Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto
Entrevista de Amanda Pazemecxas
Entrevista História de Vida HV_041
Entrevistado por: Luís Paulo e Claudia
Ribeirão Preto, 14 de abril de 2021.
Entrevista História de Vida 53
P1 – Deixa eu ver que número é a entrevista.
P2 – É número… cinquenta… não, espera aí, é…
P1 – Cinquenta e três.
P2 – Cinquenta e três. HV Cinquenta e três. Bom, Amanda, eu queria agradecer muito você ter aceitado participar do projeto. Esse projeto é bem antigo do Sesc. Existe… o Sesc faz o Memórias do Comércio desde 1994. Já teve três edições em São Paulo, uma em Santos, uma em Campinas, uma em São José dos Campos, Araraquara, São Carlos, agora Bauru, Rio Preto e Ribeirão Preto. E a Cláudia aqui…
R1 – Nossa, que legal.
P2 – Vai fazer a entrada? Ou eu faço?
P1 – Vou.
P2 – Então tá.
P1 - Amanda, como é que eu pronuncio o seu sobrenome?
R1 – Pazemecxas.
P1 – Pa-zê”?
P2 – Mecxas.
R1 – ... Mecxas.
P1 – Mecxas. É isso?
R1 – Pazemecxas. Isso.
P1 – “Pa-zê-méc”... É assim mesmo… (risos) Tá, você vai falar um pouco da origem desse nome.
R1 – É lituano.
P2 – Ah, é lituano?
P1 – “Pazemecxas”.
R1 – A origem… isso, iscá. E o “s” no final.
P1 – “Pazemecxas”... Bom, você corrige a gente (risos).
R1 – Fique tranquila.
P1 – Não, eu tô acostumada, a gente… quando teve o Comércio lá em São Paulo, tinha muito imigrante árabe e judeu também, então era uma loucura. Cheio de “y” (risos).
R1 – É. Nomes difíceis de se pronunciar.
P1 – E eu falava: “Gente, o nome dele não tem uma vogal, como é que pode isso?” (risos)
R1 – Existir, né? Mas é, na verdade, é, ainda assim, na família, a parte dos outros tios, foram registrados como “Pazemeckas”. Então é “c”, “k”, “a”, “s”. E meu pai, como “mecxas.”
P1 – Entendi, entendi…
R1 – Mas é o mesmo, a mesma família.
P1 – A mesma família. Eu vou fazer só uma abertura, tá e a gente começa a conversar, a gravar. Já está gravando, mas a gente faz uma abertura oficial e a entrevista é assim, é interativa, é tranquila.
P2 – É um bate-papo. É.
P1 – É. Tá? Então, vou fazer a claquete, aqui.
R1 – Que legal.
P1 – É.
Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto
Entrevista de Amanda Pazemecxas
Entrevistada por Luís Paulo Domingues e Cláudia Leonor
Ribeirão Preto, 14 de abril de 2021
Entrevista História de Vida 053
Transcrito por Selma Paiva
Você quer começar, Lu?
P2 – Sim, pode ser. Amanda, pra começar, eu gostaria que você falasse o nome… o lugar onde você nasceu, sua data de nascimento e o seu nome completo.
R1 – Tá. Eu sou Amanda Pazemecxas, eu nasci em 15 de janeiro de 1977, na cidade de Osasco. Ah, vivi em Osasco até os 12 anos e depois me mudei pra cidade de Ribeirão Preto.
P2 – Ah, legal. E o nome do seu pai e da sua mãe?
R1 – Minha mãe é a Vitória. E meu pai é o Anastácio Pazemecxas.
P2 – Certo. Você conheceu os seus avós? Teve contato, ou tem ainda?
R1 – Conheci a minha avó. A Antonina, que morou em Guarulhos. O meu avô, eu não conheci. Ele chamava Antanas e eu não o conheci.
P2 – Certo. E, então, essa parte da família que veio da Lituânia, né?
R1 – Sim, sim. A avó e o avô. A avó é polonesa e o avô é lituano.
P1 – Ô, Amanda, só um minutinho. Eu vou pedir pro Caio te orientar, sabe o que que está acontecendo? Acho que o… não sei se é a luz da sua sala, alguma coisa, está refletindo nos seus óculos…
P3 – É, deve ser a luz da sala.
P1 – Só pra não ficar feio (risos).
R1 – E aí, melhorou?
P1 – Opa! (risos) Não, porque fica parecendo que tem um bichinho aqui (risos). Bom, vamos lá, continuando, Lu. É, também tira. Isso, ficou melhor ainda. (risos)
P2 – Essa parte que veio da Lituânia e da Polônia, eles vieram… você sabe a história? Da origem, da viagem deles para o Brasil, o que eles vieram fazer aqui?
R1 – Sim. É, na verdade, meu avô era… perseguido político lá, né? Então, ele entrou pela Argentina. Existe, assim, muitas dificuldades de saber a história verídica, porque a minha avó sentia medo e vergonha de falar sobre a cultura lituana, sobre o que aconteceu. Então eles, assim, foram raras as vezes que eles… que a minha avó falava alguma coisa sobre. O ano passado… minha filha mora em Chicago vai fazer dois anos. E a gente está mexendo com os papéis pra pedir a cidadania. E aí foi onde eu comecei a levantar a história dele. Então, pelo que eu descobri nos documentos, eles vieram, ambos solteiros, né e se casaram aqui. Mas pela história que a minha avó me contava, eles já vieram casados. Inclusive, o meu pai, segundo ela, veio pra cá, mas nos documentos o meu pai está como brasileiro, nascido na cidade de São Paulo, mesmo.
P2 – Olha, que…
R1 – Então, assim, há um desencontro de informações. Mas eu sei muito pouco sobre cultura, sobre língua, porque ela temia muito. Às vezes arriscava a ensinar algumas palavras, né, algumas comidas, mas eu via que era assim, vergonhoso, tinha medo. E não sabia, até mesmo pelo jeito dela, era uma pessoa muito reservada. E não me sentia, assim… nunca cheguei a perguntar por que, sabe? Às vezes eu só perguntava: “Ai, como que é?” E agora, depois de alguns anos, né, uns dez, quinze anos atrás, com a internet, o acesso a todos, eu encontrei boa parte da família na Lituânia. E a gente tem contato com meus tios-avós, minhas primas de terceiro grau… bem legal.
P2 – Ai, que bom. Então, na sua casa, quando você era pequena, foi crescendo, não teve muito, assim, a tradição nem da Polônia, nem da Lituânia, no sentido de música, comida, festas, ou senão algum traje… porque eles escondiam…
R1 – Não. Era, assim, raramente. Só na época da Páscoa, né, que ela me falava sobre os ovos, a pintura de ovos e como fazia. Mas eram raríssimas as vezes. Via assim: ela falava pra ela mesma em lituano o tempo todo. Mas ela nunca ensinou, nunca falou sobre cultura, música, dança… não.
P2 – Sei. E, Amanda, a profissão deles, você sabe qual que era? O que eles faziam no Brasil?
R1 – Meu vô era carpinteiro. E a minha avó era dona de casa.
P2 – Sim. E o seu pai e a sua mãe? Você sabe como que eles se conheceram?
R1 – Meu pai e a minha mãe… meu pai era funcionário público do Ceagesp. E eu sei que eles se conheceram lá, porque minha mãe, se arriscou na vida de feirante. E ele trabalhava na parte administrativa do Ceagesp e, entre um cafezinho e outro, eles se conheceram e se casaram.
P2 – Legal. E você? Você nasceu em Guarulhos ou em Osasco?
R1 – Eu nasci em Osasco.
P2 – Osasco.
R1 – Nasci em Osasco e vivi lá até os doze anos.
P2 – Certo. E o que você lembra da sua infância? Devia ser diferente de hoje, Osasco, né? Como que era a rua…
R1 – Nossa! Era divino. Era maravilhoso. Era muito bom. Eu lembro do Bom Retiro, que a gente ia comprar na bomboniere, que tinha naquelas bombonieres salgadinhos que eram “vendidos” a granel, doce… era, assim, uma delícia. E a vida cotidiana lá, também. As ruas, nem todas tinham asfalto, né? Mas a gente tinha liberdade de brincar na rua, de bicicleta, podia se fechar a rua pra fazer gincanas em determinadas épocas do ano, eu lembro que a comunidade se unia muito. Era assim, eu tive uma infância lá, fabulosa.
P2 – Ai, que legal. E quais que eram os passeios, assim, né? Vocês moravam em Osasco, mas todo o mundo que mora em Osasco vai passear bastante em São Paulo, né? Seu pai e sua mãe, no final de semana, te levavam onde, assim, né? O que você lembra?
R1 – Olha, eu lembro que a gente ia muito numa pizzaria do Grupo Sérgio, que era assim, fantástico. Tinha música ao vivo. E o Pico do Jaraguá, que era… todos os domingos a gente passeava no Pico do Jaraguá. Passava o dia todo lá. Era bem legal.
P2 – Ah, fazia piquenique, essas coisas?
R1 – Piquenique. Exatamente. Tinha a parte do brinquedo e tinha umas piscinas públicas lá. Era, assim, piscininha, que eu me lembre, pequenininhas. Mas era diversão total. Podia fazer tipo mini trilha, né? Era bem legal.
P2 – Ah, é lindo lá, mesmo. E, Amanda, e na escola? O que você lembra da escola? Você ia a pé pra escola? Que era comum, né, antigamente, nos anos setenta, oitenta, o pessoal…
R1 – Sim…
P2 – Você estudou onde?
R1 – Sim, nós íamos a pé. Eu estudei lá no Rochdale mesmo, em Osasco e a gente ia a pé pra escola, voltava a pé. Às vezes meu pai ia buscar a gente na saída e nós voltávamos a pé, passávamos no mercadinho, na padaria, já pegava o pãozinho francês, descia pra tomar o café da tarde. Mas era supertranquilo, tanto na ida, quanto na vinda. Os outros amigos da rua, geralmente, estudavam na mesma escola, então fazia… saía aqueles grupinhos, né, juntos.
P2 – Sim, sim. Legal. E o que você lembra da escola no sentido das matérias, assim? Você gostava mais de qual área? Tinha alguma coisa que já estava te inclinando pro lado do comércio, ou não?
R1 – Na verdade, Luís, assim: eu nunca imaginei que eu fosse ser uma comerciante, muito embora minha mãe sempre foi comerciante. A minha formação é Tecnólogo em Manutenção Aeronáutica. Eu sempre gostei do desmontar coisas.
P2 – Sim.
R1 – Então, como não era uma coisa muito bem-vista... quando eu mudei pra Ribeirão Preto, meu tio tinha uma oficina aqui. Com doze anos eu vim pra Ribeirão, ele tinha uma oficina mecânica. E eu fui ajudá-lo na oficina, a lavar peça, desentupir carburador, giclê, arrumava a bancada, ferramentas, só que isso não era uma coisa muito bem-vista, né? Uma menininha, imagina você, com o estereótipo de loirinha, magrinha, parecidinha com Barbie, não tinha nada a ver com o cheiro da gasolina, porque eu passava o dia inteiro lavando o giclê de carburador. Não era uma coisa que agradava muito a minha mãe. E as minhas amigas também achavam esquisito aquilo. Então, eu passei, eu fiquei lá até uns catorze anos, mais ou menos, ajudando-o. E depois, aí eu fui… eu terminei a oitava série, na época, né, iniciei o ensino médio, me dediquei a fazer secretariado. Depois, mais tarde, quando eu me casei… antes de me casar, eu comecei a fazer Filosofia. E depois que eu tinha me casado, eu descobri um curso em São Carlos, em Pirassununga, de Tecnólogo de Manutenção Aeronáutica. E eu comecei a pesquisar sobre isso, sobre a introdução da mulher, o que seria mais fácil, né, porque pra eu abrir uma oficina pra eu trabalhar, eu precisava de um recurso bem grande, ferramentas, né, e equipamentos pro lugar e aí fui levando isso paralelamente, estudando, mas sabendo que eu ia encontrar uma dificuldade tremenda. Mas não desisti. Fiz o curso, que durou mais ou menos quatro anos e meio. A formação de mecânico é dividida em três categorias, que é o mecânico de célula, que engloba toda a parte estrutural da aeronave; o mecânico de GMP, que é o grupo motopropulsor, que é motores e hélices; e o grupo aviônico, que é a parte eletroeletrônica. Então, são módulos, né, estágios separados. E, depois que você faz o curso, você precisa de ir pra Anac, né, para você ter a sua licença de mecânico das três carteiras. E eu concluí todo esse processo. Passei pela escola, fui pra Anac, passei de primeira, deixei os meninos da sala com o queixo caído, porque falavam assim: “O que essa mulher, com dois filhos, está fazendo aqui? Ela é louca?” Eu era, assim, meio que uma piada, na sala. Bom, passei, foi muito difícil a integração na área profissional. Aqui em Ribeirão Preto tem uma regional, que eu acho que eu entupi o e-mail do engenheiro, de tantos e-mails a pedido de uma colocação, um estágio não-remunerado, qualquer coisa para eu estar na área. Bom, depois que eu terminei tudo, ele me chamou pra fazer um estágio não-remunerado, das 22 da noite às quatro da manhã. E, nisso, eu tinha me separado. Então, eu precisava de estar trabalhando, pra ter algum recurso financeiro, mesmo porque eu fiquei com as crianças, né? E aí eu arrumei um emprego num auto center e fazia o estágio não-remunerado lá e durante o dia eu trabalhava no auto center. Fiquei um ano, né, e aí eles contrataram um outro, uma outra profissional, que era bem menos qualificada e eu me senti, assim, super ofendida, pela minha dedicação, porque eu tinha uma qualificação muito maior do que a pessoa. E eu falei: “Bom, então deixa pra lá. Se é pra ser assim, esse preço também eu não vou pagar”. Saí e fiquei só no auto center. Passou seis meses, essa empresa me ligou. Falou: “Ó, surgiu uma vaga aqui, você aceita?” Eu ganhava… nessa época eu já tinha alcançado a gerência do auto center. Eu ia ganhar tipo a metade do que eu ganhava no auto center. Falei: “Ah, eu topo, claro que eu topo. Vamos lá. Não importa”. E fui. Trabalhei três anos e meio lá. Foi superlegal, foi superbacana. Aí, na sequência, uma outra empresa que estava aqui em Ribeirão, já fazia voos diários, me convidou pra ir pra lá, uma empresa que era, na época, de BH. Falei: “Vamos”. Só que só havia um mecânico, no caso eu, né? Eu atendia voos de manhã e voos à noite, todos os dias da semana. Então, eu trabalhava de manhã e de noite, de segunda-feira a sábado e domingo eu ia só à noite pra atender os voos. Trabalhei mais quatro anos lá. E aí, quando eles acabaram, encerraram as operações aqui em Ribeirão, uma outra empresa, também, grandona, que está aí no mercado, me convidou pra ir, onde eu trabalhei oito anos lá. Então, assim, foi bem bacana. Nessa última empresa, nesses últimos oito anos, o meu filho apresentou, aí, problemas psiquiátricos, com depressão, porque não tinha passado no vestibular…
P2 – Sim.
R1 – Bom. Enfim, foi uma loucura. Porque foram tentativas de suicídio, psiquiatra, psicólogo. E a empresa tinha me convidado… na verdade, assim, não era um convite. Eu tinha ganhado… nós tínhamos ganhado uma pontuação bem alta, por excelência na manutenção de aeronaves aqui em Ribeirão. E, como prêmio, nós teríamos que ir buscar uma aeronave lá em Toulouse. E eu não podia me ausentar nem um minuto, porque ele não podia ficar sozinho. Então, se eu não estivesse, a minha mãe teria que estar lá, ou o meu marido, meu segundo marido. E eu falei: “Eu não me sinto confortável em deixar a minha família nesse momento”. Aí eu enrolei, perdi meu passaporte, revalidei o passaporte, entrou em greve a Receita… a Receita, né? Eu sei que, foi… eu posterguei o máximo que eu consegui. Aí realmente não tinha mais o que fazer, aí ele falou: “Agora é sua vez”. E eu falei: “Bom, eu não vou” “Ah, mas não é de bom tom você não ir, porque eles estão contando com a sua presença lá, vai trazer o avião número não sei o que e tal”. Eu falei: “Olha, então vamos fazer o seguinte?” Aí eu já havia… na verdade, eu já mexia com sabonetes pro meu uso. Com sabonetes artesanais. E eu pensava: qual que é a única forma que eu tenho de recuperar o meu filho? Porque, de acordo com o psiquiatra, ele queria que eu o internasse na cidade de Franca. E eu não concordava com essa metodologia, com esse tratamento, de medicamentos prescritos, né? Não fazia bem. Esse tratamento não estava fazendo bem pra ele. Então, eu conversei com meu marido, eu falei assim: “Eu só vejo uma forma de trazê-lo pra perto da gente de novo: ressocializar”. Como que a gente ressocializa alguém? Fazendo alguém se sentir útil. Trabalhando, produzindo, colhendo. Né? Falei: “Então, e se a gente montar uma loja? Com os sabonetes artesanais, eu ensino as meninas a fazerem o que eu já sei”, porque eu, durante o meu trabalho na aviação, sempre fui fazendo cursos, sabe, sobre saboaria, cosméticos naturais, óleos essenciais. Então, sempre paralelo, ali. Eu levava como um hobby, mas eu adorava. E eu me empenhava muito. Então, eu falei: “Que tal se a gente montasse uma loja e ele fosse trabalhar com a gente?” Aí meu marido falou: “Eu acho que é uma ótima. Só que você vai abrir mão da sua carreira na aviação?” Eu falei: “É. Eu tô disposta, porque eu acredito que vai ter um resultado muito positivo”. E aí eu fiz, eu pedi, falei: “Olha, eu preciso que vocês me demitam. Se vocês não me demitirem, eu vou pedir demissão, porque eu não vou pra Toulouse”. E a empresa já sabia, né, dos problemas psiquiátricos dele. Inclusive, as únicas duas vezes que eu faltei nesses oito anos de empresas foram por conta de… foi no dia que ele tentou a loucura e que ele ficou hospitalizado e eu fiquei no hospital com ele. Então, eu falei: “Olha, eu não tenho nada que desabone a conduta, né, profissional, perante a empresa. E se vocês não fizerem… porque eu vou utilizar esse recurso que vocês vão me mandar embora, pra montar a loja. E, se vocês não fizerem isso, de qualquer forma eu vou sair. Eu vendo carro, eu vendo casa, eu vendo o que tiver aqui, mas eu vou, já tenho o projeto”. E fiz. Montamos a loja, ele veio trabalhar com a gente e foi um sucesso. Seis meses depois, Luís, ele não usava nenhum tipo de medicamento, ele é super querido pelas clientes da loja. As clientes falam: “Ai, o… Ele é um lindo, um fofo, me dá atenção, ele explica como ninguém”, sabe? Então, assim, foi uma decisão muito acertada da minha parte.
P2 – Ah, que legal.
R1 – Por isso que eu te falo: eu nunca me imaginei na condição de empreendedora. E quando a gente começa um negócio com um recurso muito limitado, assim, você dá mais o sangue ainda. Foi o que aconteceu aqui na loja. Nós começamos com pouquíssimo… a gente vende essências de matéria-prima pra saboaria. As essências são produtos muito caros, porque são vendidos em dólar, então agora, ainda, né, o dólar no alto, a alta do dólar, os preços... então você precisa, assim, de ter um recurso financeiro legal, pra ter uma variedade, assim, de essências. Nós começamos com pouquíssimas. Sabe, eu tenho a foto da inauguração da loja. A gente tem uma coisa muito simples, mas assim, sempre dentro de um conceito. Desde o início eu falei: “Ah, eu quero a loja num conceito artesanal, os móveis feitos à mão, tudo o que a gente puder fazer pra deixar com cara de artesanal”. Meu marido fez a mobília da loja toda. Então, todo mundo ajudou e ficou bem legal. E quando a gente viu… aí ele trabalhou com a gente seis meses e um dia ele foi mal-educado aqui. Na loja eu sempre falei: “Olha, aqui na loja eu sou a sua patroa”. Ele foi mal-educado e gritou comigo aqui na loja, eu falei: “Então você tá demitido. Não precisa voltar”. Ele achou que eu estava de piada, que era uma piada e que no outro dia ele ia vir trabalhar. Eu falei: “Não. Você está demitido e tem mais: eu só vou te pagar os dias no dia dez, que você trabalhou, porque eu não tenho agora”. No outro dia, uma empresa ligou pra ele, pra ele ser menor aprendiz. Eu falei: “Vai. Você vai pra ganhar metade do que você ganhava aqui, mas você vai, sim.” Foi superlegal. Deu super certo, e ele está... trabalhou lá, inclusive agora que ele foi demitido, mas ficou todo esse tempo, de 2018 até semana passada trabalhando lá, teve várias promoções, sabe? Eu achei bem legal. Então, assim. Eu, vendo o resultado de todo o esforço, valeu a pena. Valeu a pena e a loja, hoje… dentro de Ribeirão Preto tem outras lojas que vendem essência, mas não tem nenhuma delas que tem o conceito que tem a nossa loja, que é tudo artesanal, os móveis, a disposição dos produtos, o atendimento, que não é, assim, uma coisa tão números. Os clientes são o nosso maior bem. Então, o tratamento aqui, eu priorizo muito com as duas funcionárias que tem aqui na loja: que tem que ser bem humanizado, que é isso que vai cativar o nosso cliente.
P2 – Que vai dar o diferencial, né? É verdade. Ô, Amanda, podemos retomar um pouquinho pro passado, né? O que você fazia, mesmo, com relação aos aviões, assim? Você trabalhava, você esperava o voo chegar, aí tinha que fazer aquela checagem? Como que era o seu trabalho, nessa época?
R1 – Olha, eu… na verdade, mecânico aeronáutico engloba tanto aviões, como helicóptero. Eu nunca trabalhei com asa rotativa, que são helicópteros. Eu sempre trabalhei com asa fixa e aviões de grande porte. Já comecei trabalhando em linha aérea. Na primeira aqui de Ribeirão, que é a regional, eu trabalhei em hangar. Então, como eu tenho as três carteiras de motores, estruturas e aviônicos, eu trabalhava, eu era o geral. É. Fazia tudo que tinha pra fazer. “Ah, mas como você fazia pra trocar?” - já me perguntaram -“uma roda, um pneu?” Então, na verdade, assim, é uma tarefa que judiava bastante, mas eu não reclamava nem um minutinho. Às vezes eu não tinha força física, mas existem ferramentas, né, a unha, que a gente utiliza, que você faz uma alavanca, então você diminui o seu esforço. Mas, mesmo assim, eu precisava contar com a força física dos meninos. Mas eu não me opunha, eu nunca falei: “Olha, eu não aguento, eu não tenho força”. Não, eu chegava em casa e tomava uma cartela de Dorflex, que tudo doía, mas eu fazia. Aí eu mudei pra essa empresa que era de Belo Horizonte, né? E fazia atendimento de pista. Atendimento de pista, o avião chega, você faz uma inspeção rápida: pneu, freio, abastece, né, com a quantidade específica que está no documento, verifica se não tem nenhuma parte da carenagem solta. Se existe alguma pane que foi relatada durante o voo, você entra com uma ação de manutenção, né? Então… e esse procedimento tem que ser com bastante atenção e você tem que ter bastante agilidade, porque você tem vinte minutos de solo. A partir disso, já dá um atraso de manutenção. E um atraso de manutenção, no decorrer do dia, gera atrasos enormes na malha toda. Então, você tem que responder e-mail, você é questionado se precisava. Enfim, você trabalha sob pressão, mesmo. Mas era um trabalho muito gostoso, que eu gostava muito de fazer.
P2 – Você podia parar um avião, se você quisesse, assim? Falar: “Esse…”
R1 – Sim, sim. Autonomia total, já fiz isso várias vezes. “Ah, mas por quê?” Porque não é seguro. E o avião tem um detalhe bem legal. Assim: toda vez que um avião pousa, principalmente se existe algum item de manutenção relatado no livro de bordo, o mecânico tem que entrar com a ação, responder no outro campo o que foi feito. E você assina e você coloca o seu código Anac, que seria um CRM. Então, a partir daí, eles vão verificar quem foi o profissional, né, a última manutenção, quem foi o último profissional de manutenção que liberou aquele voo. E eles vão te questionar: “Você liberou por quê? Baseado em que documento que você fez? Quando, onde?” E você tem autonomia, sim, pra reter o embarque, pra cancelar o voo. Depende muito da gravidade, né, da situação.
P1 – E assim, tomar uma decisão dessa, como é? É tranquilo, como é que… você falou que é muita pressão, né?
R1 – Não, é muita pressão. Mas assim, a minha premissa sempre foi: “É seguro? Eu colocaria a minha família aí?” Então, baseada nessa premissa, eu falo assim, ó: “Bom, não tem jeito, não tem o que fazer, o voo está cancelado”. Ou então, vamos supor, um pouco antes do cancelamento do voo: “Ó, eu preciso de duas horas pra tentar resolver”. Em duas horas, se eu não resolver e a questão fosse mais grave, então aí eu cancelava. Baseada nessa premissa. Eu me perguntava: “É seguro?” É. Se é seguro, beleza. Vamos lá. “Coloco minha mãe e meus filhos aí dentro?” Coloco. Não é seguro? Não coloco e ninguém vai. Porque eu imagino… eu só me perguntava o seguinte, toda vez que a gente via um incidente, eu me perguntava assim: “Poxa, as pessoas que estão lá dentro só queriam ir e vir. Mais nada! Então, de repente, por uma pressão econômica da empresa que eu trabalho, né, porque a gente sabe que as coisas funcionam à base da economia e que existe a pressão, mas existe uma coisa muito mais importante, anterior a isso, né? Pessoas. Então, eu sempre pensei assim. Às vezes, tive que fazer longos e-mails me justificando, né? Mas sempre baseada na documentação, nos manuais de manutenção e aquilo ali acabava por ali, mesmo.
P1 – Parabéns!
P2 – Ô, Amanda. Ainda um pouco… antes da gente começar a falar especificamente da loja… você mudou pra Ribeirão Preto com doze anos, né? Doze, treze? Doze.
R1 – Foi isso mesmo. Com doze.
P2 – E aí você foi morar em qual bairro? O que você lembra, também, dessa sua fase de ainda criança, virando adolescente em Ribeirão, assim? Onde você morava, como que era?
R1 – Eu fui morar na casa da minha avó. Minha avó era de Ribeirão Preto e eu vinha passar as férias aqui. E nós viemos pra cá quando ela faleceu. Porque ela deixou dois tios solteiros que se matavam. Eles não conseguiam viver harmonicamente. Então, minha mãe teve que vir pra poder, gerenciar o conflito dos dois, ali. É, eu fui morar no Ipiranga. É um bairro bem distante. É subúrbio, mesmo e não tinha... na verdade, eles estavam começando a asfaltar as ruas, era tudo chão de terra vermelha, sabe? Mas, assim, tenho só ótimas recordações, também. Porque ali eu ainda brinquei muito de bets na rua, na terra, tomei chuva, nadei nas poças, que hoje em dia a gente fala assim: “Nossa! Isso aí é perigoso”. Nadei na enxurrada. Fui muito feliz. Tinha muitos pés de manga. A gente chamava de “campinho”, né? Tinha um monte de pés de fruta, manga, abacate. À tarde dava aquela fome, de tanto que você brincava na rua, aí você ia lá debaixo do pé de manga e já apanhava umas mangas, uns abacates, amora. Foi muito divertido. Só tenho boas recordações.
P2 – Muito bom. E de passeio com a sua família, em Ribeirão, assim, de final de semana, você lembra onde vocês iam? Vocês iam na praça, no teatro, no cinema, o que vocês faziam?
R1 – Olha, nós íamos no cinema, no Plaza, que algumas vezes, ainda… porque, quando você vai entrando na adolescência, você já não quer a presença dos pais, né? Assim, foram poucas as vezes, ainda, que eu me lembro, que a gente foi no Bristol e no Plaza, que a gente ia muito. E um passeio que a gente fazia muito era ir visitar os macacos na Mata do Macaco, que é uma Mata de Santa Tereza, que tem aqui em Ribeirão. Inclusive, a mata pegou fogo há pouco tempo e tal, mas era um passeio muito divertido, porque a gente passava, comprava tipo uma caixa de banana que já estava muito madura e levava lá pra Mata do Macaco e a gente alimentava os “macaquinhozinho”, pegava a banana na sua mão e a gente passava a tarde lá, fazendo isso. Era bem divertido.
P2 – Ah, que legal. É perto da USP esse lugar? Ou não?
R1 – A Mata do Macaco não, é próximo da Mata Santa… do Hospital Santa Tereza. É atrás do Hospital Santa Tereza.
P2 – Sim, sim. Viu, Amanda, e depois, aí? Você fez o colegial aí em Ribeirão, mesmo, né?
R1 – Sim, em Ribeirão. Fiz o colegial no Dom Alberto Gonçalves, que é uma escola que tem próximo ao Cemitério da Saudade, aqui em Ribeirão.
P2 – Sim.
R1 – Parte dele eu fiz lá e parte eu fiz próximo lá no Ipiranga, onde eu morava, mesmo. O primeiro ano eu fiz lá e depois os demais eu fui aqui pro Dom Alberto. Que foi uma escola fabulosa, também. Super legal. Tenho só coisas boas pra lembrar de lá.
P2 – Que bom! Aí você se casou? Depois da faculdade, antes da faculdade? Quando foi seu casamento?
R1 – Não, a minha mãe se mudou pra Franca. E eu fui junto com ela. Chegou lá em Franca, eu descobri um curso, o primeiro curso para não-seminaristas da Faculdade de Filosofia e Letras de Franca, que é um seminário, que é a capelinha de Franca. E eles abriram a primeira turma pra não-seminaristas. E eu falei: “Ah, eu quero fazer Filosofia!” E fui. Mas, assim, era um mundo bem diferente pra mim, apesar, dos meninos que estudaram lá também não eram, a maior parte, seminaristas, né, mas pra mim foi uma dificuldade, porque tinha que frequentar a missa aos sábados de manhã, porque o Frei Augusto, que não era o professor de lá, tinha… então, assim, tinha, sabe, toda uma disciplina que eles impunham, que uma era assistir a missa aos sábados. E eu arrumei um emprego num hotel lá em Franca. Então, isso dificultava, por conta do horário da minha entrada aos sábados no trabalho. Eu não concluí o curso de Filosofia, né, eu fiz um ano e oito meses e eu abandonei. Lá nesse curso que eu conheci o meu primeiro marido. Nós nos conhecemos, namoramos, seis meses depois minha mãe voltou pra Ribeirão. E eu falei: “Ah, eu já tô aqui, eu tô trabalhando, eu vou ficar”. Foi onde eu me casei. Nesse “eu vou ficar em Franca”, eu acabei ficando casada.
P2 – Tá certo. E seu filho nasceu que ano?
R1 – O Raul nasceu em 2000.
P2 – Você tem outro filho?
R1 – Tenho a Abigail, né? A Abigail é a mais velha. Ela tem vinte e dois, ela é de 1998. Aí depois veio o Raul, que vai fazer vinte e um anos amanhã. E tem a Helena, que tem sete anos, a minha “temporã”.
P2 – Ai, que legal. E como é que você…
R1 – Inclusive…
P2 – Oi? (risos)
R1 – Desculpa. Inclusive, quando eu trabalhei na última empresa, né, que eu engravidei, aquela vergonha, porque todos estavam acostumados com um mecânico de sutiã. Mas um mecânico grávido era um evento, assim, extremamente diferente. Não tinha roupa, não tinha uniforme. E como eu não parei de trabalhar um minuto, nem durante a gravidez. No sétimo mês que o médico do trabalho falou: “Não. Espera aí. Agora não dá mais pra você ficar abaixando, verificando pneu, colocando fonte externa, não. Vamos colocar você pra trabalhar no escritório”. Mas trabalhei a gestação inteirinha na pista, tranquila.
P2 – Que legal. E a faculdade, foi difícil, assim? Porque a faculdade, também, você tinha que estar fora, né? Não foi perto de São Carlos, ali?
R1 – Foi em Pirassununga. Os dois primeiros anos foram... na verdade não é uma faculdade. Eles oferecem um curso de tecnólogo, que tem a parceria com o Crea. Em Pirassununga que eu fiz o Mecânico de Estruturas, né e iniciei o Mecânico de Grupo Motopropulsor, Motores e Hélices. E o último ano, os últimos dois anos, eu fiz em São Carlos, que era uma escola de aviação civil, voltada pra manutenção.
P2 – Certo.
R1 – Era muito difícil, porque...
P2 – Mas dava pra ir? Desculpa.
R1 – …na verdade, o curso era aos sábados.
P2 – Ah, você podia ir.
R1 – As aulas eram aos sábados. Eu tinha que estar lá às sete e meia da manhã, então saía daqui de Ribeirão Preto bem cedinho, umas quatro e meia eu pegava o circular, até a rodoviária. E as crianças eram pequenas. Então, eu tinha que deixar… arrumar alguém pra ficar com eles, porque eu ficava o dia todo. Eu chegava em Ribeirão Preto às oito da noite, no sábado. Era bastante tempo fora de casa. Além do custo, né, da escola, o custo do transporte e ainda a babá. Mas, assim, sempre dava um jeito, alguém me ajudava, me emprestava. A minha mãe cansou de falar: “Não, esse mês eu pago o custo do transporte”. Às vezes eu arrumava uma carona com alguém de Ribeirão e ia pra lá. Até… deu tudo certo no final. Foi bastante difícil conciliar casa, trabalho, filho. E tinha que ter boas notas, porque eu era vista, como eu falei inicialmente, uma piada dentro da sala de aula: “O que essa louca está fazendo aqui?”
P2 – Era a única mulher, você? Era a única?
R1 – A única mulher. Isso.
P2 – Olha!
R1 – Nas empresas que eu trabalhei, também. A primeira, aqui de Ribeirão, né, que é a regional de Ribeirão, eu fui a primeira mulher. Depois na de BH, a Trip, também fui a primeira mulher. E na Azul, também, a primeira mulher.
P2 – Sim, sim. E aí, o seu marido atual, como você o conheceu? A gente pergunta pra todos isso, viu, como conheceu o marido.
R1 – (risos) O meu marido é uma figura. Ele foi um dos meus primeiros namoradinhos aqui em Ribeirão. Na verdade, assim, foi minha primeira paixão, aqui em Ribeirão. E eu o conheci através de um grupo de amigos. E nós “ficamos”, né, que a gente falava, a gente “ficou”. E depois, aí ele já tinha namorada e eu descobri que ele tinha namorada, falei: “Ah…” Fiquei superchateada. Primeiro coração partido da vida, foi. Passou dezoito anos, quase, assim que eu tinha me separado, eu estava recém-separada, sete, oito meses de separação, eu tô descendo uma rua do Centro e um louco passa na frente do carro, que eu quase atropelo. Quem era? Era o digníssimo. E aí a gente se reencontrou e começamos a conversar: “Nossa, como é que você está? O que você vai fazer hoje?”, não sei o que: “Ah, vamos sair pra tomar alguma coisa?” Detalhe: Ele não bebe. Ele me convidou pra tomar alguma coisa e ele não bebe. Aí, saímos e voltamos a namorar e estamos até hoje. Vai fazer doze anos que a gente está junto.
P2 – Que legal!
P1 – Ai, que legal.
P2 – E agora, falando da loja, mesmo, né? Quais foram os desafios, aí? Você já contou uma parte, né? Tem a parte do financeiro, né, de montar a loja. Aí, como é que você estudou… escolheu, né, os equipamentos, os insumos, o material que você ia trabalhar? Você já tinha conhecimento, bastante, disso?
R1 – Eu não tinha o conhecimento… se a gente falar assim: um vasto conhecimento, mas eu conhecia algumas coisas, porque eu já fazia os sabonetes pro meu uso pessoal, em casa. Inclusive foi através desses sabonetes que eu fazia em casa, eu comecei a presentear parentes, amigos, o pessoal no aeroporto e eles usavam e, assim, eu caprichava na embalagem, sabe? Eu colocava laço, caixa bonita, craft… fazia, assim, uma… personalizava as embalagens. E eles se encantavam. Colocava, assim, a maior concentração de essências, de extratos, de manteiga. Então, o pessoal usava e se encantava. E aí começava: “Ah, mas você não vende? Você não vende?” E eu comecei a vender. Lá no aeroporto mesmo, eu vendi muito. Eu levava as caixas e vendia lá. Aqui, a dificuldade era no fornecedor. Porque o fornecedor, o fabricante, não quer te vender duas, três caixas de glicerina. Ele não quer te vender cinco litros de essência. Você tem quantidades mínimas pra comprar. E uma loja pequena não consegue comprar uma tonelada de glicerina, né? Inicialmente, eu lembro, quando a gente montou a loja, assim, em números de faturamento, de receita, era desanimador, sabe? Teve dias de vender dezessete reais e ainda assim… eu guardo as planilhas todas, porque a gente tem que sempre estar olhando o ontem, né, pra gente projetar o amanhã. Eu olho e falo: “Nossa, dezessete reais!” Era desanimador. Era deprimente! Teve um dia que a gente vendeu isso. A loja não tinha condições de comprar uma tonelada de glicerina, né? Então, meu grande desafio foi encontrar fornecedores. O que eu fazia? Eu ia em São Paulo, nos grandes atacadistas, lá. Eu comprava a glicerina, que é o carro-chefe aqui da loja, né? Eu comprava três, quatro caixinhas de glicerina, pra eu ter aqui na loja, porque a gente começou a oferecer as oficinas gratuitas. Você trazia um quilo de alimento não-perecível, eu doava pro Padre Euclides, que é um asilo muito carente aqui de Ribeirão e, em troca, elas tinham o conhecimento. Eu fazia os sabonetes, até o que a gente fazia aqui durante a oficina elas levavam embora e ali eu mostrava a matéria-prima, a glicerina, a essência. Então, esse foi um grande desafio. Uma das maiores dificuldades aqui da loja foi de encontrar fornecedor. Porque, até então, a gente ia pra São Paulo, aí tinha toda aquela, né? Quase quatro horas de viagem pra chegar lá e comprar quatro caixas de glicerina, dois litros de uma essência tal, alguns vidros desse modelo. E assim a gente ia colocando lá e vendendo.
P2 – Entendi. E o local, como vocês acharam? O local da loja.
R1 – O local foi meio assim, que eu já estava procurando há bastante tempo. Fazia um mês que eu tinha levado os papéis numa outra imobiliária, que tinha visto um salão bem legal e estava projetando a loja: “Nossa, vou ter uma sala só pra curso” e tal. Aí, de repente, essa imobiliária começou a colocar empecilhos e também tinha muita escada e eu falei: “Bom, mas o perfil do meu cliente são senhorinhas, que têm, né, uma dificuldade de mobilidade, esses degraus são…”, eram vários degraus, lances de escada, falei: “Como que eu vou fazer pra atender esse público?” Porque a ideia era, iniciar as oficinas voltadas para as pessoas, né? Os mais idosos, que ficam em depressão, porque não fazem mais nenhum tipo de terapia. As pessoas, aqui na loja a gente tem várias clientes, né, cadeirantes que, inclusive, até a nossa vitrine, agora, a gente não está conseguindo acomodar as cadeiras, mas antigamente a gente não tinha uma vitrine que fechava totalmente a porta. Tem o espaço da cadeira, mas não é uma coisa que ela entre tranquilamente, tá? Então, a gente pensava muito nisso, de acolher esse público pras oficinas. Que era através das oficinas que eu vendia a matéria-prima. E, passando… esse não deu certo, nesse lugar, a imobiliária pedindo coisas que a gente não tinha como atender, né? Bom, um dia, passando aqui na Sete de Setembro, era um salão de cabeleireiro, aqui, a loja, estava fechado. Eu falei assim: “Nossa! Olha que predinho mais…” E, detalhe: quatro quarteirões da casa do meu marido, antes dele… quele morou a vida inteira nessa mesma rua. Aí a gente viu o salão e falou: “Nossa, perfeito! Vamos fazer nosso projeto aqui, em cima desse lugar”. Ainda não é o que eu espero, né? Eu projeto um lugar maior, pra ter a sala de cursos, né? Uma sala só pra treinamento e pras oficinas, tal, mas a loja é do tamanho que eu caiba dentro, agora, entendeu?
P2 – Que legal!
R1 – Ela me acomoda, é bem gostoso.
P2 – Sim. E que é o que você precisa pra agora, né? Seria isso.
R1 – Sim, agora é o que eu preciso.
P2 – Viu, Amanda, e como é que você chamou o público, né? Porque você abriu essa loja meio que de repente, né? Então, que tipo de propaganda… como que você “vendeu seu peixe”, aí?
R1 – Bom, na verdade, assim: eu tinha as redes sociais, né, já com a marca “Senhora Essência”, antes de abrir a loja. Porque, como foi um sucesso de vendas lá no aeroporto, eu comecei a ter bastante cliente. Então, aí eu já fui atrás de fazer um Facebook, um Instagram. E a gente já atendia muito cliente: “Ai, eu quero um sabonete”. Só que nessa época, a gente vendia só o produto artesanal, né? O sabonete pronto. “Ai, eu quero um sabonete, você faz?” Eu levava, eu mandava, sabe? A gente já foi… antes de ter a loja física, a gente já tinha as nossas vendas virtuais, com outros tipos de produtos. Quando a gente foi inaugurar e montar a loja, a gente usou rede social. Porque eu não tinha recurso, né, pra rádio e nenhum outro tipo de mídia. E era rede social, Instagram e Facebook. Na época, era mais Facebook do que Instagram, que atendia, aí, o perfil do nosso cliente.
P2 – Certo.
R1 – E foi bem legal, a inauguração. Mas todo início é muito difícil. Partindo-se da premissa de que, primeiramente, você não tem, aí, um fluxo de caixa. Seu fluxo de caixa é zero. E o que você tem de sobra é força de vontade. Só.
P2 – (risos) Sim. Legal.
P1 – Amanda, e as primeiras vendas, assim, na loja? Você se lembra, como é que você fez, quem que comprou? Assim, na loja, mesmo.
R1 – Sim, inclusive são clientes que ainda frequentam a loja. Como a gente, agora, está com uma ajudante aqui, uma menor aprendiz, geralmente elas vêm aqui e falam assim: “Ai! Você eu não conheço! Você não é da época que abriu a loja”. Aí eu conto: “Ah, essa cliente veio no dia da inauguração”. Então, esses clientes que vêm na loja, da inauguração, que sempre vêm e compram, quando fazem uma compra, eu já oriento: “Olha, manda um mimo pra ela, manda um álcool em gel, manda um sabonetinho”, porque é uma forma de gratidão, entendeu? Porque aquele cliente veio a ser o nosso cliente e permaneceu nosso cliente, o que é o mais difícil de tudo, né? Você permanecer com o cliente. As vendas eram, assim, pequenas, como falei. A receita, as vendas diárias eram, às vezes, desanimadoras. Eu tinha vontade de falar assim: “Meu Deus, o que eu fiz? Eu larguei meu emprego, que eu tinha um salário legal, pra me meter nessa loucura”. Me passou várias vezes pela cabeça, falei assim: “Olha, eu não sei o que eu… eu acho que caí de cabeça no chão quando eu era pequena, não é possível”. Mas eu falei: “Não, vamos lá.” Quando eu ainda trabalhava, eu fiz o curso de logística. E agora, esses cursos tecnólogos de dois anos, todos têm, né, o empreendedorismo junto, na grade. Então, era a matéria que eu mais gostava, apesar de eu nunca me imaginar nessa situação, mas era a matéria que eu mais gostava. Então, eu sempre li muito, às vezes eu vou muito nos cursos do Sebrae. E quando tem as dificuldades, aí, os primeiros quatro anos são a fase da criança, que adoece a cada cinco dias, os remédios são caríssimos, né? Você cura uma doença, aparece outra. Até cinco anos é isso aí. No caso da empresa, aqui, nos quatro. Só que, ao contrário do que eu imaginava, que seriam assim, quatro anos muito difíceis, apesar da pandemia, apesar da loja estar fechada, ainda assim houve um crescimento, muito mais do que eu esperava, entendeu? Através de vendas nas redes sociais.
P1 – Nas redes sociais.
R1 – Então nós… não as demiti, né, permaneci com as duas, estão aqui na loja. Nossos compromissos financeiros todos estão em dia. Não atrasamos nada. Então, assim, eu me vejo, enquanto tantos outros, aí, colegas, né, comerciantes, principalmente no grupo que eu participo aqui: de vinte, sete faliram. Então, assim, eu me sinto privilegiada por estar numa situação, apesar de loja fechada, eu ainda estar com os funcionários, os salários em dia, aluguel em dia, todos os compromissos em dia e estar, ter perspectiva ainda, de crescimento. Isso eu acho que é a parte melhor, assim, que me anima bastante.
P1 – Ô, Amanda, tem, assim… não sei se você concorda com isso, queria que você fizesse uma observação. Mas, assim, do que eu vejo, assim, existe uma busca de valorizar, né, esse comércio local, essa marca local, consumir produtos locais. Você acha que parte do seu sucesso pode ser dentro desse movimento, de valorizar o trabalho artesanal ou a marca local?
P2 – De Ribeirão, mesmo.
R1 – O movimento vem crescendo bastante. O comércio local, eu, assim, digo que nem tanto, porque ainda assim as pessoas acham, às vezes, que comprar fora é melhor, por causa do preço. Mas nós trabalhamos no Instagram e no Facebook em cima disso aí: “Olha, pra que pagar fretes caros? Compre no seu comércio local, você paga mais barato. Você tem um atendimento personalizado”. Aqui, sempre a gente está colocando isso nas nossas propagandas no Instagram: “Ó, compre e ganhe um mimo”. A pessoa compra pelo Whatsapp, a pessoa chama a gente no Whatsapp, a gente manda foto. Na loja - depois eu vou mostrar pra vocês - a gente tem centenas de itens, né? E a gente manda foto, a foto com tamanho, volume, dimensão, cor, valor. Então, o atendimento é personalizado. Então, a gente sempre bate em cima disso aí: “Ó, compre aqui com a gente”. Agora, em relação ao artesanal, sim. A parte artesanal está sendo muito mais valorizada. Principalmente nos cosméticos. Com certeza é mais gostoso comidinha, docinho artesanal, cerveja artesanal, sabonete artesanal. Eu acredito que ganhou um mercado bem grande, aí, por conta da qualidade ser muito superior, né?
P2 – Claro. E, Amanda, quais são os campeões de venda, aí? O que você vende? Além de sabonete, o que você vende mais, assim, que o pessoal mais procura?
R1 – Olha, aqui na loja, são os aromatizadores. Eu tenho… dos dois nichos, são os produtos prontos, os sabonetes, hidratante e aromatizador de ambiente, que você pode usar como varetas ou você pode usar como um home spray. Então, aqui na loja a gente trabalha com uma concentração máxima da essência, pra você ter um produto de excelente qualidade, semelhante a grandes marcas, né? Do início ao final. Isso aí a gente não abre mão. Sem ter que repassar todo o custo, né, que você vê que custa um aromatizador, aí, de uma grande marca, de duzentos e cinquenta mls custa em torno de duzentos e setenta reais. Aí, o que nós fizemos: nós tivemos uma ideia de que às vezes você já tem o seu vidro. Então, você pode reutilizar o seu vidro e a gente fornece o refil. O refil de algumas essências semelhantes, né, o contratipo de grandes marcas. Então, você pode ter um alecrim daquela marca famosa, um bambu daquela marca famosa, a um custo muito menor e a uma qualidade... de excelente qualidade. De meio litro, que a gente manda.
P2 – Sim. E, além disso, como que você consegue, agora, comprar esse material? Ainda depende de São Paulo, você recorre à internet…
R1 – Não.
P2 – ... ou existe representante pra te vender? Não?
R1 – Não, hoje em dia a gente compra direto do fabricante, né? Hoje em dia a loja já consegue comprar uma tonelada de glicerina, comprar mais de cem quilos de essência, graças a Deus a gente já vai direto com o fornecedor. Pras embalagens, também, tudo direto com o fornecedor. Algumas coisas da parte de acabamento - que depois eu vou mostrar pra vocês - as bandejinhas, os mini caixotinhos de madeira, nessa pandemia eu preciso comprar pela internet, já que eu não… é inviável eu ir pra São Paulo. Mas é muito pouco, assim. Em relação ao início da loja, é um por cento do que a gente compra, lá nos atacadistas. Agora a gente compra tudo do fornecedor mesmo, direto.
P2 – Sim. E você vende marcas também? Marca… porque tem muitas marcas que se dizem marcas que são também… que não são industriais, são artesanais. As marcas… você já compra alguma coisa pronta pra vender?
R1 – Não. Na parte de cosméticos, não. Sabonetes… nós só trabalhamos com a marca BioEssência, que é o óleo essencial. Que esse precisa de ser um óleo de uma empresa séria, idônea, que você tem que ter, assim, cem por cento… porque hoje em dia eles estão sendo utilizados largamente, né, como terapia. inclusive médicos estão receitando os óleos essenciais, aí, pra diversas enfermidades. Então, com exceção do óleo essencial, que é com uma marca, né, já de cosmético natural, nós não temos… o restante é tudo marca Senhora Essência.
P2 – Ah, entendi. E, como comerciante, Amanda, você não ia ser comerciante, né? Você já tinha uma carreira. E o que você acha o mais difícil do comerciante? Porque o comerciante tem que atender o cliente, tem que saber comprar a mercadoria, tem que saber colocar preço pra vender sem ter o prejuízo, tem que fazer esse cálculo, que é uma ciência, né? Tem que fazer propaganda. Tem um monte de coisa no comércio. Contabilidade. O que é mais difícil pra você e o que você mais gosta?
R1 – Olha, a parte mais difícil pra mim, que eu acho é, vamos supor, a parte do marketing, que hoje em dia o pessoal fala assim: “Ai, o marketing você tem que humanizar o perfil da loja, fazer vídeo”. Vídeo me apresentando. E isso ainda não consegui. E eu tô estudando, mas eu não consigo. Não desenrola. E eu acho que assim, tudo é muito difícil porque, aqui na loja, eu sou o marketing, eu sou a vendedora, eu sou a compradora, inclusive a produção. Eu tenho as pessoas que me ajudam na produção, mas a ideia inicial parte de mim: ah, o projeto de Dia das Mães, eu que tô criando o projeto. O cheiro. A embalagem. “Ah, onde eu vou conseguir essa embalagem?” Eu tenho que olhar na internet onde vou conseguir essa embalagem. “Como que a gente vai precificar?” Eu tenho que ir atrás do custo, fazer o cálculo. Então, eu… essa parte eu acho tudo muito difícil. É muito mais difícil do que arrumar um avião totalmente cheio de pane. Isso, pra mim, é um desafio diário. Ir atrás do fornecedor: “Poxa, mas você está me passando um preço, semana passada era outro”. Agora, nessa parte do delivery, né, que a gente adquiriu muito nossa receita, mas ainda assim, nós tivemos que arrumar motoqueiro. Então, empresas que fazem a logística. Nós tivemos que mudar essa semana, por conta de ter entregas pra fazer: “Hoje nós não vamos trabalhar. A gente não foi avisado anteriormente”. E ter três eventos, o mesmo evento em menos de um mês, a empresa nos deixar na mão. Eu não deixo o cliente na mão. Eu fui, contratei um motoqueiro do iFood, não, vai levar pro meu cliente, porque já… ou então eu pegaria um táxi, eu mesmo iria lá entregar, entendeu? Então, essa parte é muito difícil, de negociar com os grandes fornecedores, porque às vezes eles não são muito flexíveis: “É assim, é assim e ponto”. Essa parte eu acho a mais difícil, porque você não consegue negociar com eles. Mas a gente vai aprendendo, né? Eu vou procurando outros fornecedores. Cada dia, aqui na loja, eu acho que isso aqui vale mais que cinco faculdades, graduação, pós-graduação. Você aprende pessoas, processos e produtos. Você aprende tudo, aqui. (risos)
P2 – E quais são as datas melhores de venda, hein? Além de Dia das Mães, né, Dia dos Pais, o que mais?
R1 – Na questão do (1:01:14), o Dia das Mães do ano passado foi o maior fiasco da loja. Geralmente o Dia das Mulheres. Nós temos clientes, tem o Senai, que entregava os mimos pros alunos, pras mães, início do ano. Então a gente tem, empresas que compram aqui da gente. Até o ano passado era assim. E, depois da pandemia, esses clientes desapareceram, né, porque não tem mais escola, não tem mais evento, não tem mais nada, então nós ficamos assim… eu não saberia nem falar assim pra você: “Qual que é a melhor data de venda?”, porque no Dia das Mães no ano passado foi um fiasco. Esse ano, no Natal, foi um fiasco. Então, assim, anteriormente à pandemia: o Dia das Mães, Natal, né, que era o melhor, o Dia Internacional das Mulheres, porque a loja também trabalha com mimos corporativos, então a gente faz aquele mimo pra sua empresa, de acordo com o que você quer, com o cheirinho que você quer. Era esse… Dia dos Pais, também. Dia dos Professores, tinha muitas mães, sabe, que procuravam: “Ah, a gente precisa de duzentos itens pros alunos darem”. Era bem legal. Agora eu já não sei te falar mais, mas até antes da pandemia era Natal, Dia das Mães e Dia das Mulheres.
P2 – Sim. Ô, Amanda, e projetos futuros? Vocês têm aí projetos de, vamos dizer, ampliar a produção? Você, por exemplo, fornecer pra muito mais gente, tem que ampliar o lugar aí, a capacidade de produção, ou abrir uma franquia. Tem muitos comerciantes que gostariam de abrir em outra cidade, ou loja própria ou franquia. Quais são seus planos pro futuro?
R1 – Então, na verdade, Luís, assim: inicialmente a ideia era de conseguir um lugar maior, porque depois eu vou te mostrar: a gente tem os produtos Senhora Essência e nós temos embalagens e matéria-prima, tudo pra quem quer começar a fazer, tem aqui. A ideia era ter um lugar maior pra gente separar Senhora Essência, os produtos prontos, né e Senhora Essência… tipo abrir uma outra empresa em uma parceria, que eu estou buscando, de embalagens PET, né? Senhor PET e “Senhora Essência” vão se casar, entendeu? Então, eu entrava com a essência, uma outra pessoa entrava com a parte de embalagens. A ideia era essa aí. A minha filha está em Chicago já vai fazer dois anos. E ela falou assim: “Mãe, aqui não tem aromatizador. Por que a senhora…”, sabe? Então, a gente está estudando uma ideia de levar, aí, a arte de aromatizar ambientes, lá. Os sabonetes. Inclusive tem algumas marcas lá que são bem famosas, que nós fazemos sabonetes bem semelhantes. O brasileiro gosta de tudo muito, né? Muito cheiro, muita espuma, né? Então, é uma coisa que cativa. E a ideia é… a gente já está pensando nisso aí, quem sabe, daqui a uns dois, três anos, de mudar pra lá. Mas aqui, um lugar maior onde a gente pudesse ter uma sala de curso, um treinamento, uma área maior pra embalagens… separar, né?
P2 – Que legal! Sim.
R1 – Os produtos prontos das embalagens.
P2 – Ô, Amanda, e quando você não está trabalhando, o que você gosta de fazer? Assim, de hobby, de ouvir música, de passear, o que você gosta de fazer?
R1 – Ai, tá aí uma pergunta, viu? Eu não tenho nenhum hobby. Quando eu tô em casa, sem fazer nada, eu tô pensando no que eu vou fazer aqui. Eu não (risos) sei se isso é psicopatia, se isso vai passar, se é porque eu sou uma iniciante, entendeu? (risos) Mas eu ainda não consigo desligar: “Não estou na loja, não vou pensar na loja”. Não. Eu estou no banho, pensando no tipo de sabonete que eu posso fazer com o cheiro tal, de jeito tal. Entendeu? Eu ainda não descobri. Então, falar hobby, não tenho. Ultimamente não tenho hobby porque, mesmo por causa da pandemia, né, é loja, casa; casa, loja. E só. E, quando eu tô em casa, às vezes, é… (1:05:43), né, a gente conversa, a gente brinca, tal, mas assim, alguma coisa que te distraia: “Ai, estou fazendo para mim”, não. O “fazendo para mim” é pesquisando, como melhorar alguma coisa que já tenho, como criar alguma coisa que não tem, como recriar, remaquiar alguma coisa que já tem, fazer de um jeito diferente. É isso.
P2 – Ah, legal. E existe…
P1 – Ô Lu, deixa eu perguntar.
P2 – Oi. Pode falar.
P1 – Dessa linha, desse raciocínio, Amanda, é assim: antes, o fazer sabonete era um hobby seu?
R1 – Era. Antes, o fazer sabonete, eu saía da manutenção, chegava em casa, entrava, meu marido… eu morava numa casa bem grande e minha área de lazer, a área de churrasco, a pia que era toda de inox, né e tinha uma bancada gigante de mármore. Então, eu transformei aquilo. Ele fechou com ar-condicionado, fez um ateliê, um laboratório lindíssimo para eu trabalhar. Eu saía do aeroporto, eu entrava ali dentro, ali dentro eu me distraía, eu criava, né? E agora eu estou… eu não sei mais o que que eu posso fazer (risos) como hobby.
P1 – Então, mas eu queria perguntar o seguinte, Amanda: como que você começou esse interesse pelos sabonetes, pela essência? De onde que veio?
R1 – Por conta de eu trabalhar com produtos químicos, né... o querosene de aviação é muito químico. Os fluidos hidráulicos, também. Inclusive, eles são cancerígenos. Quando cai na roupa, queima a roupa, machuca a pele… a graxa, a poeirinha, né, do freio. Quando o motor está ali, ligado e tal e fez uma queima de combustível, é tudo muito químico. Então, eu precisava… eu tomava banho, assim, dois, três banhos por dia. Às vezes o cheiro do querosene não sai da pele. Você toma banho e daqui a pouco você está sentindo o cheiro. Eu adoro o cheiro de querosene, então pra mim mesma é um perfume. Mas as outras pessoas não, né? Então, eu comecei a tomar uns dois, três banhos. E eu comecei a sentir, desenvolver uma dermatite muito grave. Eu fui num dermatologista, que me receitou um sabonetinho de quarenta gramas, que eu teria que ter três empregos pra eu poder tomar três banhos por dia. (risos)
P1 – (risos) Sim.
R1 – Eu falei: “Não, não é possível”. Aí eu comecei a pesquisar, na saboaria artesanal, na saboaria natural, na cosmética natural, fórmulas. E comecei a chegar na minha formulação. Foi um sucesso. Faz muitos anos que eu não sei o que é usar um sabonete industrial. Eu tinha feito aquela cirurgia de hiperidrose e aí você fica com a pele muito mais ressecada. Você soa algumas partes, mesmo depois e as demais partes ficam muito mais ressecadas. E, com a dermatite grave, descamava muito e coçava, tinha muita coceira. Depois da descoberta dos sabonetes naturais, acabou isso. Eu nunca mais tive nenhum problema dermatológico.
P2 – Legal. Existe…
R1 – Foi assim que a gente chegou na Senhora Essência.
P2 – Que bom! E, Amanda, existe uma literatura da saboaria? Uma literatura clássica, assim, livros que são importantes pra alguém da sua área ler? Existe?
R1 – Na verdade, assim, ó, a saboaria artesanal faz junto, na mesma linha do natural. O artesanal é porque é feito à mão, tal. Mas isso não significa que tenha substâncias cem por cento naturais, tá? Mas as substâncias que têm lá não são prejudiciais à saúde. Hoje em dia a gente tem o público low-poo e no-poo, né? Não pode nada de industrializado e pode pouco de industrializado. Então, são três áreas distintas, mas que estão andando quase juntas. Tem cursos na internet, né? De dois anos pra cá eu vejo muitos cursos na internet, pessoas aí, que divulgam a saboaria artesanal, muito boas, também. Literaturas, livros. É só dar uma pesquisada na internet, que você vai achar bastante coisa legal, segura. Pessoas que têm conhecimento adequado, pra poder estar orientando.
P2 – Legal. Cláudia, você gostaria de fazer mais alguma pergunta?
P1 – Nessa sequência da descoberta da saboaria, você falou que foi atrás, pesquisou muito. Mas, assim, você chegou a fazer curso? Como que você fez a sua formação?
R1 – Sim. Sim, durante as folgas do aeroporto, eu marcava os cursos em São Paulo. Então, eu saía daqui, eu saía da manutenção, nessa época eu estava trabalhando na madrugada, eu saía às cinco da manhã do aeroporto, trocava o uniforme e ia pra São Paulo, pra fazer o curso lá. Ficava até às cinco da tarde e voltava pra Ribeirão, pra entrar às 23, no outro dia.
P1 – (risos) Nossa!
R1 – Fiz todos os meus cursos, foram assim. Além, claro, dos cursos on line, né, que é legal você estar sempre lendo e reciclando, vendo grandes marcas, qual que é o conceito que eles trabalham, porque, na parte dos produtos prontos, a gente trabalha com o sensorial, né? A pessoa tem que ver um sabonete, tem que sentir aquele aroma. Então, não é só fazer um sabonete bom. Você tem que fazer um sabonete bom, apresentável, que agrade o aroma, que o cheiro do sabonete seja do início ao final dele. Então, são todos esses itens aí que vão compor, eu acho, o sucesso do produto final.
P1 – E de onde vem o nome da loja?
R1 – Senhora Essência? Eu queria… porque minha mãe tinha mania de falar assim: “Nossa, essa aqui é uma ‘senhora pizza’! É uma ‘senhora macarronada’! É uma ‘senhora’ não sei o quê! Um ‘senhor banho’!”, né? A ideia do Senhor PET veio depois da Senhora Essência. Eu falei: “Não, eu quero uma coisa com um nome que leve, assim, à excelência”, né? Eu até brincava assim: “Eu quero estar no PES, que é o ‘Programa de Excelência do Sabonete’”.
P2 – Sim.
R1 – Então era Dona Essência, eu falei: “Não. Dona Essência é uma coisa, assim, que remete… eu não quero poder, eu quero estar na excelência”. E aí saiu Senhora Essência.
P1 – Ficou ótimo! (risos).
P2 – Que legal! Muito bom.
P1 – Maravilha, tô supersatisfeita, Amanda. Tem alguma coisa que a gente não perguntou, que você queria deixar registrado?
R1 – Ah, eu acredito que eu falei toda a trajetória da loja. Inclusive, ano passado, durante a pandemia, nós descobrimos que tem uma outra loja, que está trabalhando com o nome da nossa loja.
P2 – Sério?
R1 – Sério. E quando nós escolhemos o nome Senhora Essência, eu já fiz uma busca no INPI, né? Instituto de Pesquisas de Marcas e Patentes. Né?
P1 – Isso. Isso.
R1 – Tinha deixado lá uma… fiz uma busca e não havia Senhora Essência. E ainda bem que fica registrado, porque eu dei entrada no protocolo, mas não finalizei, porque na época eu não tinha recurso pra finalizar. O ano passado nós descobrimos que tem uma loja em Atibaia que está usando o nome Senhora Essência. E nós começamos a receber muitas ligações, porque a gente tem no Google. “Ai, a vassoura está na promoção?” “Olha, a Senhora Essência não vende vassoura, né? Nós vendemos essência”. E aí que nós fomos atrás de saber. Teve uma outra ocasião que uma empresa de RH ligou também: “Olha, nós estamos aqui com um pedido de contratação”. Eu falei: “Não, eu não tô contratando. Tem algum engano, equívoco. Eu tô em Ribeirão Preto, nós não temos outras lojas, só em Ribeirão”. E aí eu fui descobrir que a loja realmente está usando o nome, o nosso nome. Mas aí, o ano passado mesmo, como eu já tinha iniciado o processo de registro da marca, eu finalizei. Agora estou… nós estamos aguardando só a junta analisar o pedido, mas acredito que não vai haver oposição, por conta que está registrado desde 2017 o pedido, né? É isso. Mas a cada dia é uma luta. E eu acho que é uma vitória, também, né?
P1 – É.
P2 – Sim, com certeza.
P1 – Resiliência, né?
P2 – Sim. Amanda, depois, daqui uma semana, duas semanas, aí, alguns dias pra frente, o nosso fotógrafo aí de Ribeirão vai te ligar, pra fazer uma sessão de fotografias aí na loja. E, também, se você tiver essas fotos do passado, aí, você com os aviões, ou você no início da loja, assim, quando inaugurou…
P1 – Umas dez fotos…
R1 – Ah, legal.
P2 – Ele copia e te devolve. Ele não vai ficar com as fotos, né? Ele vai copiar as fotografias e te dar.
P1 – E fazer um ensaio fotográfico, seu. Aí na loja.
R1 – Ah, legal. As fotos da aviação, eu tenho só no modo digital. Eu não tenho nada aqui. Eu acho que tem só alguma coisa no arquivo, que semana passada uma empresa de seguros pediu se podia usar a minha imagem, tal. Eu achei… falei: “Ai, muito legal. Claro, pode usar”. Mas a gente não tem nada impresso. Depois, se ele quiser, eu mando pra ele na forma digital.
P1 – Isso, isso.
P2 – Pode ser on line, mesmo. Isso mesmo. Então, eu agradeço muito você, Amanda, por ter aceitado o nosso convite. Foi muito legal a história.
P1 – Foi genial! Adorei! (risos) Mas o bacana, Amanda, é que vai agregando com as outras. Vai agregando com as outras histórias que a gente já coletou, sabe? É impressionante, impressionante.
P2 – Muito bonito.
R1 – Eu fico muito feliz de poder participar e contar a minha história da loja, da trajetória. Pra gente é uma honra, fiquei… me sinto muito feliz, mesmo. Muito obrigada pela oportunidade!
P2 – Tá legal.
P1 – Uma última pergunta, Amanda: o que você achou de ter feito a entrevista, contar a sua história? Deixar a sua história registrada?
R1 – Olha, eu acho, assim, fabuloso. Porque, na verdade, não foi a primeira vez, tá, que a gente está contando a nossa história. Porque o jornal A Tribuna, uma vez, passou aqui, querendo saber sobre… que a gente tinha procura de pessoas com problema de depressão. Eu falei: “A loja, a ideia da loja foi pra isso, mesmo”. Foi uma coincidência. E aí ela fez uma pequena matéria, mas contou um pouquinho. Eu acho fabuloso, por quê? Porque além de… a pessoa passa... porque hoje em dia a internet registra tudo, né... vai passar duzentos anos e vai estar lá o registro. É uma forma de registrar.
P2 – Vai.
R1 – De mostrar pras pessoas, tipo: toda vez que eu leio… tem um projeto aqui em Ribeirão que chama História do Dia. Vocês já sabem?
P1 – Sei.
P2 – Conheço, conheço.
R1 – E a História do Dia, também contou a minha história. E eu… a partir que eu conheci esse projeto dela, da Daniela, eu comecei a ler coisas muito legais, que eu nem imaginava: o tiozinho da borboleta, que eu passava, era pequena, lá: “Borboleta!”, né, da lotérica… eu acho… então, assim, é uma forma de você saber histórias reais. E histórias que, assim, você fala assim: “Puxa! Isso aqui é o roteiro de um filme!”, né? Coisa que você jamais imaginava que está aqui na sua cidade, do teu lado, que todo dia você passa… é muito legal. É o conhecer o outro, né? Que às vezes a nossa vida é tão frenética e louca, que a gente não consegue ter ouvido de ouvir.
P1 – É.
P2 – Exato. E essa entrevista vai ficar pra sempre lá no portal do Museu da Pessoa. Além de ser pro projeto do Sesc, vai ficar pra sempre lá na área Memórias do Comércio, que tem dentro do portal do Museu da Pessoa, vai ficar lá sua entrevista, sempre, pra qualquer pessoa do mundo acessar. Vai ser legal.
R1 – Me sinto muito honrada, viu? Muito obrigada, mesmo, pela oportunidade.
P1 – A gente que agradece, Amanda! Obrigada, mesmo. Bom dia, viu?
P2 – Um abraço!
P1 - Tchau!
P1 – Tchau, tchau!
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