Dez anos da Fundação Gol de Letra
Depoimento de Leonardo Nascimento de Araújo
Entrevistado por Jurema Carvalho
Milão, 04/11/2009
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FGL_HV027
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Primeira coisa, você tem que se identificar: nome completo, local, data de nascimento, e nome dos seus pais.
R – Nome dos meus pais também?
P/1 – Também.
R – Leonardo Nascimento de Araújo, nasci em cinco de setembro de 1969, em Niterói, Rio de Janeiro. Filho de Francisco Reis Viana de Araújo e Aurélia Nascimento de Araújo.
P/1 – O que você lembra da origem dos seus pais? Eles vem de onde, são brasileiros mesmo?
R – A origem é muito variada. A minha mãe é filha de um português. Meu avô era português, nascido em Portugal e migrado pro Brasil, casado com minha avó que tem ascendência nordestina, acho que não tem ascendência europeia, pelo menos perto da sua geração. E o meu pai também, filho de cearenses com ascendência espanhola, mas muito mais distante. Então tenho um pouco de ascendência portuguesa e espanhola, e o nordeste tanto da nossa vida.
P/1 – Você conviveu com seus avós?
R – Os meus avós paternos, sim, sempre. Infelizmente faleceram tem dois anos, mas viveram até os noventa anos e foram os avós que eu tive realmente como referência de avô. Meus avós maternos, o meu avô eu nem conheci, ele morreu em um acidente [quando] minha mãe tinha quinze anos, e a minha avó, mãe da minha mãe, ]morreu quando] eu tinha cinco anos. Então eu praticamente não tenho muita lembrança dos meus avós maternos.
P/1 – E desses avós paternos, quais lembranças vêm na sua cabeça dessa época de infância que você viveu com eles?
R – Ah, ótima. Eu acho que a minha avó era aquela dona Benta, que abraçava todo mundo, aquela carinha angelical, então tem um carinho muito forte, uma presença muito positiva na minha vida. Também como é o meu...
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Depoimento de Leonardo Nascimento de Araújo
Entrevistado por Jurema Carvalho
Milão, 04/11/2009
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FGL_HV027
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Primeira coisa, você tem que se identificar: nome completo, local, data de nascimento, e nome dos seus pais.
R – Nome dos meus pais também?
P/1 – Também.
R – Leonardo Nascimento de Araújo, nasci em cinco de setembro de 1969, em Niterói, Rio de Janeiro. Filho de Francisco Reis Viana de Araújo e Aurélia Nascimento de Araújo.
P/1 – O que você lembra da origem dos seus pais? Eles vem de onde, são brasileiros mesmo?
R – A origem é muito variada. A minha mãe é filha de um português. Meu avô era português, nascido em Portugal e migrado pro Brasil, casado com minha avó que tem ascendência nordestina, acho que não tem ascendência europeia, pelo menos perto da sua geração. E o meu pai também, filho de cearenses com ascendência espanhola, mas muito mais distante. Então tenho um pouco de ascendência portuguesa e espanhola, e o nordeste tanto da nossa vida.
P/1 – Você conviveu com seus avós?
R – Os meus avós paternos, sim, sempre. Infelizmente faleceram tem dois anos, mas viveram até os noventa anos e foram os avós que eu tive realmente como referência de avô. Meus avós maternos, o meu avô eu nem conheci, ele morreu em um acidente [quando] minha mãe tinha quinze anos, e a minha avó, mãe da minha mãe, ]morreu quando] eu tinha cinco anos. Então eu praticamente não tenho muita lembrança dos meus avós maternos.
P/1 – E desses avós paternos, quais lembranças vêm na sua cabeça dessa época de infância que você viveu com eles?
R – Ah, ótima. Eu acho que a minha avó era aquela dona Benta, que abraçava todo mundo, aquela carinha angelical, então tem um carinho muito forte, uma presença muito positiva na minha vida. Também como é o meu avô, que era uma pessoa mais reservada, mas no seu modo, também muito presente. Tinha um exemplo muito forte de um casamento muito sólido. Meu pai é filho único, mas eles tinham uma coisa muito forte entre eles, um casal muito unido, casados toda vida. Depois da morte da minha avó, o meu avô acabou falecendo também, depois de dez meses, porque eram feitos para viverem juntos e quando houve essa separação acabou sendo a separação eterna.
P/1 – E dos seus pais, você tem alguma ideia de como eles se conheceram, como foi esse encontro?
R – Minha mãe era muito ligada à música e a tia do meu pai era a diretora do Conservatório de Música. Isso aproximou, com certeza, a minha mãe dessa tia-avó, que era muito ligada ao meu pai. Eles acabaram se conhecendo por intermédio dessa minha tia-avó, que depois virou a minha tia-avó, que era a diretora do Conservatório de Música. Minha mãe, muito ligada à música, a essa minha tia-avó e acabou conhecendo o meu pai.
Depois, separaram [quando] eu tinha quatro, cinco anos. Eu tenho algumas lembranças dos meus pais juntos, mas, praticamente, não tenho a presença física dos dois em casa. Quase toda a minha infância me lembro do meu pai nos visitando, saindo. Muito presente sempre, esteve sempre muito perto de tudo, claro, com as dificuldades de alguém que se separa, mas muito tranquilo. Eles [eram] muito civilizados, apesar do momento mais crítico, momento de separação, mas sempre [foram] duas presenças ótimas. A minha mãe, aquela mãe superprotetora, sempre uma personalidade muito forte, uma pessoa muito dinâmica. O meu pai, com temperamento mais calmo, mas sempre muito presente. Um pouco mais distante, com os pais separados, mas lembranças ótimas, superpositivas.
P/1 – Eles moravam na mesma cidade depois da separação?
R – [Na] mesma cidade, muito perto. Eu tinha um contato com o meu pai quase diário.
P/1 – E eles casaram de novo?
R – Minha mãe, não. Minha mãe nunca teve uma outra pessoa oficialmente, nunca apresentou uma outra pessoa pra gente. O meu pai, depois de muitos anos, tem uma pessoa que hoje está há uns quinze anos juntos, que é a companheira dele. Uma relação muito ótima, muito legal também, dessa pessoa com a minha mãe. Hoje tem uma integração muito positiva entre eles.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho irmãos, eu sou o mais novo. Tenho um irmão e uma irmã, Roberta, que tem três anos e meio a mais que eu e o meu irmão, que tem dois anos e meio a mais que eu. Eu sou o caçula, Francisco e Roberta são os meus irmãos.
P/1 – E como foi a convivência com os irmãos, na infância, principalmente?
R – Boa, muito boa. Minha irmã, por ser a menina mais velha é um pouco essa protetora, né? Acho que eu tive sempre uma relação muito boa com ela, muito próxima, até física. Uma pessoa que me abraçava, que me queria o tempo inteiro perto, eu lembro muito disso, do estar perto, abraçado.
Com o meu irmão, muito bem também, um parceiro de jogar futebol, principalmente. De todas as brincadeiras de crianças éramos sempre muito próximos, vivíamos sempre muito juntos, isso foi sempre muito positivo.
Depois, sinceramente, houve até uns desacordos na vida, algumas situações nossas [estando] mais velhos, e hoje tendo uma situação adulta madura, muito positiva.
P/1 – E essas brincadeiras que vocês faziam na infância, em Niterói, sempre Niterói?
R – Niterói.
P/1 – Como eram? Brincavam na rua, sempre com a bola?
R – A gente morava em um lugar que era muito tranquilo. Tinha uma rua que quase não passava carros, a gente brincava muito nesse espaço. Era um final de rua, então era gostoso aquele cantinho. Nossa vida foi muito na rua, em bicicleta, e o meu pai apaixonado por carro, moto e bicicleta, então a gente tinha a motinha pra sair. Já [com] nove, dez anos, me lembro de moto na rua, bicicleta sempre.
Niterói é uma cidade de um milhão de habitantes, mas tem aquela coisa da cidade pequena, então a gente viveu muito na rua. E frequentamos um clube que talvez tenha sido a referência, um clube fechado, privado: o Rio Cricket, que pra gente foi uma referência muito forte na infância, a gente frequentava quase todo dia.
P/1 – E sempre se direcionou pra futebol, ou não?
R – Olha, não tinha ideia de ser jogador de futebol, não. Tudo veio [de] um modo natural. Jogava bola como toda criança, joguei na minha escola, joguei nesse clube privado, joguei em vários lugares, mas não tinha aquela ideia de ser jogador de futebol. Não tinha ninguém perto na família, não tinha um caminho a ser, dizendo “vou ser isso”, foi tudo muito natural. Até que um dia, depois de ter uma infância normal, jogando pelo colégio, na rua, pelo clube, aconteceu essa possibilidade de fazer um teste pra ser jogador de futebol. Fiz o teste e acabou virando a minha vida.
P/1 – Seu irmão, não?
R – Meu irmão, não. Ele não tentou enquanto criança, mais velho que eu, também, não tentou jogar bola. Depois até tentou, tinha um certo talento, jogava legal, mas não tentou ser profissional. Depois de algumas tentativas, já uma coisa mais esporádica, ele tentou, mas o caminho dele acabou sendo o estudo, se formou em Engenharia. A minha irmã [formou-se] em Análise de Sistemas, informática, e hoje trabalham no mercado normal, na carreira deles.
P/1 – E nessa época de infância, antes de você entrar na escola, teve algum amigo, alguma amiga, que foi muito forte, muito importante pra você, que você tem recordações boas?
R – Vários amigos. Um amigo talvez não tenha como te dizer, mas eu sou uma pessoa muito de grupo, de sair. Hoje menos, mas com o tempo a minha vida mudou, você acaba ficando mais seletivo. Ficando mais velho também, trabalho a vida, venho pro exterior, mudou muita coisa, mas eu sempre fui de um grupo. E o grupo do colégio, desse clube de onde a gente morava, são as pessoas que hoje eu tenho, com certeza, lembrança, meus amigos de infância.
P/1 – E a época que você entrou na escola? A escola era perto de casa, vocês iam a pé, de carro, tinha essa coisa de ir de grupo de criançada junto? O que você se lembra?
R – Tinha muito de grupo e eu ia de bicicleta, eu rodava só de bicicleta. A pé não andava, de ônibus não queria andar, andava tudo de bicicleta. O bairro que a gente morava, que era Icaraí, facilmente, digamos assim, te abraça, porque é aquela cidadezinha que você conhece todo mundo, conhece as pessoas, então isso era uma coisa muito positiva. A gente viveu todo esse período de infância de bicicleta, ia pra escola de bicicleta.
Uma escola grande até pra cidade: quatro, cinco mil alunos, com classes enormes, com cinquenta, 55 alunos por turma. Mas pra mim é uma referência, eu estudei sempre, desde a primeira série até o final, nessa mesma escola. Foi realmente uma referência muito forte na minha infância, o Instituto Abel.
P/1 – Era um instituto privado?
R – Instituto privado, uma escola lassalista, de irmãos. Pra mim, talvez a maior referência, depois da família, foi a minha escola porque eu adorava ir pra escola. O esporte também, com certeza, me ligou muito à escola porque jogava tudo: vôlei, handebol, basquete, futebol pela escola, então tinha essa coisa de representar também. Era muito gostoso viver isso.
P/1 – E depois do colegial você seguiu algum outro ramo, alguma universidade, alguma coisa?
R – Eu comecei, na [Universidade] Gama Filho, Educação Física, mas terminei no primeiro ano porque me transferi pra São Paulo. Eu tinha começado a jogar, tinha jogado três anos como profissional. Fiz o primeiro ano da faculdade, depois me transferi pra São Paulo e não consegui mais seguir. Foi ali que eu tranquei a minha matrícula, no meu primeiro ano de Educação Física, no Rio de Janeiro.
P/1 – Voltando um pouco na escola na sua vida, que você fez todo o percurso. Vocês tiveram nessa escola alguma formação artística, musical, como era essa... Fora as matérias normais de todas as escolas, tinha alguma coisa a mais?
R – Sinceramente, na escola, não. Acho que o esporte foi, com certeza, o que eu mais vivi. O fato de jogar por todas as seleções dessas modalidades estava sempre muito ligado à escola, mas não tinha atividade extracurricular, onde você seguia… Você poderia até fazer, mas eu não vivi muito essas atividades, vivi fora da escola. Ou fazia inglês em uma escola de inglês fora, ou fazia minha natação fora, não tinha aquela coisa integrada na escola. Isso depois de ter vivido - a gente vai falar de Fundação ainda -, depois de ter vivido exatamente esse percurso integrado em um ambiente escolar que a gente acredita muito. Mas eu não vivi isso na escola, vivi só a escola tradicional, com as atividades extracurriculares fora, digamos, desse ambiente.
P/1 – Você falou da sua família, uma parte de música muito forte. Você teve alguma influência nesse campo?
R – Eu acho que eu vivi a geração que nega um pouco a geração dos meus pais. Minha mãe [era] muito ligada à música, toda a família do meu pai ligada à música; acho que nós acabamos vivendo aquela rejeição.
Engraçado isso, o fato de ver minha mãe toda a minha infância tocar piano dentro de casa - minha mãe tocava piano, violino, acordeon, adorava música, ouvia música o tempo inteiro. A hora que a gente teve aquela coisa: “Ah, não quero saber.” Foi passando assim e hoje me arrependo muito de não ter tido uma formação musical. Como todo adulto, depois de ter a oportunidade de criança e não ter vivido, hoje me arrependo muito, porque o pouco violão que eu toco é um desastre. (risos) É uma coisa que faz parte de mim que eu gostaria muito de ser melhor. Acho que música, talvez depois de você falar, é o modo mais profundo que uma pessoa pode se expressar. E eu, em música, até gosto, ouço muito, mas não vivi uma formação musical na infância.
P/1 – Não estudou nenhum instrumento específico? Nada.
R – Não estudei nada. Eu lembro da minha mãe insistindo: fazia aula de piano, violão, fiz a primeira aula, me despedi do professor e não voltei mais, aquela coisa que toda criança faz. Não fui insistente nisso. Mas eu gostaria de ter tido.
P/1 – Então, todas essas atividades extracurriculares que você teve, que acabou levando pro Gol de Letra, não foram vivenciadas na escola?
R – Não.
P/1 – Você sentia falta desse tipo de coisa na escola?
R – Quando você é criança, talvez você não pense nisso, e pra mim as atividades extracurriculares eram o esporte. O esporte pra mim é que era… Eu, sinceramente, quando lembro da minha escola, lembro de grandes relações com as pessoas, com certeza um grande aprendizado porque é uma escola difícil, uma escola que fazia a gente estudar, mas a lembrança real da escola é o esporte.
Acho que essas atividades extracurriculares são superimportantes. Fiz o esporte, adoro, mas também era o esporte sem o percurso pedagógico, era apenas jogar pela escola. Não tinha um percurso acadêmico ligado ao esporte, como não tinha na música, como não tinha no teatro, como não tinha na coreografia, como não tinha em nada. Apesar de estar falando de uma escola superconceituada, no Brasil a gente não tem aquela ideia da escola integrada, educação integral, onde você não só parte, digamos, de informação, mas também na formação de todos esses nossos sentidos, que muitas vezes não são tocados no período da escola. Você acaba virando aquele numerozinho que vai caminhando pra ser aprovado no vestibular.
P/1 – E nesse período todo, você viveu infância e adolescência na mesma escola, você passou por vários grupos. Primeira namorada, alguma coisa assim que você gostaria de registrar?
R – Eu nunca fui muito namorador, não. Eu sempre tive aquela coisa de ter um porquê mágico e profundo pra que justificasse aquela relação, sempre foi assim. Foi assim criança, em todos os momentos da minha vida foi assim. Frequentei pouquíssimas pessoas, e as pessoas [com] que eu tinha relação foram uma coisa muito importante, como foi o meu casamento e como foi sempre.
P/1 – E do seu casamento, você conheceu a sua esposa...
R – Nós nos conhecemos muito jovens. Eu tinha dezoito anos, ela tinha dezessete. Namoramos cinco anos, nos casamos e ficamos casados [por] quatorze anos. Três filhos, Lucas, Júlia e Joana, e sempre uma relação muito bacana, muito positiva.
P/1 – E essa relação que você falou muito profunda com as pessoas, isso não só com relacionamento mais particular, mas em relação aos amigos também? Você sempre foi muito seletivo nessa parte?
R – Acho que com o tempo eu fiquei cada vez mais seletivo, sinceramente. E talvez eu tenha perdido o contato com as pessoas que eu tinha mais ligação. O fato de ter ido embora do Rio de Janeiro com dezenove anos… Claro que eu tinha toda a minha história na cidade, na escola, no meu clube, em Niterói também, porque depois eu frequentei muito o Rio de Janeiro, mais velho, mas o fato de eu ter ido embora com dezenove anos, isso me distanciou um pouco do que eram as minhas amizades, aquelas de criança, e nunca mais voltei.
Eu tenho mais tempo fora que na minha cidade, na minha vida. São 21 anos fora e 19 na minha cidade, então eu perdi um pouco isso, sem nunca perder a minha ligação com Niterói, que é forte, com o Rio de Janeiro, que eu frequento constantemente. Eu moro na Itália há doze anos, eu estou no exterior há dezoito anos, com alguns parênteses no Brasil. Eu saí de Niterói em 90, saí do Brasil em 91 e tive só dois parênteses, em 94 e em 2001; voltei pro Brasil e fiquei seis meses, dez meses, e acabei voltando pra Europa. Mas [durante] todo esse período eu sempre mantive uma ligação muito forte - claro que com aquelas pessoas da minha infância, eu perdi um pouco o contato.
P/1 – E como foi essa primeira ruptura da sua cidade pra outro lugar, aos dezenove anos?
R – Primeiro eu não queria ir, porque eu jogava no Flamengo, adorava o Flamengo e não queria sair. Garoto, cresci com aquela geração supervencedora do Flamengo nos anos 80. Eu me profissionalizei em 87, então não queria sair do Flamengo, principalmente ir pra São Paulo, uma situação completamente oposta ao Rio de Janeiro - você, sem conhecer, tem sempre aquela ideia contrária a tudo, né?
Foi uma grande surpresa pra mim. Foi o momento que eu virei, talvez, um pouco mais adulto e me profissionalizei também. A partir do momento que você sai do seu berço - o Flamengo era o meu berço, estava na minha casa, o menininho que nasceu ali…
Ser uma contratação, chegar numa cidade nova, sozinho… Tinha, claro, a presença da minha mãe, que ia muitas vezes pra São Paulo ficar comigo, mas era a minha vida começando carreira solo. Pra mim, foi o salto que me permitiu viver tudo depois, porque depois que você sai um pouquinho de casa as barreiras já não existem mais, acho que você pode ir pra qualquer lugar, e foi o que aconteceu comigo. Depois de São Paulo eu acabei nunca mais voltando. Claro que o futebol me encaminhou, mas já não tinha aquela barreira do sair, digamos, do abraço, da sua vida construída na cidade.
P/1 – Mas se você não queria ir, o que te levou a ir?
R – O Flamengo acabou decidindo a minha contratação.
P/1 – Você era contratado do Flamengo?
R – Eu era do Flamengo, digamos, pra não falar de futebol, eu trabalhava no clube que decidiu também fazer essa troca. A partir do momento que você sente do clube a vontade de realizar o negócio, você tem que tomar uma posição. Acabei aceitando uma situação - claro que foi boa pra mim também, eu acabei indo para um clube que estava melhor que o Flamengo naquela época, então tinha uma situação com certeza muito clara e positiva. Acabei aceitando a situação e foi a melhor coisa que poderia ter acontecido pra mim em termos profissionais, porque me deu realmente o grande salto, digamos, até no meu processo de formação para uma coisa diferente, para um desafio.
P/1 – Você ficou quanto tempo em São Paulo?
R – Um ano e fui vendido pra Espanha.
P/1 – E nesse período você ficou no São Paulo Futebol Clube.
R – Exato.
P/1 – E como foi essa sua formação?
R – Ótimo, foi um ano maravilhoso como trabalho, como rendimento no trabalho, jogando e conhecer coisas novas. Conhecer coisas novas, uma cidade diferente, enorme, toda pra ser construída no seu dia a dia e pra mim foi super positivo. Fiquei só um ano, deu tudo certo e acabei sendo vendido pra Espanha, fui pro Valencia, na Espanha.
P/1 – E essa opção de você ir pro exterior foi sua ou foi do clube?
R – Essa foi minha. O Valencia queria me comprar, eu estava muito bem no São Paulo, mas a verdade é que acabam sendo coisas que acontecem no futebol. Acho que é normal, milhares de pessoas viveram no futebol o que eu vivi, antes de mim. Então, você ser vendido para um clube europeu parece até uma coisa natural, até, quase uma conquista natural se tudo der certo. E eu não tinha mais o freio de sair, mudar, conhecer outras coisas. Acho que tinha dentro de mim essa coisa da aventura, de ir pra um lugar. Aqui é território conquistado, já fiz alguma coisa, ‘puf’, vamos mudar, vamos começar uma nova coisa. Acho que eu tenho um pouco isso dentro de mim e tenho até hoje. Depois disso eu não parei mais, só vim parar aqui em Milão depois, mas acho que mais cedo ou mais tarde, essa nova aventura vai me levar embora daqui.
P/1 – E nessa época, como é que você geria essa parte pessoal? Você já era casado, estava namorando, como é que era?
R – Não, em São Paulo não era casado, estava namorando. Quando eu fui pra Espanha também, ainda éramos muito jovens. Eu tinha 21 anos quando fui pra Espanha, vinte quando fui pra São Paulo, então era muito jovem. Foi um momento difícil, o namoro quase acabou, uma coisa complicada. Ficamos um tempo separados, mas tinha uma relação forte que acabou nos unindo. Começamos a viver juntos e depois nos casamos.
P/1 – Na Espanha?
R – Na Espanha. Ela ia e voltava, até que ficou um tempo mais prolongado e a gente decidiu se casar.
P/1 – E os seus filhos nasceram na Espanha, no Brasil?
R – Eu voltei pro Brasil em 93 e fiquei um ano, de julho de 93 a julho de 94. O Lucas nasceu em junho de 94, no meio da Copa do Mundo e eu estava me transferindo pro Japão. Eu estava emprestado do Valência ao São Paulo, quando eu voltei pro São Paulo, e depois da Copa do Mundo eu fui pro Japão. O Lucas tinha 25 dias, nos transferimos e ele viveu os dois primeiros anos da vida dele no Japão.
[Quando] nasceu a Júlia, nós já estávamos no Japão, mas a Beatriz sempre foi pro Brasil pra que as crianças nascessem em território brasileiro; a gente tinha a coisa de não perder nunca as nossas raízes, acho que isso é uma coisa importante. A Beatriz sempre foi com sete meses de gravidez pro Brasil pra que nascesse no Brasil.
Só a Joana, a terceira, nasceu aqui na Itália, porque eu não vi os primeiros nascerem, nem o Lucas, nem a Júlia. Pra ter certeza que eu poderia acompanhar o parto e vê-la nascer, a gente decidiu… Já estávamos aqui há três anos, já conhecíamos, tinha toda uma relação com a Itália, com médicos, então a gente acabou optando que a Joana nascesse aqui na Itália e eu, pela primeira vez, vi um dos meus filhos nascer. (risos)
P/1 – E como é a relação com os filhos pequenos, estando aqui, fora fora do seu país. Essa preocupação de pais, de educação, de dar referência aos filhos?
R – Eu acho que a mãe deles é realmente uma supermãe. Claro que com a falta do pai… Eu vivi isso, não é fácil ser referência, apesar de tentar cobrir o máximo essa distância. Eu falo com os meus filhos todos os dias pelo telefone e a gente tem uma relação muito aberta, isso é uma coisa que me deixa muito feliz. Eles vêm para cá muitas vezes, eu vou pro Brasil no mínimo uma vez por mês passar dois, três dias, então isso nos mantém, com certeza, muito próximos.
Só nesse último ano, principalmente foi assim porque eu acabei mudando de trabalho. O trabalho de treinador não me dá tempo pra nada. Eu acho que vai ser uma história curta na minha vida o fato de eu ser treinador, ser assim tão amarrado com o tempo, por isso que eu acho que não vai durar muito. Até porque eu preciso de tempo para outras coisas.
Principalmente os meus filhos, a distância… [Para] ficar mais perto deles, a opção vai ser também por mudar um pouco o tipo de trabalho. Por isso nesses últimos seis meses, com certeza, foi muito complicado. Como dirigente eu tinha muito mais tempo, tinha mais tempo que eles viessem aqui, tinha mais tempo de ir pra lá e era mais fácil de administrar. Já era difícil a distância, mas administrar a distância era mais fácil. Hoje, realmente, eu tô encurralado em um trabalho que me toma todo o tempo.
P/1 – Eles moram em São Paulo?
R – No Rio de Janeiro. A Beatriz também é de Niterói e mora na Lagoa, no Rio de Janeiro.
P/1 – E pra você, você morou em vários países. Você foi pra Espanha, depois Japão. Morou na França também...
R – França, depois vim pra cá.
P/1 – E como é essa mudança de cultura e as suas referências brasileiras. Como é que você consegue gerir isso dentro de você?
R – Sinceramente, tranquilo. Futebol, não posso negar, facilita muito. Acho que é uma linguagem tão universal que te aproxima das pessoas, faz que a sua adaptação seja mais rápida, na minha opinião, porque você consegue quebrar algumas barreiras, alguns protocolos e consegue rapidamente chegar ao ponto da questão, isso ajuda muito.
Eu sempre achei muito bacana essa possibilidade de conhecer outras pessoas, de começar do zero, de conhecer outras culturas e línguas e estilos de vida; isso não foi fácil, mas foi sempre um grande prazer. Conhecer coisas que eu ainda não tinha contato, me confrontar, isso foi sempre muito positivo. Desde a Espanha, que foi a primeira experiência na Europa, a um Japão, que é uma cultura completamente diferente, a uma França, que apesar de ser latino, acho que é muito diferente em relação à Itália e Espanha, e à Itália, que é onde eu fiquei mais anos, que talvez seja, digamos, aquele latino mais forte, mais exuberante, mais ativo como é o italiano, que não existe o cinza, ou é branco ou é preto, uma série de coisas. Acho muito bacana você ter um percurso fora do seu país, a gente acaba valorizando cada vez mais o nosso porque o ambiente que a gente carrega dentro você não tem como apagar. Aquele disco rígido que a gente cria é muito forte.
P/1 – Cada vez se fortalece mais?
R – Cada vez fortalece mais. Acho que quanto mais tempo você fica fora, mais você recorre ao disco rígido, e isso é uma coisa muito bacana de você viver.
P/1 – E nesse percurso de você como jogador de futebol que começou em um time da escola, passou pelo Flamengo, que é um grande time, São Paulo, times do exterior, participou de Copa do Mundo. Como é todo esse percurso, de você como jogador de futebol?
R – Bom, eu acho que tive uma infância normal como muitas crianças, que gostam de futebol e querem jogar por jogar. Eu não tinha, realmente, uma referência outra que não fosse o prazer, não tinha ideia que isso [se] transformasse no meu futuro. Foi acontecendo aquela coisa: “Ah vai, você joga direitinho.” Mas eu não tinha uma ideia que isso pudesse realmente acontecer. E com o tempo foi realmente acontecendo, por uma série de coisas, por coincidências também, por encontrar pessoas que me levaram a isso, como foi o Sérgio Volpato que me via jogando no Rio Cricket, nesse clube de Niterói, e que era preparador físico do Vasco. Ele me levou pra fazer um teste de um mês, um teste finito, com trezentas, quatrocentas crianças que faziam esse teste. Eu não tinha a mínima ideia de que poderia ser aprovado nesse teste.
P/1 – Que idade você tinha?
R – Tinha quatorze anos, era tarde também pra começar a pensar. Eu tinha jogado só na escola, no meu clube social, em Niterói, então [era] até tarde pra começar. Fui fazer esse teste, sinceramente, [com] esperança zero porque, chegando no Brasil com a qualidade dessas crianças, a própria irreverência dessas crianças, com talento natural que é muito forte, quando eu cheguei e vi aquilo, falei: “Pô, aqui não vai dar em nada.” Mas acabou dando certo, acabei ficando; dessas não sei quantas crianças, ficamos em três ou quatro.
Acabei sendo inscrito pelo Vasco naquele ano. Foi horrível, eu praticamente não consegui mudar meu turno da escola porque foi de um ano pro outro e tinha que estudar ou de tarde ou de manhã. Eu estava à tarde, não chegava nunca na escola, chegava no final, quase sempre, do horário. Perdi várias aulas, acabei tendo problema na escola e principalmente com a minha mãe. Primeiro que era difícil acreditar que poderia ser jogador de futebol, e depois largar a escola pra ser jogador de futebol era a coisa mais desaconselhável do mundo, e é assim, até porque o percurso é completamente paralelo. Você não pode, ou faz uma coisa ou faz outra, então foi uma guerra com a minha mãe. E depois desse primeiro ano ela me tirou praticamente, falou assim: “Você não joga mais, não tem sentido jogar futebol, não pode perder a escola.”
Voltei pra minha escola, pro Instituto Abel, estudando no período da manhã, normal, mas ficou aquela coisa de voltar a jogar. Até que o Flamengo que procurou e, sinceramente, talvez aí tenha tido aquela coisa do “ser Flamengo”, também, mas eu ainda estava inscrito no Vasco. Fiquei um ano e meio só treinando no Flamengo porque eu estava inscrito no Vasco e o Vasco não me dava autorização para eu ir pro Flamengo. Isso durou um ano e meio, existia um estágio de dois anos pra você mudar de clube, nesse ano e meio o Flamengo entrou em um contrato, em um acordo, com o Vasco e eu acabei começando, aos dezesseis anos só, jogando nas categorias de base. Joguei no juvenil, no ano seguinte eu joguei no profissional, em 87, quando eu estreei.
P/1 – E você é flamenguista?
R – Sempre fui Flamengo e vivi... Meu irmão [era] muito mais torcedor do que eu. Ele era o cara do radinho, do Maracanã; eu era o torcedor das grandes ocasiões, que acompanha as finais, mas não era aquele torcedor como ele, não. Mas gostava, era flamenguista, geração do Zico, que era a grande referência do futebol, nascido no Rio de Janeiro. Eu sempre fui Flamengo.
P/1 – E depois do Flamengo, você foi vendido pro São Paulo?
R – Pro São Paulo.
P/1 – Daí você já era um pouco mais velho e...
R – Tinha já quase vinte anos e não queria ir, não queria ser vendido. Mas as circunstâncias do clube, mudança de presidente, Flamengo precisando dar uma reviravolta, o Zico tinha parado de jogar, estavam querendo mudar e acabei me transferindo pra São Paulo. Como eu disse antes, foi o grande salto, digamos, profissional, na minha vida.
P/1 – E no São Paulo você teve grandes amigos, pessoas que jogaram com você e que te marcaram muito?
R – Raí é o maior. Eu conheci o Raí no primeiro dia que eu cheguei no São Paulo. Situações engraçadas, porque eu joguei junto com o Alcindo, que tem todo o jeitão dele, Alcindo é outro jogador do Flamengo que estava se transferindo. Foi uma troca, foram dois jogadores do São Paulo pro Flamengo e nós dois, eu e o Alcindo, fomos pro São Paulo. E o Alcindo [tinha] um jeito todo aberto, quase ingênuo. A chegada dele é uma chegada tranquila.
O nosso primeiro encontro foi na fisioterapia, Raí estava machucado nessa época, nós chegamos no clube pra conhecer, fazer a primeira visita pra conhecer os lugares. O Raí estava na fisioterapia e o Alcindo entrou falando, gritando, fazendo pergunta, perguntando de contrato e eu, esse meu jeito muito mais tímido, mais tranquilo: “Meu Deus do céu, o Alcindo chegando desse jeito e eu aqui, devagarinho.” Eu me lembro da cara do Raí, no fundo: “Meu Deus, que chegada é essa?” Então foi muito engraçado. E foi o primeiro encontro que eu tive com ele.
O Raí, realmente, hoje é o meu grande amigo. Acho que a minha referência de amizade é o Careca de Niterói, o Marcos Vinícius que é o meu grande amigo, meu grande parceiro em tudo, e o Raí, com certeza, independente do futebol, mas pela nossa relação. Hoje nós somos parceiros e sócios em muitas coisas.
P/1 – Aí você veio pro exterior. E no exterior você encontrou pessoas diferentes, jogou com brasileiros?
R – Muitos brasileiros.
P/1 – Voltando à sua chegada na Espanha, já tinham brasileiros ali? Isso fortalece a sua chegada?
R – Quando eu cheguei tinha o Toni, brasileiro. Ele jogou pouco no Brasil e tinha chegado na Espanha um ou dois anos antes de mim. Mais velho que eu, foi um referência, com certeza, de chegar, de me levar, fazer conhecer, de me ajudar em tudo. Com certeza, é uma referência muito positiva você ter um companheiro assim perto. Ele me ajudou muito nesse primeiro ano na Espanha. Depois ele foi embora, mas com certeza foi uma referência muito forte, o fato de você ter um brasileiro perto te ajuda muito.
P/1 – É quase como um irmão, né? E essa coisa da língua, você chegando em um país, já trabalhando, já com contrato, como é essa comunicação em outra língua?
R – Eu falo pouco, né? Não, eu falo muito e eu até continuo o meu percurso tentando falar menos pra errar menos, mas não tem jeito, eu acabo falando muito. Mas eu sempre gostei de línguas, sempre achei que é através dela que você consegue entender as pessoas e se fazer entender, por isso que eu sempre corri, corri pra aprender. Sempre curti e pra mim nunca foi um problema, talvez o meu temperamento não tenha aquela coisa de me fechar nessas primeiras dificuldades. Pra mim isso acabou facilitando, com certeza, até a minha integração no lugar, porque através da língua você consegue se expressar e se fazer conhecer também, ser aceito pelas pessoas. A verdade é que quando você chega em um outro país, é você que tem que se adaptar, não as pessoas que têm que te entender; você que tem que se adaptar a uma realidade já existente e eu acho que através da língua é o modo mais fácil, mais rápido.
P/1 – E vocês tiveram cursos? Essas pessoas que chegam aos clubes de fora, elas têm uma assessoria?
R – Alguns clubes sim, outros, não. No Valência, não. No Valência eu aprendi na rua, sozinho também. Saía muito, tinha muito contato com as pessoas, comia na rua todo dia, então tinha muita oportunidade pra aprender e isso foi até rápido. O Toni, com certeza, me ajudou muito também, isso foi talvez fundamental pras pessoas te abraçarem.
Pra mim foi a primeira experiência em um país, com certeza, muito parecido com o nosso. A gente está falando de um país complicado, Espanha. Acho Espanha o maior barato, o jeito do espanhol, o jeito aberto, tranquilo, acho que existe uma serenidade do espanhol que eu curto muito. Valência, então, cidade de praia, um Rio de Janeiro pequenininho. Foi uma cidade que estava em constante evolução, hoje é uma cidade extraordinária e já vi esse crescimento da cidade, então, pra mim, foi tranquilo.
P/1 – Pra continuar a sua carreira de futebol eu gostaria que você falasse duas coisas: a sua referência maior de jogador de futebol brasileiro no seu período dentro do Brasil ou fora do Brasil.
R – Na minha geração de garoto Zico era uma unanimidade. O Zico era uma grande referência, não só como jogador, pelo talento dele, mas também pelo personagem completo, aquele grande ídolo humilde, o ídolo que se sacrifica, o ídolo de grande carisma, amado por todos, então o Zico era uma grande referência pra mim.
Tive a grande sorte e felicidade de ter começado no Flamengo, quando eu estreei eu tinha dezessete pra dezoito anos e o Zico ainda jogava. Esses três anos que eu joguei com o Zico no Flamengo eu não considero como a minha carreira profissional, acho que foi… Não vou dizer um sonho porque eu não sonhei jogar futebol, eu vou dizer que foi quase uma embriaguez, porque eu lembro aquilo só com emoção, parecia que eu estava meio embriagado numa emoção, não me via dentro da situação. Eu lembro que eu via a foto do time, os onze em campo, eu falava: “Não é possível, essa foto é montagem.”
Parecia que eu não estava vivendo aquela coisa porque foi tudo muito rápido, numa geração, ainda aquela geração de mitos - porque o Júnior, o Zico, o Andrade, o Adílio, o Leandro, era uma geração de mitos que, pra mim, era aquela coisa que você via completamente distante. De um momento pra outro eu vivia aquela coisa, participando ali dentro. Então, pra mim, foi uma coisa muito forte; eu lembro daquilo como se fosse um poço de emoções, de sensações, e a gente muito jovem. Pra mim [é] a lembrança mais sadia, mais gostosa, mais prazerosa que eu tenho do futebol. O resto foi tudo muito legal, tudo maravilhoso, mas acho que tinha mais consciência; ali era uma inconsciência total de tudo e foi maravilhoso.
P/1 – E você falou há pouco da irreverência do brasileiro em jogar futebol, principalmente das crianças. Como é essa coisa do talento brasileiro pra esse esporte?
R – Olha, eu acho que a gente tem que explicar uma série de coisas. É difícil se dar uma razão. Acho que o futebol é uma arte, como tal é uma expressão de uma mentalidade. Acho que o modo que o brasileiro vive, se relaciona, acaba sendo muito expresso no futebol, que foi, através do seu percurso, cada vez mais sendo o modo mais natural do brasileiro se expressar.
Historicamente, o que aconteceu em 50 no futebol no Brasil, tentando levar pro Brasil uma série de outras coisas que pudessem dar ao país mais credibilidade - aquela coisa da grandeza, o Maracanã o maior estádio do mundo, esse movimento histórico do futebol, a questão racial, a questão social, tudo isso no Brasil foi muito forte. Em outros países também, até porque isso foi uma manifestação mundial. Se analisarmos todos os países que jogaram futebol naquela época, começaram a se organizar há cem anos. Futebol é centenário no mundo inteiro, foi um movimento mundial sem internet, sem meio de comunicação, exportado principalmente pelos ingleses, que levavam esse movimento pra tudo que é lugar e se enraizava de acordo com uma cultura local.
Acho que no Brasil - eu estudei um pouquinho isso porque que é uma coisa que eu [me] interessei e gosto muito - , o jogo organizado, onze contra onze num campo com medidas exatas, com um juiz, com duas camisas, isso chegou muito depois em relação aos outros países. O futebol, quando chega no Brasil, chega uma bola. Essa bola chega e o jogar é natural, as pessoas jogavam bola e o legal do jogo era segurar a bola.
No Brasil, acho que foi desenvolvido muito mais o aspecto individual do futebol que o aspecto coletivo, o aspecto coletivo chegou depois. Então, hoje, um drible no Brasil é muito mais comemorado que um drible em outro país; na Itália, por exemplo, a tática é uma coisa completamente desenvolvida. Na Inglaterra, nasce um jogo organizado de onze pessoas e depois tem o desenvolvimento individual de cada jogador, pra se colocar à disposição daquele sistema. No Brasil é o contrário: você tem o desenvolvimento individual, onde você adquire as suas qualidades individuais, o controle com a bola, o drible, a sua velocidade, tudo que é seu, e depois você bota à disposição de um time. É um conceito inverso do que a gente entende como jogo coletivo. No Brasil, a aptidão do jogador é muito mais por esse talento individual, o brilhar. A gente pensa na história dos nossos jogadores, desde Didi, Zizinho, Pelé, Garrincha, Zico, Sócrates, Ronaldo, Romário, todos os jogadores, não são admirados porque eles são Beckenbauer, que joga a serviço de um time, eles são admirados pelas qualidades individuais deles, e no Brasil sempre foi isso. Então a gente adquiriu um modo de jogar muito diferente de outros países que também tem grande tradição no futebol.
P/1 – Há pouco o Brasil jogou nos Estados Unidos, que teve aquela inversão de placar, estava perdendo...
R – Dois a zero...
P/1- E de repente... E a gente escutou um italiano falar: “Mas o brasileiro tem a magia.” É uma coisa que emociona demais a gente. Como é essa magia, é essa coisa individual do...
R – A magia é um pouco dessa coisa individual e eu acho que o brasileiro tem uma autoestima muito alta no futebol. Isso faz com que, em qualquer situação, você se sinta capaz de revertê-la. E isso acontece muito. Eu joguei na Seleção [por] dez anos e quando você chega com o Brasil, dá pra ver no adversário o: “Chegou o Brasil.” Isso é muito forte. Nós fomos campeões em 94 talvez sem ser o melhor time porque o Brasil quando chega, chega.
Isso vai além do que é uma organização de um time; acho que a gente carrega uma cultura, uma tradição muito forte, e essa camisa amarela se transformou no símbolo do bom futebol, mas não só pra gente. O mundo inteiro, se você perguntar, onde você encontra chocolate, você pensa na Bélgica, pensa na Suíça. Você pensa em hambúrguer, vai pensar nos Estados Unidos; você pensa em futebol, pensa no Brasil, não tem jeito. Futebol, Brasil. Isso é uma coisa muito forte dentro das pessoas, você vê que em qualquer lugar do mundo, quando o time da nação deles sai, o segundo time é o Brasil, todo mundo torce pro Brasil. Existem países que o primeiro é o Brasil. Então isso é muito forte, essa coisa... Basta ver também o quanto isso representa no carisma que o Brasil tem no mundo inteiro. Se a gente analisar agora a escolha da Copa do Mundo e a escolha das Olimpíadas no Brasil, você vê que na primeira extração o Brasil é o quarto, mas como é eliminação, todo mundo que saía se transformava Brasil, e o Brasil acabou sendo escolhido pra Olimpíada por isso. Saiu o Japão, saíram os Estados Unidos, saiu Inglaterra, França, e todo mundo que foi saindo foi dando o voto pro Brasil. Acho isso muito bacana, isso é um carisma do país muito forte, porque é quase o segundo país das pessoas. É um inconsciente coletivo [a ideia] que o Brasil é o paraíso.
P/1 – No esporte, principalmente.
R – Não só. Acho que o futebol com certeza, mas não só. Se você perguntar a um italiano aqui: “Vem cá, onde você gostaria de viver tranquilo, feliz?” “Brasil.” Isso é muito bacana de você viver, de ser brasileiro, isso é um orgulho pra gente muito forte.
P/1 – É verdade. E essa história de você [ter ficado por] dez anos na Seleção Brasileira. Como é essa posição sua? O que você ganhou como jogador de futebol?
R – Eu vou ser sincero. Talvez não tenha sido… Eu nunca me considerei um grande jogador. A minha carreira foi marcada por coisas muito positivas, acho que tive uma carreira de um grande jogador, porque sem querer ser hipócrita, eu joguei em clubes do mais alto nível e na Seleção durante muitos anos. Mas dentro desses ambientes eu sempre tive uma visão muito… Até pelo meu temperamento, aquela coisa muito do grupo, né? De me colocar à disposição, de favorecer talvez quem tivesse mais talento que eu, de estar bem. Acho que isso faz parte de um grupo, de um modo de entender as coisas e pra mim foi sempre assim. E foi realmente assim.
Talvez eu tenha até me colocado de lado em algumas situações ou eliminado o que eu poderia fazer, porque achava que era o ‘bem geral da nação’. Pra mim, isso foi uma convivência muito prazerosa, viver o esporte dessa maneira, numa visão muito mais coletiva, preocupado com situações, estar perto de situações ou perto de um treinador. Isso foi sempre o que eu vivi. Na Seleção talvez tenha sido mais ainda do que no clube, porque a Seleção engloba ainda mais coisas. No clube você tem uma relação contratual, uma relação de trabalho; você interessa ou não interessa, o clube tem que te vender ou não tem, existem várias outras ligações. A Seleção, não: aquele momento que você está ali é uma entrega total. Isso é gostoso e pra mim foi um grande prazer jogar na Seleção em Copas do Mundo. A vitória de 94, foi tudo muito, muito positivo.
P/1 – Pra terminar essa parte de você como jogador, porque agora você virou técnico, pra fechar esse quadro: como é essa mudança de jogador pra técnico - primeiro pra dirigente, depois pra técnico. Como é essa relação com os jogadores que você jogou bola ou não?
R – A verdade é que o ser dirigente pra mim foi um pouco natural, porque é o que eu gosto de fazer. Eu adoro management, adoro organizar, estabelecer procedimentos, missões, objetivos. Eu gosto muito disso, sempre gostei, administrar pessoas; a minha carreira mesmo eu administrei assim, me administrei, eu sou muito prático nessas coisas. Eu gosto muito, sempre gostei, então ser dirigente foi um processo natural, apesar de nunca ter imaginado ser dirigente em um clube europeu porque quando você é estrangeiro, muitas vezes você pensa em viver, que você tem que viver e ir embora. Você não tem aquela ideia de futuro muito a longo prazo, e pra mim era assim também. E acabou acontecendo: a minha relação com o Milan, essa coisa foi crescendo e eu acabei virando dirigente no clube, até pelas minhas características.
Ser treinador foi uma coisa completamente inesperada. Eu não pensava de nenhuma maneira, nunca achei que essa possibilidade fosse acontecer, principalmente no mesmo clube onde eu era dirigente, onde eu tinha jogado. Foram acontecendo uma série de coisas no modo natural até, que eu não controlasse e por uma série de situações eu tô vivendo essa experiência. Está sendo legal, sendo importante aprender coisas diferentes, numa posição diferente, porque a posição de treinador é uma posição complicada, uma posição que você está no meio de uma série de situações, tá sendo um grande aprendizado, com certeza. Mas eu não sei se vai ser isso que eu vou fazer na minha vida, acho que eu estou apenas vivendo uma grande experiência.
P/1 – Não vai fechar a sua carreira como treinador, pretende direcionar a outra linha?
R – É, eu tô vivendo porque é o Milan, porque foi o que eu entendi que era o melhor a fazer nesse momento por uma série de situações, até pela minha relação de amizade, minha relação afetiva com o clube. Acho que me levou a uma situação diferente e, como eu disse, inesperada. Mas eu não acho que vai ser a minha carreira. Não é muito o meu estilo, mas eu estou curtindo, estou achando legal, vivendo e vamos ver até onde vai.
P/1 – E a sua relação com os jogadores [com] que você jogou bola, como é?
R – Muda. É engraçado como muda, e muda rápido. Até porque, quando você muda de posição, as pessoas também mudam em relação a você. É normal que seja assim. A partir do momento que você tem que fazer algumas escolhas, decidir algumas coisas ou se colocar em uma posição diferente, acho que isso acontece. Com muitos deles eu joguei, fui companheiro de time. O Ronaldinho, por exemplo: meu último jogo na Seleção foi o primeiro dele, são coisas engraçadas, então a gente ainda viveu aquela coisa de ser jogador, apesar de nós termos onze anos de diferença de idade. Mas isso é bacana também de viver, essa mudança de posição, ter de adaptar relações e fazer as pessoas entenderem de que modo você está encarando aquilo, é gostoso esse jogo. Eu tô curtindo isso.
A coisa mais interessante é relação e comportamento humano, né? Porque são tantas variáveis que é gostoso você viver esse... E eu estou curtindo. O treinador vive um turbilhão de coisas, por isso que eu acho que está sendo uma experiência humana, uma experiência sociológica muito legal. (risos)
P/1 – Você tem mais alguma coisa pra falar, bem importante, da sua carreira no futebol ou podemos passar pro Gol de Letra?
R – Gol de Letra, futebol não tem mais nada.
P/1 – Então, vamos lá. Como é que surgiu a ideia de fazer uma fundação desse nível?
R – Acho que são muitas coisas. A primeira coisa é minha amizade com Raí. Isso, com certeza, foi o que mais nos levou, o fato da gente dividir um ideal; a gente é meio louco nesse aspecto. Desde que nos conhecemos, já nascemos com essa ideia de um dia conseguir realizar alguma coisa que contribuísse numa evolução social.
Nós brasileiros, principalmente, vivemos muito - principalmente quem vive em uma situação melhor -, a culpa por uma maioria que vive numa situação complicada. Isso muitas vezes é muito forte dentro da gente, talvez por temperamento também, nós somos muito emotivos. Nós latinos somos muito emotivos. Pelo fato de eu viver em um país que hoje está até melhor, mas vivendo esses extremos, onde você encontra nesse Brasil várias realidades completamente diferentes, viver com essa desigualdade social é muito pesado. Por isso que eu não acho que eu e o Raí tivemos uma ideia brilhante. Acho que todos nós, ou grande parte da população, divide esse pensamento.
Depois, com certeza, o futebol nos deu oportunidade de construir um canal onde você pode mobilizar pessoas, onde você pode centrar ideias, encontrar armas pra você conseguir realmente manter uma fundação como a Gol de Letra, porque se analisarmos o que é a Gol de Letra hoje, você precisa de uma engrenagem muito forte pra que ela consiga sobreviver outros dez anos. Pra gente, era um entendimento meio inconsciente porque a gente não tinha muita noção do que era isso, mas era uma vontade muito grande de construir esse canal que pudesse contribuir na evolução social dentro do nosso país. E hoje, depois de dez anos, estou muito consciente que várias outras pessoas pensaram nisso e esse movimento do Terceiro Setor, da iniciativa das pessoas em obras sociais, acho que contribuíram muito também para a evolução do país; coincidiu, com certeza, com o avanço da economia do país, com uma situação política mais estável, tudo isso foi contribuindo.
Hoje, quando você olha pro futuro do Brasil, e também, por esse tipo de iniciativa, acho que ele está cada vez mais sólido. A gente tinha um pouco essa ideia de que poderia realizar alguma coisa que impactasse, principalmente na educação. Acho que é a única forma de você realmente conseguir fazer com que um país saia de um peso social é através da instrução, do conhecimento, da autoestima. O fato de você conhecer as coisas, saber das coisas, cresce a autoestima, isso [te] transforma com certeza em uma pessoa produtiva. Isso foi acontecendo, o Brasil está acontecendo e eu vejo um futuro muito positivo pro Brasil.
P/1 – E essa formação do Gol de Letra pela entrevista do Raí foi muito conversada entre vocês, né? Praticamente era um grupo de quatro pessoas, no começo?
R – É. Foi o Raí quem pensou, vou ser sincero. Eu dividia muito com o Raí essa ideia, mas ele foi quem deu o empurrão pra que isso acontecesse. A gente acabou... Nós nos conhecemos no Brasil. Saímos do Brasil - eu saí em 91, ele saiu em 93 -, e depois jogamos juntos no Paris Saint-Germain. Jogamos dez anos na Seleção, parceiros de quarto, então tivemos muitas oportunidades de conversar isso, foi muito bem pensado.
Teve um momento crucial, que foi quando ele voltou pro Brasil. O Raí voltou pro Brasil em 98 e, quando voltou, se viu na possibilidade de realizar. Eu ainda estava no exterior, como estou até hoje, mas foi ele realmente, numa ligação, me ligou eram três horas da manhã, falou: “Léo, tudo o que a gente conversou nesses anos todos, acho que tá na hora da gente fazer alguma coisa. Tá assim, vou te mandar um rascunho de uma ideia de organização que a gente tem. Vamos conversar?” Eu falei: “Calma, pera aí.” Eu estava na Itália e no dia seguinte a gente se falou outra vez: “Vamos embora, vamos começar.” Foi ele também que articulou pra que tudo começasse. O grande mérito de botar a nossa ideia pra funcionar foi do Raí, com certeza.
P/1 – A ideia principal da Fundação Gol de Letra, qual é? O objetivo principal?
R – A nossa grande bandeira é a educação. Hoje eu acho que a gente tem certeza disso, a gente tem certeza que é através dela que você consegue realmente resgatar a autoestima. É o resgate histórico, e é você dar, realmente, possibilidades a essa criança de entrar em um mercado, de entrar na vida, de ter uma possibilidade de se autoconhecer e conhecer o talento.
Tem uma frase de… Pera aí, que eu vou me lembrar de quem é a frase. Enfim, diz que a real definição de pobreza é a falta, pro ser humano, de oportunidades de reconhecer o próprio talento. E isso é realmente a grande pobreza; a partir do momento que você conhece, sabe que pode realizar, você realiza. Você consegue fazer. E a gente começou a desenvolver um trabalho muito ligado às atividades extracurriculares porque acho que a informação… Você dá a informação: a Matemática, a Geografia, com certeza, é a base de qualquer processo de conhecimento, de estudo, mas você tocar fundo nas suas emoções através de atividades, acho que esse que era o nosso grande desafio. Só através dessas atividades que crianças em risco social, crianças fora do percurso escolar, podiam realmente despertar pra isso.
Acho que hoje nós temos certeza disso. Chegar em uma comunidade onde você tem uma autoestima zero, onde essas crianças não se reconhecem, muitas vezes, nem cidadãs, fora completamente do sistema, e através de uma atividade elas se descobrem. Ela pode se descobrir um fotógrafo, o esporte, a música, a arte, a dança, e a partir dali é que se abre todo um leque de aprendizado. Então, primeiro você toca na emoção e depois você chega na parte intelectual. Isso é tão evidente, não é uma coisa que nós descobrimos, só que nós temos um sistema que exclui muitas pessoas. Essa era a grande ideia da fundação, que era desenvolver um método de aprendizado através dessas atividades. Com certeza, pra gente o esporte era a grande referência, mas chegamos muito rápido às outras atividade,s que são tão importantes e tão fortes como o esporte no processo educativo.
P/1 – E nessa formação de toda essa estrutura escolar, de atividades extracurriculares também, a comunidade teve participação na escolha das atividades?
R – Isso foi acontecendo gradualmente. Nós primeiro fizemos um projeto, um esboço de projeto muito mais técnico. Nós começamos a pensar através da fundação Abrinq, que foi uma grande parceira na formatação desse projeto, a entender realmente como fazer. Porque nós tínhamos um grande sonho, tínhamos uma grande ideia, mas não tínhamos, digamos, como sistematizar isso. Isso foi acontecendo de um modo natural, quando nós desenvolvemos todo um método educativo através, principalmente, do esporte, arte, informática e literatura, o português, porque a linguagem muitas vezes falta pra você, o recurso de linguagem pra você desenvolver outras atividades.
Essas eram mais ou menos as três bases sólidas do projeto. Mas tudo isso foi caminhando, até porque existe uma demanda, você descobre pessoas que tem aptidões pra coisas que com o caminho você consegue chegar. E depois tem um desdobramento do projeto, onde essas crianças saem depois de três, quatro anos, de um processo educativo onde ela precisa de uma outra coisa, que pode ser o processo formativo profissional; depois que ela descobriu a aptidão, ela tem que se formar tecnicamente naquilo, então a Fundação Gol de Letra foi tomando uma proporção que, depois de dez anos de verdade, a gente falou: “Meu Deus do céu, ficou grande à beça.” Realmente, ver a Gol de Letra hoje como uma marca registrada, porque hoje você fala Gol de Letra e as pessoas entendem o que é Gol de Letra. Antes pensavam que era uma escolinha de futebol, hoje entendem, com certeza, que é todo um processo de discussão profundo do que é educação no nosso país.
P/1 – Como é que vocês chegaram ao nome? Gol de Letra.
R – (risos) A verdade é que nós queríamos fazer um jogo. A gente tinha aquela ideia do gol, que é o objetivo. O gol é uma palavra que toca nas pessoas, né? A gente queria usar também essa força. Eu era um pouco contrário, eu no início tava pensando no Toque de Letra porque eu não queria dar a ideia da escolinha de futebol, e Gol de Letra era muito mais ligado ao futebol que o Toque de Letra. Mas também seria porque, na verdade, sendo dois jogadores de futebol é normal que as pessoas pensassem que fosse uma escolinha de futebol, até porque esse formato é muito batido no Brasil.
Era Toque de Letra, Gol de Letra, e a ideia era exatamente o objetivo, o Gol, e a Letra, claro, o alfabeto, o aprendizado, o ensino. Gol de Letra é um gesto muito conhecido no futebol. É uma expressão muito conhecida, o “gol de letra”, e acho que esse nome acabou dando certo. Foi o nome mais justo e acho que hoje representa muito do que a gente faz.
P/1 – O fato de você e do Raí jogarem futebol fora do Brasil, isso teve um peso grande pra vocês se conscientizarem mais dos problemas brasileiros e fazer com que a coisa acontecesse de uma maneira mais rápida?
R – Olha, eu acho que isso ajudou em tudo.
Primeiro, quando você está fora do seu país, como eu dizia antes, você se sente ainda mais com vontade de estar perto, de realizar alguma coisa. Quando você se vê distante, dá vontade de se agarrar a alguma coisa que você não tem naquele momento. O fato de vivermos no exterior com certeza nos aproximou muito da necessidade, vamos botar assim, do Brasil. Principalmente em momentos - acho que hoje tá melhor, mas momentos que só chegavam notícias ruins do Brasil. Teve um momento que a nossa estima estava baixa como país; só chegava coisa ruim, a criminalidade, o índice de analfabetismo, o índice de desemprego, problemas sociais infinitos. Hoje a gente vê um Brasil mais otimista, o que chega é um Brasil com uma economia que está voando, vinte anos atrás era um peso social muito forte que a gente vivia, e até de autoestima, mesmo. Então, isso, com certeza foi uma coisa forte.
E depois, você se confrontar com realidades onde o ensino é muito mais integral, onde quase todas as pessoas têm a oportunidade de ter acesso a outras atividades que completam, de uma maneira muito importante, a formação de uma criança. Hoje no Brasil ainda é assim, pra fazer atividade extracurricular você tem um custo enorme familiar, pra você fazer o inglês, o judô, a natação, o balé ou o curso de fotografia, ou de estilismo, seja lá o que for. Muitas vezes é difícil o acesso. Se isso vira uma política pública, onde você tem, através das atividades, um processo educativo, acho que essa é a grande luta. E na Europa muitas vezes você encontra realidades onde essa educação integral é quase uma normalidade.
P/1 – Você falou há pouco sobre a criança que entrava no Gol de Letra, tinha alguns anos ali e depois ela tinha que sair pelo próprio percurso que já tinha percorrido ali. Essa saída de uma criança que frequentou essas atividades, como é? Porque é complicado, ela volta para uma realidade muito dura.
R – Pois é, na verdade, a gente tem que entender. Não é uma volta porque ela não pode sair dessa realidade. Muitas vezes isso aconteceu na Gol de Letra em São Paulo, que criou aquela ilha, uma situação onde aquelas crianças eram privilegiadas e as outras, não. Onde você vivia numa comunidade, “mas por que eles vão na Gol de Letra e a gente não?” O que eles fazem, o que eles não têm?
E outra coisa: no processo de formação acabam sendo identificadas na comunidade de uma maneira diferente. Essas crianças têm que ter uma integração com a comunidade, senão viram crianças diferentes, então, isso realmente… Pela situação que a gente vive no Brasil, você chegar com um projeto assim, muitas vezes pode causar isso.
Isso aconteceu e nós lançamos um outro projeto, que é o FAC, Formação de Agentes Comunitários. Essas crianças agiam na comunidade pra que esse tipo de informação, esse tipo de formação, chegasse a toda a comunidade. Você ter uma biblioteca comunitária, trazer a comunidade pra dentro da fundação. Foram várias passagens que a gente foi vivendo na fundação, tentando também chegar à demanda, o que era, digamos, a realidade que a gente tava vivendo. Isso é um percurso muito longo, nós estamos falando em formação, são gerações e gerações.
Hoje nós estamos em um processo diferente na fundação, tentando uma autossustentabilidade da fundação da própria comunidade, porque não pode ser sempre a gente a manter. Se isso vira uma… Não só pelo Estado, mas pela própria comunidade, uma autogestão, é perfeito; se lança um projeto, o Estado te financia e a comunidade realiza. Isso seria o triângulo perfeito: a iniciativa privada consegue lançar um projeto, a comunidade abraça e toca e o Estado te mantém, porque o Estado sozinho não consegue chegar e instrumentalizar.
P/1 – Como vocês escolheram o local e a seleção de pessoas? Porque vocês não poderiam abranger toda uma comunidade. Como foi feita essa seleção de pessoas?
R – Essa foi outra passagem difícil, porque você conseguir um espaço físico dentro da comunidade, que possa realmente atender ao projeto, não é fácil.
O que aconteceu em São Paulo foi que encontramos uma escola abandonada, justamente pela má gestão do Estado. Fomos ver até nos registros do porquê da escola estar fechada, e ela estava fechada por falta de aluno. Isso em uma comunidade de trinta, quarenta mil pessoas, falta de aluno não podia ser, até porque hoje nós temos muitos dentro e muitos que querem entrar na mesma comunidade, então não era esse o problema. Foi uma questão de gestão, de não conseguir tocar um projeto, e um espaço [foi] abandonado. E foi ali que o Estado, inteligentemente, nos concedeu esse espaço pra realizar um projeto pedagógico na comunidade. E dali nasce… Foi uma questão de oportunidade também, nessa comunidade, na Vila Albertina em São Paulo, que nós tivemos a concessão do Estado de São Paulo e fizemos tudo no modo privado.
Todos os nossos outros fundos pra realização de projetos, obras, foi tudo com iniciativa privada, empresas, patrocinadores, foi isso que aconteceu. E depois, no lançamento do projeto, alguns critérios tinham que ser criados: primeiro, com certeza era renda familiar, quem tinha renda mais baixa; o número de irmãos, pelas dificuldades que muitas vezes os pais têm de encaminhar todos os filhos; a proximidade do local porque, infelizmente, pra você conseguir transporte… Vários outros aspectos, que nós fomos analisando devagarinho e fomos, digamos, fechando, esse nosso formato.
P/1 – E depois da Vila Albertina vocês criaram outros núcleos em Niterói e...
R – Em Niterói foi diferente. Até pela dificuldade de você encontrar o espaço, nós construímos um espaço fora da comunidade e foi uma outra experiência que nós tivemos. Uma coisa é você ter uma escola pública concedida pelo Estado no meio da comunidade onde ela está integrada. A outra coisa foi o que nós fizemos, que era também uma experiência: você ter um centro fora da comunidade. Essas crianças vinham da comunidade, nós íamos buscar com ônibus e trazíamos pro centro.
Acho que essa experiência foi muito válida, mas foi uma comprovação, também, de que você tem que estar integrado na comunidade. O fato de você tirar essas crianças da comunidade e fazer um trabalho quase paralelo é menos eficiente que se você estiver dentro da comunidade. Em Niterói, aconteceu que a gente acabou se transferindo desse centro depois de dois ou três anos, mas era importante esse processo pra dentro da comunidade, onde nós fomos e estamos até hoje, na comunidade de Niterói. Depois nós fomos pro Caju, que foi a segunda sede. A gente já considera um processo de disseminação porque já tínhamos um projeto fechado, com resultados efetivos pra serem replicados em uma comunidade muito complexa, como é a comunidade do Caju.
P/1 – E a unidade da Itália?
R – (risos) Essa é diferente, né? Acho que na Itália e na França nós temos duas antenas mais pra captação de recursos; ainda hoje, trinta a 35 por cento do nosso orçamento chega da França e da Itália. Essas antenas foram importantes, principalmente na manutenção financeira e na busca de novos parceiros, novas ideias, intercâmbios culturais também. Isso, pra gente, foi muito importante pro desenvolvimento da fundação.
P/1 – Então, nem aqui, nem na França é um núcleo com desenvolvimento com crianças?
R – Não, nós não temos atendimento direto. A gente já nasce como Associação Gol de Letra França, Associação Gol de Letra Itália, com a missão de captar recursos para desenvolvimento pedagógico da Fundação Gol de Letra no Brasil.
P/1 – Como você está fora, o Raí está mais dentro do Gol de Letra que você, fisicamente falando.
R – Sempre esteve, em todos os sentidos. (risos)
P/1 – Mas você, de fora, como é essa participação física mesmo?
R – Eu participo de tudo. Estou presente principalmente nas decisões institucionais da fundação, meu contato é sempre com o Raí. Minha ex-mulher, a Beatriz, é agora diretora da Fundação no Rio de Janeiro, e sinceramente, até por essa situação, a gente dividiu, digamos, as funções. No Rio de Janeiro a Beatriz, hoje, é completamente autônoma, completamente independente na gestão do Rio de Janeiro; o Raí, em São Paulo e na gestão nacional, porque a sede da fundação é em São Paulo, onde nós temos uma coordenação geral, e depois nós temos captações.
Eu participo sempre de todas as decisões institucionais, ainda passam e passarão sempre por mim e pelo Raí. Todas as ideias que nós temos, estruturais, e depois a captação, principalmente na Itália, que se mantém viva, e no Brasil, com várias atividades que nós mantemos pra captação de recursos, eu participo diretamente.
P/1 – Nesses dez anos de Gol de Letra vocês devem ter tido vários casos muito fortes que aconteceram na comunidade, de participação das pessoas. Conta algumas coisas bem marcantes do Gol de Letra, dessas conquistas.
R – Tem conquista e tem frustração também.
P/1 – É, conta dos dois.
R – As conquistas, muitas. Se a gente analisa o que era uma ideia de dois jogadores de futebol; se você analisar [que] o Estado, todo instrumentalizado, não consegue chegar em uma comunidade, você imagina dois jogadores de futebol que pensaram um dia de entrar em uma comunidade. As dificuldades eram infinitas. As conquistas, acho que principalmente através da clareza do objetivo, porque é uma coisa tão aberta, no sentido que era um objetivo único: entrar pra participar ali de uma construção de alguma coisa que pudesse dar uma oportunidade à comunidade. Esse contato com a comunidade, que se abre porque acredita, isso é muito bacana. Você sentir que as pessoas acreditam no que você está fazendo, acreditam no que você pode fazer, te metem na situação de realizar, isso foi sempre muito bacana.
Você vê hoje as mães dessas crianças que desenvolvem projetos, um desdobramento do nosso trabalho. Crianças que saem e conseguem entrar na faculdade, no mercado de trabalho, e que viram líderes na comunidade, que constroem partidos, que fazem novela. São várias situações [em] que essas crianças se descobriram dentro dessa organização. Isso pra gente é uma alegria muito grande, independente do que é alegria pessoal, mas saber que nós participamos de um novo instrumento que está dando resultados sociais diretos, isso é uma coisa muito legal.
E depois, as frustrações. Eu me lembro de carinhas que infelizmente nós perdemos de vista, que muitas delas não terminaram bem. Eu me lembro de Robson, por exemplo, um menino que me marcou muito. Eu me lembro de ter chegado na fundação vestido normal, né? Na época eu era até patrocinado pela Nike, jogava, e por um bom momento eu acho que o tênis da Nike virou o símbolo do consumo, todo garoto tinha um sonho de consumo ter um tênis da Nike. Eu me lembro de ter chegado e ele me chamou de besourinho. Eu não sabia nem o que era besourinho, naquela comunidade besourinho era quem conseguia ter o tênis da Nike. Ele tinha dez anos. Foi agressivo comigo porque pra ele ter o tênis da Nike era o pulo do gato, ele não tinha tênis da Nike. Isso me marcou quando ele me falou aquilo e eu o marquei de vista, vendo tudo acontecer.
Robson frequentou, era muito agitado, muito complicado, muito difícil, e tinha dois irmãos que estavam também na fundação - eram três: ele era o do meio, tinha o mais velho, que era muito aplicado, mas que tinha uma coisa muito forte nele, tinha medo das coisas, o mais velho. O terceiro era tranquilo, falava pouco. E o Robson era muito agitado, e _____. Ele acabou fugindo da fundação, desapareceu. O trabalho social ia na casa, procuravam pelos irmãos, Robson sumiu. Dois anos depois eu [o] encontrei: ele tinha caído no mundo da criminalidade, tinha sido preso, tinha sumido completamente, e naquele momento ele tinha ainda doze, trezes anos, tinha conseguido escapar e tava parando carro na praia. E eu peguei, tentei acompanhar tudo dele, onde ele estava, mas não teve jeito. Ele ia, voltava, recaídas e acabou se perdendo. Eu o perdi de vista e é uma carinha que até hoje me... Nós não conseguimos com o Robson. Isso pra mim foi ruim, em cem conquistas uma derrota é ruim. Às vezes, essas derrotas marcam mais que as vitórias, é uma coisa meio doida, e Robson eu perdi.
E no Brasil, quantos Robsons não tem? Ele teve aquela oportunidade, mas ele não podia. Não é que ele não queria, ele não sabia como lidar com aquilo. Aquilo virou um problema, ele não conseguia responder, e talvez pra ter um tênis da Nike fazia qualquer coisa. Essa coisa meio desequilibrada, não só socialmente, mas até na nossa cabeça. A gente cria esses estigmas que ficam difíceis de você tirar. Muitas vezes, essas derrotas ficam marcadas pra sempre.
P/1 – Os seus filhos são adolescentes hoje, eles têm alguma participação direta na Gol de Letra, se envolvem com alguma coisa?
R – Os meus filhos viveram a Gol de Letra sempre. A Gol de Letra foi um assunto cotidiano na vida deles e é até hoje. Com certeza, a Beatriz deve estar muito ligada hoje e meus filhos estão dentro da fundação sempre. Acho que carregam todos esses valores, esses conceitos, muito forte dentro deles.
P/1 – Bom, pra ir pro fim da entrevista. Nesses dez anos da Gol de Letra, dá um resumo dos resultados e o que vocês esperam pros próximos dez anos.
R – Olha, o resultado é muito mais do que era esperado. A gente nasceu com a ideia de fazer um núcleo que pudesse desenvolver um projeto, que pudesse discutir políticas na educação, que pudesse, com certeza, através de resultados concretos, carregar essa bandeira. A Gol de Letra cresceu de um modo que ficou muito maior que esse núcleo de ensino, acho que ela virou uma referência muito forte do que é a educação através do esporte, de outras atividades, sinceramente até no próprio Brasil, nessa discussão. Isso, pra gente, é muito maior.
A coisa era consolidar um projeto efetivo, com resultados comprovados que pudessem dar a gente a possibilidade de disseminar, discutir, replicar. Eu acho que isso tudo aconteceu. Não adianta você ter, como nós começamos com cem crianças, depois duzentas crianças, depois com quinhentas, nós chegamos a mil e quinhentas crianças. Acho que na Gol de Letra, em dez anos, passaram, direta e indiretamente, quinze mil crianças. Pode ser. Mas isso é varejo, não tem jeito, é sempre varejo.
Hoje a gente está entrando em um outro processo, que é um processo de discussão ainda mais abrangente do que é a educação no nosso país. Isso está coincidindo com o momento do país de crescimento e acho que essa discussão vale. O sistema educativo no Brasil, com certeza ele tem que mudar, principalmente pra essa camada da nossa população que esteve muitos anos fora do sistema e que eu acho que devagarinho está sendo reintegrada.
P/1 – Legal. E esses próximos dez anos tende a crescer mais?
R – Tomara que a gente viva ainda dez anos.
P/1 – E essas pessoas que já passaram, tantas pessoas, vocês já as veem atuando na comunidade?
R – Hoje nós temos vários líderes comunitários. Hoje, a Vila Albertina é uma comunidade saneada, com saneamento básico. É uma comunidade onde a escola pública retornou, onde a creche pública retornou. Hoje, dentro do que é zona oeste, a Vila Albertina tem uma representatividade muito importante na subprefeitura, então tudo isso foi construção de ideias que levam benfeitorias pra própria comunidade.
Eu acho que o impacto social, ela tende… É evidente o que aconteceu na Vila Albertina e o que está acontecendo no Caju, e acho que hoje acontece em várias comunidades porque existem muitas pessoas agindo nesse sentido. O que falta, talvez, seja amarrar toda essa situação, digamos, que se vive dentro da comunidade, com o que é o controle do Estado e o incentivo público.
P/1 – O que você aprendeu com o Gol de Letra?
R – (suspira) Eu acho que aprendi muito. E, sinceramente, nesse momento me falta a Gol de Letra, no sentido de você conseguir encaixar a sua vida, conseguir ter a sua realização pessoal; a realização, digamos, do que é a sua função de cidadão, de contribuir numa evolução direta da sua comunidade e de sua vida familiar.
Acaba sendo um circuito fechado do que é uma pessoa, né? A sua religiosidade, isso também é uma outra parte importante das nossas vidas, tem toda essa... Ela foi uma constante tão forte na minha vida durante tanto tempo, que hoje, com essa minha nova função, essa coisa de viver só a minha vida me falta um pouco. Pode ser a Gol de Letra, pode ser qualquer outra coisa. Gol de Letra, pra mim, é uma parte importantíssima da minha vida.
P/1 – Uma última pergunta: o que você acha dessa importância de estar registrando a história do Gol de Letra no Museu da Pessoa pra ter acesso a mais pessoas.
R – Isso é outra iniciativa do Raí. Acho que eu e o Raí nos completamos muito.
Eu sou o cara mais pragmático, mais prático, o cara que talvez transforme algumas ideias em [coisas] realizáveis, porque acho que todo sonho, toda ideia, tem que ter uma base de organização que dê uma sustentabilidade à coisa. Acho que tenho muito isso. E o Raí tem o grande sonho, o Raí é aquele que tem a ideia e não sabe nem se consegue realizar, então isso é legal.
Eu talvez tenha tido participação em várias ideias, mas eu acho que ele age muito mais com instinto. Isso é uma coisa muito legal, foi assim em vários momentos da fundação e hoje é mais um. Registrar esse resgate histórico, registrar a história da fundação, que acaba registrando a história das pessoas, isso é uma coisa fundamental para os próximos anos também. A gente está comemorando dez anos, mas a gente está partindo para uma nova década que, com certeza, é baseada em valores muito fortes, que esse registro vai nos relembrar. Então, acho que isso é realmente muito importante.
Depois, com certeza, o Museu da Pessoa, onde você pode concentrar já uma coisa que é rica, como um case a mais, toda essa coisa vai nos ajudar muito a nos orientarmos e, com certeza, comprovar resultados. Fazer com que pessoas que marcaram a fundação e não estão mais também, voltarem um pouquinho no tempo e reconstruir tudo o que vai ser o nosso futuro. Acho uma coisa muito bacana, o registro é fundamental.
P/1 – Quer deixar mais alguma mensagem, alguma coisa que não foi perguntada, que você acha importante registrar?
R – Não, acho que tá legal. (risos)
P/1 – Então, muito obrigada pelo seu tempo.
R – Valeu.
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