Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Antonio Afonso de Resende
Entrevistado por Fernanda Prado e Luís Gustavo Lima
Paracatu, 12/06/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV16_Antonio Resende
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Então, beleza, seu Antonio. A gente primeiro gostaria de agradecer de o senhor ter recebido a gente aqui na sua casa para essa entrevista. E pra gente começar eu queria que o senhor falasse o seu nome completo.
R – O prazer foi todo meu, de receber vocês só que nessa humilde residência. Antonio Afonso de Resende.
P/1 – A data do seu nascimento.
R – Primeiro do doze de 1948.
P/1 – E a cidade que o senhor nasceu?
R – Oliveira, Minas Gerais.
P/1 – Qual o nome dos seus pais, seu Antonio?
R – Amado Monteiro de Resende e Conceição Maria Aparecida.
P/1 – E fala da origem dos seus pais pra gente.
R – A origem?
P/1 – É, de que cidades eles são.
R – Minha mãe é de Morro do Ferro (MG), é próximo de Oliveira. E meu pai é de Oliveira, cidade de Oliveira.
P/1 – O senhor sabe como eles se conheceram, como eles casaram?
R – Por incrível que pareça, no ano passado, eu tive a oportunidade de ir lá porque eu não conhecia Oliveira. Sou de lá, vim de lá com três anos de idade e fui pedir informação, como foi que eles se conheceram. Aí disse que meu pai era comprador de gado e foi nessa região que tinha muito gado e eles ficaram se conhecendo.
P/1 – E o senhor tem irmãos, seu Antonio?
R – São quatro homens e quatro mulheres.
P/1 – E o senhor está em que lugar dessa escadinha?
R – Eu estou mais ou menos no meio (risos), sou o quinto, parece que faleceu um, mas ainda jovem, criança.
P/1 – E o senhor falou que veio pra Paracatu com três anos de idade.
R – Isso.
P/1 – Então o senhor não se lembra da viagem.
R – Não lembro. Mas lembro de contar que meu pai tinha um caminhão, veio de caminhão. Ele produzia acho que muito café, ainda veio trazendo café de lá pra cá. Aí vendeu esse caminhão e comprou a propriedade, a fazenda Bandeirinha.
P/1 – Então as suas primeiras lembranças de pequeno são dessa casa?
R – Exatamente.
P/1 – Conta como que ela era, essa casa.
R – Casa de adobe, colonial, com um pomar, curral, que tinha um curral na frente da fazenda, e produzia mais era leite.
P/1 – E como é que eram os quartos das crianças, do que você se lembra de como é que era a convivência dos irmãos, com os pais?
R – Tinha até boa vivência, sim, somos unidos até hoje. Só que o mais velho, quando surgiu Brasília, por conta do emprego se mandou, foi quase que fugido pra Brasília. E a irmã mais velha pra estudar foi pro colégio de irmã, no Rio de Janeiro. Aí quando minha mãe adoeceu ela veio pra olhar minha mãe. Aí depois ela acabou desistindo do colégio de freira e casou.
P/1 – E o senhor, na sua meninice, do que o senhor gostava de brincar?
R – Olha, falar francamente, eu não lembro de brinquedo, meus pais nunca deram nenhum brinquedo, era serviço, era a convivência com os animais, o bezerro, por exemplo, laçar. E aí ia levando aquela vida. Não tinha prática de brinquedo. Meu pai me chamava uma hora da manhã pra trabalhar e, às vezes, ficava até nove horas da noite ainda para pôr ração para gado. E desde pequeno. Eu comecei a ajudar o meu pai, fala assim: “Ah, não é verdade”. Eu tenho a comparação que é verdade pelo seguinte: quando cortou o meu cabelo pela primeira vez, eu estava com sete anos. Com sete anos, eu poderia ir para a escola, eu comecei a ir na escola rural. A minha mãe ia pentear meu cabelo para eu ir pra escola, o cabelo estava duro, eu tocava animal no engenho e escondia debaixo, porque o sol estava quente, às vezes, me escondia debaixo do engenho. Pingava garapa. Então era aquele problema pra poder pentear o cabelo porque endurecia. Por isso que eu falo, com sete anos já ajudava, trabalhava. Era pouco, mas...
P/1 – E por que o senhor ficou com o cabelo comprido até os sete anos?
R - Não sei, isso aí foi da mãe, não sei por que motivo, se fez alguma promessa, pode ter sido também, mas nunca me esclareceu, não.
P/1 – E o senhor se lembra de ter um cabelão comprido?
R – Lembro, lembro. É essa foto que eu estava procurando e não encontrei. Os meninos têm, mas não sei qual deles que pegou ela. E tem uma eu pus no quadro, mas não encontrei ela.
P/1 – E o senhor se lembra como foi quando cortou esse cabelo? O senhor achou muito diferente?
R – Isso. Era o cabelo todo cacheado. Minha mãe penteava e fazia os cachos no cabelo. Eu lembro.
P/1 – E a escola? O senhor falou que foi pra escola rural. Como era essa escola?
R – Tinha que andar quase três quilômetros pra essa escola. E era tudo numa sala só, uma mesa emendada na outra e era banco. E acho que a professora não tinha condições de estrutura pra ensinar. Eu ganhei palmatória na mão. A palmatória, não sei se você conhece, é como se fosse uma colher, mas é redonda e cheia de buraquinho. Quando ela bate e faz assim (bate na palma da mão) chega a puxar e a mão da gente incha e fica puxada. Até no caroço de milho eu já ajoelhei. Aí fala assim: “Mas você era pinta demais”. No primário você tinha que saber da tabuada, poesia senão ia pro castigo mesmo.
P/1 – Não era que o senhor fazia bagunça.
R – Não, não era bagunça, não. Era castigo porque às vezes não sabia a tabuada. E aí o ensinamento... Hoje, os estudos parecem simples, de brincadeira. Era difícil pra ela ensinar como que ia juntar as letras, não era igual é hoje de jeito nenhum, então eu tinha dificuldade. Quando eu saí de lá e vim pra cá, chegou aqui o estudo deu choque, não encaixava um com o outro. Eu tornei e repeti de novo o ano. Estudava primeiro, segundo, terceiro e quarto ano tudo numa sala só. E de ano em ano, no fim do ano que ia um fiscal, um inspetor que ia lá. E o inspetor não tinha conhecimento, coisa nenhuma. Ainda lembro como hoje, ele tomando a tabuada da gente, mandava a gente ficar ao lado dele em pé e falava assim: “É aqui, ó, aqui que a porca torce o rabo se não for rabicho”. Sabe o que é rabicho? É porque ela não tem rabo, então não tem o que torcer (risos). De criança a gente não esquece das coisas, né? Dos acontecimentos.
P/1 – E conta como era esse percurso até a escola, de três quilômetros. Com quem você fazia?
R – De a pé, com minhas irmãs. Era Maria e Geralda.
P/1 – E o que tinha nesse caminho? Vocês faziam alguma coisa até lá, iam contando histórias?
R – Não, já saía na última, já saía quase correndo. Tinha que atravessar um córrego, atravessar o mato pra depois chegar na escola. E era, como se diz, risco até cobra, essas coisas.
P/1 – Apareceu algum bicho alguma vez?
R – Não, bicho não, mas a gente tinha que sair mais cedo um pouco pra chegar senão não dava. Era uma distância quase que daqui na firma, na Kinross, na usina, é longe.
P/1 – E como foi mudar pra cidade e começar a ter as aulas aqui?
R – Pois então, todos nós... Veio minha mãe também e foi aquele outro problema. Quando chegava fim de semana, estava todo mundo voltando pra lá de novo pra ajudar. Ficava lá sábado e domingo à tarde vinha. E vinha de a pé ainda e aí que era pior, 16 quilômetros. E nós partia pra lá e pra casa. Mas foi muito difícil porque quando chegamos aqui, pra ir daqui ao [Colégio] Afonso Arinos a gente ia era quase que poeira só, não tinha asfalto, não. Água não tinha, era cisterna. Ia lavar roupa, ia na praia, um córrego que passa aqui próximo. Era complicado.
P/1 – E conta, o senhor estudou no Afonso Arinos até que ano?
R – Até o quarto ano.
P/1 – E aí, o que aconteceu depois?
R – Do quarto ano já foi 1963, meu pai inventou de levar nós pra Brasília, levou três, eu e mais dois irmãos. E nós ficamos na casa de um tio e foi outra complicação porque Brasília estava começando, era poeira, vento com areia, era complicado e tudo barraco. Em 1964, Brasília entrou em estado de sítio, foi outra complicação. E o que era de policiamento que tinha e a dificuldade que o tio meu já tinha lá e morava em Taguatinga, Vila Matias. Totalmente. Só de ter deslocado da zona rural e veio aqui pra Paracatu e daqui ir pra Brasília, nossa! Porque Brasília não tinha estrutura direito pra estudo. Só estava era chegante, o povo cada um queria explorar de um lado, era muito difícil. Foi difícil.
P/1 – Aí o senhor foi fazer alguma atividade, seu pai e seu tio lá em Brasília?
R – Nós foi estudar. E nós não conseguiu. Depois entrou em estado de sítio lá e nós viemos embora, não voltamos mais não, em 64.
P/1 – E quando o senhor voltou pra Paracatu o que o senhor foi fazer?
R – Nós voltamos pra escola de novo, mas só que tornou a dar outro choque. De Brasília pra cá, não dava certo. O estudo não tem jeito, foi mal começado, não teve jeito. E o pai da gente precisava da gente pra a mão de obra pra trabalhar, aí eu tornei a deixar daqui e tornei a voltar pra roça. Depois de 21 anos, fiquei ajudando ele até 21 anos, depois de 21 anos que eu tomei: “Não tem jeito, não, vou começar do começo de novo”. Vim pra cá. Aí arrumei serviço e até agora aposentado.
P/1 – E conta pra gente do trabalho da roça. Como é que foi crescer lá e crescer, fazendo essas atividades juntos com seu pai, com seus irmãos?
R – Os meus irmãos saíram e fiquei eu. Cada um foi procurar recurso, um foi prum lado, outro pro outro e eu que fiquei lá até 21 anos. Aí meu pai falou: “Vou fazer um empréstimo pra comprar uma máquina pra triturar capim. Você me ajuda?” “Ajudo”. Fiquei lá. “Agora, vou melhorar o gado, vou comprar gado”. Foi em Patos de Minas (MG), fez um financiamento, comprou um gado, novas vacas. Aí, a hora que quitou: “Agora está do jeito que meu pai quer”. Meus irmãos começaram a chegar e a achar as coisas, facilitou mais, aí eu tornei a sair. Então vim pra cá.
P/1 – Ah, você veio pra cidade?
R – Vim pra cidade.
P/1 – Aí o senhor veio pra cá, pra que lugar? Onde que o senhor foi começar o seu caminho aqui em Paracatu?
R – Ó, eu consegui um serviço na Associação Atlética Banco do Brasil. Lá eu fiquei três anos. Aí de lá surgiu uma vaga de segurança, no Banco do Brasil. Quando ele inaugurou, eu participei. Inclusive arrumaram gente pra trabalhar, pra servir e quando chegou na hora foi tanta gente que as moças que eles arrumaram não estava dando conta. Aí eles me chamaram pra ajudar, trabalhar no dia da inauguração. Depois que eu saí da Associação Atlética passei pra segurança do Banco do Brasil e fiquei, ajudei a fazer transporte, cheguei a fazer transporte de valores daqui pra João Pinheiro (MG). E a firma da SEG, Serviço Especial de Guarda, presta serviço em Belo Horizonte (MG) mas ela era de Juiz de Fora (MG). O dono faleceu e o pessoal não deu conta de administrar, aí mandou chamar. Eu fui lá para Juiz de Fora, eu só sei que eu iria trabalhar em Juiz de Fora. Eu falei: “Não, não tem condições, não”. Aí eu fui, me dispensei. Logo que eu vim de lá em um domingo, na segunda-feira a RPM [antiga Rio Paracatu Mineração, atual Kinross Paracatu] me chamou. Aí eles levaram quatro meses, acho, fazendo levantamento meu pra depois me chamar.
P/1 – E como é que foi ser chamado pra trabalhar na RPM?
R – Foi pra segurança, serviço especial de guarda, segurança patrimonial.
P/1 – E o senhor tomava conta de quê?
R – Eu entrei na Portaria. Da Portaria eu fui pra 23 de setembro, quando foi em dezembro que teve a inauguração, que foi a primeira barra de ouro, eu era o único segurança que tinha lá na Fundição.
PAUSA
P/1 – Conta pra gente como é que foi esse dia, o dia que eles fizeram a primeira barra de ouro na Kinross.
R – Foi dia primeiro de dezembro de 1986. Eu trabalhava de turno e entrei às 16 horas e quando foi às 18 horas eles começaram o processo lá. E de toda forma que eles faziam o procedimento lá pra poder colocar o ouro do cadinho na forma não acertava, derramava tudo no chão, fica parecendo carroço de arroz, tudo espalhado. É até bonito aquilo, amarelinho. E tinha lá mais ou menos uns 19 engenheiros lá dentro. E fazia o processo, tornava a recolher aquele material, punha, não dava certo. E de lá de longe eu observando, da entrada. Quando foi uma certa hora eu chamei o supervisor, que era o Douglas. Eu falei: “Douglas, dessa forma não tem jeito, não vai dar certo, vocês não vão conseguir fazer essa barra de ouro desse jeito, não, vai passar a noite toda desse jeito” “Então como é que faz?”, aí orientei ele, falei: “Você pega uma barra de ferro”, que tinha uma barra de ferro lá, viga u, colocou a forma em cima e tombou, virou o cadinho e aí deu certo, só vi todo mundo aplaudindo e satisfeito. Mas ficou como se fosse o Douglas que deu a sugestão. Os outros não entendiam o que eu estava falando. Aí quando foi mais tarde abrir o champanhe e começaram, aí eu fiquei incomodado, eu falei: “Mas deve ser champanha importado”. Eu peguei, fui lá, conferir a champanhe, era do mercado aqui de Paracatu (risos). Eu falei: “Não é possível”.
P/1 – E foi um dia marcante porque foi o seu aniversário também, né?
R – Foi, foi. Era. Primeiro de dezembro é dia do meu aniversário.
P/1 – Como é que foi participar desse momento?
R – Uai, eu fiquei... por ser uma empresa de grande porte, né? Eu pensava, era o seguinte, porque quando eu entrei falou que a empresa era dois anos de pesquisa e dez anos de exploração. Aí eu pensei: “Podia, se fosse mais tempo eu ia conseguir até aposentar na empresa”. Mas felizmente ela superou as crises e conseguiu e está aí até hoje. Mas eu fico muito... No meio de quantos seguranças tinha lá? Tinha parece que, não sei se 46 ou 48 seguranças e eu fui o único que consegui, fui o único que participei dessa grande hora da inauguração da primeira barra.
P/1 – E o senhor contou também que teve uma história de um gringo que estava bateando e tal, não teve?
R – Pois é. Veio um gringo pra fazer o teste do material que estava sendo rejeito pra ver se o ouro estava indo embora ou se aquele material podia ser dispensado. Aí ele pegou a bateia e eu mais ou menos já vi outros garimpeiros garimpando. Que aqui antes da firma o povo garimpava. Aí ele pegou na bateia e pôs o material, não dava conta. Eu falei: “Não, não é assim não”. Aí peguei a bateia, que tem o jeito de bateiar. No que eu mostrei pra ele: “O ouro está indo embora mesmo”, por pequena quantidade, foi tipo uma pá de material, e por ali ele pesa aquilo ali e sabe o quanto de ouro está indo embora.
P/2 – O senhor estava falando dos garimpeiros, do uso da bateia, o seu trabalho de segurança. Eu queria saber como era o seu trabalho na segurança nessa época que o senhor começou a trabalhar na RPM, como era a relação com os agentes de fora, as pessoas de fora da empresa, se havia essa tentativa de entrar, se tinha garimpeiro lá, como era essa relação?
R – Ah tinha. Por ouvir dizer, boca deles mesmo, teve uma noite lá que eles falaram que tinha umas 600 pessoas. Seiscentas pessoas lá numa noite, depois de eu sair de lá! Eu trabalhei em toda a área da firma, no rejeito, encontrava muita gente. Até fazer proposta, eu chegar e levar pra eles: “Ó, tá acontecendo isso”. Que eles faziam tudo quanto era malvadeza fazia. Nunca parou, nunca parou. Porque antes eles já garimparam no terreno abaixo porque antes de fazer a barragem já era lugar de garimpo.
P/2 – Como era a relação com essas pessoas? Você falou de fazer proposta. Como que era?
R – Ah não, às vezes você estava no ponto. Já aconteceu de eu estar no ponto e ter gente lá procurando e eu não vi. Aí um funcionário do posto de saúde lá, o enfermeiro, falou, avisou lá na firma: “Olha, eles estavam procurando Fulano aqui no ponto”. Eles procuravam pra poder detonar a gente.
P/2 – Como assim?
R – Porque às vezes a gente não era bem aceito lá dentro. Porque trabalha de segurança, a pessoa uma vez me entrevistando e ficou uns 45 minutos fazendo pergunta. Aí depois de: “Preciso de mais uma pergunta” e eu já não estava suportando. “Vou fazer pro senhor mais uma pergunta, o que o senhor acha mais difícil?”. Eu falei: “É lidar com ser humano, não tem jeito, não. Quando você agrada, tem alguma coisa errada. Se você maltrata, tá maltratando”. É difícil.
P/2 – E como era o serviço da segurança na época que o senhor começou? A gente tem uma imagem hoje do segurança, do vigilante, mas como era ele na época, o que usava de roupa, ou mesmo de equipamento pra garantir a segurança da empresa?
R – A arma era 38. E usava o cassetete de madeira e depois passou pra tonfa. Depois passou pra moletável, com borracha. Munição de borracha.
P/2 – E tinha muitas ocorrências na época do senhor?
R – Tinha, tinha. E hoje tem condições. Primeiro saía, andava o rejeito todo de a pé, uma trilhinha assim, no mato. Era pesado. Às vezes à noite aconteceu da gente entrar dentro do rejeito pra retirar eles de lá, você tinha que sair lá de dentro e lavar a roupa, ir lá pro clube, tirar a roupa, lavar. Então nós deixava a roupa molhada lá, passava a noite toda molhada.
P/2 – E qual foi a ocorrência mais difícil para o senhor?
R – Muitas. Você vê sujeito atirar, eu cheguei a ponto de ver. Você vem correndo e não sabe de onde é que tinha saído, eu passei por...
P/2 – O senhor falou da psicóloga. Como que era essa ida à psicóloga? Por que existia ela?
R – Era uma entrevista que faziam com ela antes de entrar. Inclusive quando fez a entrevista comigo eu concorri com um ex-policial. Aí o policial quando me viu falou: “Vixi, não vai ter pra mim, não”. Aí eu falei: “Mas você não confia?”, eu vi que ele estava falando comigo, que tinha mais gente lá na sala: “Não confia no seu tempo de polícia, não?” Ele falou umas coisas que você fala assim: “Ah, não pode”. Foi indo, foi indo, o gerente geral tirou. Não aceitou ele lá.
P/2 – Por que será?
R – Não sei. Parece que ele usou a expressão assim com o gerente: “Ó, se o senhor autorizar vou quebrar uns dois aí que eles não entram mais”. Aí o gerente não aceitou. Como se diz, uma proposta, né, daí o gerente tirou ele, é o Tonhozinho.
P/1 – E como era a empresa quando o senhor começou?
R – Como assim?
P/1 – Que não tinha barragem ainda.
R – Não, tinha.
P/1 – Já tinha?
R – Tinha, quando iniciou. Eu falo antes de ter a barragem, o povo já, em toda a região aqui, sobrevivia de garimpo, o garimpo manual. Depois que passou pra draga, foi aperfeiçoando. Aí com o negócio do azougue, o mercúrio, eles fizeram análise do leite e o leite em Brasília, eles rejeitaram o leite. Aí o prefeito na época mandou cortar o garimpo. Aí que cortou o garimpo, por conta que estava contaminando, o mercúrio, a água joga ele pra terra, aí o capim absorve ele, o gado come o capim e saía no leite. Aí teve que cortar. Cortou o garimpo.
P/2 – E como o senhor viu a mudança dos procedimentos de segurança, lá de quando o senhor começou até quando o senhor chegou...
R – Aquilo ali não tem jeito, não para não. Ela aperfeiçoou, tem um problema, aperfeiçoa, torna a aperfeiçoar, mas, sempre, o problema é que tem infiltração de gente de fora, outros que já estavam, que conhecem outras indústrias do garimpo em outros lugares, outras empresas e vêm.
P/1 – E como é que eram os treinamentos?
R – Os treinamentos eram excelentes, eram muito bons. Eu fiz treinamento pela firma no Vale do Paraíso, em Belo Horizonte, em São Paulo e aqui constantemente. Um ano, dois anos, três anos tinha que fazer reciclagem, novos treinamentos. Treinamento de tiro, de defesa
P/1 – E teve alguma vez que o senhor teve que usar arma?
R – Ó, quando eu fui em Juiz de Fora, fazer um treinamento em Juiz de Fora, mas pelo banco, pela SEG. Nós passamos por 11 instrutores lá, aí em desmontar e montar arma e de defesa eu tirei total. Quando foi na hora, um professor lá, um japonês, não sei se japonês ou chinês, ele falou meu nome e falou 9.5. Eu falei: “Eu não concordo não, professor. Eu tirei total, por que você está me dando 9.5? Eu tenho que tirar é 10” “Você não manuseia a arma, você fez assim?” “Não, eu fiz desse jeito”. Eu sei que não posso fazer assim, eu fiz assim. Ele falou assim: “Vou tirar meio ponto seu pra ocê nunca apontar a arma pra ninguém”. Eu falei: “Então pra quê você dá arma pra nós trabalhar? Se vira”. Eu achava que arma era só pra manter a presença mesmo, nunca apontei a arma pra ninguém, não. Eu trabalhei o tempo todo no Banco do Brasil e lá armado.
P/1 – E o senhor falou que foi por conta da empresa que o senhor voltou a estudar, né?
R – É, exatamente.
P/1 – Conta como foi esse processo de voltar pra escola, voltar pra estudar.
R – Porque foi com o controle que a firma fez. Esqueci o nome e com a escola que fazia o seguinte, você estava de turno, se você estivesse à noite você estudava durante o dia, estudava na parte da manhã, por exemplo. Você saía do serviço e tinha que ir pra escola. E cochilando na escola. À noite, quando você estava durante o dia, estudava à noite. Então tinha três horários, de manhã, ou à tarde ou à noite. E não podia faltar, tinha que ter presença, porque se não tivesse presença não conseguia passar.
P/1 – E como foi pro senhor voltar a estudar?
R – Foi muito bom porque quanto mais você tem relação com os colegas, e às vezes a gente aprende mais com o colega do que com professor. É incrível, né? Vou te dizer: às vezes dentro da firma tinha gente, vamos supor, do laboratório, ou da usina, ou eletricista, ou mecânico, aí você fala assim: “Eu aqui da segurança não estou valendo nada, não”. Depois você vê que eles também não tinham estudo. Ahhh, aí eu bati palma! A gente estava tudo, todo mundo, no mesmo barco, entendeu? E até que saiu bem, os professores muito bons, se dedicavam muito.
P/1 – Como foi receber o diploma com essa turma, de terminar os estudos?
R – Foi excelente. Teve uma comemoração boa com os gerentes, que eram os representantes da firma. Tudo é muito válido, o estudo. Quanto mais conhecimento melhor, né?
P/1 – E o senhor trabalhava à noite, de dia, que horas era o seu horário?
R – É de turno. E era cinco turnos. Hoje eu não sei quantos turnos têm. Três turnos trabalhavam e dois de folga.
P/1 – Então ia variando.
R – Exatamente.
P/1 – Qual era o horário mais difícil de se trabalhar? De noite ou de dia?
R – Você sabe que eu já tinha o hábito que eu trabalhei já noturno, então eu não estranhei, não. Só estranhei assim, era por exemplo duas semanas à noite, ou 15 dias à noite e no outro serviço eu falava: “Ah, nossa, vai ser moleza trabalhar 15 dias”. Quando chegou o período de 15 dias estava todo mundo reclamando. Passou pra uma semana, depois passou acho que diminuiu mais pra três dias. E o sono cobra mesmo, é pesado.
P/1 – E conta das áreas da empresa pelas quais o senhor passou. O senhor falou que andou por todas. Como era? Tinha diferença de tomar conta de uma área do que outra?
R – Eu trabalhei na portaria, na usina, na hidro 1, porque não tinha hidro 2. Tinha a fundição, o escritório central, área de rejeito. Eu trabalhei até no paiol, você sabe que é onde guarda as munições, as dinamites que solta lá pra detonar as rochas. Uma vez, o supervisor mandou que eu fosse dar um giro no campo. Eu falei: “O que eu vou fazer?” “Se vira, você tem que conferir, sai todo campo aí”. Eu estava andando dentro do campo quando eu vi fogo. Aí eu olhei assim e falei: “Uai”. Eu sozinho, alguém pôs fogo lá no mato. E eu tenho mais ou menos uma noção, quebrei os ramos, fui e apaguei o fogo. Estou lá apagando o fogo, uma hora distraiu e o fogo começou até a queimar o uniforme. E o segurança do trabalho chegou com a equipe pra poder apagar o fogo: “Uai, ocê não é da segurança?” “Sou, o fogo está queimando aqui”. E nós não tinha comunicação, não tinha o rádio. Aí a moral da segurança estava lá embaixo. Aí o encarregado da segurança fez elogio: “Ó, a turma da segurança patrimonial tinha um lá apagando fogo” “É?” “É!”, então o nome nosso cresceu. Aí o gerente geral da segurança patrimonial falou assim: “Ó, mas você queimou o uniforme?”. Ele falou assim: “Moço, ele cresceu a moral nossa, agora nós não podemos dar um outro uniforme?”. Então os acontecimentos que dá e você ficava...
P/1 – E como era que era ir recebendo os prêmios da empresa? De cinco anos de casa, dez anos?
R – Eu achava engraçado que sempre quando eu estava no escritório central eu tinha que acompanhar quem ia sair. Ele falava: “Quinta”, eu tinha que correr cinco lugares lá dentro. Aí naquele espaço que eu ia acompanhando eles, que chegava na portaria, recolhia o crachá e liberava o funcionário. Aí eles falavam assim: “Fulano, por que foi mesmo que você está saindo?”. Ele falava: “Ah, assim e assim”. Umas coisas banais. Eu falava: “Eu não vou durar nessa firma, não vou aguentar essa pressão, não”. Aí eu conversando com outra pessoa aqui na rua, a pessoa falou: “Você tá lá firme?” “Eu tô. Só que eu acho que eu não vou ficar lá, não, lá é complicado demais”. Aí ele falou assim: “Não, você tem um bom princípio. Onde você trabalhou mexia com dinheiro. Mexer com ouro, você nunca teve problema nenhum”. Pois eu, como se diz, vou agarrando numas forças, pouca coisa dá força pra gente. Aí ele falou: “Não, você tem bom princípio, você foi bem criado, os pais seu soube te criar, pai e mãe. Você é família honesta”. Então, graças a Deus, fui superando.
P/1 – E o senhor se lembra de receber...
R – De quê?
P/1 – De receber esses prêmios ou esses agradecimentos...
R – Lembro, lembro. São placas, eu tenho até elas aí. Recebi. Mas muitas das vezes a gente fazia as coisas, mas o outro é que registrava, no turno tal. Então o encarregado que lançava o nome dele, entendeu? Eles cresciam o nome e os da gente ia ficando.
P/1 – E como foi quando completou 20 anos?
R – Vinte? Eu fiquei até 15, de 20 eu não fiz, não. Foi de cinco, de dez e de 15. Me parece que eu participei da de 20, mas assim, eu já tinha saído. Eu fiquei 17 anos, dois meses e duas semanas.
P/2 – O senhor falou que o seu superior falou dos seus valores, que você foi bem-criado, que você era uma pessoa confiável.
R – Sim. Não, isso foi uma pessoa aqui de Paracatu, que eu fui comentar com ele, ele foi e falou: “Não”. E ele explicou. Realmente, graças a Deus. Eu cheguei a ponto, eu era criança, eu achei uma carteira. Eu levantei cedo e minha mãe mandou eu comprar pão. Encontrei uma carteira. Do jeito que eu peguei a carteira lá suja de poeira eu cheguei: “Mamãe, achei!” “Uai, ocê tá doido? Ninguém perde uma carteira desse jeito, não”. E queria me castigar. Eu falei: “Não, eu achei”. Aí, não sei se eu estava com nove anos, por aí, eu fui pra escola e ela foi escarafunchar pra saber de quem era essa carteira, através de uma foto que estava na carteira ela encontrou pessoa. Aí quando eu cheguei da escola ela chamou o moço e falou assim: “Ó, é do senhor a carteira?” “É” “Faz favor de conferir se está certo”. Ele conferiu, ele falou: “Ó, dona Conceição, aqui tem o dinheiro do valor de uma casa e de um lote” “Está tudo certinho?” “Está tudo certinho?”. Ele tirou dez mil réis: “Isso aqui é pro menino”. Ela falou: “Não senhor, o senhor perdeu, é do senhor”. Com muito custo ela deixou eu receber um mil réis. Então você tem aquilo, você tem bom princípio, os acontecimentos da vida.
P/2 – E o senhor conviveu com gente que não tinha esses valores lá dentro da empresa?
R – Convivi. Que não respeitava.
P/2 – E como que lidava com isso, como que lidava com essas pessoas?
R – Infelizmente, é como se diz, é o trigo no meio dos ouros. Então tem que ir desviando, não tem jeito, né?
P/1 – E conta pra gente como foi pro senhor trabalhar nessa firma que trabalha com ouro, quer dizer, de ter visto a primeira barra, mas também de estar ali em constante contato com esse material que está aí no imaginário das pessoas, que todo mundo fala ou imagina.
R – Ó, como se diz, eu... você fala interesse naquilo, material?
P/1 – Também. Mas como foi pro senhor cuidar desse tipo de patrimônio, de uma empresa que trabalha com ouro, que está na cidade.
R – Eu não tenho certeza, mas o meu pai trabalhou no Morro do Ferro, é outra mineradora, em Belo Horizonte, Morro do Ferro? Não tem uma mineradora? Eu tinha essa carteira dele assinada e eu não sei o que foi feito dela. Então, assim, a gente sente engrandecido de trabalhar numa empresa dessa de grande porte, né? E a gente fazer parte desse grupo também, porque 17 anos lá foi muito tempo, né? Porque tinha gente que não ficava duas semanas, tinha gente que não ia lá buscar a carteira de trabalho, trabalhava uma semana e não aguentava, saía.
P/2 – Por quê?
R – Não sei. Não sei o que acontecia. Teve uns que nem buscar a carteira não queriam buscar. Acabou sem explicação.
P/1 – E quais eram seus desafios como segurança lá?
R – Você conviver que tem gente de toda natureza e você conviver, dar bem com essas pessoas. Você não ficava satisfeito, mas tinha que trabalhar junto porque a gente estava no mesmo grupo, né? Tem que ser unido.
P/2 – Na questão da segurança, você chegou a receber alguma ameaça alguma vez? Ou ouviu falar nesses assuntos? Como é que era?
R – Ameaça tinha. Por exemplo, aparecia lá mascarado, pra você ver que, a gente chegava a ver arma com eles.
P/1 – O senhor ficava com medo?
R – Nãoooo. Às vezes a gente teme, mas se não cumprisse a missão como que fazia? A valorização da gente lá caía.
P/1 – E qual era a missão de segurança?
R – Manter sempre atento lá na empresa. Não era só com invasores, até com funcionário. Teve uma vez, Jorge Nakano era o gerente. O supervisor falou pra ele que no dia que eu estava de trabalho entrou um invasor. Aí ele saiu da sala: “Ele está te chamando lá na sala”. Eu fui lá: “Não, chamamos você aqui porque na sua área entrou gente tal dia” “Como é que o senhor sabe disso?” “Não, Fulano falou” “O senhor está enganado. Eu também estou enganado porque o senhor confere no meu cartão de ponto, eu não trabalhei nesse dia, não trabalhei, não”. Aí ele falou: “Então chama ele de novo”. Mandei chamar o outro. Aí eles foram se entender lá. Aí eu fiquei atento. Quando na noite seguinte apareceu os invasores, três, de outro lugar. Eu fiquei observando, saiu um, saiu dois, eu falei: “Tá faltando um”. Se eu segurasse o primeiro, os outros chegavam em mim, porque como é que você fazia? Dois, três, contra um? Deixei dois “simbora” e o terceiro, o último, eu segurei. Falei: “Vou mostrar pra eles que não estou dormindo, não, tão achando que eu estou dormindo de botina aqui”. E eles fizeram um esquema pra pegar os dois. E os dois eram profissionais. Eles pegam eles dentro da cerâmica aqui, entrou dentro do forno da cerâmica. Então, você está trabalhando certo e um atrás trabalhando contra a gente.
P/2 – O que era preciso pra ser segurança na época? O senhor falou da entrevista, mas o que eles mais cobravam e qual era o perfil que precisava ter pra ser segurança.
P/1 – Precisava ter coragem, por exemplo?
R – Tem, tem que ter.
P/2 – A observação também...
R – Tem.
P/2 – O que precisava?
R – Ó, uma outra coisa que ocorreu. O turno da noite deu revista, diz que era cinco horas. De quanto foi seis horas, a última revista que deu na área uma porta aberta do escritório. Aí, quando nós chegamos já tinha a polícia lá e era a Rolf na época, que era da segurança patrimonial. O encarregado chamou e o Rolf, falou: “Você vai fiscalizar a área, você vai olhar de tal parte pro lado do clube. Você sabe onde é o clube? Lá embaixo”. Aí eu falei: “Dessa forma eu não vou trabalhar, não” “Mas por quê?” “Se o elemento entrou, como é que ele vai fugir pra dentro do clube, pra dentro da empresa? Ele vai sair é pra fora” “Ah, então tá, faz do jeito que você quiser”. Eu dei uma volta em volta do estabelecimento. E fui seguindo, achei a batida, saí fora da área. Quando encontrei, tinha roubado cinco computadores, com as memórias, tudo. Quando encontrei, encontrei dois e passei o rádio pro Rolf, o Rolf mandou que eu retornasse. Eu retornei. Depois do meio-dia mandou voltar de novo, aí acabamos de achar o resto, os outros três tampados de capim. Aí eles falaram: “É, agora ai ter que dar um churrasco pra nós, uma cerveja”. Eu falei: “Não, eu não estou cobrando isso, não. Eu estou prestando meu serviço”. Aí ele falou assim: “Mas se está todo mundo concordando você vai ter que concordar também”. Entendeu? Eu estou prestando serviço, encontrei. E a memória era de um pessoal de fora, não sei se da Inglaterra, que estava aí e eram coisas importantíssimas que estava gravado. Achamos o trem tudo perfeitinho. Aí eles tudo batendo palma pelo trabalho, mas fui eu que acertei com os negócios no mato escondido. E se fosse acompanhar o encarregado, não ia achar nunca. Quer dizer, mandando a gente pra uma área que não tinha nada a ver.
P/2 – E de onde que vem essa percepção? Como se colocar nessa situação, tipo: “Não, não vou seguir aquilo que estão colocando e vou seguir a minha intuição”?
R – Pois é, é um instinto que a gente parece que tem. Ele falou assim: “Vai pra esquerda”, por exemplo, eu vou pra direita. Porque a cerca, pra sair de dentro da área, estava mais próxima do lado direito e ele queria que eu entrasse pro lado esquerdo e que fosse pra dentro do mato. Ia dificultar muito mais. Tinha chovido à noite, eu achei um rastro e o rastro estava próximo, passando a cerca pra fora. E eu acompanhei o lugar e encontrei.
P/1 – E o senhor até mostrou umas fotos pra gente das festas da empresa. Conta pra gente como eram essas festas pros funcionários.
R – Olha, as festas eram muito boas. Muito boa, muito bem organizada. Já até teve uma vez que teve aqui no clube. Essa aí eu fiquei decepcionado porque eu estava como segurança e tinha uma pessoa dopada e eu não sabia. Ele queria me atingir, eu atingi ele primeiro e deu trabalho demais pra tirar ele, teve que chamar a polícia, a pessoa estava super drogada e eu não sabia. Mas as festas foram muito boas, muito bem organizadas. Vinha buffet de Patos de Minas pra poder, servia o que era de salgado tudo quentinho, na hora, era muito bem organizado, muita fartura. Como se diz, não deixava nada a desejar, sabe?
P/1 – E agora, saindo um pouco das coisas da empresa e entrando de volta pra sua vida pessoal, conta pra gente como que o senhor garimpou a sua pedra mais preciosa?
R – (risos) Pois é. O engraçado é que eu fui pra participar da escola de xilografia, que eram aquelas máquinas antigas. Aí, deu coincidência que ela estava também. E constantemente dava pico de energia. Daí nós está todo mundo lá e “plof”, pico de energia. Aí: “Vocês aguardem aí, não sai do lugar não por conta que isso acontece mesmo, mas a energia vai voltar”. Eu fui fazer um negócio e ela de lá ouviu e falou assim: “Não, não é assim não, meu bem!”. Eu falei: “Bem longe”. Mas aí que foi pior (risos), aí parece que agarrou mais. Aí participando de igreja católica eu também fui indo, fui indo, encaixando. E ela fazendo curso pela Emater [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural] lá na AABB Associação Atlética [Banco do Brasil]. Aí eu arrumei o salão, deixei o salão no jeito pra eles e fui cuidando lá pra dentro e lá tinha um pé de, agora não vou lembrar a fruta, que parece azeitona? Aí ela falou assim: “Ó, podia pegar uma fruta pra mim”. Aí com essa fruta também já foi encaixando, sabe? Aí peguei essas frutas pra ela e fui começando a conversar até que cheguei no ponto de casar.
P/1 – Fala o nome dela pra gente.
R – Ilza. Ilzaa Ponte Boa Resende.
P/1 – E vocês tiveram filhos?
R – Sim. Cinco filhos, duas mulheres e três homens.
P/1 – Conta um pouquinho deles pra gente, dos meninos, dos filhos.
R – A primeira tem duas formaturas, ela formou pra professora e Arte. Aí, o segundo não quis estudar, então ele está aqui, fica aqui comigo. O terceiro trabalha de segurança lá na firma. O quarto, que é Ricardo, trabalha na firma, lá na Hidro 2. E a caçula estudou pra Turismo, só que não achou saída, então tá fazendo Enfermagem.
P/1 – E como é que é ter alguns dos seus filhos trabalhando lá na firma também e terem seguido os passos do pai?
R – Pois é, eu ficava achando: “Gente, será que”, porque tem muita gente que trabalhou lá e que tem pavor de lá, reclama. E eu não venho só reclamar. Prova até falou assim: “Ah, mas lá é uma firma assim assado” “Eu tenho que agradecer porque ainda tem gente necessitando de lá”. Tem mais dois, quem sabe, até a filha mais velha aposentou também, ela tem problema nas vistas, aí acabou que teve que aposentar. É muito gratificante pra mim, sabia? Saber que ainda tem, não sei, eu zelo pelo meu nome mas não sei se através disso os filhos estão lá empregado.
P/2 – Como foi a saída do senhor? O senhor foi trabalhar em outro lugar, como foi, quando saiu da empresa?
R – Eu trabalhei um ano e dois meses na DG, que é uma firma que presta serviço lá na Kinross. Aí depois desistiu porque eu fazia leitura fluviométricas, da água de três nascentes, quatro nascentes, então fazia a leitura. Depois, eu tenho um pedaço de terra e estava mexendo lá, mas só que com o negócio que veio a minha esposa a falecer então, fiquei meio desanimado, está parado lá.
P/1 – E o senhor continua tomando conta das suas terras?
R – Tenho olhado porque é uma esperança que eu tenho da firma comprar mas, tem que aguardar, né? Porque eu tenho de quatro lados, à direita, esquerda e no fundo do terreno meu tudo já é da firma, está muito próximo lá, sabe? Da barragem nova.
P/1 – E vendo as fotos do senhor a gente viu que pelo jeito o senhor gosta de pescar.
R – Não, eu não gosto. Eu tirei até carteirinha mas sempre tem um amigo que me chama: “Vamos”, e acaba indo.
P/1 – Não gosta e ainda assim continua pescando. Consegue pegar uns peixões?
R – Por incrível que pareça. Você viu?
P/2 – Vi.
P/1 – O que o senhor gosta de fazer no seu tempo livre?
R – Ultimamente, eu estou participando das atividades, sabe? No mais eu sou caseiro demais, não sou muito de sair.
P/1 – Pra gente terminar, eu queria que o senhor falasse o que o senhor achou de contar um pouco da sua história pra gente hoje.
R – Olha, é importante porque a gente começa a recordar das coisas, mas assim, se a gente fosse mais bem... Eu não estava preparado pra realmente, que quando a gente sentasse encaixa mais as coisas direito. Mas eu fico muito satisfeito da presença suas aqui em casa, foi muito bom, gratificante.
P/1 – Antes de terminar eu queria que o senhor falasse de novo pra gente qual foi a satisfação de ver e acompanhar a primeira barra de ouro da Kinross e de ter sido lembrado por causa disso?
R – Eu ia achar engraçado porque eu já vi na bíblia que pra nós se salvar, nós tínhamos que passar pelo cadinho. Quando eu vi o cadinho eu falei: “Senhor, mas o quê que é isso?”. Porque eles enfiam a barra de ferro lá e ela faz “xiiii”, rapidinho ela derrete. Agora, mil e 200 graus pra fundir uma barra. É nesse momento que a gente tem que passar por um cadinho pra se salvar. Mas foi muito importante porque eu não tinha conhecimento de como que era o cadinho, a fundição como que era. Porque lá o segurança hoje não passa lá pra dentro, o supervisor, esse que era estrangeiro que estava lá, era um senhor já de idade e ele não dava conta de pegar as barras de ouro. Tinha barra de ouro de 12, de 15, de 20, 22 quilos, eu fiz muitas vezes pra ele, pegava a barra de ouro, levava, subia uma escada, punha lá na balança, ele pesava, voltava, pra ele lavar, depois que passava a lixa, passava o escovão pra levar pra pôr dentro do cofre. Nós tínhamos acesso ao cofre. Então, a gente era considerado super de confiança, e como sou. E esse Douglas mesmo, constantemente era restrito o número de funcionários de lá, depois que aumentou. Que hoje eu não sei se tem lá três ou quatro cadinhos, de primeiro era só um. Eles não tinham treinamento direito, o cadinho furava! Furava e o ouro descia lá pra, esqueci como chama, o aquecedor elétrico, de se estranhava. Porque depois que eles descobriram e passaram a trocar o cadinho de dois em dois dias parece. Parece que eles levavam uma semana o ouro já afetava lá embaixo, na resistência que tinha de eletricidade, afetava lá embaixo e tinha que tirar, que era mão de obra. Constantemente estava lá ajudando. Depois que veio esse negócio, a entrada, entrava no portão ao contrário, onde entra com material não era na porta controlada, trancada, é totalmente diferente.
P/1 – E como é que eram essas barras de ouro? Eu que nunca vi uma assim, descreve pra mim.
R – É retangular. Depois que passou a ser pirâmide, a forma passou a ser de pirâmide. A forma era retangular, agora é como se fosse uma panela redonda, põe, aí quando vira fica o cronezinho.
P/1 – Muito brilhante?
R – É, amarelinha.
P/1 – Beleza, acho que é isso então.
P/2 – Seu Antonio, eu entendi a história que o senhor contou, do processo do cadinho e tudo, mas eu queria saber se foi emocionante quando deu certo a primeira vez.
R – Ah, foi! Foi emocionante pelo motivo. No meio de tanto engenheiro lá, eu que dei a sugestão, entendeu? Que ele se salvou lá, conseguiu colocar o ouro dentro da forma.
P/1 – E ainda era o seu aniversário!
R – Pois é, olha, exatamente. Dia do meu aniversário e ainda chego com ouro, já pensou?
P/2 – E essa conversa lá da empresa, como é que foi? “Foi o seu Antonio que deu a dica e tal”.
R – Não, aí é que é o problema! Ficou como se fosse o Douglas que deu a sugestão, mas não foi, fui eu. Porque não relatou nada, não foi nada escrito, não foi registrado.
P/2 – Mas como é que ficou o pessoal sabendo que foi o senhor?
R – Não, aquilo vai indo, desaparece.
P/1 – Então, seu Antonio, a gente em nome do Museu da Pessoa e também da Kinross agradece a sua entrevista, muito obrigada.
R – Eu que agradeço você pela presença sua.
P/1 – Obrigada
P/2 – Obrigado.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher