A história é assim: eu fui gerado no Maranhão, um pai e uma mãe indo trabalhar no Rio de Janeiro, na casa das pessoas que os meus ancestrais foram escravos deles e meu vô foi no regime patronal deles, meio que meeiro, né? Você usa a terra e planta e paga pra poder fazer farinha na Casa Grande. Então, era um sistema meio assim. Você praticamente pagava pra poder estar vivendo dentro da terra.
Todos iam lá pra casa do meu vô pra escutar, na noite de lua, histórias. Todo mundo da comunidade reunia e aí contava-se as histórias no areial branco, maravilhoso, cheio de pé de caju. Meu vô sabia que aquela lagoa ali, aquele poço não é um poço, eles chamam de cacimba, alguns, mas é um olho d’água, umas pedras em volta e você vai lá pra tomar banho, pra lavar roupa e ele sempre diz que a Iara ficava lá. E sempre escuta os barulhos dela à noite,
Tinha seis anos. É igualzinho aquelas crianças ali. E eu, morando no interior, fui pra cidade de São Luís. Meu, já pensou um índio, um cara que viajou de navio pra chegar no Maranhão com um ano e se lembrava do cheiro do mar, do navio... Aquilo no seu inconsciente e depois ir para o interior, um lugar que não tinha luz, não tinha tecnologia. Animais, lagoas, intempérie, uma casa de palha, índios, histórias antigas e ir pra cidade de São Luís. Foi tipo um bicho dentro da cidade. Eu fugi da escola e peguei um bonde e caí do bonde e o carro puuuuuuuuuuuu. (risos) Essa foi uma das primeiras peripécias minhas e aquilo me pegaram, foram me levar na casa e apanhei do pessoal que não era minha mãe, era o pessoal que me criava, que criava a minha mãe. Porque eu queria liberdade e esse pessoal me reprimia. Não eram que nem meus avós, né?
Era o pessoal de outra família, não me compreendia e me reprimia. Então, a gente vivia nesse clima, nessa família, eu também fui abusado, mas o que eu levei dessa família foram várias coisas que eu aprendi. Conheci murano, baixela de prata, viajei...
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A história é assim: eu fui gerado no Maranhão, um pai e uma mãe indo trabalhar no Rio de Janeiro, na casa das pessoas que os meus ancestrais foram escravos deles e meu vô foi no regime patronal deles, meio que meeiro, né? Você usa a terra e planta e paga pra poder fazer farinha na Casa Grande. Então, era um sistema meio assim. Você praticamente pagava pra poder estar vivendo dentro da terra.
Todos iam lá pra casa do meu vô pra escutar, na noite de lua, histórias. Todo mundo da comunidade reunia e aí contava-se as histórias no areial branco, maravilhoso, cheio de pé de caju. Meu vô sabia que aquela lagoa ali, aquele poço não é um poço, eles chamam de cacimba, alguns, mas é um olho d’água, umas pedras em volta e você vai lá pra tomar banho, pra lavar roupa e ele sempre diz que a Iara ficava lá. E sempre escuta os barulhos dela à noite,
Tinha seis anos. É igualzinho aquelas crianças ali. E eu, morando no interior, fui pra cidade de São Luís. Meu, já pensou um índio, um cara que viajou de navio pra chegar no Maranhão com um ano e se lembrava do cheiro do mar, do navio... Aquilo no seu inconsciente e depois ir para o interior, um lugar que não tinha luz, não tinha tecnologia. Animais, lagoas, intempérie, uma casa de palha, índios, histórias antigas e ir pra cidade de São Luís. Foi tipo um bicho dentro da cidade. Eu fugi da escola e peguei um bonde e caí do bonde e o carro puuuuuuuuuuuu. (risos) Essa foi uma das primeiras peripécias minhas e aquilo me pegaram, foram me levar na casa e apanhei do pessoal que não era minha mãe, era o pessoal que me criava, que criava a minha mãe. Porque eu queria liberdade e esse pessoal me reprimia. Não eram que nem meus avós, né?
Era o pessoal de outra família, não me compreendia e me reprimia. Então, a gente vivia nesse clima, nessa família, eu também fui abusado, mas o que eu levei dessa família foram várias coisas que eu aprendi. Conheci murano, baixela de prata, viajei com eles, viajei de avião, a Pan Air do Brasil. Essa é a segunda fase minha, né? Então apesar de todo mal que eles me fizeram, eu só procuro ver o bem, né? É difícil isso, mas tem que ser contado, falado, mesmo..
E minha mãe falou assim: “Olha, você, pra parar de ter medo, vai ter que beijar o pé do corcunda”. “Caraca, mãe, mas como beijar o pé do corcunda, do seu Antenor Corcunda?” Aí, seu Antenor Corcunda lá e, quando eu voltei de novo, porque eu voltei com 17 anos, antes de eu ficar de vez no Rio de Janeiro, porque eu estava aprontando muito no Rio. Eles não quiseram mais eu lá no Rio. Aí me botaram para o Maranhão, o seu Antenor Corcunda morreu. E eu estava lá no dia. E ele não tinha parente. Eu tive que mudar a roupa pra ser enterrado. E aí eu aproveitei e beijei o pé do corcunda. E todo o medo que eu tinha de ser rechaçado, humilhado, sumiu, foi embora depois daquele beijo.
Eles não quiseram que eu treinasse, porque eles já tinham medo de alguma coisa, o que a capoeira fazia, eles não deixaram e eu ficava revoltado com isso. Acabou que eu fugi de casa, fui para o Maranhão e lá eu já era livre, já tinha a minha vida, podia pagar, não tinha nenhum empecilho. Aí fui treinar com o mestre Moraes no Gurilândia e era uma época que a gente tinha que ter carteira pra poder praticar capoeira, porque se a gente fosse pego batendo nos outros era motivo de ir preso. Então tinha uma coisa meio que institucionalizada e a gente tinha a carteira, tinha cordel, né, porque aquilo tudo foi um jogo que o mestre fez, para poder colocar a capoeira Angola em evidência.
Estava fazendo vestibular nessa época e não acompanhava muito a capoeira. Ia só de vez em quando. Mas eu estava sempre nas horas mais emblemáticas. No caso da missa do Pastinha que eu participei dessa homenagem que nós fizemos para o mestre Pastinha
Eu dava porrada nos outros, fazia pequenos roubos, (risos) tráfico e aquilo, depois de um tempo, eu fiquei vendo que aquilo era tudo porque eu tinha sido abusado. Você tomar conta de uma criança, você com 15 anos, a criança toda bem vestida e você rasgada, onde você era obrigado a tomar conta dele. E aquilo era humilhação. Você não poder tomar banho na piscina, né? Aquilo tudo. Aí foi fazendo a terapia própria e a capoeira foi me amparando, com meus amigos, né? Fui aprendendo a ser negro, né?
E entrou pelo bico do pato, né, saiu pelo cu do pinto, quem quiser que conte cinco.
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