Memórias do Comércio do Rio de Janeiro
Depoimento de Pedro Passos da Silva
Entrevistado por Paula Ribeiro e Fernanda Monteiro
Rio de Janeiro, 29/5/2003
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCRJ_HV001
Transcrito por Elisabete Barguth
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Pedro. Eu gostaria então de começar nossa entrevista pedindo que você nos forneça o seu nome completo, o local e data de nascimento, por favor.
R – Tá. Pedro Passos da Silva. Eu sou do interior da Bahia, nasci no interior da Bahia num lugar chamado Saúde.
P/1 – E a data de nascimento, Pedro?
R – Eu nasci [em] seis de agosto de 39.
P/1 – Seus pais, o nome dos pais e a profissão.
R – Meu pai, José Pereira Passos, lavrador. Minha mãe é Elvira Passos da Silva, mãe de dezenove filhos. Não precisa dizer mais nada, a profissão dela, né?
P/1 – Pedro, você conheceu seus avós?
R – Não, meus avós eu não conheci, não.
P/1 – Nem materno nem paterno?
R – Não, nenhum deles.
P/1 – Pedro, conta um pouquinho pra gente como era essa atividade profissional do seu pai.
R – Ele trabalhava na lavoura, plantava bastante mandioca, feijão; seria o sustento da família. Ele saía cedo de casa e levava alguma coisa pra comer, voltava à noite. Vivemos aí até eu completar seis anos de idade e depois fomos morar em Itabuna, [no] sul da Bahia. Saímos da parte do sertão [por causa de] problemas, dificuldade de chuva, coisa que até hoje o Nordeste sofre; falta d’água pra lavoura, então fomos pra Itabuna. Saímos de Itabuna [quando] tinha quinze anos. Vim pro Rio de Janeiro, cheguei aqui em 55.
P/1 – Antes da gente chegar no Rio eu queria recuperar com você… Você conhece a origem da sua família? Esse sobrenome Passos, por exemplo, conhece de onde vem?
R – Não, eu te digo que família tradicional não é nada… Em absoluto não, não somos. Eles não são descendentes de estrangeiro.
P/1 – Mas os avós eram baianos, por...
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Depoimento de Pedro Passos da Silva
Entrevistado por Paula Ribeiro e Fernanda Monteiro
Rio de Janeiro, 29/5/2003
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCRJ_HV001
Transcrito por Elisabete Barguth
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde, Pedro. Eu gostaria então de começar nossa entrevista pedindo que você nos forneça o seu nome completo, o local e data de nascimento, por favor.
R – Tá. Pedro Passos da Silva. Eu sou do interior da Bahia, nasci no interior da Bahia num lugar chamado Saúde.
P/1 – E a data de nascimento, Pedro?
R – Eu nasci [em] seis de agosto de 39.
P/1 – Seus pais, o nome dos pais e a profissão.
R – Meu pai, José Pereira Passos, lavrador. Minha mãe é Elvira Passos da Silva, mãe de dezenove filhos. Não precisa dizer mais nada, a profissão dela, né?
P/1 – Pedro, você conheceu seus avós?
R – Não, meus avós eu não conheci, não.
P/1 – Nem materno nem paterno?
R – Não, nenhum deles.
P/1 – Pedro, conta um pouquinho pra gente como era essa atividade profissional do seu pai.
R – Ele trabalhava na lavoura, plantava bastante mandioca, feijão; seria o sustento da família. Ele saía cedo de casa e levava alguma coisa pra comer, voltava à noite. Vivemos aí até eu completar seis anos de idade e depois fomos morar em Itabuna, [no] sul da Bahia. Saímos da parte do sertão [por causa de] problemas, dificuldade de chuva, coisa que até hoje o Nordeste sofre; falta d’água pra lavoura, então fomos pra Itabuna. Saímos de Itabuna [quando] tinha quinze anos. Vim pro Rio de Janeiro, cheguei aqui em 55.
P/1 – Antes da gente chegar no Rio eu queria recuperar com você… Você conhece a origem da sua família? Esse sobrenome Passos, por exemplo, conhece de onde vem?
R – Não, eu te digo que família tradicional não é nada… Em absoluto não, não somos. Eles não são descendentes de estrangeiro.
P/1 – Mas os avós eram baianos, por exemplo.
R – Baianos, todos ali da… Possivelmente índio e português, é a origem toda nossa, nada de estrangeiro.
P/1 – Agora me conta um pouco da memórias da infância em Itabuna. Onde é que o senhor foi morar, como é que era um pouco da cidade? Uma família de dezenove irmãos. Como era isso, Pedro?
R – Em Itabuna ou antes, em Saúde?
P/1 – Pode contar um pouquinho de Saúde.
R – Em Saúde, me lembro de fazer cavalo, montar um cavalo com uma folha de coqueiro. Fazia uma rédea, montava; saía passeando com aquilo, fazendo poeira pelo caminho. Eu fazia currais de madeirinha, pegava osso de boi. Quando você usa e fica os ossos, quando você não consegue consumi-lo, sobra; fazia um tipo de gado, um bezerro, uma coisa e prendia, né, fazia um curralzinho.
Meu mundo era… Minha infância [foi] até os seis anos aí. Me lembro que uma vez tentei seguir minha mãe. Ela ia fazer uma barraca, armar uma barraca pra vender comida e eu queria que ela me levasse. Ela não queria porque eu estava com catapora. Segui minha mãe um caminho muito longo com ela até que alguém… Ela pedia: “Volta meu filho, você não pode, volta.” “Não, eu quero ir.” Até que veio alguém de caminhão, me pegou de volta e me trouxe, isso é uma das coisas de Saúde.
P/1 – Sua mãe vendia o que? Em feira era isso?
R – Não, ela nessa época… Tinha um casamento, por exemplo, ela fazia comida, ela matava galinha. Ela sempre trabalhou muito, minha mãe realmente trabalhou muito, então [era] a maneira dela ajudar, né? Éramos todos ainda pequenos, a maioria pequenos...
P/1 – Você no grupo de irmãos qual era...
R – Eu sou o do meio.
P/1 – E no caso do seu pai, ele trabalhava em terras dos outros? Vocês tinham a própria terra, a lavoura era própria? Era meio… Como era?
R – Olha, os pais dos meus pais tinham propriedades, mas quando casaram eles saíram desse meio da propriedade deles, então ele foi… Nós fomos pra um lugar que ele não era [dono], normalmente ele plantava pra dividir com o dono da terra, dividia.
Eu me lembro que quando tinha muita melancia a gente abria a melancia e comia só o miolo. Ele ficava uma fera com aquilo: “Não é possível, como é que você estragam a melancia, só comer o miolo da melancia!” Era muita melancia quando ele plantava e produzia, eram aqueles roçados. Você preparava a terra e era muito milho, feijão, mandioca e aipim.
P/1 – Desse seu período, ainda dessa cidade de Saúde, você tem alguma memória por exemplo de festejos, de música? Já era presente isso na vida da sua família?
R – Não. Acho que desse local, [aos] seis anos de idade minha… Eu acho que o acontecimento maior era o dia de feira, que as pessoas convergiam pra cidade e vendiam negócios; vinham pessoas com animais, com cargas de animais e era bastante movimento, era dia festivo. Festas de lá eu não me lembro, não. Me lembro muito da escola, do prédio escolar; a gente morava bem próximo ao prédio escolar.
P/1 – Você chegou a estudar em Saúde?
R – Eu estudei.
P/1- Você lembra um pouquinho dessa sua escola?
R – Memória da escola não, mas do prédio escolar eu me lembro. Ficava no final da rua.
Tinha um curral que as pessoas guardavam os animais quando era dia de feira e ali eu já arranjava alguma coisa pra fazer e ganhar dinheiro, mas fui ganhar dinheiro mesmo já foi com… Quer dizer, ganhar mesmo dinheiro, ganhar alguma coisa de dinheiro em Itabuna [foi] com oito anos de idade. Fui pra Itabuna, aí eu já...
P/1 – Então me conta, você tem a memória dessa saída de Saúde pra Itabuna, da família? Você pode contar um pouquinho, Pedro?
R – [Fomos em um] caminhão pau de arara, a família toda. Eu me lembro que nós paramos num restaurante de estrada… Engraçado que eu me lembro até hoje, [foi a] primeira vez que eu vi um gramofone com 78 do Luiz Gonzaga, era aquela música, “Assum Preto”. Saúde não tinha eletricidade, não conhecia o som de rádio; nós paramos [para] fazer uma refeição então e tava tocando a música do Luiz Gonzaga, “Assum Preto”.
P/1 – Como é um trechinho dessa música?
R – “Assum preto leve e solto, mas não pode avoar, vive em cima de uma gaiola desde que o céu…” Você conhece, né?
P/1 – Conheço. O que vocês, como crianças… Quer dizer, a ideia era ir pra Itabuna pra que, melhorar a situação?
R – Melhorar. A família grande, dezenove filhos minha mãe teve. Na realidade, foram criados dez; chegamos em Itabuna sendo dez, hoje somos nove, morreu uma e eu o único homem da família. Sou o único homem. [Fomos] em busca de melhorar de vida.
P/1 – Como era a casa? Vocês foram morar onde?
R – Nós fomos morar num bairro chamado Caixa D’Água, bairro que passava o trem que ia pra Ilhéus. Eu comecei a vender verdura cedo; uma vizinha ajeitava um tabuleiro de verduras e me dava pra eu vender. Ela me dava 20% da participação do negócio.
Eu já saía sem café - era muito cedo -, saía vendendo e quando vendia alguma coisa passava na estação de trem de Itabuna [para] tomar o café. Tinha um bolachão grande que eu apelidava de ‘mata-fome’ com um copo de mingau. Eu tomava o meu café, depois eu vendia jornal, ia matar porco com o vizinho que trabalhava na feira. Comecei a armar barraca pra ele também. Ele tinha um filho que fazia carne de sol, eu ia pras fazendas matar boi e fazer carne de sol com ele.
P/1 – Como é que faz carne de sol?
R – Você mata a rés, tira o couro, disposta, tira os ossos da carne e aí você corta as partes: chão de dentro, chão de fora, patinho. Você abre, põe sal grosso, põe em gamelas grandes, vasilhas grandes. Dorme de um dia pro outro. No dia seguinte você expõe, põe ela secando. Pega um dia de sol, talvez seja o nome carne de sol por isso, aí você pega, guarda elas - isso um dia, dois dias antes da feira, uma carne que você tem que vender rápido.
P/1 – E Itabuna era uma cidade que vivia de quê?
R – Itabuna viveu muitos anos do cacau. Hoje ela tenta viver, mas tá difícil. Era realmente cacau.
P/1 – Seu pai, alguém da família trabalhava nesse cultivo de cacau?
R – Não. Eu tenho a impressão que a nossa saída de Itabuna foi de alguém que de Itabuna apareceu lá por Saúde, pela região. Conversando com meu pai, aquela família grade de filhos... “Olha, Itabuna é uma cidade próspera.” Eu me lembro que ele foi trabalhar e também continuou trabalhando em lavoura de cacau; não era mais lavrador, já era mais pro cacau. Minha mãe lavava roupa pra fora, pra essa senhora que me dava um tabuleiro de verduras pra vender, Dona Joaninha. Era isso, ela tentava criar os dez filhos. Três vieram pro Rio primeiro, depois elas mandaram buscar o restante.
P/1 – E escola, você teve a chance de estudar, de fazer um curso básico?
R – Em Itabuna estudava de manhã, depois trabalhava à tarde no comércio, ia pra uma loja chamada Paulistana. O senhor Michel Jorge Chauí era um turco de Ilhéus. Depois eu fui crescendo e passei a estudar à noite, passei a trabalhar o dia todo e...
P/1 – Vendia o que essa loja?
R – Essa loja vendia perfumes simples, Extrato Dirce. Até hoje, alguém tá usando um perfume... “Parece com Extrato Dirce”.
P/1 – Ah que ótimo, o nome é sensacional. Extrato Dirce é ótimo.
R – Em época de carnaval vendia lança-perfume, que era permitido, confete e serpentina. Vendia papelaria de um modo geral, vendia bastante coisa, sabonete, pasta de dente.
P/1 – Isso era, por exemplo, um trabalho empregado?
R – Era trabalho empregado. Eu tinha uma irmã, Terezinha, que era caixa e ela me arrumou esse emprego lá. Eu varria, lavava banheiro. Muitas vezes o dono ia, gostava que eu fosse comprar umas coisas pra gente almoçar e eu almoçava com ele lá mesmo. Fui estudar à noite, consegui fazer, terminar admissão em Itabuna, aí vim pro Rio e continuei. Fiz até o quarto ano ginasial, aí não deu mais.
P/1 – Você falou de carnaval. Quais são as suas memórias do carnaval de Itabuna?
R – Em Itabuna a gente testava os lança-perfumes jogando nas pessoas, fazendo… Aquilo é frio, não sei se vocês… Além do cheiro, aquilo é como se fosse gelado, então a gente fazia umas maldades, jogava em determinadas partes... (risos) Mas aquilo era muito cheiroso, o lança-perfume, é uma pena que o negócio foi por… Se tornou um negócio ruim, né, maldade.
P/1 – E nessa época, quer dizer… Você tem um ouvido musical. Tinha feira, tinha música, tinha forró.. O que tinha na Bahia de música nessa época, você era ligado nisso?
R – Eu me ligava, sim. Eu tinha uma vitrola que na época era de 78 rotações.
Eu me lembro das coisas do Ruy Rey, aqueles merengues, aquelas rumbas, me lembro. Eu comprava 78 rotações, muito Luiz Gonzaga; minha mãe sempre gostou do Luiz Gonzaga.
Tinha uma coisa importante em Itabuna, um parque de diversão, então tinha um sistema de alto-falante. “Essa música vai para fulana, dedicada com muito amor e carinho.” Aí era “Índia”, “Meu Primeiro Amor”... Me lembro do matinê, do cinema em Itabuna, aquela garotada lá e eu já ganhando dinheiro, trocando revista nova por três antigas. Eu tinha um vizinho que recebia de Ilhéus revista bem nova, aí eu lia… Ia lá na porta antes de começar a sessão, aí trocava uma por três, por quatro, depois vendia essas mesmo. Olha, me sobrava dinheiro.
P/1 – Mas você ia ao cinema?
R – Depois eu ia ao cinema. Antes do cinema eu botava ali na calçada… Realmente, acho que o comércio foi uma coisa pra mim, vamos dizer, nata. Eu já nasci pra trabalho e comercializar, vender.
P/1 – Nessa época, por exemplo, você comprava discos?
R – Eu comprava 78 pra usar, os discos 78 rotações que eu tinha em casa.
P/1- Quais você lembra? Você lembra então do primeiro disco, por exemplo?
R – O primeiro disco… Deixa eu ver, eu acho que foi o próprio “Índia”, mesmo.
P/1 – “Índia” é o quê?
R – “Índia, teus cabelos nos ombros caindo…” “Brasileirinho”, Valdir Azevedo. Sessão de cinema a gente ia, tinha aqueles seriados, Flash Gordon, sabe, Capitão Mavel, aquela… A matinê da garotada era de capítulos, aqueles bangue-bangue, Roy Rogers.
P/1 – E instrumentos, alguém tocava instrumento na família?
R – Não, assim de tocar, não. Vocação… Hoje tem, Zé Otávio toca, Carolina toca, tem uma voz bonita; são meus filhos. Mas minhas irmãs, não.
P/2 – E o senhor nunca...
R – Não, tocar mesmo só tocar disco, campainha, mas tocar instrumento, não.
P/1 – Pedro, conta um pouquinho então essa vinda pro Rio de Janeiro. Quais são as suas memórias dessa viagem, quais foram as suas primeiras impressões ao chegar na cidade?
R – Olha, primeiro que eu me lembro que a família quase encheu o avião. Era um avião da National, a empresa era National, então quase que a família lota o avião pra vir pro Rio.
P/1 – Mas quem veio?
R – Primeiro veio a Terezinha… Eram três irmãs minhas que estavam aí: Terezinha, Zenilda e Ivone. Elas vieram primeiro, arranjaram emprego no Rio e mandaram buscar a família. Nós fomos morar na [Rua] Macedo Sobrinho, 53, [em] um prédio que tem ali até hoje.
P/1 – Que bairro?
R – Botafogo.
P/2 – O senhor tinha quantos anos?
R – Cheguei no Rio em 55, tinha quinze anos.
P/1 – O que você conhecia do Rio de Janeiro?
R – Olha, eu conheci… Logo que eu cheguei fui trabalhar.
P/1 – Mas qual foi a sua primeira impressão ao chegar no Rio?
R – Imagina vindo de Saúde, Itabuna. Rio de Janeiro é, poxa… Eu me lembro que ia muito à Praia Vermelha, praia dali… Pegava um pneu de trator, botava por fora do bonde pra ir tomar banho, ficar boiando ali na água, ali a praia. Era muito bonito aquilo ali. O Rio até hoje fascina a gente, eu gosto muito do Rio de Janeiro.
P/1 – As suas memórias desse bairro de Botafogo: como era a vizinhança? Como era esse...
R – Bairro de Botafogo. Eu tinha um emprego numa farmácia, eu fazia as vitrines numa farmácia, Farmácia Humaitá.
P/1- Isso em que ano, Pedro?
R – Isso foi em 56. Aos domingos eu fazia as vitrines dele. Eu arrumava, limpava.
De Botafogo me lembro da favela da Macedo Sobrinho, que não era nada agradável: quando chovia descia muito entulho, muita coisa ali, deixava aquele trecho em frente ao Corpo de Bombeiros cheio de lama, de garrafa, de vasilhame. Não era agradável. Também tinha na catacumba, ali na Lagoa, também provocava a mesma coisa. O Lacerda conseguiu remover essas três ou quatro favelas e hoje acho que não desce nada ali, não tem nada ali.
P/1 – Mas do bairro de Botafogo quais são outras lojas que você lembra, de onde você chegou… Lojas mais tradicionais do bairro.
R – Olha, eu me lembro da Sears, que era uma loja bonita.
P/1 – Que ficava onde?
R – Ficava na praia de Botafogo. Botafogo era um bairro mais residencial; tinha um comércio, mas um comércio pequeno. Quando em 58 fui trabalhar em disco eu vendia pra uma loja na [Rua] Voluntários [da Pátria] que se chamava Maestro. Era uma loja de equipamentos de som e elétricos domésticos e eles tinham uma seção de disco; acho que era a única seção de disco de loja, tirando a Sears que vendia disco em Botafogo.
P/1 – A Sears vendia disco também?
R – Ah, vendia. A Sears, a Mesbla, Cássio Muniz.
P/1 – E o que é Cássio Muniz?
R – Cássio Muniz era uma loja de eletrodomésticos, ali na [Rua] Senador Dantas, esquina com [a Rua] Evaristo da Veiga, aquele trecho ali. Uma loja muito bonita. Lojas Movem, Casas Carlos Verso, Casas Garson, Rei da Voz, isso tudo eram lojas de eletrodomésticos e discos também.
P/1- De algumas dessas lojas, você lembra de alguma campanha publicitária, algum slogan, alguma coisa do comércio que tenha te marcado, daquelas propagandas… Como é que lojas dessas de música faziam propaganda naquela época, você se lembra disso?
R – Olha, não me lembro, não. Eu me lembro daquelas propagandas de bonde, lembro, um negócio...
P/1- Qual você lembra?
R – Aquele do “belo tipo faceiro que você tem ao seu lado, mas no entanto acredite ficou bom do bronquite, ficou salvo do bronquite pelo rum creosotado”. Não lembra dessa propaganda? Ah, bom. (risos)
P/1 – Em 41, sabe, Pedro?
P/2 – Tinha nos bondes?
R – Nos bondes tinha sim, “um belo tipo faceiro você tem ao seu lado, no entanto acredite quase morreu de bronquite, salvou o rum creosotado”.
P/1 – Essas casas como a Sears, o Rei da Voz, eles anunciavam, por exemplo, esse ramo de discos? Como era divulgado, anunciado? Era na imprensa escrita, era no rádio? Como era, Pedro?
R – Acho que era mais rádio, sabe? No início da indústria fonográfica no Brasil a divulgação era mais de rádio, isso você não tenha dúvida. Hoje é mais a imprensa escrita, a televisão. Eu me lembro que o Rei da Voz foi uma empresa muito voltada pra eventos de música, eles patrocinaram… Até tenho o long-play hoje, da [gravadora] Copacabana, “As dez mais lindas canções de amor”; participava, vamos dizer, Ari Barroso, Dolores Duran, “Reminiscência dos Velhos Carnavais”, uma marcha-rancho muito bonita, Lamartine Barros, Dolores Duran com “Ternura Antiga”. São dez músicas falando de amor dessa época, a foto é até ali na Praia Vermelha, aquele jardim ali. Eu tenho esse long-play da Copacabana, Miltinho.
P/1 – Quando você chega no Rio em 1958, o que o Rio de Janeiro está ouvindo de música?
R – Ouvia-se muito Nelson Gonçalves, muito Orlando Silva, muito Sílvio Caldas. Muitas cantoras: Isaurinha Garcia, Emilinha Borba, Marlene - o pessoal da Rádio Nacional, que foi a origem de toda a parte de artistas, programas. Por exemplo, em Itabuna eu ouvia a Rádio Nacional, aquelas séries: “O Sombra”, “Jerônimo, o Herói do Sertão”, além do Repórter Esso, que você ouvia as notícias pelo Eron Domingues. Tinha essa série toda que você ‘assistia’, o que era realmente…. Não tinha televisão e aqueles efeitos, aquelas coisas que você acompanhava, atento àquela sonoplastia dele, aquele negócio.
P/1- E a sua juventude aqui? Você ia a bailes, você tinha uma turma, como era?
R – Eu frequentava muito Botafogo. Eu tinha um cunhado que era sócio e namorava a minha irmã Ivone… Eu ia muito, baile de carnaval eu brincava quase todos. Tinha um senhor que era amigo da minha família, delegado de diversão e costumes; ele me arranjava convites até em duplicidade de clubes diferentes.
P/1 – Onde tinha baile de carnaval quando você chegou?
R – Ray Life, Glória, Bola Preta, Municipal - na época tinha, fui duas vezes -, Recreio e por aí vai.
P/1 – Recreio, Teatro Recreio?
R – Teatro Recreio e por aí vai.
P/1 – Não existe mais, né?
R – Recreio, não. Era ali na [Avenida] Gomes Freire, Teatro Recreio. Tinha mais umas coisas ali, me parece que foi a Companhia do Walter Pinto, que trazia aquelas argentinas bonitas. Nos últimos shows o Walter Pinto, ali... Tinha o Recreio, tinha o João Caetano e tinha o República também, ali naquele trecho, na praça Tiradentes.
P/1 – E qual era a diferença entre um baile do Municipal e um do Bola Preta?
R – Sem dúvida nenhuma, o Bola Preta era muito mais animado. No Municipal você tinha que ir todo… Já viu o carnaval, um calor terrível, você engravatado? O Bola Preta, não tenha dúvida, baile do Botafogo, baile do Fluminense.
P/2 - E você se lembra de alguma marchinha do carnaval, alguma...
R – Olha, marcha de carnaval… A minha esposa, hoje ela morre de rir dessas marchas antigas. Eu me lembro de todas. Ia muito artista lançar as músicas de carnaval nesse cinema em Itabuna, então [no] domingo iam artistas do Rio pra lá e apresentavam essas músicas de carnaval. Música de carnaval hoje não existe mais, mas antigamente, vamos dizer, era a época áurea da música brasileira. Era o samba ou marcha.
P/1 – Que artista, por exemplo, ia em Itabuna?
R – Olha, Francisco Caldas, Hélio Broto, ia a própria orquestra do Ruy Rey, Marlene, Emilinha, Blecaute e o pessoal em geral da Rádio Nacional.
P/1 – Pedro, então vamos entrar agora um pouco nessa sua vida profissional. Qual é o seu primeiro trabalho no Rio, exatamente?
R – Agora eu queria voltar ao Rio, na parte boêmia do Rio.
P/1 – Ah, bacana, claro.
R – Com quinze anos eu fui trabalhar num escritório de engenharia na [Rua] Uruguaiana, 55, aquele edifício da Sloper. Trabalhei até 58 ali, depois fui...
P/1 – Fazendo o que?
R – Eu era office-boy de lá, depois acabei saindo como a pessoa encarregada de preparar folhas de pagamentos pra obras. Eu que fazia os envelopes e saía com as pastas de várias obras: Bonfim, Marquês de Abrante, Senador Vergueiro, Raimundo Corrêa - tinham dois na Raimundo Corrêa -, Praça José de Alencar. Eu pagava essas obras no sábado, preparava na sexta-feira os pagamentos e pagava, aí fui pra escola de pára-quedista, servi durante dez meses.
P/1 – Então conta um pouco… Sempre quis servir o exército ou isso foi uma certa imposição? Como é que foi?
R – Não. Eu achava que a figura do paraquedista é um pouco diferenciada do outro soldado, sabe? A maneira de vestir, aquela bota marrom - não era bota preta, era marrom - e o uniforme era bonito, realmente. Tinha um desejo de aventura, de saltar, então seria na escola aproveitar. Fui lá pra Teodoro, batalhei no Santos Dumont; servi do início do ano até dezembro, dez meses.
Saí na primeira baixa e não voltei pro escritório que eu trabalhava. Eu fui trabalhar em disco, fui trabalhar sendo vendedor de uma etiqueta de discos nas lojas.
P/1 – Qual etiqueta, qual era o nome?
R – Chamava-se Companhia Internacional de Discos.
P/1 – Mas porque o ramo de discos?
R – A Terezinha, minha irmã, ela trabalhava na Perfumaria Carneiros, [na] Rua do Ouvidor. Ela tinha um amigo em frente [à] Casa Garson, Geraldo Santos, então ela pediu: “Geraldo, meu irmão está dando baixa. Você não arranja um trabalho pra ele?” Aí ele disse: “Arranjo, tem um amigo meu que está precisando de um vendedor.”
Saí, conversei com o Geraldo; ele me deu o endereço, [Avenida] Erasmo Braga, 277. Eu fui lá conversar com o Doutor Henry Jersey, que tinha sido o diretor da Columbia do Brasil, Odeon. Realmente um… Ele era inglês, tinha vindo pro Brasil e dirigido essas companhias grandes. Fez uma etiqueta de discos, Companhia Internacional de Discos, eles tinham Dionísio e seu conjunto [que] tocavam na Boate Fred - aliás, o Dionísio tocava no Texas Bar, o Guimarães que tocava no Fred. Tinha uma orquestra do Valdemar Spilmann, que vem a ser o pai do Marcos Spilmann - acho que o pai dele tá vivo inclusive… Não, faleceu. Ele tinha um disco chamado “Meu Primeiro Baile”. O Valdemar tocava muito na sede do Fluminense, aqueles bailes de formatura. O Dionísio tinha um irmão em Jaú que era diretor de uma orquestra, a Orquestra Continental de Jaú.
P/1 – De Jaú era o nome dele?
R – Era o nome da orquestra dele, essa Continental é de Jaú. O Jersey preparou um catálogo pequeno, mas um catálogo de bom gosto, de escolha de disco. Depois eu fui trabalhar com o Nilo Sérgio [na] Music Disc.
P/1- Mas então conta, explica um pouquinho, o que era um catálogo de disco dessa época?
R – São catálogos, são as folhas das capas dos discos. Você faz uma pasta com as folhas, com a numeração, aí você vai… Primeiro você leva o disco, quando o disco sai, pra mostrar pra pessoa ouvir e fazer o pedido. Eu fazia o Rio de Janeiro todo, até o Estado do Rio eu também fazia.
P/1 – Mas como era esse trabalho, em termos de estrutura? Você ia de carro, de ônibus, de trem, como era?
R – Ah, trem. Trem [de] subúrbio, ônibus... Barra Mansa, Volta Redonda, Campos - fazia Campos de ônibus -, Niterói.
P/1 – Quem eram seus clientes?
R – As lojas de discos.
P/1- E a maioria era discos nacionais ou internacionais?
R – Olha, chegou a ter uns lançamentos internacionais: um de música de filmes, uma orquestra americana, uma seleção de músicas mexicanas… Tinha um disco de valsa brasileira também, muito bonito. Também [tinha] um regional, tinha um disco do Dalton Vogeler, aquele autor de ”Balada Triste”, aquela música.
Depois eu saí da Companhia e fui pra Music Disc. Eu fui trabalhar com o Nilo Sérgio, essa pessoa foi, em matéria de disco, nessa época, a pessoa mais inteligente, mais sábia do ramo da indústria de disco.
P/1- Em que ano você está falando Pedro?
R – Isso eu tô falando em 60, 61.
P/1- Quem era ele, como era a empresa dele?
R – Bom, ele era um cantor, Nilo Sérgio. Ele começou a criar nomes de orquestras, de intérpretes estrangeiros. Na realidade era um brasileiro: Bob Fleming era Moacir Silva, Românticos de Cuba era Severino Araújo, entendeu? Ele tinha um disco de tangos chamado “Poema”, como se fosse argentino. Severino Araújo, Bob Fleming, “Sax in Flying”, “Sax Espetacular”... Ele tinha etiquetas também de fora, ele representava catálogos franceses de cordionistas, músicas de charleston.
Outro dia eu peguei em casa o interior de um long-play da Music Disc. Aquelas capas, a figura daquelas capas… Por isso que eu gosto do long-play, ele tem um histórico. Você olha, ele tem um conteúdo. Ele não é um CD, uma coisinha pequenininha, que é fácil de guardar, mas não tem histórico. O disco é realmente diferente, o long-play difere do CD.
P/2 – E o cuidado pra não quebrar? Como vocês faziam essa coisa de...
R – O long-play, realmente você tem que tomar cuidado pra não quebrar; sempre quando usa você passa uma flanela, se você pega ele usado você tem que dar uma lavada boa nele, tirar o máximo de sujeira que tenha. Arranhado é difícil tirar, mas sujeira você consegue.
P/1 – Você ainda tem discos?
R – Eu só tenho.
P/1 – Você, como vendedor, tinha que levar os discos também ou só...
R – Como novidade. Ou quando você… Pra você correr a freguesia com ele pra tocar, pra poder mostrar. Depois ele passava a pertencer ao catálogo, aí você tem um catálogo e as novidades que você carregava.
P/1 – Quer dizer, você levava um disco, chegava na loja e falava: “Puxa, olha que barato, saiu isso aqui novo.” Botava pra tocar.
R – “Saiu isso aqui.” Fazia ouvir. “Ah, quero tanto.” Você sempre fazia vender mais: “Poxa, mas vamos ver o que tá faltando das outras coisas.” “Ah, mas não tá.” ‘Mas vamos lá” “Mas aumenta aí, porque a quantidade é pequena quando é pro interior.” “Ah, mas tem o frete que tem que compensar!” Papo de vendedor, né?
P/1 – Tinha algum músico ou cantora que você gostasse mais, aquele que sempre tentava vender alguma coisa deles?
R – Olha, da etiqueta da Music Disc eu me lembro que nós lançamos o primeiro disco do Ed Lincoln. Foi quando o Lincoln já era consagrado em bailes [de] pessoal de quinze anos. O Lincoln, na época, era muito disputado pra tocar em festa e nós estávamos lançando o primeiro disco dele. Depois eu saí da Music Disc.
P/1 – Você ficou de quando a quando na Music Disc?
R – Olha, eu trabalhei uns dois anos na Music Disc.
P/1- Você disse que lhe marcou muito esse período na Music Disc, esse...
R – Acho que foi pelo convívio nas casas dos artistas, nessas casas noturnas. Eu ia sempre onde eles estavam tocando, gostava de ir lá. A gente se identificava, batia papo. Era o Djalma no Drink, o Waldir Calmon no Arpège, era o Sacha na boate dele, o Dionísio no Texas Bar, era o Guimarães no Fred, o Zé Maria numa outra casa.
P/1 – Quer dizer então [que] você ia à noite a esses lugares?
R – Eu ia extracomercial, extranegócio, curtir. Eu curti realmente o Rio de Janeiro de 60, 59. Eu curti bastante. Era uma outra coisa, uma outra cidade até, [eu] diria.
P/2 – Será que o senhor podia contar um pouquinho como eram as paqueras, os namoros, já que o senhor gostava bastante de sair?
R – Olha, a gente tentava conversar era nas próprias casas, né? Eu sempre fui muito voltado ao trabalho. Nunca fui de boa vida, nunca tive muito tempo disponível assim, pra… Mas à noite não, à noite você, realmente… Vamos dizer que a noite é mais adequado a... (risos)
P/1 – Mas você namorou cantoras, essas coisas?
R – Não, nunca. Fiz amizade. Uma vez levei, quando eu tava na Internacional… Não, tava na Music Disc, já. Foi a primeira e última vez que eu fui empresário: eu levei o Booker Pittman pra um baile em Volta Redonda, um baile dos funcionários da Companhia Siderúrgica Nacional, num clube chamado Uruarama. Levei o Guimarães com o Booker Pittman pra fazer esse baile lá.
P/1 – Ele é o pai da Eliana Pittman?
R – Pai da Eliana. Inclusive eu tenho o primeiro disco dele gravado pela RCA Victor, tem um comentário do Jorginho Guinle na contracapa. É ele, com ____________ no piano e o Paulinho na bateria.
P/1 – Quando você sai da Music Disc você vai trabalhar onde, Pedro?
R – Durante a Music Disc, [aos] sábados e domingos eu me tornei um mascate. Ia pra Volta Redonda, vender de porta em porta.
P/1 – O que? Disco?
R – Disco em geral… Não, primeiro eu comecei com uma coleção da Seleções, aquelas coleções do americano aí… Eles lançaram uma coleção de vinte long-plays: “Clássico dos Grandes Mestres”, “Matrizes da RCA Victor”. Tinha Rubinstein, tinha a orquestra Boston Pop, um clássico assim, mais popular e eu vendia porta a porta. Eu vendia três semanas no mês e na quarta semana eu entregava as coleções que eu vendia. Carregava um peso!
Um dia eu chamei um amigo pra me ajudar, ele disse: “Olha, nunca mais me chame, é muito peso, Pedro, não [ganho] como você.” Eu vendia e ganhava também a comissão de venda, a comissão de entrega porque eu pegava as assinaturas das pessoas que comprava e levava as duplicatas assinadas pra comprar, aí eu comecei a ganhar dinheiro. Eu me lembro que ganhei um prêmio de maior vendedor, ganhei um prêmio em dinheiro.
P/1 – Por onde, quem te concedeu esse prêmio?
R – A Seleções. Era ali na praça, junto da catedral o escritório deles, [Praça] Pio X, né, Pio XI, uma coisa assim.
P/1 – Em que ano foi isso, Pedro?
R – Isso foi pra 62, já pra 63 e em seguida eu sai da Music Disc. Eles queriam marcar uma reunião no sábado pra apresentar o produto novo, eu disse que não podia, tinha um compromisso. “Mas como que você não pode, tem que vir.” Eu disse: “Olha, não posso. Eu tenho um compromisso.” O chefe de venda, Oswaldo Cadache, insistiu muito. Eu disse: ‘Olha aqui, Oswaldo, o que eu ganho num mês com vocês eu ganho num fim de semana.”
P/1 – E era mesmo?
R – Ah, sim, era. Eu disse: “Se você quiser me mandar embora me manda, não tem problema.” Não deu outra coisa, me mandaram embora.
Eu já tinha feito amizades com lojas de discos e tinha uma chamada Master Ranger na [Rua] Rodolfo Dantas.
P/1- Master?
R – Ranger, 40-B. Na hora do almoço, às vezes eu ia e substituía o rapaz que trabalhava sozinho, o Vasconcelos, pra ele fazer um lanche ali perto. Quando o Oswaldo me mandou embora eu fui lá. Ele sempre dizia: “Porque você não vem trabalhar comigo? Eu tô sozinho. O dono daqui, o negócio dele é gráfica, ele tá por acaso aqui. Eu não sei nem porque ele entrou na sociedade, vem aqui trabalhar comigo.” Quando disse que me mandaram embora fui trabalhar com ele como empregado. Tenho a carteira assinada pelo dono da firma, Carlo Frenchi.
Ficamos eu e ele, trabalhávamos até às dez horas. Ele me disse: “Tem um problema, você tem que trabalhar até as dez horas da noite”, aí eu digo: “Poxa, aí já foi o estudo embora.”
P/1 – Você conciliava o estudo à noite...
R – Conciliei até… Por exemplo, quando servi a escola de paraquedista, era lá em Deodoro. Eu ia estudar naquele colégio Souza Marques, lá em Cascadura; pegava o trem Marechal Hermes - o quartel era entre Deodoro e Marechal Hermes -, aí pegava o trem, ia pra Cascadura e voltava. Quando ele me chamou pra trabalhar até as dez horas da noite eu disse: “Bom, aí eu não sei quando vou voltar a estudar.” Tinha terminado o quarto ano ginasial e realmente nunca mais estudei, mas não me arrependo realmente.
Ali nós começamos a trabalhar e o Carlos viu o nosso esforço. “Vocês não querem ficar com a loja? Eu não preciso disso, vocês estão começando a vida.” Apareceram dois contadores, duas pessoas que faziam a parte de contabilidade da gráfica e da loja também, aí nós fizemos uma sociedade. Fizemos o contrato de alteração contratual. Tinha dois sócios também do Carlos, que estavam brigados; compramos a parte deles e alteramos o contrato social da Master Ranger.
P/1 – Manteve o nome e o local.
R – Rua Rodolfo Dantas, 40-B.
P/1 – Rodolfo Dantas, em Copacabana?
R – É, quase esquina… Tinha o Lafon de flores, na esquina da Copacabana tinha o Banco Francês e Italiano. Na esquina, tinha a portaria do edifício Rodolfo Dantas, 40 e o nosso era 40B: era uma loja. Tinha uma camisaria, uma galeria que dava… Acho que uma galeria chamada Galeria Duvivier; fazia um L, entrava na Copacabana e saía na Rodolfo Dantas.
P/1 – Isso foi em que ano? Qual a data que você compra a sua primeira casa de discos?
R – Olha, como sociedade isso foi em 62. Fiquei [em] 63, [em] 64 eu saí.
P/1 – Quem era a sua clientela nessa época?
R – Na época, se vendia bem pra estrangeiros. Aquele trecho de hotéis ali era... Durante o período de carnaval vinha o Edir Bloquei, com aquele avião fretado por eles. Era nosso grande cliente de disco, o estrangeiro.
P/1 – Tinham outras casas de discos perto?
R – Tinha, na própria Rodolfo Dantas tinha uma chamada Moara, tinha uma tradicional, a Copa Disco, que era ali na esquina com Boliva. Tinha uma na Galeria Alaska chamada Telétrica, também uma loja tradicional; tinha uma na Santa Clara chamada Music In Flower, tinha uma na Djalma Urique também, tinha uma na Souza Lima, o Cássio tinha uma loja ali na Santa Clara com Copacabana que era uma loja de departamento, no momento eu não tô lembrando o nome daquela loja. Cássio Muniz não era, não; Cássio Muniz era na cidade, mas era outra organização e depois em seguida acabou também com par de disco.
P/1 – A sua loja tinha algum diferencial? O que diferenciava cada casa, a música? Uma era mais especializada em samba, outra em música estrangeira? Ou não havia isso naquela época?
R – Em matéria de casa especializada, pra mim, primeiro foi uma chamada Suebra, que tinha ali na Senador Dantas...
P/1- Suebra?
R – Suebra, era do hoje esposo da Terezinha Morango, o Alberto Pittigliani, que foi o dono da primeira gravadora no Brasil - chamava-se Sinter do Brasil. Foi o cara que iniciou a fabricação de disco no Brasil. Depois vendeu, ficando com uma parte pequena, porque o capital estrangeiro não podia entrar todo, então tinha que ter alguém. Ele ficou, deve ter ficado durante um tempo e ali sim eu me lembro que tinha a Suebra. Depois tinha a Movie, da época que o Jonas era funcionário da Movie, mas o Jonas hoje é Jonas Silva, a gente conhece a história dele. O João Gilberto veio da Bahia pra substituí-lo no conjunto vocal. O Jonas tá vivo até hoje, teve uma etiqueta de disco chamada Imagem e hoje ele tá um pouco afastado, mas ele é dessa época.
P/1 – Essa loja sua é Maxi Ranger, né?
R – Master.
P/1 – Master Ranger, qual o significado desse nome?
R – Quando nós pegamos já era, eles fabricavam inclusive equipamento de som pra boates. Master Ranger: a minha idéia era o máximo de qualidade, entendeu? Quando nós viemos criar a Modern Sound , que foi fundada em 66, a gente procurou um nome que permanecesse atualizado por toda a vida, então você vai se modernizando, vai evoluindo e você tem um nome.
Mas porque nome estrangeiro? Segundo o Dino Sérgio, enquanto [tinha esse] nome não vendia, quando mudou pra Bob Franley vendeu milhões, mudou muito. Severino Araújo não vendia tanto, quando mudou para Românticos e Cuba, Orquestra Los Portenos é que foi vender, então acho que brasileiro tem mania de botar um nome americanizado ou pelo menos estrangeiro. Geralmente, a gente sente isso.
P/1 – Aí você sai da Master Ranger e vai trabalhar em outra loja de disco ou compra, adquire?
R – Eu saí da Master Ranger, senti que as coisas não ia ficar bem. Tinha quatro sócios, vi que não tava bem e eles me deram trinta e tantas promissórias da minha parte, das minhas ações. Eu tinha um crédito na minha conta corrente que eles tiravam sempre mais do que eu, aí eu tirei.
Nós tínhamos comprado ali em frente ao Copacabana um ponto, uma loja de móveis - chamava-se Móveis Pratiques. Eu tirei móvel pra minha mãe, mobiliei o apartamento da minha mãe, irmã. Eu queria zerar o crédito e saí com aquelas promissórias, pensando em voltar um dia. Saí da Master Ranger, mas eu saí com uma freguesia catalogada, Paulo Francis, Ênio Silveira, esse pessoal. Ivan Lessa, todos eles estavam aí, muita gente, jornalistas e escritores.
Fiquei fora de disco. Fui fazer uma lanchonete na [Rua] Voluntários, número um, eu com [um] futuro cunhado, que era namorado da minha irmã Terezinha. Tínhamos uma sociedade; fizemos uma lanchonete chamada Rosas de Ouro. Quem ia ao show no Teatro Jovem ali na praia, né?
P/1 – Teatro?
R – Jovem.
P/1 – Onde é o Teatro Jovem?
R – O Teatro Jovem é hoje… Seria na Rua da Passagem, pra aquela outra passagem que você vai beirando ali, vai contornando. Tem um colégio ali e ao lado tinha um teatro, onde surgiu Reginaldo Santos; muita peça daquela Lacerda, Nelson Xavier, Wanda Lacerda, o Cleber… Cleber Santos era diretor de teatro, ele montou praticamente todas aquelas peças do Nelson Rodrigues. O [Ariano] Suassuna, também foi montado muita coisa dele, esses autores brasileiros, de um modo geral. Eu conheci o Wilker começando ali, o José Wilker, o Parreira.
P/1 – Você abriu uma lanchonete ali?
R – Próximo.
(pausa)
P/1 – Pedro, então voltando, essa lanchonete era na [Rua] Voluntários da Pátria, 1.
R – Número 1, chamava-se Lanchonete Rosas de Ouro.
P/1- Ah, é, você falou.
R – Em homenagem a peça, ao show da Clementina, Araci Cortes, o Paulinho da Viola que tava começando, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho. O pessoal da... Sambistas da época.
P/1 - Quanto tempo então você fica com a lanchonete?
R – Nós ficamos ali uns quase três anos, aí os sócios começaram a atrasar os pagamentos das promissórias. Não deu outra coisa, fui lá e disse: “Olha, vamos propor o seguinte, eu fico com a loja da Barata Ribeiro.” [A loja] era dentro da galeria, Galeria Barata Ribeiro, 502-C, loja 2. “A gente negocia, eu te devolvo o restante das promissórias - as vencidas, as que vão vencer. A gente faz um acerto.” Fui [falar com] o proprietário do imóvel, conversei, eu digo: “Olha, eu não tenho firma.” “Não tem problema, você faz em seu nome ou firma que você vier a constituir.” Aí fiz em meu nome [e em] nome desse sócio meu da lanchonete, o Zé da Fonseca Tolda. Juntos, fundamos depois a Modern Sound .
P/1 – José...
R – Da Fonseca Tolda.
P/1 – Tol...
R – Tolda, T, o, l, d, a. Pegamos a loja, aí criamos, em outubro de 66, a Modern Sound .
P/1 – Como é que foi a inauguração da loja, teve?
R – Inauguração não teve, mas eu me lembro de um fato importante. Nós estávamos tratando de conter uma infiltração, um problema de rebaixamento de lençol d´água; chegamos à conclusão que não íamos conter nunca, aquilo é um poço constante de água, então você pára e diz: “Mas espera aí, como é que eu vou parar isso?” Então você tem que aprender a conviver, é igual aquelas casas de palafitas que você constrói numa altura mais alta à beira de um rio e dá um desconto a mais porque o rio nunca avançou daquele… Você faz um sistema de drenagem com um poço, instala bomba e essa bomba bombeia a água jogando fora numa caixa na rua, uma caixa de esgoto.
P/1- Mas isso era uma característica local de Copacabana, o que era isso?
R – Eu diria que quase toda… O prédio ali, ali eu tenho a Modern Sound de hoje, temos oito bombas em quatro poços, duas bombas com níveis automáticos diferenciados, porque se um falhar tem o outro.
P/1 – Quer dizer, o fato de instalar um comércio de discos isso nunca te preocupou?
R – Não, porque é o subsolo. As lojas da frente têm subsolo e as da galeria tinham jirau, então você vai ter que aprender a conviver, não te resta…
Eu me lembro que em janeiro nós não guardamos o devido feriado de vinte de janeiro, dia da cidade de São Sebastião. Teve aquele dilúvio, aquela chuvarada imensa e caiu um edifício ali em Laranjeiras. “Mas isso foi castigo que não se comemorou, não se guardou um dia.” Pra gente foi muito bom, nós sentimos que ali realmente tinha que saber conviver com aquele tipo [de problema]. A outra loja também, nós pegamos o mesmo problema. O prédio tem, na parte de luz... Tem que manter as bombas funcionando.
P/1 – Como era um pouquinho o bairro de Copacabana? Você escolhe Copacabana pra instalar o seu negócio.
R – Mas eu já vinha de Copacabana, da Rodolfo Dantas. Nós começamos com a loja da Rodolfo, depois abrimos uma em frente ao Copacabana Palace, ficamos com uma segunda. Abrimos uma terceira nessa Barata Ribeiro, uma loja pequena, então chegamos a ter, na época mais ferrante, três lojas.
P/1 – Mas a Modern Sound em 68 porque...
R – 66, ela foi fundada em 66. Na lanchonete a gente já começou a escolher o nome, fazer a obra. Fizemos a obra, inauguramos e eu cuidava da parte de Modern Sound da loja. Eu fechava às dez horas e ia fechar a lanchonete; meu sócio abria a lanchonete, esperava eu chegar e eu fechava a lanchonete à meia-noite.
P/1 – E qual era o horário da Modern Sound?
R – Era das nove da manhã às dez da noite, a gente ficava aberto até às dez horas.
P/1 – Em volta da loja o que que tinha de comércio quando você abre?
R – Na galeria tinha uma loja chamada Rob Center. Era uma loja de aeromodelismo, tinha carrinho de corrida e tinha até uma pista na parte de baixo, que hoje é parte do nosso estacionamento da Modern Sound. Tinha um pista de carrinhos, as crianças pagavam o aluguel e iam lá fazer o carro correr, botar o carro pra correr ali. Você tinha… Ainda tinha o Beco das Garrafas, algumas casas noturnas; algumas tinham aberto, outras fechado.
P/1 –Tinha cinema?
R – Tinha o Bruni.
P/1 – Na galeria Menescal.
R – Não, na galeria do cinema Bruni mesmo, é o 502, quase em frente ao Menescal.
P/1 – Mas a Menescal já tinha?
R – A galeria já existia. A galeria Menescal teve até uma loja de disco, uma época.
P/1 – Você lembra o nome?
R – O nome dela, de pronto não, mas a razão social era qualquer coisa de Peres, Peres Mondega. Acho que ele era estrangeiro… Eu me lembro que tirava os pedidos e a razão social deles tinha qualquer coisa de Peres Mondega, isso eu me lembro bem.
P/1 – Na sua opinião, o que que mudou mais ali daquela área? Você até hoje mantém a loja no bairro de Copacabana.
R – Olha, infelizmente a parte de loja de disco. Elas, com o tempo, acabaram. Uma Telétrica, uma Copa Disco, uma Music Flower ali na Santa Clara, 50. Deixa eu ver qual mais de disco tinha… Tinha a Hi-Fi, que pertenceu ao Albino Avelar na Barata Ribeiro, 360, que eu vendi muito pra lá.
O que mais, em termos de negócio? As boates continuaram durante algum tempo. Mariozinho ficou ali [por] muitos anos, a gente queria comer um picadinho à noite, ia pra lá o Mário, fazia um...
P/1 – O Mariozinho...
R – O Mariozinho, irmão daquele cantor português Francisco José.
P/1 – E onde era o Mariozinho?
R – É ali naquela galeria onde é...
P/1 – Le Boy.
R – Ahm.
P/1 – Aonde é esse Le Boy?
R – Aquela boate...
P/1 – Era no mesmo lugar que era...
R – Era ali, uma parte. O Mário saiu recentemente, faz uns dois anos dali.
P/1 – Rua Raul Pompeia, né?
R – É, ali é Raul Pompeia. Tinha casas de fado no Rio, Francisco José teve uma casa de fado na´[Rua] Santa Clara, chamada Dega de Évora.
P/1 – Como é?
R – Dega de Évora, uma casa de fado. Tinha ali na [Rua] Toneleros uma casa portuguesa também. Acho que a última casa portuguesa foi da Maria Alcina, aquela lá do Leblon, né? Ela ficou durante muitos anos lá, acho que chamava Desgarrada, acho que foi a última. Tem agora alguém… Música ao vivo uma vez ou outra. Aquela ali da rua da Passagem, aquela casa portuguesa, tem música portuguesa ali.
P/1 – Vocês, quando optaram… Quando vocês abrem a Modern Sound , do ponto de vista comercial o que era importante naquela época? Era a localidade, era a freguesia pra um determinado bairro, o transporte? O que era importante em termos de comércio, Pedro?
R – Olha, Copacabana era o principal bairro comercial da zona sul, não era Leblon, não era Ipanema, em absoluto. Era Copacabana, tanto [para] lojas como casas noturnas, quanto restaurantes. Sempre foi.
Copacabana talvez tenha sido ocupada um pouco desordenadamente, construções simples, pequenas e foi acumulando… Não é que não tenha edifícios e bondes, lógico que tem, tem gente de poder aquisitivo muito bom, mas ela foi se tornando um pouco… Até pro pessoal que explorava construções fazerem coisa barata. Copacabana tem apartamento que tem dois turnos de pessoas, uns que dormem de dia e uns que dormem à noite, os de dia que dormem trabalham à noite e vice-versa.
P/1 – Mas quando você abre a Modern Sound, agora falando da loja em si, a sua clientela era morador do bairro? Quem era a sua clientela?
R – Continuava Ivan Lessa, continuavam os músicos, de um modo geral...
P/2 – Tinha todos os contatos que vocês...
R – Saí da Master Ranger, nós começamos a importar discos na época.
P/1 – Descreve um pouco a loja e as mercadorias, por favor. Como era a loja, fisicamente?
R – Pequena, o subsolo com clássico e ali, antes de você subir os degraus da galeria… É uma loja pequena, uns quarenta metros em cima… Não, quarenta eu não diria, uns trinta em cima e trinta embaixo. Nós fizemos o clássico embaixo e o popular em cima. Vendia um pouco de instrumentos musicais, violão, instrumentos de percussão - afoxé, triângulo, agogô. Negócio pra turista, que a Master Ranger vendia muito na época, vendia bastante aquilo.
P/2 – Existia alguma escola de música por perto?
R – Escola de música em Copacabana? Acho que tinha a escola do Antônio Adolfo, que hoje me parece [que] está na Gávea, não tenho bem certeza. Tinha professores de violão, tinha uma loja tradicional de partitura chamada Toda Música, que era exatamente na galeria, depois da Copa Disco. Ali tinha uma galeriazinha, a loja estava localizada ali; eles vendiam instrumentos, o Mário, que era o dono, vendia instrumento e dava aula. Tinha um sobradozinho com professor de violão, como a que tem ali, aquelas que são representantes da Yamaha… Casa Milton, que começou na Tijuca e depois foi pra [Rua] Hilário de Gouveia, está ali. [De] instrumentos hoje, nós temos aquela Promusic também, que é uma loja de equipamentos usados.
P/1 – Na Modern Sound como eram condicionados os discos?
R – Os discos na época eram long-play, não tinha mais 78 rotações. Quando a Modern Sound começou já era a fase do long-play e você vendia muito compacto americano, aqueles que tinha um miolo, vamos dizer, um buraco maior. Pra tocar você tinha que colocar um centro pra ele girar bem. O americano fazia o compacto em 45 rotações e nós fazíamos o compacto em 33; o miolo do nosso era o pino do toca-disco, do americano, não. Eu acho que os aparelhos que os americanos faziam eram pra receber aquele disco com aquele furo grande no meio, então eles vendiam muito na época pros discotecários, pras boates.
P/1 – Quem era o grande discotecário naquela época?
R – A casa mais assim, de dança era o Black Horse do [Hubert de] Castejà, ali em frente ao Copacabana, exatamente do lado onde nós fizemos a segunda loja da Master Ranger. Tinha o Jirau na Rodolfo Dantas, que era do Flávio Ramos. Depois o Flávio foi pro Estados Unidos, ficou o João, o irmão. Flávio também teve o Au Bon Gourmet, foi uma casa noturna onde estreou a Nara Leão, que teve que ter permissão do juizado de menores pra se apresentar.
P/1 – Essas figuras frequentavam a sua loja? Por exemplo, essa turma da Nara Leão, esse pessoal dessa época, final de década de 60 ia na sua loja de disco?
R – Olha, a Nara não, mas eu me lembro que na Rodolfo Dantas, na Master Ranger eu fiz uma vitrine bonita pro Jorge Ben quando ele lançou o primeiro disco. Ele ganhou um disco de ouro. Eu fiz uma vitrine no centro, botei um tronco de madeira, um veludo acho, eu acho - tem até a foto em casa guardada - e botei a caixa do disco de ouro. “Vê lá, hein, rapaz? Meu disco de ouro!” “Não, pode deixar que eu vou ficar olhando sempre”, mas era fechado… Fazia aquela exposição de disco, fiz uma vitrine só pra ele.
Eu fiz uma vitrine do Ray Charles também quando esteve aqui. Fiz uma tarde de autógrafo com o Gilberto Pecora na Master Ranger, tive que ir buscar ele lá na TV Rio, ele estava terminando um programa de televisão...
P/1- E na Modern Sound , por exemplo. A vitrine?
R – A vitrine [era] pra galeria, chama vitrine pra galeria. A parte de fora tinha uma livraria, livraria Pantheon do Jacques Miller, era parte da rua, aí vinha a loja 2, a loja 4 e a loja 6 [era] o cinema. A Master Ranger começou… A Modern Sound começou ali na loja 2 da galeria do Bruni, depois nós pegamos essa 4, que era de aeromodelismo, eles saíram. Depois, com o passar do tempo nós pegamos a livraria, aí nós colocamos a cara fora da rua.
P/1 – Quando foi isso, Pedro?
R – Não tem uma data assim, precisa. Nós começamos em 66; eu diria que uns dois, três anos [depois] nós pegamos a loja quatro, uns dois, três anos [depois] nós pegamos a loja D e ficamos com essas três lojas. Bem depois, a Gramofone saiu do nosso lado. A Gramofone acabou ocupando uma das lojas da Bill Bolder do lado e ficou quase uns oito anos ali. Depois eles saíram, nós pegamos, então ficamos com duas lojas de frente. Uns três anos atrás é que veio a grande expansão da Modern Sound , que foi a aquisição do aluguel da loja seis, que era o cinema Bruni Copacabana.
P/1 – O que significa ter um comércio de rua assim, de frente pra rua?
R – Bom, a rua é a sua vitrine. Enquanto está numa galeria, você está esperando, de uma certa forma, ou através do seu estoque, enfim, do atrativo que você tenha. De rua é outra coisa, é passagem.
Na realidade, o grande negócio mesmo do comércio é você ser especializado naquilo então a pessoa não é muito por… Eu me lembro que em lojas de disco antigamente no centro da cidade… A Casa Garson, por exemplo, eles botavam um disco; vendiam vitrola, aqueles móveis bonitos, então botavam, por exemplo, Mário Reis [pra tocar] e ficava a calçada cheia de gente ouvindo aquele primeiro disco do Moreira da Silva. A gente colocava aquilo, [as] lojas Palermo, no Largo da Carioca, também.
P/1 – Vocês faziam isso na Modern Sound ?
R – Na galeria não tinha como fazer. Na Master Ranger, a gente dizia que tinha que buscar o turista lá no hotel, no Copacabana; a gente botava uma batucada, daqui a pouco começavam os vizinhos: “Escuta, não dá pra abaixar isso não? Não dá pra abaixar esse som não?” A ideia era que a batucada chegasse lá no apartamento do hotel, lá no Copacabana Palace.
P/1 – Nessa época, década de 70, a Modern Sound anunciava, fazia propaganda, tinha promoções?
R – Não. A Modern Sound é uma firma curiosa, sabe? É interessante que a Modern Sound nunca fez propaganda de nada. Nós tivemos o ano passado uma campanha bancada até pelas companhias de disco, que nunca tinham feito nada nesse sentido. Elas tem verba pra fazer e nunca tínhamos pedido nada, então o Pedro Otávio conseguiu uma verba e fez uma campanha bonita de publicidade, tanto que até hoje nos procuram: “Não, mas [a gente] não faz”, “Como não faz, vocês saíram...” “Aquilo não fomos nós, foram as gravadoras que pagaram, a gente não faz.”
A nossa grande divulgação é o nosso estoque, é a maneira como a gente trabalha, é o atendimento especializado, esse que é… É o boca a boca que a gente chama, a propaganda maior que existe é o boca a boca, isso você não tenha dúvida. É você dizer: “Eu queria um disco do Luiz Del Paraná.” Quem é Luiz Del Paraná? É um cantor de músicas paraguaias, que a pessoa só vai encontrar na Modern Sound .
P/1 – Porque?
R – Porque a ideia é ter praticamente tudo: do Japão, da China, da Polônia, da Checoslováquia, enfim, ter música do mundo inteiro, da Grécia.
P/2 – Como vocês fazem a divisão na loja, é por ritmo?
R – Por móveis e sessões. Nós temos hoje a parte clássica no fim, nós temos o jazz, vamos dizer, no balcão da plateia do cinema. Era um pé direito de nove metros, nós colocamos um piso da loja; ficou com três metros pra cima e seis pro estacionamento. Nós tínhamos um pé direito de seis metros e ali a gente colocou os móveis. São móveis diferenciados - não sei se vocês conhecem a loja -, os móveis de madeira...
P/1 – Lindos, né?
R – É, aquilo dá trabalho de manter lindo, mas vale a pena.
P/1 – Quando você fundou a Modern Sound tinha isso, um lugar pra sentar? Ouvia-se música, tinha vitrola?
R – Ouvia. Eu tinha uma arca com dois toca-discos na extremidade. Esses 45, por exemplo, da discoteca: eu tinha uma caixa grande, tenho uns alto-falantes Runai Copenhagen assim e você ouvia... A loja era pequena, tinha um som muito bom. Aliás, o importante na loja é o som da loja, é aquilo que você mostra ao cliente. Pode até ser que o cliente não tenha esse som em casa, mas você vende o seu produto pelo som.
P/1 – Você falou em atendimento diferenciado. O que que é o atendimento diferenciado na Modern Sound ?
R – Primeiro é a pessoa que trabalha com prazer, vive daquilo e conhece, de um modo geral… Nós já tivemos dois funcionários que se aposentaram com trinta anos de trabalho. Hoje nós temos com vinte, temos com dez, temos com quinze e segue o mesmo caminho. Até que não variamos muito de empregado, eles são bem… Eles costumam realmente ficar, criar raízes, identificação com o cliente. Sabem o que o cliente gosta: “Olha, isso chegou.”
P/1 – Conta um pouquinho então como é essa relação com o cliente na Modern Sound , por favor, Pedro. É uma relação pessoal, se conhece pelo nome, se conhece o estilo? Quer dizer: “Eu sei que a Paula gosta do estilo tal, se chegar alguma coisa eu telefono”, como é isso?
R – Ah, sim. Hoje nós temos um sistema de encomenda. Tem uma ficha da pessoa, se não tiver na loja a pessoa manda pedir. Procuramos ter uma quantidade boa de estoque, porque mercadoria você tem que ter na hora pra vender, quem compra tem que ser na hora. Nós temos um setor de equipamento também muito bem instalado, um estúdio de demonstração de equipamento de som. Trabalhamos com marcas boas, temos um pessoal especializado: fazem projeto, home theater, essa coisa sofisticada, televisão de plasma e por aí vai.
P/1 – E com relação à clientela, quem é a sua clientela hoje? No que ela se diferencia da sua clientela da década de 60, de 66?
R – Eu diria que inclusive diferencia em números, porque muitos clientes morreram. Mário Henrique Simonsen, Cândido de Paula Machado, o próprio, aquele ator que fazia Manhattan Connection....
P/1- Paulo Francis.
R – O Paulo Francis, ele era apreciador de Wagner. Outros mais faleceram, mas a Modern Sound hoje atende a terceira geração. Glaci Ribeiro, o velho: hoje tem Carlos Eduardo, tem o Pedro, que é o neto, então hoje a gente atende a terceira geração de clientes.
P/1 – Existe, em termos de comércio, uma época do ano onde você tem mais clientes que outra época do ano? Existe uma coisa assim, sazonal, na cidade do Rio que você sente no mercado de música, por exemplo?
R – Não. Agora tá havendo um pessoal do Chivas, pro festival de jazz, então você tem que ir com antecedência, trazer os discos desses artistas que participam. O mês diferenciado mesmo é dezembro, Natal. O disco é uma coisa muito solicitada pra presente e você tem que ter um estoque bom, mesmo que você compre bem; até demais é melhor do que faltar, porque chega na hora, se você não tiver você não vende porque as fábricas fecham as vendas. Você tem que ter o estoque, tem que ter na loja; se você não acertar muito, aí você compra menos [em] janeiro, fevereiro, março, você tem um estoque bom durante esse período. Fitas, por exemplo, de escola de samba você tem que estocar bem.
P/1 – Quem são os seus fornecedores?
R – EMI, Companhia de Disco, RCA, Warner, Sony. Tem as etiquetas menores, Revivendo. Tem o mercado independente de pessoas que fazem o seu disquinho e vão lá: “O senhor podia pôr aí em consignação?” “Olha, em consignação a gente não faz. A gente compra dois, três seu. Deixa aqui o seu cartão, se precisar a gente liga, pede e repõe.” Tem muita coisa independente. Hoje, um segmento...
A gente atende pelo nosso site encomenda por toda parte do mundo. Por exemplo, nós temos um disco do Hélio Delmiro hoje que ninguém tem. Fomos descobrir com ele que vende pelo site dele, que dizer, essas coisas que eu chamo sempre de garimpar. Nós somos uma firma familiar, eu estou quatorze, quinze, dezesseis horas todos os dias e nós garimpamos, somos eternos garimpeiros do nosso ramo de negócio. É como se a gente fosse lá, pegar aquelas pedras brutas, trazer e lapidar.
P/1- Mas quem faz isso na loja, ainda é você responsável por isso?
R – Eu ainda faço por uma parte, mas é o comprador da firma, que é o Pedro Otávio.
P/1 – Que é seu filho.
R – Ele que comanda a conta disso..
P/2 – Em termos de produtos, o que vocês tem de novidades? DVDs agora?
R – Depois do 78 veio o long-play. Os nossos long-play primeiro eram menores, eram dez polegadas, depois veio o de doze polegadas. Depois o long-play com o compacto e depois veio a imagem, a fita [de vídeo]. Depois da fita apareceu o LD, o vídeo Disc Laser, o som com a imagem e depois apareceu o DVD, que é a última coisa de mercado, de imagem e áudio e o CD. Essa foi realmente a mercadoria que deu um impulso quando surgiu, um impulso muito grande.
P/1 – Impulso o que, na loja?
R – Em geral, no mercado, Hoje você a quantidade de… As gravadoras se queixam muito, se queixam bastante [de] problema de pirataria. Eu acho que não poderia existir pirataria, como é que eles vão… Se a gravadora lança um disco o pirata lança um disco igual, isso tem que ter alguma… Como é que explica?
O disco do Roberto tá saindo, tá sendo entregue hoje. O camelô tá com o disco do Roberto. Como é que ele copiou o disco, como ele copiou a capa? Não sei, alguma coisa errada tem. Se eles dizem que perdem tanto dinheiro, porque que eles não combatem? Porque não pegam um camelô, veem de onde vem a mercadoria, quem é o chefe que dá a mercadoria?
Eu peguei uma vez um disco em Itaipava, liguei pra Som Livre… O volume II daquela novela de origem italiana, aquela que foi um sucesso muito grande. Liguei pra Companhia e falei. “Ah, mas nós não podemos fazer nada, a gente sabe.” “Desculpe, então eu vou devolver o disco ao meu caseiro. Ele comprou num supermercado lá.” Não foi em camelô, foi num supermercado. Tem dois grandes supermercados, um deles tem um disco lá. Ele me mostrou, “Terra Nostra”, [era] pirata o disco.
P/1 – Pedro, você falou de mercado. O que mudou no cliente do ramo de discos nessa sua trajetória de quase quarenta anos negociando? Você compra mais, você compra menos? As pessoas têm mais poder aquisitivo, têm mais tempo pra ir numa loja de discos? Como é isso?
R – Logicamente, nós temos um movimento muito maior do que… A loja, a firma cresceu, vendemos pela internet no mundo inteiro, pros estados do Brasil, não vendemos pra cidade do Rio de Janeiro. Em termos de música, muita coisa surgiu, aqueles grupos tradicionais. Hoje mesmo, esteve lá na loja o Jimmy Capaldi do Traffic. Esses grupos antigos, acho que… Primeiro que já não existe, quase todos não existem mais, perderam a formação inicial e as pessoas que colecionavam eles já tem os discos, então tem que surgir coisas novas...
P/1 – Você tem muito colecionador como cliente?
R – Ah, tenho. No ramo de disco, ele é o básico, é o cara que coleciona. Ele pode... Uma vez eu tive que pegar uns discos long-play de um cliente e fui à casa dele. Eu fiquei chocado, nem comida em casa ele tinha, mas ele comprava discos pra colecionar.
P/1- Quer dizer, tem essas figuras assim...
R – Eu vi que ele não tinha condições, poder aquisitivo de comprar disco. Ele colecionava trilha sonora, músicas de filme... Ele era amante de cinema. Você chega a que ponto, né?
Uma vez um cliente meu, um jovem pegou um dinheiro da tia que ela tinha guardado pra um compromisso dela [e] foi à loja comprar óperas. Ela me ligou: “Seu Pedro, pelo amor de Deus, vê o que o senhor pode fazer. Ele não devia ter feito isso, mas ele gosta.” “A senhora traz os discos que eu devolvo o dinheiro da senhora.” Você vê a que ponto [chegam], a música é um negócio sério. A pessoa que gosta é um vício, a pessoa se vicia na música.
P/1 – Pedro, pra gente ir costurando o final da entrevista: porque esse diferencial de não vender pra cidade do Rio de Janeiro, como você estava falando?
R – Olha, até agora eu resisti. Não sei se vou continuar resistindo. A pressão por parte da família é grande. Eu acho que é pra você não desabituar o cliente de ir a sua loja. Você cresce, você evolui; hoje nós temos um bistrô musical na loja, uma área de música ao vivo, [de] nível excelente, então você… As pessoas, de um modo geral, ficam um pouco cômodas com as facilidades. Eu fico com medo dessas pessoas...
“Ah, eu quero comprar uma coisa.” Ontem mesmo eu tive um freguês. Eu estava no balcão ali. Ele disse: “Eu liguei pra cá, vi no site dois discos que eu queria. Olha o que eu tô levando, olha aqui. Agora eu sei porque você não entrega no Rio.” Eu disse: “A ideia realmente é essa.” É uma pena que o Pedro Otávio não esteja aqui agora pra ouvir isso.
P/1- Em termos de forma de sistema de pagamento você usam o quê? Quando é que passam a usar mais cheque, cartão de crédito? Como é isso, Pedro?
R – O cheque nós dividimos até três pagamentos, cartão também dividimos em três pagamentos...
P/2 – Mas a partir de quando, em que época mais ou menos começa?
R – Olha, isso já tem algum tempo, diria que tem mais ou menos uns cinco anos. É que as coisas vão ficando difíceis também, o poder aquisitivo nosso piorou muito. A classe média hoje, como é que a classe média vive, ainda mais de disco no Brasil? A indústria de disco… É bom dizer que às vezes, quando eu conversava com pessoas de fora, perguntavam assim: “Quanto é o salário mínimo brasileiro?” Eu dizia: “São cinquenta dólares.” Cinquenta dólares e o Brasil é o quinto, sexto país de disco, da indústria fotográfica. É um contrassenso, mas quem é que compra, que ganha isso? Não pode ser, né?
Hoje, talvez o Brasil ocupe uma posição mais adequada, que deve já estar em vigésimo não sei o quê de venda de discos. Acho que na frente de um país da Europa de poder aquisitivo, da própria Argentina; antes de tudo isso que aconteceu lá o poder da Argentina era outro.
P/1 – Quer dizer então que o ramo de disco no Brasil é um pouco mais elitizado, é isso?
R – Vendo bem o preço do disco...
P/1 – Um CD está o quê, vinte, 25 reais, trinta?
R – Mais, tem disco custando vinte e pouco.
P/1 – Não, uma média: vinte, 25.
R – É, uma média entre vinte e 25, mas tem mais caro, tem um pouco mais barato, então não é quem ganha salário mínimo, não é mesmo… Com a classe média ganhando… Tem pessoas que não têm aumento há seis anos, como é que vai comprar disco?
P/1- Você tem cliente que compra fiado?
R – Não, fiado não.
P/1 – Algum cliente assim mais antigo que fala: “Olha, eu vou levar...”
R – Tem, muitos tem crédito, mas não...
P/1- Muitos tem crédito. E o que faz um bom freguês ter crédito?
P/1 – É ele comprar sempre, pagar sempre. Um dia, se ele precisar de crédito, a gente dá, não tenha dúvida. Vender fiado, você… Existe um quadro que as pessoas veem no interior, aqui também. Botava “eu vendia a dinheiro e vendia fiado, você lembra”. O fiado [tinha] o rato passeando nas prateleiras vazias e o [que] vendia a dinheiro, aquele cara com um charutão gordo, cofre...
R – É, aquelas moedas caindo.
P/1- É por aí.
P/1- Agora relação patrão/empregado, você disse que tem… No fundo eu acho que é uma sorte a empresa poder ter empregados antigos. O que é pra você, como você constitui essa relação patrão/empregado no comércio?
R – Olha, eu diria pra você o seguinte: eu fico, permaneço na loja muitas horas e isso pro empregado é importante, quer dizer, o exemplo do patrão. Eu vejo pelos meus filhos, sou mais rígidos com eles. Antes Aline, Carol, trabalhavam comigo; eu dizia sempre: ‘Você tem que dar o exemplo, o empregado vê o exemplo no patrão.” Você vê, você está ali, nem tudo que eles pedem você consegue. Tem uns que te pede 99 vezes, quando te pede a centésima [e] você não faz ele esquece as 99 que você fez.
Mas eu gosto muito do que eu faço. Eu sempre digo às pessoas. “Mas o que você me sugere a fazer, qual o negócio você...” Eu digo: “Primeiro faça uma coisa que você gosta, que você tenha prazer.” Realmente tenho prazer em fazer, estar quatorze, quinze, dezesseis horas na loja todo dia. Não me canso, em absoluto. Vejo pessoas de muitos anos atrás, da própria Master Ranger, tenho fregueses e eu tenho prazer. Acho importante você fazer uma coisa, vamos dizer, que gratifique comercialmente, mas que você tenha prazer em fazer. Esse é realmente o bom do dia a dia de um comércio, de um negócio que você tenha.
P/1 – Mas você tem tempo, por exemplo, pra lazer? Você sai, passeia, como é você como consumidor de outras coisas?
R – Eu digo sempre: se não tivesse a minha esposa que comprasse roupa pra mim eu acho que eu andava nu. Eu como consumidor sou péssimo, não ligo muito, não sou… Uma vez eu tive uma entrevista com uma moça do American Express, ela dizendo que ia me dar um cartão ouro, não sei o quê... “Quanto é que o senhor ganha?” Eu digo: “Olha, moça, eu acho que a senhora veio falar com a pessoa totalmente errada.” “Mas como? Me deram o seu perfil” “Mas eu acho que é só perfil moça, porque a pessoa não é nada disso, nada. Não é nada disso, não tenho cartão, não uso cartão de crédito.” Realmente, como consumidor eu não sou um bom incentivador. Eu gosto de vender muito, de vender eu gosto.
P/1 – Bom, então pra finalizar eu gostaria que você falasse pra gente o que é pra você… Quer dizer, você hoje tem um filho que te ajuda. Vamos falar sobre isso, a continuidade da Modern Sound: o que você vislumbra, o que você acha disso?
R – Eu vislumbro muita coisa, não. Eu gostaria que realmente… Eu não sei quanto tempo eu vou ficar aqui, mas gostaria que ele desse continuidade à loja. Crescer no local, talvez não porque não tem mais como crescer. Abrir outras lojas, também não porque você divide o seu estoque, você tem problemas. Hoje o material humano é mais difícil, além de dividir o seu estoque você tem problema com material humano, então eu gostaria que ele permanecesse ali, evoluísse e passasse talvez, já tenho um neto.
P/2 – O seu filho trabalha com o senhor há quanto tempo?
R – O Pedro Otávio está comigo há uns vinte anos já, ele começou cedo. Ele começou, depois saiu, foi trabalhar com Lulu Tier. Ele toca, gosta de som, sempre gostou. Foi trabalhar em boate, de produtor musical lá no _______. Aquele Havana Café, ele trabalhou lá e voltou ao convívio com o pai, mas espero é isso que a Modern Sound aí seja uma terceira, quarta geração.
P/1- O que a Modern Sound pra você?
R – O que é? A Modern Sound, pra mim… Minha mulher diz que [em] primeiro [lugar] Modern Sound, [em] segundo Modern Sound, [em] terceiro Modern Sound. Eu digo: “Não, não é muito assim.” Você vê o que começou, o que você construiu, o resultado do seu trabalho, o reconhecimento por parte de cliente - isso é muito importante, eu acho, o cliente reconhecer um negócio que já vai pra 37 anos. Acho gratificante. Modern Sound é realmente o meu mundo de viver, né?
P/1 – Você é casado, tem filhos? O nome dos filhos?
R – Tenho três filhos.
P/1 – O nome deles então?
R – Tenho o Pedro Otávio, que é o homem, o do meio. Tenho Aninjis, que está morando em Nova Iorque é modelo; tenho a Carol, que é a mais nova, presta serviços por parte da Globo - negócio de música, trilha sonora, essas coisas assim, mas espero contar… O caminho deles está… O retorno é questão de tempo, eu gostaria, sei que é um pouco difícil...
P/1 – Porque, Pedro?
R – É um conflito, às vezes é um pouco de inexperiência, um pouco de vaidade, um pouco de ciúmes entre eles. Eu realmente gostaria que não existisse, mas os filhos não são iguais. Eles foram criados iguais, mas cada um tem uma cabeça, cada um pensa de uma maneira. Mas a vida está aí pra ensiná-los e adquirir uma bagagem na estrada, porque a grande escola da gente é a vida, realmente.
P/1 –Bom, você veio de Saúde e fez uma estradona, né?
R – E como!
P/1 – Pedro, você ouve música em casa? Tem tempo?
R – Eu tenho, eu toco os meus long-plays.
P/1 – Qual é o que está sempre na sua vitrola?
R – Ah, eu não tenho um só, tenho muitos. Eu boto uma faixa de cada disco. Sento num banquinho... Principalmente se tem visitas, eu faço o teste: “Olha, quem é?” Ninguém conhece. “Quem?” “Não, não sei.” Dificilmente alguém conhece.
P/1- Mas você tem um ídolo músico, não tem ninguém?
R – Não. Cantor, eu gosto muito do Tony Benett, Sinatra; [de] cantora, Ella, Sarah. Gosto de vozes assim, de cantores e cantoras que não são muito conhecidas; descobrir uma pessoa que tem uma voz diferente, que não é conhecida é bom, faz bem ao teu ego.
P/2 – E tem algum cantor mais vendido na sua loja? Ou cantora ou algum disco?.
R – Olha, o catálogo brasileiro na minha loja vende muito Chico, Caetano, Bethânia. Esse pessoal novo vende muito. É como eu digo às vezes, que na música é igual o futebol. Há um número muito pequeno de renovação, de grandes talentos de renovação. A música passa realmente por essa fase, a não ser um Zeca Baleiro, um cara assim, aquele que canta rap, filho daquela Ribeiro.
P/1- Gabriel o Pensador.
R – Gabriel é uma outra safra, mas é difícil, hoje não se faz mais composições como se fazia antigamente.
P/1- Pedro, se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida você mudaria?
R – Não, eu acho que não, realmente. Eu não mudaria, faria tudo a mesma coisa, mas não depende da… Não mudaria, não.
P/1 – Então, pra encerrar, o que você achou desse projeto de memória do comércio da cidade do Rio de Janeiro e o que achou de dar o seu depoimento?
R – Ah, eu fico feliz de vocês terem lembrado de mim. Realmente eu sou um dos últimos remanescentes em termos de loja, diria que eu sou até o dinossauro das lojas de discos do Rio de Janeiro. Faço votos que vocês realmente façam um trabalho bonito, que isso aí fique no acervo de vocês. Quem no futuro for consultar [vai] ter uma visão de tudo isso o que conversamos.
P/1 – Então agradeço. Muito obrigada, Pedro, pelo depoimento.
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