IDENTIFICAÇÃO Sou América Suárez de Oliveira e nasci em São Paulo, em 1946. FAMÍLIA Meu pai José Suárez Blanco é espanhol e minha mãe América Abreu de Suárez, descendente de alemães. O meu bisavô materno veio contratado por Dom Pedro para construir as estradas de ferro de São Paulo. Isso é o que eu sei. Pelo lado do meu pai, meu avó veio numa leva de espanhóis que vinham pra ter padaria. Uma vez fizeram uma padaria na Rua Campos Salles e a tiveram por muitos anos. Depois meu pai teve um armazém de secos e molhados na Rua Conceição esquina com a Lusitana; chamava Casa Ceres. Eu tenho um irmão que é livre docente da USP [Universidade de São Paulo], em Lingüística; e a minha irmã trabalhou por muitos anos no Maison de La France, em São Paulo. Trabalhou com turismo para a França. INFÂNCIA Eventualmente, meu pai nos escalava para ajudar no armazém. Eu tinha medo de atender ao telefone. Detestava atender telefone, procurava me esconder, mas gostava de fazer os pedidos. Antigamente era tudo pedido. Gostava de passear na vizinhança: ia na frente, que tinha o Colaferri Macarrão, ia conversar com o italiano; ia do lado, na Mercantil de Vidros Planos onde havia alguns espelhos que engordavam e outros que emagreciam. Gostava de ficar passeando por lá, nos vizinhos, quando era criança. Nós também brincávamos, claro. Brincávamos de acusada, que é o esconde-esconde; brincava de bola, de boneca, ficava até as nove, dez horas da noite, no verão. Podíamos ficar na rua até dez horas. Os meninos brincavam de futebol e eu tinha bastantes amigos porque na rua onde eu morava tinha bastante criança. CIDADES / CAMPINAS / SP Morava no Cambuí. Era muito gostoso, a rua que eu morava era Presciliana Soares, uma rua que tinha de tudo: classe média alta, tinha pessoas mais simples, e todos nós íamos para escola pública. Era mais igual, eu gostava. Brincava bastante na rua. COTIDIANO Desde pequenos nos habituamos a...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Sou América Suárez de Oliveira e nasci em São Paulo, em 1946. FAMÍLIA Meu pai José Suárez Blanco é espanhol e minha mãe América Abreu de Suárez, descendente de alemães. O meu bisavô materno veio contratado por Dom Pedro para construir as estradas de ferro de São Paulo. Isso é o que eu sei. Pelo lado do meu pai, meu avó veio numa leva de espanhóis que vinham pra ter padaria. Uma vez fizeram uma padaria na Rua Campos Salles e a tiveram por muitos anos. Depois meu pai teve um armazém de secos e molhados na Rua Conceição esquina com a Lusitana; chamava Casa Ceres. Eu tenho um irmão que é livre docente da USP [Universidade de São Paulo], em Lingüística; e a minha irmã trabalhou por muitos anos no Maison de La France, em São Paulo. Trabalhou com turismo para a França. INFÂNCIA Eventualmente, meu pai nos escalava para ajudar no armazém. Eu tinha medo de atender ao telefone. Detestava atender telefone, procurava me esconder, mas gostava de fazer os pedidos. Antigamente era tudo pedido. Gostava de passear na vizinhança: ia na frente, que tinha o Colaferri Macarrão, ia conversar com o italiano; ia do lado, na Mercantil de Vidros Planos onde havia alguns espelhos que engordavam e outros que emagreciam. Gostava de ficar passeando por lá, nos vizinhos, quando era criança. Nós também brincávamos, claro. Brincávamos de acusada, que é o esconde-esconde; brincava de bola, de boneca, ficava até as nove, dez horas da noite, no verão. Podíamos ficar na rua até dez horas. Os meninos brincavam de futebol e eu tinha bastantes amigos porque na rua onde eu morava tinha bastante criança. CIDADES / CAMPINAS / SP Morava no Cambuí. Era muito gostoso, a rua que eu morava era Presciliana Soares, uma rua que tinha de tudo: classe média alta, tinha pessoas mais simples, e todos nós íamos para escola pública. Era mais igual, eu gostava. Brincava bastante na rua. COTIDIANO Desde pequenos nos habituamos a comer coisas que vinham da Europa porque meu pai era espanhol. Então, sempre tinha nozes e frutas secas no Natal e sempre tinha bacalhau em casa. FORMAÇÃO Estudei na escola pública, no João Lourenço Rodrigues, no Cambuí. Depois eu fui para o Cesário Motta, que é uma escola particular; fiz o ginásio e o colegial, e não fiz universidade. Eu casei. A expectativa era ser uma dona-de-casa, na época, anos dourados. Casar. COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu não me lembro de ter caderneta. Talvez alguns fregueses pagassem por mês, mas não era caderneta. Antigamente, havia a Casa Maia no centro, a Mercearia Dalva, a Casa Ceres, que era do meu pai e umas outras quatro casas que vendiam praticamente pra toda Campinas. A elite de Campinas comprava no armazém do meu pai, mas na época não tinha o que se tem hoje; não tinha tanto supérfluo como hoje, as coisas eram mais básicas. JUVENTUDE Ia muito aos bailinhos das comissões de formatura das escolas. Sempre tinha bailinho, todo sábado, terminava geralmente à uma hora da manhã. Começava às nove e ia até a uma da manhã. Também freqüentava os cinemas: Cinema Ouro Verde, Cinema Voga, era o lugar da paquera. Eu me lembro de um filme que até hoje é o filme que eu mais gosto; uma comédia engraçadíssima que eu fui assistir aos 14 anos. Coloquei o sapato de salto da minha mãe, que era 37 e eu já usava 38. Quase morri Tomei o bonde 6, fui ao Cine Ouro Verde assistir “Quanto Mais Quente Melhor”. Para mim, até hoje, é a melhor comédia que eu já assisti. Muita engraçada. Hoje passa na Sessão da Tarde [sessão de filmes de uma emissora de TV]. Eu casei muito jovem, com 16 anos. Minha primeira filha nasceu quando eu tinha 16 anos e nos sete anos seguintes eu tive cinco filhos. Era quase um por ano. Meu marido trabalhava com ações, obrigações, era comércio, mas era comércio de papel. TRANSPORTE Meu pai tinha um furgãozinho e íamos muito para Santos nas férias. Santos, São Paulo, na casa de parentes, Rio de Janeiro, parávamos na estrada pra tomar água, uma coisa bem simples... TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu tinha empregada que fazia todo o serviço, mas eu cozinhava. Sempre gostei de cozinhar. E cinco filhos de boca grande, nenhum queria um pedacinho só, queriam bastante. Não havia livro de receita naquela época. O único livro que havia era o “Dona Benta”. Não tinha facilidade de achar receita e trocávamos muitas entre as amigas. Eu fui fazendo, fui aprendendo. Numa época que eu estava casada, meu marido estava doente, minha filha estava na Unicamp [Universidade de Campinas], e daí ela chegou e falou: “Mãe, uma amiga minha, que o pai deu um carro zero e um apartamento, estava vendendo doce na porta do restaurante.” Falei: “Bom, interessante. Vou fazer brigadeiro que você vai vender, que é pequeno, não faz volume, e você vende.” Ela fez a graduação, pós-graduação, vendendo brigadeiro. Daí os irmãos também já pegaram, foram vender brigadeiro. Meu marido estava doente e eu pensei: “Vou vender nos restaurantes do Cambuí.” Fui no Papillon, que era na Barreto Leme; fui no Churrasqueto, que era onde é um restaurante italiano hoje, do lado do posto de gasolina, na Coronel Silva Telles e vendi muita torta lá. Quando o inquilino saiu dessa esquina, que era do meu pai, do armazém, achamos por bem montar uma doceria lá. Então nós montamos. Há 13, 14 anos atrás. Estou com 61, acho que tinha uns 50, um pouco menos, 48, por ai, 47, 48 anos. DOCERIA DANE-SE A DIETA Meu filho é arquiteto e trabalhava na TV Cultura. Inclusive ordenou a cenografia do Castelo Ra-tim-bum. Ele fez um projeto muito interessante pra nós; ainda melhor porque era de graça (risos). A loja ficou muito bonita e a minha filha teve a idéia de um nome bem interessante: Dane-se a dieta No logo, um balãozinho de pensamento. Sempre trabalhamos com matéria-prima de primeira qualidade e fomos tendo sucesso na nossa empreitada. Para montar a loja, nós vendemos um telefone, depois um segundo telefone, e um terceiro telefone; também vendemos uma moto. Daí era abrir ou abrir, não tinha outra chance, porque não tinha mais nada, nem um real. Na realidade, meu filho falou: “Você vai gastar uns 15 mil.” Nós gastamos 25 mil para montar a loja. Eu falei: “Por que você não falou, Alex?” “Porque se eu falasse você não ia fazer, e você tinha que fazer.” Começamos com um capital de giro pelo cartão do Carrefour. Nós íamos no Carrefour, comprávamos, vendíamos e à tarde saia da loja, ia no Carrefour, pagava e comprava de novo. Foi assim, muita luta, muito sacrifício, muito trabalho, muito trabalho. CLIENTES Praticamente a clientela foi toda nova. Nós montamos no centro da cidade. Meu filho fazia Unicamp e junto com os amigos levaram muitos camafeus. Nós fizemos um cartãozinho que dizia: “Visite a nossa loja e ganhe um camafeu”. Foi bastante gente atrás do camafeu. Eu falava para as funcionárias: “Olha, você tem que recitar tudinho. Dizer o que é, o que não é e depois você dá o camafeu. Primeiro você fala o que nós estamos fazendo, o que é, a qualidade que tem, depois você dá o camafeu.” Porque tinha gente que queria chegar, pegar e sair correndo (risos). Fazíamos um discurso antes, depois dava o camafeu. E como era bom, as pessoas vieram. Muito bom, fizemos muitos amigos, muitos amigos. O meu público alvo eram os profissionais liberais, do Centro Empresarial Jaraguá, que tem ao lado, os bancários e o pessoal do DRT, do 15º Tribunal Regional do Trabalho de Campinas. Esse era meu público. É interessante uma coisa: eu gosto muito de ler e a Eva, da Livraria Pontes, gosta muito de bolo, então nós praticamos o escambo. Eu com bolos e ela com livros. Todos os meses ela comprava os bolos e todos os meses eu comprava livros. Essa coisa do escambo, muito antiga no comércio, a gente praticava por conta disso. Sempre que chegava um livro novo, ela já me levava – porque sabia do que eu gostava – e eu fazia um bolo pra ela. Então, eu fazia escambo com a Eva da Livraria Pontes. RECEITAS A matéria-prima é fundamental para você ter qualidade no serviço. Minha filha Kátia é criativa. Ela cria as receitas, passa para mim e nós vamos experimentando para ver como fica; fazemos uma vez, duas, até acharmos que está do jeito que queremos. Começou a dar certo. Ela é muito criativa. Ela olha uma coisa, pensa e fala: “Mãe, vamos fazer isso.” Fazemos, testamos, experimentamos e quando chega naquilo que queremos, no que ela pensou, dá certo. Mas o primeiro impulso sempre é dela. Como fazer, o que fazer, o porquê fazer. MARCA Fizemos o avental e a camiseta da loja. Meu filho é professor de Educação Física, e também dono da loja. Ele ia com a camiseta do Dane-se a dieta E começamos a vender a camiseta também. Quer correr na lagoa? Levava a camiseta, o nome ficou bem marcado em Campinas. Aventais também, que eram o uniforme da loja, as pessoas compravam. Pediam: “Tem camiseta?” Nós fazíamos pra uniforme e um pouco a mais para os clientes que quisessem comprar. Vendia na própria loja. Mandava fazer as camisetas e os aventais com qualidade; camiseta com 100% de algodão. O avental também. O pessoal gostava de comprar pra dar de presente. No Natal vendíamos bastante, avental principalmente. TRANSPORTE No começo eu ia trabalhar de carro. Mais para frente, eu comecei a deixar o carro em casa, atravessava a rua, tomava um ônibus, descia no centro da cidade. Comecei a ir de ônibus, achei mais prático, não pagava estacionamento, ficava mais barato. COMÉRCIO DE CAMPINAS Fazia anos que eu não ia ao centro da cidade. Mas depois, tendo a loja lá, eu descobri que o centro é muito interessante. Ele tem coisas que você não acredita. Para ter uma idéia, uma vez minha filha, há dois anos atrás, foi ao shopping no Dia das Mães e falou com o filho dela: “Uma jaquetinha de veludo molhado. Esse é meu objeto de consumo, o que eu queria, meu objeto de desejo.” Custava 400 reais. Daí o filho deu risada e ela disse: “Não, eu estou falando o que eu queria, não o que você vai me dar.” Depois ela foi fazer um curso no centro da cidade, refazer a aula de volante, e no intervalo, ela desceu, encontrou a jaqueta numa baciada por 20 reais; igualzinho, igualzinho. Ela comprou por 20 reais. Ela foi com o objeto de desejo para casa (risos). Lá no centro tem muito disso, tem coisas que você não acredita, que tem qualidade e preço. Quando eu era criança tinha a exposição Clipper, que era na Francisco Glicério onde hoje é o Bob’s. Era de roupas e todos os anos no começo do inverno ou no começo do verão, minha mãe nos levava lá pra comprar as roupas a prestações. Tinha a loja Anauati, que vendia roupa, roupas das classes sociais mais favorecidas, Anauati Modas e a Anauati Juniors que vendia roupas infantis, que era na Treze de Maio. Tinha a Ótica Conceição, que ficava na Conceição, agora está na Barão; continua existindo, ainda é dos mesmos donos, dos filhos, na Rua Barão de Jaguará. Havia uma frutaria que também era na Barão de Jaguará, uma frutaria muito chique na época, não lembro o nome. A doceria Términos. As livrarias, a livraria Pontes, a livraria João Amêndola, porque na minha casa líamos muito e visitávamos sempre as livrarias. Kopenhagen... Tinha uma loja de importados, lojas de fechaduras. Na Conceição, o restaurante Cacareco, que é bem antigo. Deixei muitos amigos lá. MÍDIA A TV Globo veio até nós para fazer uma matéria sobre marcas fortes, que eles gostaram muito da marca. Nós fizemos a matéria, saiu no “Pequenas Empresas, Grandes negócios”, depois de dois anos foi a vez da TV Cultura, “Negócios e Soluções”, também com marcas fortes. Chamou muita atenção. Mas, o que chamou mais atenção é que meus doces eram diferentes, eles não são iguais a todas as doceiras que tem em Campinas. Você acha as coisas diferentes na minha loja. A minha filha é muito criativa, ela faz coisas diferentes. Por exemplo, a torta fondue de morango é uma torta que eu vendia muito, todos os dias. Todo mundo falava que era um vicio. Tinha gente que ia todo dia só pra comer essa torta. Tinha a qualidade do que eu fazia, que era muito boa, bem diferente, então eu tive bastante sucesso. Trouxe uma exposição maior na mídia. As pessoas chamavam para fazer matéria, para dar receita, a Rac [Rede Anhangüera de Comunicações] estava sempre ligando, pedindo receita. Todas as vezes que tinha Natal, Páscoa, eles iam atrás de alguma receita, de alguma coisa, e eu fiquei muito contente com a “Vejinha” [suplemento da revista Veja], que nos indicou duas vezes como os melhores doceiros de Campinas. O que me agrada é o reconhecimento do público daquilo que eu faço. FUNCIONÁRIOS Meus filhos desde o começo foram meus sócios. Trabalhamos juntos os três. Tínhamos outros funcionários: uma menina, a balconista e, na cozinha, tínhamos duas pessoas pra ajudar. Ensinamos o serviço e, de preferência, entrava sem saber absolutamente nada pra nós treinarmos do jeito que queríamos, para fazer do nosso jeito. Há o carinho que eu tive por uma funcionaria deficiente. Na realidade, ela era muito eficiente, inteligentíssima. Meu filho trabalhou sempre no CEAD [Centro de Integração e Apoio ao Deficiente] da PUC e ele falava: “Vamos colocar alguém deficiente para trabalhar.” Eu falei: “Davi, pelo amor de Deus, funcionário já é tão complicado, você quer uma deficiente?” “Não, experimenta.” Experimentamos e ela ficou muitos anos conosco. É uma pessoa por quem tenho um carinho muito grande. Era muito eficiente, muito trabalhadeira, foi uma parte muito gostosa também. PRODUTOS De manhã eu chegava na loja, via o que íamos fazer, fazia o cronograma do que eu queria que fizesse para colocar à venda, pra vitrine, pra vender inteiro. Não tinha dia parado, porque se você tem menos encomenda, você trabalha com estoque, tem muitas sobremesas que eram feitas e congeladas. Tirávamos todos os dias as sobremesas congeladas. Punha, vende, põe outra, vende, põe outra. Sobremesas com frutas frescas que não são congeladas, montava até metade de um bolo, para ficar sempre fresco. Não tinha como você chegar lá e ter uma coisa velha. Sempre coisa fresquinha. Trabalhamos com pedaços, por quilo e inteiro. Aquela primeira impressão é visual, tem que chamar você, ser uma coisa bem feita, bonita. Não pode ser só bonita, tem que ter qualidade. Por exemplo, se o bolo for seco, você não come. Você vai comer um bolo, vai tomar com guaraná, é complicado. Nas padarias, por exemplo, você vai comprar um bolo, o bolo é seco, por quê? Porque o bolo fica na padaria a semana inteira, eles fazem uma leva para a semana inteira, se eles molharem vai dar fungo. Como na minha loja fazíamos os bolos diariamente, não tinha como ter fungo, o bolo era bem úmido. Outro dia uma cliente chegou para mim e falou assim: “Olha, eu gosto do seu pavê de nozes porque ele não é muito forte. Ele é mais suave, mais gostoso.” Eu falei: “Você está enganada, você está confundindo, você não gosta de pavê de nozes, de doce de nozes com noz rançosa, que a noz tem que ser devidamente armazenada, no freezer, se você demora menos tempo para usar, você pode deixar fora da geladeira. Mas se não, se você demorar mais de um mês, já é freezer com certeza. Esse que você fala que é forte, é com noz rançosa. Na realidade, aqui você come nozes frescas.” Tem essas coisinhas assim. Papo de anjo; papo de anjo não tem em lugar nenhum de Campinas. Eu fazia papo de anjo que é uma torta, é uma sobremesa portuguesa, das pessoas antigas. Eles iam lá buscar o papo de anjo. Bolos, quando eu era criança, tinha o bolo... Os aniversários tinham bolo recheado com coco fresco, leite condensado, nozes com leite condensado ou coco fresco com leite condensado e ameixa com leite condensado. Esse é um bolo que eu sempre tive na loja, que era um bolo de antigamente. Em todas as festas de aniversário, antigamente, não tinha esse monte de bolo, eram dois tipos só e acabou. Era coco e nozes ou ameixa. Então eu resgatei isso, o pessoal ia lá, pessoas de mais idade, sempre comiam esse bolo, de ameixa e de coco; e nozes e coco. No Natal nós desenvolvíamos umas sobremesas especificas. A aceitação era muito boa. PREFERÊNCIAS DOS CLIENTES Tinha público de todas as idades. Todas. Homens gostam de doces também, pessoas de mais idade, jovens. Os jovens iam na torta fondue, que é morango com chocolate. Que é famosa, essa é uma torta que minha filha criou. Criança também, torta fondue de morango, que tem o chocolate, o leite condensado e o morango, a minha filha falou: “Pus tudo que eu gostava.” (risos) Os homens são interessantes, porque só iam atrás de uma terrine de chocolate; alguns iam atrás de torta de limão e eu usava uma técnica, dava um pedacinho: “Você vai experimentar hoje esse pedacinho.” Colocava de graça no prato. Eles ficavam muito chateados: “Porque agora eu gostei desse também, como é que eu vou fazer?” Para obrigá-los a experimentar outros (risos), porque vai focado só naquele, só naquele. Agora não, vamos diversificar um pouco. Eu dava um pedacinho e eles falavam: “E agora, o que eu faço?” Aí eles se obrigavam a experimentar outros. As mulheres também experimentavam vários, vários. Tem aqueles que vão focados só naquele, mas você faz isso, dá um pedacinho, experimenta e quer o outro também. É uma técnica que funciona bastante. CURIOSIDADES Uma vez, ligou uma moça, falou que o filho dela tinha comido uma torta holandesa na minha casa, que estava passando mal. Ela estava junto com o médico e o médico queria saber o que ia na torta holandesa porque - era uma torta que eu nem gosto, parei de fazer, acho muito engordurada – queria saber o que ia nessa torta holandesa pra poder medicar o filho, e eu falei: “Vai basicamente manteiga, ovos, açúcar, biscoito.” Bom, daqui a pouco me liga de novo, querendo saber exatamente quanto ia. Eu falei: “Olha, você vem na minha loja, que eu vou passar direitinho o que vai pra você levar pro médico. E pra levar no Adolfo Lutz pra fazer o exame que é necessário.” Minha filha falou: “Mãe, mas como você está tão tranqüila?” E eu falei: “Kátia, eu tenho certeza do que eu faço, não tem contaminação nenhuma, tem alguma coisa errada.” “Mas como que pode, está ligando um médico.” Nós ligamos, tem a bina [aparelho de identificação de números de telefone], ligamos lá, falava uma criançada, estava falando da casa dela. No dia seguinte ela chega na loja, quer saber exatamente quantos gramas de manteiga, quantos gramas... Ela queria a receita (risos). Eu falei: “Você, por favor, manda o médico me ligar, que eu vou passar direitinho para ele.” Não entrei em termos nada, porque não ia resolver nada. Mas foi bem engraçado. Minha filha ficou apavorada, minha filha falou: “Mas que é isso?” Eu falei: “Alguma coisa estava errada. Eu vendi a torta e só fez mal para o filho dela?” Era a receita. Foi bem engraçado EMBALAGENS E FORMAS DE PAGAMENTO Nós compramos uma embalagem com o nome da loja padronizado. Quando vende inteiro vai numa caixa, fechadinha com o nome e logo da loja. As formas de pagamento são dinheiro, cartão de débito, ou Ticket Refeição, TR. Esse tipo de coisa é fundamental no comércio, pra funcionar. PROMOÇÕES Nós temos um preço diferenciado pra quem leva bolo inteiro, torta inteira; era um pouco mais barata. Isso era o que nós fazíamos de diferenciação. De repente, chegava uma pessoa e falava: “Ah, eu queria comer um bolo que minha avó fazia, que não sei o quê, que é assim, assim...” Nós desenvolvíamos pra essa pessoa, pra agradar. Tinha uma atenção especial. “Eu queria comer um bolo que era da minha infância...” “Como era?” “Ah, minha avó fazia assim”. Nós fazíamos e a pessoa ficava super contente. SUCESSO Trabalho, trabalho, trabalho (risos). Não tem outro segredo, muito trabalho. Vale a pena. Muita dedicação, muito em se empenhar naquilo que você faz. LIÇÕES DO COMÉRCIO Eu gosto muito de cozinhar, sempre me deu uma satisfação muito grande receber elogios: “Nossa, eu nunca comi uma torta tão boa.” Então isso fez muito bem para o meu ego. Nunca fui modesta. O que nós formos fazer, tudo o que for fazer, que faça bem feito. Com certeza, se fizer bem feito, se tiver empenho, vai dar certo. E, outra coisa, meninos de rua, eu tinha medo. Chegavam na loja, os meninos... Chegou um, deitou no balcão, eu levei um susto: “Dá não sei o que.” Dei e ele saiu correndo. Veio outro dia e meu filho estava lá, falou: “Limpa lá em cima para mim.” Ele subiu e limpou. E meu filho: “Mãe, pode cuidar dele que é um menino bom.” Eu sei que esse menino, vendia bala na rua, no farol. Ele estava crescendo, usando drogas. Eu falei: “Escuta Luciano, você não vai conseguir mais vender bala no farol. Você tem que ter alguma profissão. Ninguém vai mais comprar bala pelo fato de que você já está grande.” Ele foi sempre à minha loja. Uma vez ele foi, ficou no padre Aroldo, voltou, falou que tinha feito um tratamento com o padre Aroldo, que estava bem. Ele era negro, pobre e homossexual. Qual a chance dele? Nenhuma. Eu fiquei pensando o que eu podia oferecer pra aquele menino. Falei: “Bom, ele é vaidoso, ele veio com a unha pintada, vou oferecer um curso de cabeleireiro”. Ofereci um curso de cabeleireiro para ele, falei: “Você quer fazer um curso?” “Eu?” “É, para você ter uma profissão.” “Quero” “Então você vai atrás.” Ele foi atrás de vários. Foi na Ondina, era 70, 80 reais o curso, ele conseguiu por 50, e eu paguei o curso para ele na Ondina. Teve a formatura, saiu de lá, comprei tesoura, comprei tudo, e ele está super bem, está morando em Santos, na Praia Grande, cabeleireiro. Ele sempre vem na loja, ele diz que sou madrinha dele. Última vez, ele veio de aparelho nos dentes. Eu fiquei muito feliz de ter contribuído com alguma coisa, e, na realidade, eu queria que o Dane-se a dieta fosse também o farol para os meninos do farol. Começou a vir muita criança, todo dia. Começou cinco, dez, acho que umas 20 por dia. Os bolos que sobravam do dia anterior, que iam ficar sempre um pedacinho pequeno, você não vende, o pessoal pensa que está velho, já separava para os meninos. Eles não vinham só atrás do bolo, vinham atrás da conversa: “Hoje que eu vendi, 40 reais, ganhei.” “Nossa, Ezequiel, bastante” “É, hoje o dia foi bom.” Eu percebi que eles não tinham pra quem falar, eles iam contar pra mim, porque eu era amiga deles. Foi muito interessante também esse contato que eu tive e perdi o medo desses meninos, que eles são realmente muito frágeis. O governo devia olhar por eles. Eu cheguei neles, os conheci. O outro lado. Eu perguntei pra um menino: “Onde você mora?” “Debaixo da ponte.” “Mas que horror, você mora debaixo da ponte?” “Mas eu fechei tudo com madeirite, lá eu não passo frio.” Tenho outra visão desse país tão rico, com uma injustiça social tão grande. CIDADES / CAMPINAS / SP Eu lamento profundamente que o centro esteja abandonado. Eu acho que o centro poderia estar bem desenvolvido; aquele centro que tem muita coisa interessante. Não ficasse só em shoppings. Acho shoppings interessantes, mas só shopping, acho que é muito pouco. Campinas tem uma história e merecia um centro mais bonito, mais limpo, mais cuidado, com mais segurança, que o centro de Campinas é muito interessante. Eu acho que o comércio de Campinas está crescendo cada vez mais. Tem muitos shoppings, muitos condomínios novos. A construção civil está bem animada. Cresceu muito, em função do comércio, da medicina, das escolas, universidades. Da Unicamp principalmente. Eu conheço Campinas, conheço Santos. Santos eu conheço mais a parte histórica, mas eu acredito que Campinas é realmente um ponto de referência para o Estado de São Paulo. DESAFIOS Os desafios de uma dona de casa que nunca teve nada, nunca, de repente, teve que pensar em administração, teve que pensar em estoque, em funcionário. Esse foi o desafio maior: conseguir administrar isso com a minha falta de preparo. Mas foi muito gostoso. Eu gostei muito de trabalhar com público. Para cada duas freguesas chatas, eu tinha 30, 40 excelentes. Tinha muita paciência com todos os fregueses. Sempre a educação fazia parte do treinamento da nossa equipe: ter muita paciência, ser simpático, explicar bem as coisas para não haver duvidas. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS Achei interessante, ter dado essa entrevista. Gostei e me senti bem.
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