava quando a minha mãe fazia sopa. Que na época do frio a minha mãe gostava de fazer sopa à tarde, só que a sopa dela eu detestava, porque ela fazia uma sopa que era muito seca. E, assim, era gozado porque eu era muito enjoada pra comer na minha casa, mas eu tinha uma amiga, que eu tenho até hoje, que mora ao lado da casa que o meu pai ainda mora até hoje, que é a mesma casa que o meu pai mora. E essa minha amiga, a mãe dela trabalhava, minha mãe não trabalhava fora, né, sempre ficou em casa, mas a mãe dela trabalhava a semana toda, e ela tinha uma moça que ficava na casa dela, que cozinhava. E aí eles tinham um costume que, assim, sobrava, ia sobrando todo dia alguma, tinha alguma sobrinha de comida que ficava na geladeira; então sobrava um pouco de carne moída, sobrava um pouco de algum legume, ia sobrando um pouco de arroz, alguma coisa assim. Quando chegava na sexta-feira, a mãe dela fazia um mexido, juntava toda aquela comida que sobrava e fazia um arroz mexido com tudo aquilo, que eles davam lá um nome que eu não lembro. E eu, quando eu estava lá eu comia aquilo com muito gosto e aí a minha mãe ficava muito brava comigo, porque ela falava assim: “Mas que menina! A comida que eu faço aqui todo o dia gostosa, ela não come, ela é enjoada, ela não quer comer! E aí esse mexido aí que a senhora faz”, ela falava pra vizinha: “Ela come, que coisa”, minha mãe ficava assim, indignada com isso.
P/1 – Era a sua mãe que preparava as refeições da sua casa?
R – Isso, ela preparava todos os dias.
P/1 – E sobre a escola, você tem alguma lembrança, uma primeira lembrança da escola que você foi estudar quando era pequena?
R – Tenho, a primeira escola era um jardim da infância, né, que ficava naquele outro bairro, na primeira casa que eu morei, ficava lá mais próximo do centro, mas eu tenho, assim, uma vaga lembrança. Eu lembro, assim, muito do parque, né, da areia, dos brinquedos, eu não consigo, eu não me lembro da professora. Eu só me lembro do parque e de ta brincando na areia, que eu mudei de lá, eu ia completar cinco anos quando eu mudei de lá.
P/1 – Você entrou na escola, esse jardim da infância, com quantos anos?
R – Então, eu acho que foi com quatro, eu acho que eu fiquei um ano só lá. Eu acho que eu fiquei dos quatro aos cinco, porque naquela época, as crianças na minha época de infância não iam cedo pra escola, então eu acredito que eu tenha ficado dos quatro aos cinco, só um ano nessa escola. Eu me lembro que no final desse ano teve uma pequena formatura, né, que também faziam muito nessa época, e aí tinha um palquinho, né, tinha um palco, assim, um pouco mais alto, e aí teve uma sessão de fotos, né, e eu não quis tirar foto. Eu me lembro bem disso, que eu não quis, me recusei a tirar foto, não quis de jeito nenhum. E a minha mãe ficou muito brava porque ela queria que tirasse, que a gente tirasse a fotografia, tudo, eu não quis tirar, então é isso que eu me lembro. E daí nós mudamos pra esse outro bairro e aí aos seis anos era pra eu ir pro pré, né, naquela época tinha o pré, a pré-escola, que era o pré-primário, chamava pré-primário, e aí eu não quis, eu também não quis. Eu bati o pé que eu não queria, que eu já tava alfabetizada. Eu me alfabetizei... Eu não me lembro como, eu não me lembro exatamente como eu me alfabetizada, mas eu sei que eu estava alfabetizada, e eu me recusei. Eu me lembro de ter ido com a minha mãe visitar a escola, era uma escola estadual, né, na época, que ficava próxima, no bairro que nós morávamos. E eu não quis, eu não queria entrar pro pré-primário e eu dizia que não, que eu já sabia ler e escrever e que eu queria ir pra primeira série. Só que naquela época também, era 66, a legislação não permitia que as crianças entrassem aos seis anos na escola. Eu não podia, não existia autorização pra criança entrar aos seis na escola. Só que a minha mãe conhecia a professora, uma professora, né, dessa escola, que era parente de uma vizinha nossa e aí ela disse: “Não, deixa ela vir, já que ela quer, né, deixa ela entrar aqui pra escola e ela vai freqüentando, a gente vê como ela vai, tudo”. E aí eu fui, mas, assim, eu fui assim, naquela época falavam que era como ouvinte: “Deixa ela vir como ouvinte, e daí a gente vê como vai” e aí eu comecei como ouvinte, não era matriculada, não fui matriculada na escola. Depois de um tempo, lá já próximo ao meio do ano, eles viram que eu acompanhava, que eu tava indo muito bem, que eu acompanhava o restante da sala e aí conseguiram que eu fosse matriculada já na primeira série e eu acabei cursando a primeira série aos seis anos e aí eu fui.
P/1 – Nessa época você já pensava o que você queria ser quando crescer?
R – Ah, eu sempre dizia que eu queria ser professora. Sempre dizia, sempre, nas brincadeiras, em tudo eu queria ser professora.
P/1 – Como que você ia pra escola nesse bairro mais distante para o qual você se mudou?
R – Ia a pé, né? No começo eu acho que a minha mãe levava, a pé também, né? Meu pai, eu lembro que o meu pai tinha uma lambreta nessa época, meu pai às vezes levava nessa lambreta. Eu acho que minha mãe que levava, que acompanhava. Era a minha mãe ou era uma outra mãe que acompanhava a gente até a escola. Depois de um certo tempo nós íamos sozinhas, era uma turminha, já lá pela terceira série, assim, era uma turminha que ia. Eu me lembro bem que nós tínhamos que passar numa parte, assim, que era um pasto, né, que o pessoal levava o gado pra pastar nesse local, e nós tínhamos muito medo, porque nós tínhamos que passar no meio desse gado. Então nós tínhamos muito medo! Tinha aquela lenda que não podia passar com roupa vermelha porque se o boi visse a gente com roupa vermelha ele vinha atrás, ia correr atrás da gente. Então a gente passava, assim, quase que, né, assim, tentando fazer o mínimo possível de barulho, sem olhar pro lado, pro boi não cismar de vir atrás da gente.
P/1 – Era um grupinho, assim, essa ida pra escola foi a primeira vez que você começou a sair sozinha de casa?
R – Isso, foi.
P/1 – E depois, quando você foi crescendo, qual foi o primeiro lugar que você começou a ir sozinha além da escola?
R – Ah, na época nós íamos na sessão matinê, né? Tinha a sessão matinê aos domingos, Zig Zag, era a Sessão Zig Zag, que tinha aos domingos pela manhã. Depois tinha, também domingo à tarde, domingo por volta das duas da tarde, três da tarde. Aí depois a gente foi ampliando, né?
P/1 – Você ia com quem pra essa sessão de matinê?
R – Ia com as amigas, as amigas que eu tinha de colégio.
P/1 – Seus irmãos já eram bem mais velhos?
R – Sim, eu não saía, assim... Eu me lembro, assim, de sair com a minha irmã pra ir no clube da cidade, né, que nós frequentávamos um clube, que é o América Futebol Clube, que na época tava no auge, e aí nós frequentávamos a piscina do clube. Então a minha irmã ia com as amigas dela pra piscina e ela me levava, mas ficava eu sozinha, que eu tinha que arrumar alguma amiguinha lá no clube, e a minha irmã ficava com a amiga dela.
P/1 – O que você acha, Rosária, que mudou dessa etapa da sua vida, que você já ia pro clube, já ia pro baile, pra matinê, com relação à sua infância?
R – O que mudou? Acho que a independência, né? Aí já fui ficando mais independente, eu já comecei a sair mais. Também uma coisa que pra mim foi muito marcante nessa etapa foi quando eu ganhei a minha bicicleta, a minha bicicleta foi, assim, um marco, né?
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Ah, tinha uns dez anos quando eu ganhei uma bicicleta, na época Monark, Monareta, eu me lembro bem, era uma coisa. Então aí eu já começava a fazer percursos com a minha bicicleta, já saía do meu bairro e ia pra outro bairro, ia visitar minhas amigas, outras amigas em outro bairro um pouco mais distante. Então eu sentia que essa coisa da liberdade, essa liberdade foi ficando cada vez um pouco maior. E também outra coisa que mudou foi quando, aos 14 anos mais ou menos, nós mudamos de colégio, aí nós saímos desse colégio, que era nesse bairro, e fomos pra um outro colégio, que nós fomos cursar já o colegial num outro colégio, também num bairro próximo. Mas já um bairro, um outro bairro, que já ficava mais próximo do centro, eu e a minha amiga, uma amiga de colégio também, desde a primeira série, nós sempre estudamos juntas.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Rita, Rita Elisa, inclusive tá nas fotos. E aí, assim, também pra nós foi uma mudança grande, né? Mudamos de turma, fomos conhecer outras pessoas, formamos outros amigos, enfim, mudou um pouco a nossa vida.
P/1 – Pensando na sua vida escolar, você teve algum professor que te marcou especialmente?
R – Ah, eu tive, nesse primeiro colégio que eu estudei muitos professores marcaram. Eram professores muito humanos, muito dedicados. Eu acho que eram professores que nós... Eu acho que hoje é difícil de encontrar professores desse tipo, que nós tínhamos naquela época, né? Então tinha a professora de Ciências, que era uma japonesa chamada Hiroko, tinha a professora de História chamada Marilene, a professora de Português chamava-se Rosalice. Eu acho que são as três mais marcantes pra mim. Nossa, eram professoras, assim, extremamente... E, assim fora os professores de primário, né? Teve essa professora que me acolheu na sala, foi a minha professora da primeira e da segunda série, que se chamava Aparecida Simões. Assim, foram professores muito marcantes.
P/1 – Você continuava com a ideia de ser professora quando se tornasse adulta?
R – Então, quando eu cheguei no colegial aí eu comecei a mudar um pouco. Essa minha amiga Rita Elisa... Quando nós chegamos no colegial nós cursamos o primeiro colegial e aí no segundo colegial nós tínhamos que optar na época ou em fazer o colegial comum ou então em fazer o magistério, né? E essa minha amiga Rita, ela decidiu fazer o magistério, só que o magistério era à noite nesse nosso colégio. O magistério era só à noite e eu não queria ir fazer o magistério à noite. Aí no segundo colegial, nós nos separamos: ela foi pra noite fazer o colégio com o magistério à noite e eu continuei no período da manhã e fui fazer o colegial comum, que era o colegial já preparatório pro vestibular. E aí eu decidi que eu queria fazer Psicologia, abortei um pouco a ideia de ser professora, de querer ser professora, e decidi que queria fazer o curso de Psicologia. Então já comecei a me preparar. Fui fazer o colegial, depois, no terceiro colegial fui fazer o colegial e o cursinho no Objetivo pra prestar o vestibular pra Psicologia.
P/1 – E daí quando acabou a ensino médio você já fez vestibular?
R – Isso, aí no final do terceiro colegial eu fiz o vestibular pra Psicologia.
P/1 – Você só estudava ou você estudava e trabalhava nesse período depois do ensino médio?
R – Não. Até o ensino médio, até o vestibular eu não trabalhava, eu só estudava e prestei vestibular. Só que lá na minha cidade não tinha a faculdade de Psicologia, né, na época, aí eu prestei vestibular aqui em São Paulo e me mudei pra cá, e vim fazer faculdade aqui.
P/1 – Em que ano, Rosária?
R – Isso em 78. Em 78 eu entrei na faculdade aqui, vim, passei a morar aqui e vim estudar aqui. E aí logo no começo, acho que não no primeiro ano, o primeiro ano eu só estudava, a partir do segundo ano eu comecei a fazer estágio, então eu estudava de manhã e fazia estágio à tarde.
P/1 – Foi o seu primeiro trabalho?
R – Foi.
P/1 – Você lembra o que você fez com o dinheiro que você ganhou com seus primeiros salários?
R – O que que eu fazia? Eu tinha que na verdade me manter, né, ajudar na minha manutenção aqui, porque eu dividia apartamento com umas amigas que também eram do interior, também vieram pra cá, amigas minhas de lá. No começo eu morava com uma senhora, logo que eu vim morar aqui, eu morava com uma senhora amiga nossa lá do interior, então eu tinha menos gastos. Depois eu passei a dividir apartamento com umas amigas. Nós tínhamos que pagar aluguel, tinha que pagar a comida, condução, transporte, tudo, então meu dinheiro sempre ia pra tudo isso.
P/1 – Qual foi o maior impacto que teve da sua mudança do interior, morando na casa dos pais, pra capital, tendo que se sustentar, estudar, pra você qual foi o maior impacto dessa mudança?
R – Ah, foi bem difícil, porque eu tava acostumada, tinha tudo lá na casa dos meus pais, nem dava muito valor, né, principalmente pra comida pronta. Eu acho que a comida pronta foi o maior impacto, né? Quando eu cheguei aqui, que eu tinha que, se eu quisesse comer eu tinha que fazer minha comida, isso... E principalmente, assim, essa senhora que eu morei no começo, ela tinha hábitos totalmente diferentes. Apesar dela ser do interior, né, ela era lá do interior também de São Paulo, mas ela era muito diferente, né, da minha mãe, que que fazia aquela comidinha todo dia, arroz, feijão, bife, verdura. Minha mãe sempre, a vida inteira ela tinha uma preocupação muito grande de fazer a comida toda certinha, tudo gostosinho. Na minha casa sempre teve arroz, feijão, carne, verdura, salada, isso fazia parte do cardápio diário na minha casa. E aí quando eu cheguei aqui, que eu fui morar com essa senhora, ela era oficial de justiça, morava sozinha, e ela não tinha, assim, hábito, ela não tinha o mesmo hábito alimentar que minha família tinha, que a minha mãe tinha, por exemplo. Assim, por exemplo, a gente morava ali na Brigadeiro Luis Antônio, na Bela Vista, e aí ela passava na feira, ela comprava umas verduras de folha e aí ela comprava um pão italiano, então ela chegava em casa, ela ferventava aquelas verduras e aí ela jogava um azeite e comia com pão italiano. Eu não gostava de comer isso, né, eu queria... Aí eu comecei a dar valor na comida que eu tinha na minha casa, aí eu queria comer arroz, feijão, bife, verdura, batata frita. Só que, assim, ela não gostava, tinha uma outra moça que morava com ela também, né, que era um pouquinho mais velha que eu, e a gente às vezes queria fazer a nossa comidinha, tal, mas ela não gostava muito que a gente fizesse, porque a casa era dela, o fogão era dela, as coisas eram dela, então ela não gostava. Então eu comecei a sofrer, eu acho que esse foi um impacto grande pra mim, né?
P/1 – São Paulo era muito diferente de São José do Rio Preto?
R – Ah, totalmente, totalmente! A coisa do transporte também, das distâncias, né, porque lá no interior... Agora o movimento lá é maior, tem mais trânsito, tudo, mas naquela época, né, você pega um ônibus lá, passava dez minutos você já chegava no lugar, né? E aqui, assim, a primeira vez que eu fui pra faculdade eu me perdi, eu fiquei rodando umas duas, três horas pra chegar, então isso tudo me assustava muito no começo. Às vezes eu tinha vontade de desistir, de voltar, mas eu fui perseverante, eu teimava, falava: “Não, eu tenho que conseguir”.
P/1 – Pensando na cidade como um todo, em vários aspectos, transporte, educação, cultura, qual foi a impressão que você teve quando você chegou aqui em São Paulo?
R – Eu pensava assim, que a cidade oferecia muitas coisas, muita, mas que pra mim, assim, o acesso era complicado. Era complicado porque eu precisava de dinheiro pra poder acessar tudo isso, né? Eu não tinha conhecimento, eu não sei se na época... Porque, assim, eu sei que hoje existe muita oferta, assim, gratuita, existe muita coisa, muito museu que às vezes é gratuito, mas naquela época não tinha muito conhecimento disso, né, além dos parques e das coisas assim... Então eu não sei, eu não tinha muito conhecimento, então às vezes no sábado e no domingo, eu às vezes ficava trancada no apartamento ali na Brigadeiro Luis Antônio. Essa senhora que eu morava, ela saía, ia pra casa dos filhos dela e eu ficava lá o dia inteiro sozinha, estudava, tinha as minhas coisas pra estudar e o resto do tempo eu ficava ali, às vezes dava uma volta na praça e ficava ali. Eu sabia que a cidade tinha muito a oferecer, mas eu não sabia muito bem como acessar, o que a cidade podia oferecer.
P/1 – Como você conheceu o seu marido, Rosária?
R – Então, eu conheci um ano antes de eu vir pra São Paulo, eu o conheci em Santos.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha 16 anos. Eu tinha ido passar férias com a minha amiga, minha amiga de infância, que morava do lado da minha casa lá em Rio Preto, e nós passamos um mês lá em Santos. Fui eu, ela, o irmão dela (que era pequeno), os pais dela. E eu conheci o meu marido, que é meu marido até hoje, lá. Nós estávamos num prédio e eles estavam, ele com dois amigos, estavam num prédio de frente ao nosso, e aí nós fizemos amizade com eles e no final começamos a namorar ali na praia, tudo. Mas depois eu voltei pra minha cidade, voltei pra Rio Preto, ele voltou aqui pra São Paulo, e eu nem imaginava que eu fosse encontrar de novo com ele, né? Porque a princípio era pra eu, eu tinha intenção de fazer a Faculdade de Psicologia em Londrina porque eu tinha um tio que morava em Londrina e eu ia prestar vestibular lá, né, na universidade lá em Londrina. Só que no final o meu tio mudou de Londrina, mudou lá da cidade e na última hora eu acabei vindo, por acaso eu acabei vindo prestar vestibular aqui em São Paulo, não era uma intenção minha vir pra São Paulo, a última das ideias era vir pra São Paulo. E aí eu vim reencontrar, né, com ele, que nem era mais meu namorado, porque a gente nem namorava mais, a gente, na época a gente se correspondia, porque naquela época era a época das cartas, e a gente se correspondia por cartas, mas como amigos, tudo. E eu fui reencontrar com ele em novembro, quando eu vim pra cá pra me inscrever pro vestibular, né, porque a coisa era tão louca que a gente tinha que vir aqui pra fazer a inscrição do vestibular e a gente se reencontrou. Aí depois em janeiro, quando eu vim prestar o vestibular, fazer a prova, aí a gente se reencontrou de novo, depois eu entrei na faculdade, a gente voltou a namorar, a gente retomou o namoro, tudo. Só que quando eu vim morar aqui em 78, ele não entrou na faculdade, ele tava prestando Faculdade de Engenharia, e ele não passou no vestibular. Aí a mãe dele, como ele era, era um moleque, um molecão também de 17 anos, assim, aí a mãe dele fez uma pressão e disse que ele não podia, ele tinha que estudar, ele tinha que pegar muito firme nos estudos pra poder entrar na faculdade, tal, e que ele não podia namorar, aquelas coisas de mãe. Ele acabou terminando o namoro comigo, porque ele tinha que se dedicar pros estudos e pra mim foi uma tristeza, né? Porque, além de eu ta numa cidade sozinha, que eu mal conhecia, também não contava muito com ele. Só que, assim, apesar da gente ter terminado o namoro, ele continuou sempre encontrando. A gente mesmo assim se encontrava, ele ia aonde eu morava, a gente continuou se encontrando, tudo, não namorava, mas se encontrava. E quando ele entrou na faculdade no meio do ano, em julho ele entrou na faculdade de Engenharia, aí a gente voltou a namorar de novo.
P/1 – Seis meses de intervalo?
R – É, a gente deu seis meses de intervalo pra ele entrar na faculdade, que foi uma pressão que a mãe dele fez, que ele devia parar o namoro até entrar na faculdade.
P/1 – Vocês se casaram quando?
R – Nós fomos nos casar em 81.
P/1 – Você lembra do seu casamento, do dia do seu casamento?
R – Lembro.
P/1 – Como foi pra você?
R – É, (pausa) foi bom. Assim, eu, na verdade, não queria festa, nada, mas aí os pais dele, a família dele quis fazer uma festa. Eu não queria festa, uma coisa que eu não queria. Eu queria que fosse uma coisa mais íntima nossa, mas os pais dele no final quiseram fazer. Foi uma festa pequena, não foi uma grande festa, mas aí a gente se casou. Eu ainda tava, ia fazer ainda o último ano, o quinto ano da faculdade, ele ainda também tava fazendo, também ainda não tinha concluído a faculdade dele, então foi bem complicado pra nós também essa época, foi um ano, assim, difícil. Eu tava no quinto ano da faculdade, então eu tinha... Não, quando eu casei, eu casei em agosto, eu tava no quarto ano e aí depois ainda tinha o quinto, foi uma época complicada.
P/1 – E os filhos, vocês tiveram filhos?
R – É, nós tivemos três filhos.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Gabriela, a mais velha, a Natália e o Felipe.
P/1 – Eles têm quantos anos hoje?
R – A Gabriela tem 30, vai completar 31, a Natália tem 29 e o Felipe vai completar amanhã 25 anos, amanhã é aniversário dele.
P/1 – Como foi pra você ser mãe?
R – Ah, foi muito bom, assim, eu sempre gostei muito, muito de ser mãe. Sim, sempre fui muito, muito ligada neles, né, desde que nasceram, apesar da pouca idade, a Gabriela quando nasceu eu tinha acabado de fazer 21 anos, de completar 21 anos. Assim, eu acho que hoje, se eu fosse pensar, eu não teria filhos tão cedo. Sei lá, talvez não começasse a ter filho tão cedo, mas foi super bom pra mim. Eu sempre curti muito eles, eu fazia tudo com eles: saía com eles, passeava, ia pro clube, levava.
P/1 – Você acha que tem semelhança da rotina da sua família quando os seus filhos eram pequenos, até se tornarem adolescentes, com a rotina da sua família com os seus pais? Por exemplo, vocês se encontram nas mesmas datas, vocês se reúnem nas refeições, como era esse momento, por exemplo, de datas festivas?
R – Não, eu acho que são outros tempos, né, eu acho que é diferente (pausa).
P/1 – Vamos pensar numa coisa em comum, por exemplo, as refeições eram parecidas? Você falou que a sua mãe cozinhava, tinha aquela comida ali fresquinha todo o dia. Na sua casa continuou assim?
R – Ah, sim, quando eles eram, até quando eles eram pequenos, tudo, até eles jovens, assim, eu seguia isso, eu tinha essa preocupação com essa alimentação mais saudável pra eles, tudo. Nesse aspecto sim, a gente seguia isso, eu acho que eu tinha esse exemplo aí da minha família. Mas com relação àquela coisa de família reunida de domingo, assim, isso não. Isso eu acho que eu não... Hoje, por exemplo, eu não sigo aquilo que os meus pais seguiam, que minha sogra seguia, sabe, aquela coisa que a família toda se reunia. Quando eu me casei, por exemplo, a família toda tinha que estar reunida todos os domingos, então todos os filhos com todos os netos tinham que estar sentados à mesa e todo mundo esperava pra almoçar. Eu acho que hoje isso já não. Eu não sigo, porque eu respeito muito o que cada um quer fazer, né, assim, minha filha é casada e tem, eu tenho um netinho de dois anos. Então eu respeito muito aquilo que eles querem fazer: se eles querem sair, que eles querem passar o dia fora, se eles querem chamar amigos na casa deles pra almoçar ou se eles vão almoçar na casa de amigos, ou se eles vão pra algum restaurante, sabe, né? Eu acho que a gente não tem que tentar manter aquela tradição de almoçar todo mundo junto aos domingos como os meus pais e os meus sogros. Principalmente meus sogros, eles tinham uma coisa muito forte com relação a isso, que tinha que ser! E eu ficava, assim, muito mal com isso, né, que às vezes eu queria almoçar eu, meu marido e os meus filhos aos domingos e a gente não podia sair fora do almoço com eles aos domingos, tinha que ser com eles.
P/1 – Rosária, você pensa mais ou menos no caminho que o alimento que você come no seu dia-a-dia, na sua rotina, tanto no trabalho quanto em casa, o caminho que ele faz até chegar à sua mesa, você pensa sobre isso?
R – Penso.
P/1 – O que você pensa? O que te faz pensar neste percurso?
R – Assim, o que eu penso é que eu quero pra mim e quero para as crianças da escola que eu dirijo, eu quero uma alimentação saudável, eu quero uma alimentação boa, eu tenho uma preocupação com isso.
P/1 – Pra você o que é essa alimentação saudável, se traduz em que, pensando no percurso do alimento?
R – Eu quero, assim, um alimento natural, entendeu? Um alimento que não seja industrializado, um alimento colorido, de diversas cores, um alimento nutritivo, um alimento gostoso, saboroso, eu penso nisso tudo.
P/1 – Como foi que você e a escola em que você trabalha chegou até o Programa Nutrir?
R – Então, nós chegamos pelo contato das pessoas da prefeitura, que chegaram pra gente há bastante tempo atrás, a partir do primeiro projeto que nós desenvolvemos, que foi “Abobrinha sim, por que não?”. Esse foi o nosso primeiro projeto também que nós desenvolvemos junto com a Nestlé, então o pessoal da prefeitura, do departamento de merenda, nos convidou pra participar desse projeto junto com a Nestlé.
P/1 – Daí vocês tiveram contato com o Programa Nutrir.
R – Isso.
P/1 – Foi a primeira vez?
R – Isso.
P/1 – Você lembra como foi que esse projeto foi implantado, como foi o início dele no seu local de trabalho?
R – Nós conversamos, começamos... Não! Primeiro nós fomos participar de um curso na Nestlé, então fui eu, uma auxiliar de enfermagem e uma merendeira da minha unidade. Nós fomos participar juntas do curso oferecido pela Nestlé junto com a prefeitura, aí nós fomos participar lá na Nestlé.
P/1 – Era uma espécie de treinamento?
R – Isso, uma espécie de treinamento, e aí foi bem interessante porque teve a parte teórica, depois teve uma parte prática, que nós preparávamos os alimentos lá na cozinha experimental da Nestlé. Depois disso, nós íamos, desenvolvíamos o projeto, criávamos, né, o projeto, um projeto alimentar e desenvolvíamos junto da escola.
P/1 – Nessa época, Rosária, qual era a sua função na escola?
R – Era diretora, só que nessa época a nossa escola pertencia à Secretaria de Assistência Social, ela ainda não era da Secretaria Municipal de Educação. E nós tínhamos uma nutricionista que acompanhava o nosso trabalho, uma nutricionista muito boa, que é a Denise. Hoje ela assumiu um cargo no departamento de merenda da prefeitura, né, hoje ela não acompanha ali o dia-a-dia, o trabalho nas escolas, mas nessa época ela era muito próxima e então ela auxiliou muito o nosso trabalho nesse projeto.
P/1 – Ela também fez o curso?
R – Isso, também participou do curso e depois auxiliou muito no desenvolvimento desse nosso projeto, assim, dando palestras pras mães, nós desenvolvemos um, fazia parte, né, do projeto, desenvolvemos também uma cozinha, fizemos uma cozinha experimental também com as mães dentro da unidade, desenvolvemos receitas com as mães. Então ela participou orientando, então foi muito interessante também.
P/1 – Esse era o projeto: “Abobrinha, por que não?”?
R – “Abobrinha sim, por que não?”.
P/1 – E depois vocês desenvolveram outro projeto?
R – Isso.
P/1 – Qual era o nome?
R – “Gostoso pra chuchu”.
P/1 – Qual era a sua função dentro desse segundo projeto?
R – Então, minha função foi de sensibilizar o grupo da escola a participar, né, a querer fazer parte, a participar do projeto e de elaborar o projeto, então eu basicamente lancei a semente no grupo.
P/1 – Quando você fala: “O grupo” você fala a comunidade escolar como um todo, funcionários, famílias ou mais a equipe interna da escola?
R – Isso! Nós começamos com a equipe interna da escola, com os funcionários, com o grupo de professores, com as merendeiras, com os demais funcionários da equipe. Depois nós fomos abrangendo as crianças e os pais também das crianças.
P/1 – Como foi pra você participar das ações desse programa, tanto o primeiro quanto esse segundo?
R – Ah, foi muito bom, né, pra nós é muito bom ter essa parceria com uma empresa, principalmente uma empresa como a Nestlé, que a gente sabe que dá um respaldo, que é uma empresa segura, que dá um apoio grande, que tem toda uma infraestrutura, que faz uma parceria de fato, né, com a gente. Eu acho que a gente precisa disso, nós num trabalho no governo, digamos, né, nós acabamos tendo uma prática, assim, muito solitária, muito isolada, né, e pra gente é muito importante ter essa parceria, tanto com empresas como com as universidades públicas também, é uma parceria boa em outro sentido, né?
P/1 – Esse projeto, o segundo projeto, ele teve voluntários? Quem é que atuava no projeto? A escola, o conjunto de funcionários, você, as professoras e professores, as merendeiras. Tinha pessoas da comunidade, elas estavam envolvidas no projeto?
R – Então, basicamente os pais, né, além de nós, funcionários, os pais das crianças, as mães basicamente.
P/1 – O que elas faziam?
R – Então, em determinado momento do projeto as crianças, as professoras mobilizaram as mães no sentido de que solicitaram para as mães receitas: que receitas as mães faziam, desenvolviam em casa normalmente pras suas crianças, que boas receitas. Então nós solicitamos pras mães boas receitas que elas faziam boas receitas que elas desenvolviam em casa pras suas crianças. Nós solicitamos e aí elas mandaram, né? Nosso objetivo era verificar que tipo de alimentação as famílias valorizavam em suas casas. E aí, assim, nós tivemos, claro, muitas surpresas, porque quando nós pedimos essas receitas, vieram receitas de todo o tipo, tanto receitas nutritivas como receitas pouco nutritivas, do tipo lingüiça frita com cebola, por exemplo. E aí nós combinamos que nós iríamos selecionar as melhores receitas e íamos fazer um dia uma culinária na unidade dessa melhor receita, a mãe ia fazer com as crianças na unidade, ia desenvolver essa receita lá na unidade.
P/1 – Então essa era a forma que vocês tinham de envolver as famílias?
R – Isso.
P/1 – Como você acha que era a recepção delas, das mães e por acaso de outros familiares que participavam, por exemplo, de um dia de culinária?
R – Então, nós temos uma certa dificuldade, de um modo geral, dentro dessa comunidade. Essa comunidade onde nós estamos hoje não é a mesma do outro projeto, do primeiro projeto, porque nós mudamos de prédio. Nós mudamos de prédio, mudamos de comunidade, mudamos de bairro e não é a mesma.
P/1 – Entre um projeto e outro?
R – É, a escola é a mesma, só que a escola mudou de bairro, tá? E nessa comunidade onde nós estamos agora nós temos uma dificuldade maior com relação à participação das famílias, tá? Assim, por diversos motivos, né? A gente percebe que as mães têm uma resistência maior de vir pra escola, de um modo geral, não são todas. Então, assim, nós tivemos, assim, um pouco mais de trabalho pra envolver, pra ter esse envolvimento mesmo, delas virem participar, delas quererem participar, porque elas tendem a se esquivar mais de vir pra escola, de participar.
P/1 – E com as crianças, como vocês notaram a recepção delas com os novos alimentos, as novas refeições que você foram ampliando com o desenvolvimento do projeto?
R – Ah, as crianças são super receptivas! Com as crianças tudo o que você propõe em termos de ludicidade, tudo o que o que você propõe, assim, mediante, através das brincadeiras, tudo flui, tudo flui. Então a proposta era de propor o tempo todo brincadeiras envolvendo situações alimentares, né, e as crianças se envolviam o tempo todo com tudo. As crianças estavam sempre dispostas, sempre participativas, muito envolvidas, então tudo fluía. O tempo todo as coisas fluíam e nós fomos vendo os resultados que nós almejávamos mesmo.
P/1 – Quais foram os principais marcos e rupturas que vocês tiveram com o desenvolvimento do projeto na escola?
R – Marcos?
P/1 – Digamos uma mudança perceptível, que foi clara pra vocês.
R – Eu acho que à medida que os professores foram trabalhando assim, dessa maneira lúdica, envolvendo as crianças, chamando a atenção deles pros alimentos, as merendeiras também foram participando mais ali e mostrando para as crianças os alimentos e mostravam os alimentos in natura, antes de preparar. Então mostravam o feijão antes de cozinhar o feijão, mostravam o arroz, as verduras ali, então, por exemplo, iam e mostravam a abóbora antes de cozinhar a abóbora e eles viam e depois iam e mostravam o alimento depois cozido: “Olha, olha como ficou, olha como tava antes e olha como ficou agora”. Aí as crianças foram, começaram a se surpreender, né, com as mudanças, então isso tudo foi ficando visível, né, essa mudança pra eles. Eu acho que, assim, a questão do envolvimento é uma questão muito forte, né? Á medida que você envolve, envolve as crianças, envolve os professores, envolve as merendeiras, você vai percebendo mudanças ali nesse processo todo.
P/1 – Então, Rosária, você tava falando dessa questão do envolvimento das crianças, das merendeiras. O que isso mudou na nutrição, na atitude deles durante o desenvolvimento do projeto?
R – Então, eu acredito que envolvimento é sempre um aspecto muito importante em qualquer ação que se desenvolva; a partir do momento que as pessoas ou as crianças se sintam envolvidas aí a coisa vai, a coisa flui. E foi o que nós começamos a sentir no projeto, a partir do momento que as professoras, as merendeiras, os funcionários começaram a se envolver e a participar mais ativamente nas ações do projeto, nós percebemos que o projeto foi fluindo, né? E também o conhecimento com relação a esse processo alimentar, a importância desse processo foi acontecendo, as crianças foram descobrindo muitas coisas e foram se apropriando e foram gostando mais de experimentar. Foram querendo experimentar mais determinado alimento que antes elas não queriam experimentar, por exemplo, o chuchu, a abobrinha, a couve, né, que antes eles não queriam, diziam que não queriam comer e de repente começaram a querer pelo menos experimentar. Então eu acho que tudo aconteceu a partir do envolvimento, tanto da equipe, das pessoas e das crianças com relação a esse processo alimentar.
P/1 – E sobre o nome: “Gostoso pra chuchu”, da onde ele veio?
R – Então, inicialmente o projeto começou a acontecer e a equipe começou a discutir sobre o nome do projeto e começaram a aparecer algumas sugestões, mas não se conseguia chegar num nome, num título. E aí uma professora, um dia ela tava indo, tava no percurso da escola pra casa dela e aí ela teve um insight, assim, e pensou: “Nossa, tem que ser algo gostoso, né, o projeto tem que abordar algo que seja gostoso e pensar, assim, a ideia é que as crianças comam aquilo que, aprendam a comer aquilo que elas normalmente não querem comer, né, por exemplo, chuchu, abobrinha, né?”. E aí deu um estalo e aí saiu esse nome: “Gostoso pra chuchu”.
P/1 – O que o Projeto Nutrir da Nestlé agregou ao projeto: “Gostoso pra chuchu” e que reconhecimento vocês tiveram disso?
R – Eu acho que assim, a motivação. Eu acho que nós temos, normalmente independentemente da parceria com a Nestlé, ou independente da proposta do Projeto Nutrir, nós temos uma preocupação com alimentação, isso faz parte do nosso trabalho já há muito tempo, né? Eu sou diretora da unidade há 15 anos e há 15 anos nós temos essa preocupação. Além da preocupação com alimentação, a preocupação com as crianças de um modo geral, com a educação de um modo geral, com o crescimento das crianças em todos os sentidos, com o desenvolvimento das crianças em todos os sentidos, né? Mas a proposta do Projeto Nutrir, ela vem, eu acho que ela vem ao encontro das nossas ideias, dos nossos sentimentos, das nossas preocupações. Então, assim, é como se de repente, nós temos determinadas ideias, nós temos determinada concepção, mas de repente a gente se depara com o Projeto Nutri, né, aparece aí a Nestlé com suporte, de repente com uma motivação maior que desencadeia, né, que de repente nos faz colocar isso no papel, né, de repente sistematizar. Eu acho que seria isso, de repente sistematizar algo que nós já fazemos, né, eu acho que seria por aí.
P/1 – Tem alguma história marcante ou curiosa que tenha acontecido ao longo do desenvolvimento do projeto?
R – Alguma história?
P/1 – Pode ser algo até engraçado, que vocês tenham achado inusitado.
R – Então, eu acho que o mais engraçado, que eu me lembro bem, que aconteceu, mas no outro projeto, no primeiro projeto. Foi uma das ações que nós tivemos foi de levar as crianças pro supermercado. Nessa época nós estávamos no prédio, no outro prédio, que ficava na Vila Joaniza. E aí nós levamos as crianças, um grupo de crianças grande, pro hipermercado Extra. Nós chegamos lá e colocamos todas as crianças dentro dos carrinhos de supermercado, e aí foi, assim, eles chamaram muito a atenção das pessoas que estavam lá no mercado, né? Chamaram muito, porque eram muitos carrinhos, e nós, eu e as professoras, todas íamos empurrando os carrinhos de supermercado. Nós fomos fazer compras, nós íamos fazendo, nós fomos comprar verduras, legumes, frutas com eles e íamos colocando dentro do carrinho. E aí nós fomos chamando atenção do mercado todo, então de repente estavam, muitos funcionários do mercado pararam e ficaram assim de olho: “Nossa, da onde saiu toda essa criançada aqui dentro, né, de repente, o que acontece que tão todas aqui dentro desse mercado?”, né? Então é uma coisa que eu me lembro, assim, bem, que ficou bem marcante.
P/1 – Que aprendizados você colheu ao longo da sua experiência no programa pra sua vida, tanto pessoal quanto profissional?
R – Do programa de um modo geral?
P/1 – Sim.
R – Eu acho que a questão da parceria, né? Eu acho que nós vivemos numa época que necessitamos de muita parceria, né, não dá pra ficarmos isolados, nós precisamos nos juntar aí, né? Existe, eu acho que tá assim: tem o lado da escola, que tem uma proposta, que tem um trabalho, tem a empresa, que tem um projeto também, que tem toda uma vivência, que tem um projeto. Eu acho que é necessário unir esses esforços, unir essas ideias. Eu acho que essa parceria só traz benefício, né, pra todos os lados, é uma troca importante, eu acho que todo mundo ganha, todo mundo cresce. Para as nossas crianças é importante; pro nosso grupo de professores, de funcionários, é importante porque faz com que se tenha vontade, como eu disse, de sistematizar essa prática, de por no papel, de sistematizar esse trabalho, essa história. Enfim, eu acho que é uma parceria que tem que acontecer sempre, né, que não pode parar.
P/1 – Quais são as coisas mais importantes pra você hoje?
R – As coisas mais importantes? Com relação a quê?
P/1 – A tudo. O que é importante na sua vida hoje, que você sempre pensa que você quer ter, que te envolve, que te deixa feliz, que você almeja?
R – Eu acho que nesse momento que eu tô, eu acho que é a questão de tempo pras coisas que eu gosto de fazer.
P/1 – Quais são essas coisas?
R – Eu acho que é a relação, a relação humana, a relação com o outro, o tempo, um tempo significativo. Porque eu acho que, assim, a gente vive um tempo muito corrido, né? Em determinada época da vida a gente vive um tempo muito corrido, e nesse tempo que eu tô hoje, né, que eu já tô com os meus filhos aí basicamente criados, e vejo o meu neto com dois anos, eu olho pra ele e falo assim: “Não, eu quero ter todo o tempo do mundo pra curtir, assim, aproveitar essa relação com ele”. E eu sinto isso mesmo até também com as crianças, né, que eu trabalho lá na minha unidade, né? Hoje eu sinto muito mais, que eu valorizo muito mais esse tempo com as crianças, muito mais até do que antes. Eu tô há 15 anos nesse trabalho e, assim, hoje eu sei que o tempo que eu tenho com as minhas crianças lá na unidade, e é um tempo muito mais significativo pra mim. O tempo também com os professores, também é um tempo que eu quero aproveitar de forma muito melhor, né, eu acho que, assim, esse cuidado com o tempo é uma coisa que eu valorizo muito hoje.
P/1 – Quais são os seus sonhos atuais?
R – Meus sonhos, meus sonhos... É continuar me aperfeiçoando, né, eu não consigo parar, eu sou mesmo. Eu acho que eu tô mais serena, porque eu sempre fui muito agitada, muito agitada, mas mesmo com essa serenidade eu acredito que eu tenho que me aperfeiçoar cada vez mais.
P/1 – Rosária, tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar que a gente não falou aqui durante a entrevista, tem alguma questão, alguma coisa que você gostaria de colocar?
R – Eu acho que não.
P/1 – Como foi pra você contar a sua história pra gente?
R – Ah, foi bom.
P/1 – O que você sentiu?
R – No começo um pouco triste (risos).
P/1 – Tá bom, o Museu da Pessoa e a equipe da Nestlé Nutrir e toda a Nestlé, claro, agradece a sua participação, agradecemos a sua disponibilidade de vir aqui e trazer seus documentos, suas fotos, contar a sua história de vida pra gente. Muito obrigada.
R – Tá bom!
FINAL DA ENTREVISTA
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