Casei aos 18 anos e atualmente tenho 35. Não tenho filhos e continuo casada com meu marido maravilhoso, que sempre me apoiou. Mas minha história tem várias camadas que não necessariamente se tratam de casamento e família. É sobre o poder da educação na transformação de toda uma família. É sobre a realização dos sonhos dos meus ancestrais, que se concretizaram em mim e continuarão com outros que virão pela frente.
Tudo começou quando deixei o interior do Maranhão para estudar na capital do estado. Fiz todo o ensino fundamental no interior e acreditava que o ensino médio seria melhor se feito na capital. Por isso, mudei-me para morar com meus pais e deixei para trás a vida no interior, ao lado da minha avó, tios e primos. Na capital, tudo era diferente. Meus pais moravam em uma casa de taipa em uma área de ocupação na beira do mangue, um lugar insalubre, sem água potável, sem saneamento básico, e com muita violência.
Mais tarde, descobri que estudar na cidade grande era muito complicado. Precisava de dinheiro para pagar o transporte público e me deslocar até o centro da cidade. Saí de uma cidade pequena pensando que as coisas seriam mais fáceis, mas foi tudo mais difícil. Meus pais se esforçaram muito para que eu pudesse ir para a escola todos os dias, mas a escola oferecia um ensino de péssima qualidade. Eu entrava às 7h20 e muitas vezes saía às 9h30 porque não havia todos os professores para dar aula. Não tínhamos livros para estudar nem lanche para os alunos.
Como jovem negra e periférica, nem sonhava em fazer faculdade, até conhecer uma diretora da escola que me ensinou a sonhar com a faculdade. Além da desigualdade social e racial que me afetava, eu era vítima da desigualdade de sonhos. Eu não tinha um projeto de vida nem perspectiva de futuro. A partir desse encontro, passei a sonhar e comecei a ter o apoio dos meus pais. Mesmo sem livros da escola, pude me preparar para o vestibular com livros e apostilas de...
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Casei aos 18 anos e atualmente tenho 35. Não tenho filhos e continuo casada com meu marido maravilhoso, que sempre me apoiou. Mas minha história tem várias camadas que não necessariamente se tratam de casamento e família. É sobre o poder da educação na transformação de toda uma família. É sobre a realização dos sonhos dos meus ancestrais, que se concretizaram em mim e continuarão com outros que virão pela frente.
Tudo começou quando deixei o interior do Maranhão para estudar na capital do estado. Fiz todo o ensino fundamental no interior e acreditava que o ensino médio seria melhor se feito na capital. Por isso, mudei-me para morar com meus pais e deixei para trás a vida no interior, ao lado da minha avó, tios e primos. Na capital, tudo era diferente. Meus pais moravam em uma casa de taipa em uma área de ocupação na beira do mangue, um lugar insalubre, sem água potável, sem saneamento básico, e com muita violência.
Mais tarde, descobri que estudar na cidade grande era muito complicado. Precisava de dinheiro para pagar o transporte público e me deslocar até o centro da cidade. Saí de uma cidade pequena pensando que as coisas seriam mais fáceis, mas foi tudo mais difícil. Meus pais se esforçaram muito para que eu pudesse ir para a escola todos os dias, mas a escola oferecia um ensino de péssima qualidade. Eu entrava às 7h20 e muitas vezes saía às 9h30 porque não havia todos os professores para dar aula. Não tínhamos livros para estudar nem lanche para os alunos.
Como jovem negra e periférica, nem sonhava em fazer faculdade, até conhecer uma diretora da escola que me ensinou a sonhar com a faculdade. Além da desigualdade social e racial que me afetava, eu era vítima da desigualdade de sonhos. Eu não tinha um projeto de vida nem perspectiva de futuro. A partir desse encontro, passei a sonhar e comecei a ter o apoio dos meus pais. Mesmo sem livros da escola, pude me preparar para o vestibular com livros e apostilas de cursinho que meu pai encontrou em um lixão. Esse material foi minha mina de ouro.
Passei no vestibular com 17 anos, em 2007, para o curso de Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão. Eu nem sabia o que se estudava nesse curso nem qual seria minha profissão ao término dele; escolhi-o pelo simples fato de ser o único curso que funcionava no período da noite, sabendo que durante o dia precisaria trabalhar para me sustentar. Logo desisti da ideia de trabalhar, pois achei o curso muito difícil e sabia que precisava me dedicar às leituras durante o dia.
Eu era uma das poucas pessoas negras da turma e sentia as microagressões da academia a cada dificuldade que superava. Mesmo sem saber o que estudaria, me encantei pelas discussões sobre racismo, desigualdade estrutural e educação. A partir do 4º período, fui me destacando e conseguindo algumas bolsas, como a de iniciação científica em um grupo que estudava comunidades tradicionais, e conquistei bolsas para aprender inglês e francês.
Fui aprovada em um concurso público super concorrido em 2015 na área da educação. Vieram pessoas de todo o Brasil, graduados, mestres e doutores com o sonho de serem educadores e receberem o maior salário do Brasil, que na época era aqui no Maranhão. Mesmo sem ter estudado ou me focado para a prova, o universo quis me premiar com essa profissão que orgulhosamente dedico: ser educadora, servidora do estado do Maranhão. Não só isso. Com emoção e modéstia, afirmo que sou a professora mais premiada do estado do Maranhão. Não apenas pelos prêmios, mas pelas vidas transformadas pela educação e pelos projetos inovadores que lidero na minha escola.
Desde 2018, leciono em uma das melhores escolas públicas do estado do Maranhão, localizada a poucos metros da minha casa, no lugar onde passei minha adolescência e conheço todos os moradores e alunos. Sou uma liderança na instituição em que trabalho e no território em que atuo. Já captei quase R$ 200 mil, garantindo a sustentabilidade de projetos de pesquisa, extensão e formação de professores. Essas inovações me renderam reconhecimento no I Prêmio Servidor Pesquisador, onde conquistei o primeiro lugar entre os servidores públicos que promovem projetos relevantes para a modernização da administração pública do Maranhão.
Continuo contribuindo para a formação das juventudes, incentivando-as a alcançar seu potencial máximo e proporcionando suporte para esta geração de futuros líderes do Brasil, coordenando o setor de Olimpíadas do Conhecimento, bolsas de iniciação científica e projetos inovadores.
Por ter vivenciado tudo isso e não apenas sobrevivido na periferia, mas prosperado e levado comigo muitos jovens, fui convidada para dar uma palestra em Harvard no evento chamado Brazil Conference, em abril de 2024. Representei a educação brasileira pelo programa Servindo o Brasil. Ao meu lado, estavam outros ilustres servidores brasileiros, mediados pelo Dr. Drauzio Varella, falando para cientistas, estudantes e pessoas que queriam me ouvir e lotaram o auditório daquela universidade. Foi um dos dias mais felizes da minha vida, e eu queria muito contar como cheguei até esse dia.
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