P/1 – Primeiro, dona Amali, eu gostaria de agradecer à senhora por ter aceito o nosso convite, vindo aqui pro Museu da Pessoa, para conceder essa entrevista. E vou começar pedindo pra senhora falar o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Amali Farah, primeiro de dezembro de 1929, em Santos, São Paulo.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Amin Farah e Ludovina Silva Farah.
P/1 – E você sabe dizer a origem deles?
R – Árabe. O meu pai era árabe, minha mãe era filha de português. Papai era de Homs mesmo, era árabe.
P/1 – E a senhora sabe como ele migrou, como foi?
R – O irmão dele estava aqui em São Paulo e mandou chamar. Ficou aqui em São Paulo, os irmãos tinham negócio, todos estavam se arrumando bem aqui e ele também começou com negócio. Eu tinha 14 pra 15 anos e comecei a trabalhar, ajudar no comércio. Comércio pequeno. Depois foi melhorando, e meu irmão fez a sociedade comigo, a firma ficou Confecções Amali, era fábrica de camisas Amali. Começou na Rua do Carmo, número 181 ou 121, não me lembro bem, era perto da Rua Lisbonense e das Classes Laboriosas. Aquela parte ali está toda diferente agora, mas foi ali que começou. Depois nós passamos pra Rua Cantareira, número 12, aquela parte assim grande que tem ali. E lá a gente tinha cortador, às vezes passava a noite com as portas fechadas e ficava enfestando, porque é aquela mesa compriiiida pra enfestar o tecido pra cortar camisa. E depois eu separava os pacotes e tinha as costureiras. Naquele tempo as costureiras levavam pra casa pra fazer o serviço. O colarinho já ia feito pra ficar com aquela pontinha bem certinha, e depois elas levavam aquela quantidade, algumas tinham mais pessoas que ficavam costurando com elas, às vezes, vinham até com carro trazer bastante costura. E outras levavam pouquinho e dava. E quando chegava, eu pegava e conferia, tinha que acertar aqui, um ombro com o outro tinha que dar certinho. Se estivesse um pouco distante devolvia porque aqui ficava feio quando usava (risos). Tinha todos esses pormenores. E depois veio a máquina de pregar botão, também, aí começava a pregar botão lá, era mais rápido, botão de pressão, e era assim. Na frente era a loja. Era um lugar apertado pra gente ter uma fábrica, ali era difícil. E depois passamos pra outra rua, tinha outra na Rua Cavalheiro Basilio Jafet, número 129. Aí, o meu irmão alugou lá em cima pra poder guardar mercadoria e tinha as passadeiras. Elas iam passar, colocavam naquele cartão, depois passavam pra por nas caixas e a gente vendia ali na loja e tinha os vendedores que levavam as amostras e iam nas lojas pra vender e fazer os pedidos.
P/1 – A gente vai voltar um pouquinho agora e vai falar bem pormenorizadamente de algumas coisinhas. A senhora deu um apanhado geral e agora a gente já tá conhecendo como é um pouquinho. Mas eu queria voltar e perguntar de como era o convívio na sua casa, os seus pais na sua infância, como era sua casa em Santos.
R – Eu nasci em Santos, mas vim pra São Paulo. Agora, aqui em São Paulo a minha mãe trabalhava de ponto ajour, até eu torço muito pro Vai-Vai ganhar no carnaval (risos) porque quando eles fizeram a primeira apresentação do Vai-Vai a minha mãe foi quem fez aquele ponto ajour e elas usam tudo nas fantasias. Então, eu digo, minha mãe deu sorte porque eles estão sempre altos (risos), e o serviço dela era máquina de ponto ajour, cobrir botão e plissê, na Bela Vista, Rua Manuel Dutra, número 34. Eu estudava ali no colégio da frente, no Rui Barbosa, depois nós viemos pro Brás. No Brás eu era do Parque Dom Pedro II que era uma coisa muito boa lá pra criançada, tive uma infância muito boa, frequentava o Grupo Romão Puiggari, e a Igreja do Bom Jesus do Brás. Lá nós tivemos todas as coisas boas na infância, tinha muita brincadeira, muita coisa de criança, mesmo. Foi muito boa a minha infância.
P/1 – E quantos irmãos tinha a senhora?
R – Eram o meu irmão e a minha irmã. Minha irmã um ano mais nova que eu, e ele já é mais velho que eu, quatro anos mais velho.
P/1 – E como era a relação entre vocês pequenos na casa, vocês estudavam na mesma escola?
R – Nós nos davámos muito bem, graças a Deus. Era uma casa muito simples, muito pequena, mas a gente se entendia bem. Nunca fomos de ter brigas, assim, essas briguinhas que criança têm, mas coisa passageira. Meu pai até fez uma balança, o quintal era tão pequeno e mesmo assim ele fez uma balança (risos), abria a porta e dava pra balançar (risos). Cada coisa! Depois, na igreja, tinha o concurso dos presépios, naquele tempo era Monsenhor Jesuino Santilli, ele ficou muuitos anos na Igreja do Bom Jesus do Brás, ali na Avenida Rangel Pestana, sabe? Então, lá a gente ia todo domingo na missa e, quando tinha retiro de carnaval, nós iamos ficar (risos), imagina, criança, ficávamos no Grupo Escolar Romão Puiggari. O diretor era o seu Orlando Simonetti, as filhas dele também eram da Cruzada, nós eramos Cruzadas, aquelas que usam aquela fita amarela, agora nem se vê mais isso, mas tinha no meu tempo. Então, quando era no carnaval, o padre Jesuino conseguia com o seu Orlando pra gente usar todo o grupo Escolar Romão Puiggari que é grande, bonito, bemmm folgado, muitas salas. E ele arrumava, mandava vir os colchões, e a gente ficava tudo lá pra dormir e algumas das mães iam pra lá pra cozinhar, fazer a comida. Então, tinha uma sala muito bonita onde ficava Jesus exposto no Santíssimo Sacramento, onde o padre vinha, dava benção, rezávamos, a gente entrava e saía a hora que queria, ficava toda enfeitada mas era uma parte de oração. E depois a gente brincava, ahhh, era uma maravilha! (risos) E a gente passava o carnaval, a gente nem ia... Naquele tempo, o carnaval era ali na Rangel Pestana que passava aqueles carros, era aquela história de serpentina, e aquilo que joga, como é? Aquilo que tchi-tchi, o pessoal ficava com medo de...
P/2 – Lança-perfume?
R – Lança-perfume! Naquele tempo do lança-perfume. E nós iamos na véspera e voltávamos quando tava acabando a folia, ficávamos tudo lá, mas pra nós era ótimo porque a gente brincava, tinha história, tinha representação, tinha tudo pras crianças. Aproveitamos bastante. Depois, eu fiz a primeira comunhão ali naquela igreja, e aí era a Cruzada. Quando era essa Cruzada a gente ia fazer passeio juntas também, brincávamos ali. Ali, a gente jogava peteca na Rua Monsenhor Andrade (risos). Imagina, hoje é um movimento ali que não tem jeito, de tanto trânsito que tem. Mas a gente jogava peteca porque era uma rua tão calminha. Depois da missa, a gente ainda ia jogar peteca, jogar bola, brincar ali naquela rua. E assim, era uma vida boa, tudo de bom! (risos) E não tava uma situação boa, mas o meu pai comprou o presépio, aquele menino Jesus, Nossa Senhora, todas aquelas coisas que vão no presépio pra gente poder participar, porque as crianças faziam os presépios nas casas e depois tinha os maiores da Cruzada que iam visitar pra ver qual era o melhor (risos). Também era só pra saber quem é que tinha feito e ia aquela comissão, tudo. O meu pai comprou o presépio e ele ajudava. Ele pegava umas bolas, achatava, pintava, então, o nosso era sempre um dos melhores! (risos) Porque era todo enfeitado, parecia aquelas pedras, porque meu pai ajudava a fazer (risos), mas ficava bonito. Era tão bom naquele tempo, uh, que gostoso, ah.
P/1 – E além da peteca, do que a senhora gostava de brincar no dia a dia?
R – Ah, tinha aquele de jogar uma coisa e sair correndo atrás, pular corda... Essas brincadeiras assim, de criança mesmo. Muita amarelinha, pula aqui... Foi muito bom.
P/1 – E a senhora contou um pouquinho das atividades da sua mãe. E o seu pai, o que ele fazia?
R – Era comércio, ele já tinha negócio também. Tinha ali na Rua 25 de março, aquele casarão que tem tudo lojas assim, General Carneiro, depois vira ali, ali que era o negócio dele, lá em cima. Ele saía, pegava os pedidos e ele mesmo já comprava, entregava, e assim. E ali eu também ajudei a separar pedido porque as mercadorias ficavam nas prateleiras e ajudava. Isso foi antes da confecção, ajudava um pouco nisso.
P/1 – E além do seu pai, tinha algum outro comerciante na família?
R – Ah, meus tios todos eram comerciantes mais fortes mesmo (risos). A família do meu pai tinha aquela fábrica de colchas Vitória, uma fábrica enorrme. Nós visitamos a família quando eles inauguraram, tudo. E outra era casa de tecido de seda, ali embaixo também naquela descida lá que vai dar na Rua 25 de março também. Ponto bom de comércio mesmo é Ladeira General Carneiro, que vai dar no Dom Pedro, é um prédio muito grande, tinha uma porção de partes assim que abriam, ficava uma porção de portas, e era tudo a loja de um dos meus tios. Naquele tempo, ele até gravou um disco, que coisa, não? Pensa, poxa, hoje é tanta coisa por causa de disco e ele já tinha disco que deu pra toda família, ele tocando e cantando. Ele cantava, gostava de cantar. Mas dizem que o meu avô, lá na Síria, que já era negócio com o bicho da seda, não sei o quê, ele já vem entendendo de tecido lá de longe (risos). Mas eu não vi o meu avô, não conheci, nenhum deles.
P/1 – E a senhora se lembra de andar por entre esses lugares, entre o comércio do seu pai, dos seus tios, e de ver alguma vitrine que te chamou a atenção, algum lugar que você sempre parava pra dar uma olhada?
R – Ah, eu andava sempre correndo porque tinha que ir na escola, tinha que ajudar e voltar pra casa, então, era uma vida corrida. Eu andava aquele Parque Dom Pedro II pra chegar lá na 25, na Cantareira, tudo sempre correndo. Depois, nós fomos abrir o negócio lá onde agora eu moro lá naquela rua, foi por causa de ter o negócio ali, meu irmão resolveu comprar a casa ali pra mim, aí eu fiquei ali perto, uma quadra.
P/1 – E a senhora tem alguma lembrança do comércio na infância? O que a senhora lembra desse período de perceber como que era?
R – Eu ajudava nisso, de dar o serviço pras costureiras. Eu era menina, mas eu já tinha que ter responsabilidade, né? Porque eu que dividia, marcava o que elas levavam e traziam, não tinha muita folga, não. Um pouco antes, quando eu ia no Parque Dom Pedro II, lá tinha o maestro. Eu até ganhei um curso de piano, o maestro ficava tocando e a gente sentava tudo no chão e ficava cantando. Depois, um dia ele perguntou se eu queria estudar piano, eu disse: “Capaz, né?”. Não deu pra mim, não, mas ele me deu um curso lá na Silveira Martins, era uma escola boa de piano que tinha na Rua Silveira Martins, agora tá pra outro lado, já, ela foi longe. Mas ele me deu o curso e eu comecei, mas depois eu não tinha queda e desisti. Como no SESC também, tinha o curso de violino, também fui fazer o curso de violino lá, comecei, teve uma apresentação uma vez, foi muito bonito, tudo, depois eu não dava pra isso, não dava pra música.
P/2 – A senhora contou que o seu pai veio a convite dos seus tios que já estavam aqui, né?
R – É.
P/2 – Então, ele teve um apoio por parte dos parentes dele. Mas mesmo assim, você poderia contar como foi a adaptação dele aqui no Brasil? A questão de língua inclusive. E também, essa região em que a senhora morou e abriu as lojas, era muito marcada pela presença da comunidade sírio-libanesa. Como é que foi a relação com essa comunidade nessa época que o seu pai abriu o comércio, e na época que a senhora abriu o comércio. Como o seu pai se adaptou ao Brasil?
R – Quando ele veio ele era solteiro. Ele conta a história que ele veio, ficou lá em Santos. Depois de Santos é que eles vieram pra São Paulo porque os irmãos dele começaram a abrir negócio aqui em São Paulo. Mas lá em Santos eles também já eram negociantes. Não sei direito como é.
P/1 – E a senhora lembra na infância de ter reuniões...
R – Com a família, né? Com a família que saía, ia almoçar na casa de um, na casa de outro. Meu pai gostava de jogar baralho com a família, então, toda família convidava o Amin para ir jogar. Ele ia jogar, depois eles faziam a disputa para o jogo, era sempre um almoço na casa do que ganhava. Então, era um almoço no domingo e já jogava outra vez, (risos), ia no outro, jogava outra vez, mas a gente que era criança ficava brincando com a criançada, né? Tinha uma tia que tinha um casarão ali na Avenida Paulista, perto do Clube Homs, ela morava ali, da família... Como é o nome dela... O irmão dela tem até o nome ali na travessa da 25 de março, é o irmão dela o nome dele. Eles tinham uma casarão graaande na Paulista e a gente ia lá às vezes pra brincar com a criançada.
P/1 – E qual é a sua primeira lembrança da escola aqui em São Paulo?
R – Da escola, eu logo me adaptei. Gostei da escola, como do parque infantil, que naquele tempo não existia parque infantil, era aquele Dom Pedro II que era muuito bonito, hoje tá tudo diferente pra lá também. Mas foi muito bom, a gente tinha muita amizade, muita criançada pra brincar. Tinha uma piscina, é engraçado, a altura era só isso aqui (risos). Uma piscina lá no parque, era uma folia pra entrar naquela piscina ali, meu Deus do céu (risos), se aquilo era piscina. Hoje, nem as crianças não querem aquela coisa tão pequenininha, né? Mas a gente ficava batendo na água, era tão bom, tão gostoso. Assim, tudo coisa boa que eu tinha. Só tenho coisas boas, só posso agradecer a Deus. A hora que ele me levar, eu já fiz tudo o que eu queria, passeei bastante, agora na terceira idade, então, aproveito o máximo, estou em tudo o que tem. Fui no Sesc, o Sesc é maravilhoso, lugar que eu agradeço a Deus de ter conhecido, porque lá eu aprendi tanta coisa boa que depois eu formei um grupo de terceira idade na paróquia Santo Antonio do Pari, que agora eu frequento porque é perto de casa. Mas tudo coisas que eu aprendi no Sesc, porque o Sesc é maravilhoso. Era do tempo daquele, como era aquele moço, eu não sei onde ele foi... Antes desse diretor, o Jasma, era um outro, a gente chamava ele, era um nome pequenininho, não me lembro agora. Ele fez tanta coisa boa no Sesc, e depois ele sumiu, não sei onde ele anda (risos).
P/1 – E o que essa menina, a Amali, quando pequena, queria ser quando crescesse?
R – Eu não cheguei a pensar em alguma coisa assim, eu tava contente de estar ajudando meu pai, depois o meu irmão, eu to realizada, na minha parte eu to bem, graças a Deus.
P/1 – E a senhora se lembra de onde vocês saiam pra fazer as compras na sua juventude? Pra fazer o supermercado?
R – Não tinha isso (risos). Nós não tínhamos porque não podia também, não tinha fartura como hoje que a gente quer qualquer coisa, entra, compra, já tá prático. Naquele tempo, era tudo controlado, o que a gente tem foi com muito esforço, mas também meus pais sabiam controlar as coisas, não era de deixar gastar à vontade, mas eu acho que isso foi muito bom. Porque a gente aprendeu a equilibrar as coisas pra poder ter mais tarde, né? Agora, eu aproveito porque eu economizei naquele tempo, não esbanjei, segui as regras da nossa família, foi tudo bem.
P/1 – Eu queria que agora a senhora contasse pra gente um pouquinho mais detalhadamente dessas suas primeiras atividades acompanhando o seu pai, como era estar ao lado dele, vendo eles fazendo as atividades, e depois começar a ter as suas próprias atribuições.
R – Eu ficava ajudando ele ali na loja, ou às vezes lá em cima no prédio alto, era lá no primeiro andar. Ajudava, ficava separando os pedidos, não sei o que eu podia falar mais.
P/1 – Como era essa loja dele, esse espaço?
R – Não era muito grande, era uma sala assim, porque era bem de esquina. Ainda existe lá, perto daquela Meias São Jorge, é aquele prédio do lado, mesmo. Um casarão enooormeee, muito antigo. Tinha janela, mas você sabe que nem na janela eu não ia olhar ali? Devia ser tão bom ficar olhando. Agora eu gosto, se eu vou em Santos, por exemplo, eu fico olhando o mar. Eu gosto de ficar numa janela. Naquele tempo, nem na janela eu ia, porque era só resolver ajudar nas coisas que precisava e pronto, não tinha tempo, não.
P/1 – E como é que foram evoluindo as conversas com o seu irmão e a senhora também ficando mais madura, a ponto de se criar a confecção de vocês, a sociedade?
R – Já trabalhava, né, tinha a minha irmã que já trabalhava também, ficava mais na parte de escrita, coisa do escritório, eu era mais nas coisas manuais. E o meu irmão quando fez o negócio, logo lembrou de por a gente pra ser sócia, né? Ele que pensou. Acho que por mim, eu nunca ia ter ideia na vida, eu ia ficar trabalhando sempre em um ou outro, não tinha esse desembaraço, mas o meu irmão era muito inteligente e tinha muitos diplomas, era uma maravilha ele.
P/2 – Por que o nome era Amali e não o nome do seu irmão ou da sua irmã?
R – É engraçado, né? Ele que escolheu.
P/2 – Nenhum motivo especial?
R – Nem eu reparei, nem nada, foi na firma e já ficou Confecções Amali, as camisas Amali. Imagina, nem combinava Amali nas camisas de homem, essas camisas bonitas, tudo (risos). Eram tudo coisas boas, mas eu não escolhi, nem nada, eu só soube, assinei o papel e pronto, fiquei sócia (risos).
P/1 – E quais foram as dificuldades iniciais? Como eram as atividades? O que a senhora tinha que fazer pra ajudar o seu irmão a colocar em pé?
P/2 – Quantos funcionários tinham na confecção?
R – Eram mais essas costureiras de fora, né? Ali dentro tinham uns dois ou três balconistas, o cortador que ficava quase sempre ali. A vida era tão difícil que ele trabalhava em um lugar de dia e de noite vinha fazer pra nós, então, ficava lá trabalhando de noite, cortando, enfestando e mais um ou dois pra ajudar. Aquele de enfestar, levar pano pra lá, levar até a outra ponta, tem a madeirinha assim que segura e volta pro pano pra lá, aquelas peças, a gente chama enfestar aquilo. Vai tirando do rolo que vem pra ir pondo na mesa pra depois ele risca tudo e vai passando a máquina, é assim que é o negócio lá. Quer dizer que tem trabalho assim, e as costureiras fora, né? Depois teve as passadeiras, primeiro não tinha, depois começaram as passadeiras lá no outro prédio, a gente levava tudo em pacote pra outro prédio, pra lá as passadeiras, tinham umas quatro passadeiras, mais ou menos.
P/2 – E as dificuldades iniciais que vocês encontraram?
R – Deve ter tido muita dificuldade, mas ele resolvia tudo, nessas partes eu nem olhava, só sabia que eu era sócia e tinha uma migalhinha lá, um pinguinho (risos). Mas eu não podia dar palpite também, não tinha competência. Ele sim, ele sabia negociar.
P/1 –E quais eram as suas atribuições nesse começo? Medir a gola da camisa, que a senhora falou...
R – Não, era cortado. Esses moldes que o moço punha, ele fazia ali o desenho, cortava. Então tinha, era número 35, 36, 37, era a medida do pescoço, né? E por ali é que dava pra fazer cada tamanho era cortado e empacotava de um tamanho, empacotava de outro tamanho, era tudo conforme eles marcavam ali na hora de enfestar.
P/1 – E qual era o lugar na loja que a senhora gostava mais? Tinha algum cantinho?
R – Tinha um lugarzinho que eu ficava lá pra atender, pra poder entregar o material pra elas, eu ia e vinha, ia pegar lá dentro, tornava a voltar, ali na Rua Cantareira. Era a loja aberta e a casa assim do lado eu atendia as moças. E ali era o balcão pra vender.
P/1 – E a senhora mesma atendia as pessoas que chegavam?
R – Pra vender assim, não, eu não. Nesse tempo, não mexia nessa parte, era só na costura. Tinha os balconistas que atendiam. E em cima assim era o escritório onde meu irmão ficava.
P/1 – E o que a senhora sente vendo as confecções ainda existindo, as lojas estando aí até hoje com o mesmo nome?
R – Ah, eu fico contente porque quando o meu irmão faleceu eu estava preocupada porque não podia resolver sozinha, não ia sair nada mesmo. A minha cunhada ficou com os filhos e hoje são os filhos, porque ela já tá doente também, nem pode vir mais na loja porque ela é professora, mas ela começou a ajudar na loja também, e agora como ela quebrou o fêmur, teve uns problemas assim que não pode mais estar indo pra loja. Então, o filho, esse Adib Farah Junior, que pegou a direção. Tem as filhas, a Carolina, Camila e o outro filho dele também que também ajudavam ali e ficou tudo em família. E graças a Deus, olha, são 67 anos de firma, eu até fico contente e digo: “Ai que bom! Graças a Deus! Que eles continuem e façam a firma maior ainda”. Porque já teve muitas filiais, agora está só essa loja, mas nós tivemos filial na Maria Marcolina na outra esquina, com a Conselheiro Belizário, tivemos na Rua Itapura de Miranda, na Rua Cavalheiro Basilio Jafet, na Cantareira número 12 que era o prédio enorme lá que tinha o escritório e todo mundo trabalhou. E depois na Rua Oriente número 560, também tinha uma loja commmprida. O meu irmão foi acabando. Tinha também uma vila também na Maria Marcolina e a gente levava mercadoria, vinha toda da Hering e já descia ali, punha tudo naquela casa. Aí, eu tinha que ir pra controlar tudo o que tinha naquela casa pra ir pra loja, aquelas coisas, eu que acompanhava. Depois foi acabando, já não vem tanta mercadoria pra ter outro depósito, foi fechando uma, fechando outra e acabou ficando essa. Foi a sorte, agora eles ficam com uma loja, tudo em família, e tá muito bom, graças a Deus.
P/2 – Esse ramos do vestuário exige um pouco de criatividade na hora de lançar novas roupas, novas idéias de moda, né? Quem era responsável por essa parte da criação na loja, vocês adotavam um estilo mais conservador ou mais moderno, e se vocês criavam as peças pensando no que vocês usariam? Como era a moda nessa época?
R – Porque era da Hering, de Santa Catarina. Tem o vendedor, a gente faz o pedido, mas eu não fazia o pedido, era o meu irmão que fazia. Então, ele que entendia disso. Mas é mais o vendedor que era um bom vendedor também e sabe indicar pra pessoa, que isso aqui tá melhor, que isso aqui é do momento, e com isso eles iam comprando e vendendo. Porque a gente não chegava a dizer, “eu quero esse feitio assim”, porque é tudo fabricado. A Hering, e parece que a Duloren, eles tem bastante coisa também, mas a fabricação nossa não existe mais, acabou. Aquele trabalho todo que eu tinha, graças a Deus não tem mais (risos). Então, é mais loja, compra e vende, compra e vende.
P/2 – Apesar do nome ainda ser Confecções Amali...
R – Continuou Confecções Amali limitada.
P/2 – Mas agora mais uma loja de comércio.
R – É (risos), mudou o tipo do negócio, né?
P/1 – E essa mudança, de não ter mais as confecções, mudou alguma coisa pra senhora, pras suas atividades, que era bem a coisa que você fazia...
R – Não porque eu já to aposentada há muito tempo. Enquanto eu estava na fábrica tinha, depois foi acabando mesmo. Quando eu saí, já não tinha mais a fabricação, eu ficava mais na loja pra olhar uma loja, a outra. Uma vez eu ia indo pra casa, fui assaltada. Tinha gerente em uma, gerente em outra, tudo por ali. Quando terminava, eu pegava a chave de cada uma e ia pra casa. Eu ia indo e um Fulano lá me pegou, me arrastou, queria minha bolsa, eu segurava a bolsa, foi uma luta com a bolsa (risos) porque eu tava com as chaves e eu tinha medo, e dinheiro que eu tinha levado porque tinha muito dinheiro grande que eu queria trazer em troco, a gente vivia fazendo a troca do dinheiro pra ter sempre troco no caixa. Eu sei que no fim ,eu fiquei toda machucada, fiquei meio jogada na rua e o Fulano foi embora. Aí, quando eu telefonei e contei pro meu irmão o que tinha acontecido, ele mandou correndo trocar as fechaduras das lojas, trocou todos os cadeados, eram três ou quatro lojas, tudo ali perto. Quer dizer, se o ladrão me conhecia e sabia onde é que eu ia, meu irmão já tratou de resolver aquilo. Foi de madrugada, no dia seguinte as fechaduras já estavam trocadas, não teve assalto na loja, graças a Deus. Mas é assim. E depois, por isso que eu moro ali perto agora (risos) acabei, o meu irmão achou melhor que eu morasse mais perto, né? E foi bom. Depois, como meu pai faleceu depois, éramos só eu e a mamãe, então, ficamos ali numa casa pequena, um sobradinho. Ali na Maria Marcolina não tem mais residências, só tem a minha casa e a de uma doutora que é mais pro lado da igreja, depois é só ou a vila, ou prédio, prédio. Eu to com prédio dos dois lados, eu to no meio assim (risos), a minha casa. Mas é bom, tá bom, pra mim é um apartamento. A mamãe faleceu e eu continuo ali porque é pequenininha e boa.
P/1 – E nesse comércio de vestuário, quem são os clientes? Quem vai mais na loja? Homem, mulher...
R – Tem de tudo, né? Tem de tudo. Naquele tempo, quando eu era de atender, ajudar lá na loja, ia muito revendedor, mas agora tem até aquela feirinha que tem ali no bairro, não tem mais aqueles atacados que tinha. No meu tempo era atacado bom mesmo, enchiam pacotes e caixas pra levar tudo, agora não sei, não perguntei pra ele como está, mas no meu tempo não tinha tanto atacado, era um ou outro atacado, era mais varejo.
P/1 – E quem escolhe melhor as peças?
R – (risos) Acho que é a mulher que sabe escolher, porque os homens, às vezes, eles pedem opinião pra balconista: “Ah, o que acha? É assim, assado?”, e as mulheres já reviram tudo, mas acham como elas querem.
P/1 – O que a senhora gosta de fazer hoje?
R – Hoje eu gosto de passear (risos).
P/1 – Aonde a senhora vai passear?
P/1 – Em São Paulo? Em Santos?
R – Ah, tem tanto pra passear, ah, terceira idade tem tudo o que é bom. A gente vai no Sesc tem coisa, vai no lado, tem todo lado, eu vou onde me convidam. Como eu tive o grupo da terceira idade, depois acabou que eu fiquei doente e tive que terminar, foram 12 anos que eu trabalhei com os idosos, aí, eu fiquei conhecendo muitas diretoras de grupos, então, tenho amizade. E quando tem passeios, hoje por exemplo, telefonaram: “Ai, quer ir na festa do morango? Vai ter no dia oito, dia nove”. Eu marco, depois eu vejo na minha agenda, se dá, eu já to lá (risos). Então, os outros grupos lembram da gente, né? E eu vou bastante.
P/1 – Tem algum lugar especial que a senhora gosta de fazer compras?
R – Pra fazer compras? Você sabe que agora eu quase não faço compras. Às vezes, eu saio pra procurar alguma coisa e nunca encontro, eu especulo, olho, olho, e não acho. Agora, quando eu saio sem pensar de comprar, eu acho algo “ai, isso aqui está bom” e já levo. Outro dia não estava nem pensando, passei em uma casa e vi uma malha de lã bonitinha e eu disse assim: “Será que tem aquela malha macia, tal, tal?” “Tem sim, olha aqui”, “Ah, então eu vou levar”. Já comprei na hora e pronto. Mas assim, quando eu vou procurar é uma cruz, estou procurando um chapeuzinho porque eu perdi o meu em um passeio que eu fui (risos). Eu uso muito chapeuzinho, ponho na bolsa, esses de tecido japonês, é coisa boa, a gente amassa ele e depois tá na bolsa, em qualquer lugar cabe. Depois eu ponho. Não quero tomar sol na cabeça, não gosto. Agora perdi, fui num passeio e deixei no ônibus, fui descer correndo e deixei ele pendurado. Tinha ido na festa dos japoneses, essas festas beneficentes que eles fazem, são festas muito boas. Era no Kibô-no-Iê, que eu tinha ido e quando foi na volta eu pus numa sacola. Eu comprei lá aquelas frutas bonitas que eles fazem uma feira de frutas, mas eles só levam coisa boa. Coisa de japonês é bem feito, né? Então, eles fazem as frutas que vale a pena comprar, comprei, pus na sacola aquela ameixa preta assim grande, mas tãooo gostosa, ainda bem que tinha comido uma, a outra eu deixei na sacola, pus o meu chapeuzinho e pus assim no ônibus. Quando chego ali na Tiradentes, que eles pararam no metrô eu disse: “Ah, aqui é o meu caminho”, desci e deixei lá, e o meu chapeuzinho ficou, não acho chapéu igual agora, ai meu Deus do céu, parece brincadeira! Agora domingo, por exemplo, eu fui lá em São Bernardo no Parque do Estoril, está tão bonito lá! Mas estão fazendo uma reforma, até o prefeito foi ontem porque eles comemoraram, eu tava querendo e não achava essa igreja, não é igreja, esse São Bartolo, apóstolo, que dia 24 foi dia dele. E dizem que na Bahia eles fazem nove dias de festa, que até hoje, hoje é segunda-feira, hoje que termina. E a minha amiga dizia: “Ah eu gosto”, mas os irmãos dela foram tudo, vão de avião e tal, ficam lá os nove dias. Ela não pode ir e ela tava sempre falando: “Eu vou descobrir essa igreja aqui”. E procurava, procurava e não achava, nem internet, nada dava, só dava em Portugal e na Itália que tem esse santo, aqui não tem capela dele, nem nada. Aí, eu liguei pra Rádio Nove de Julho, que eu ouço muito a Nove de Julho, eu deixei meu telefone, eles falaram no rádio: “Amali, você quer essa igreja, mas nós só sabemos que tem em Minas Gerais”. Aí, algum ouvinte avisou e então, eles de lá da rádio já tinham o meu telefone, me deram e disseram: “Nessa represa do”, represa não, mas é uma represa lá, né? Tem até um navio lá que é restaurante lá no meio da água, deve ser gostoso... Então, eu descobri e fui lá levar minha amiga pra ver. E era uma festa italiana, era tudo gente, cantor italiano, tudo, foi uma maravilha lá. Mas eles fizeram a missa campal e tem a capela do santo. Eu não sabia, mas descobri, e fui lá (risos).
TROCA DE FITA
P/1 – Retomando, eu queria agora perguntar pra senhora um pouquinho da sua vida pessoal. A senhora contou do seu trabalho, de todo esse envolvimento com o comércio. Mas como é que foi o seu outro lado? A senhora foi casada?
R – Não, eu sou solteirona! Solteira, to com 81 anos. Tive namorado, mas não tinha queda pra casamento, então, tive essa minha vida assim normal, aproveito bem, to bem assim, graças a Deus.
P/1 – E a senhora desde quando começou ajudando o seu pai...
R – Eu tinha 14 anos.
P/1 – Já com 14 anos de idade, até os dias de hoje, o que a senhora percebe de modificação ali no bairro, nas redondezas?
R – Tá melhorando muito. Tudo, tudo, São Paulo tá crescendo, São Paulo é uma maravilha! Tem lugar pra todo mundo, né? (risos). Muito bom.
P/1 – E a senhora falou que tava pesquisando na internet, como é a sua relação com esse meio?
R – Eu não sei mexer, eu ainda não aprendi. Eu ganhei um curso lá na igreja do Brás, eles deram um curso quando começou essa história, eu fui, fiz umas três aulas, mas não consegui, a cabeça não dá mais. Mas também, com essa idade não adianta mais, não faz mal. Mas eu tenho as amigas, tenho os sobrinhos, e toda a família que sabe mexer nisso, então, pede pra um, pra outro, e vai mexendo (risos), mas eu não mexo nisso. Mas acho muito bom quem guarda, porque é difícil também, né? Não acho fácil, não.
P/1 – E quais foram as lições que a senhora tirou ao longo da sua carreira do comércio? O que isso te trouxe?
R – Foi bom que é um meio de vida, ganhar um dinheiro. Mas de lição o quê que tem? Ter podido guardar, economizar, e só. E com o público, atender um, atender outro, com costureiras, isso é muito bom também, faz muita amizade também. É isso.
P/1 – A senhora se lembra de alguma amizade especial que a senhora teve ao longo desses anos no comércio, que a senhora...
R – Temmm, até de funcionárias, tem funcionárias que a gente ainda conversa. No meu aniversário eu recebo tantos telefonemas de moças que trabalharam lá na loja.
P/2 – E de clientes?
R – De clientes, tem amizade assim na hora. Mas das funcionárias tem muita lembrança, sim. Meu irmão ajudava muito também, ele dava a mão pra quem queria melhorar, sabe? Então, muitas que não tinham casa, ele indicava porque ele era bom da cabeça (risos). Funcionárias que não tinham casa e conseguiram porque ele também dava muito, tinha esse negócio de comissão, e ele fazia uma comissão, um negócio que o pessoal se animava de vender também, né, pra poder melhorar, ganhar mais do que elas tinham que ganhar nessas vendas especiais e tal. Tudo coisa que deu certo, graças a Deus.
P/2 – E o Brás se caracteriza muito por esse comércio de vestuário, e tem uma concorrência muito forte ali.
R – Tem de tudo.
P/2 – O que a senhora acha que se deve o sucesso da confecções Amali, qual foi o diferencial que a senhora vê, já dura tanto tempo?
R – Nós trabalhamos normal, coisa simples, não tem aquela coisa de ganhar muito, e vai indo, vai indo, graças a Deus vai continuando.
P/1 – E a senhora gostaria de falar alguma coisa que a gente não perguntou, que a senhora gostaria de deixar registrado?
R – Não, vocês perguntaram bastante coisa boa (risos), já falei demais (risos).
P/1 – Imagina! E o que a senhora achou de ter participado dessa entrevista e contar um pouquinho da sua experiência como comerciante?
R – Gostei, gostei. Muito obrigada.
P/1 – Imagina, a gente que agradece.
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