Projeto: Vidas em Costura - Moda, Legado e Empreendedorismo
Entrevista de Laís DA LAMA
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo, 21 de julho de 2023
Código da entrevista: VDC_HV005
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:25) P1 - Laís, primeiramente, muito obrigada p...Continuar leitura
Projeto: Vidas em Costura - Moda, Legado e Empreendedorismo
Entrevista de Laís DA LAMA
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo, 21 de julho de 2023
Código da entrevista: VDC_HV005
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:25) P1 - Laís, primeiramente, muito obrigada por ter aceitado o convite. E, pra começar, eu gostaria que você falasse seu nome completo, data e local de nascimento.
R1 - Eu que agradeço o convite, primeiramente. O meu nome é Laís Fernanda da Silva Rosa, eu nasci em Guarulhos, no dia 12 de agosto de 1988.
(00:48) P1 - Te contaram como que foi o dia do seu nascimento?
R1 – Sim, me contaram. (risos)
(01:02) P1 - E o que eles falaram?
R1 - Os meus pais foram pais adolescentes, o meu pai tinha dezesseis anos e a minha mãe dezoito anos e o que eles me contam é que a minha mãe teve uma gestação tranquila e que no dia do meu nascimento eles estavam na casa dos meus avós paternos e a minha mãe entrou em trabalho de parto e eu nasci de forma natural, de parto normal, na Maternidade de Guarulhos.
(01:30) P1 - E você sabe por que que seu nome é Laís?
R1 - Sim, sei. (risos) Na verdade, era para ser só Fernanda, porque era uma escolha do meu pai, mas na época, se eu não me engano, estava passando uma novela na televisão e tinha uma personagem que se chamava Laís e que tinha uma personalidade muito forte e a minha mãe se identificou com essa pessoa e aí o Laís entrou no dia do registro, porque então ia ser só Fernanda e aí ficou Laís Fernanda, por conta dessa personagem.
(02:01) P1 - E você sabe qual a origem dos seus pais?
R1 – Sim. O meu pai é filho de mineiros, o meu avô e a minha avó nasceram em São Lourenço, em Minas e aí, depois, eles vieram para São Paulo, em busca de trabalho, meu avô trabalhava em fazenda e a minha vó já tinha cinco filhos na época, então eles vieram em busca de uma vida melhor, isso por parte de pai. Por parte de mãe a minha mãe é cearense, nasceu no Ceará, em Juazeiro do Norte e veio com quatorze anos para São Paulo, para trabalhar como empregada doméstica na casa de uma das tias dela e infelizmente a minha mãe foi uma pessoa que, tanto o pai dela, quanto a mãe dela não ficaram juntos para criá-la, então por isso que terceirizaram a criação dela, ela foi criada pela a minha bisavó Ana. A história que eu sei da minha mãe, dessa trajetória dela é mais ou menos por aí.
(02:56) P1 - Você foi criada pelos seus pais?
R1 - Os meus pais nunca conseguiram ter uma relação juntos, porque eles eram muito jovens. Eu sei que a história é que eles tentaram ficar juntos, durante mais ou menos até quando eu tinha uns nove meses, mas, enfim, por questões pessoais, eles não conseguiram permanecer juntos e a minha mãe então foi mãe solo. Eu morei com a minha mãe até os sete anos de idade, depois a minha mãe teve questões com drogas e álcool e acabou que a minha guarda acabou indo com o meu pai, só que aí meu pai estava estudando, enfim, muito jovem, e quem acabou me criando foram as minhas tias: Celinha e a minha tia Angélica, junto com a minha avó Cida. Então, eu fui criada por essas mulheres da família do meu pai.
(03:47) P1 - E como é que era essa criação delas?
R1 - Elas são pessoas incríveis. A minha avó é falecida, já, também e a minha tia sempre foi uma mulher que trabalhou fora, a minha tia Celinha e a minha tia Angélica também. A minha tia não chegou a ter filhos, não chegou a casar, então ela acabou se tornando a mãe de muitos, tanto dos irmãos, quanto dos sobrinhos que vieram através desses irmãos também e era uma criação de muito amor, de muito acolhimento, apesar de todas as circunstâncias que eu cheguei ao mundo, de toda essa questão familiar dos meus pais e da minha mãe, mas sempre foi uma criação muito boa, sempre me senti muito acolhida na casa das minhas tias, na casa dos meus avós.
(04:35) P1 - Elas costumavam te contar histórias quando você era criança?
R1 - A minha avó costumava contar mais e a minha mãe também. Por ter essa origem nordestina, é muito comum ter muitas fábulas, muitas crenças, então eu cresci ouvindo muito aquelas histórias de interior, de bicho que surgia com cabeça de fogo, (risos) era muito comum. Então, essas histórias eram mais nesse caminho, desse folclore brasileiro. Então eu ouvia muitas histórias quando criança, desde histórias de terror, até histórias de superação, enfim. Então, eu cresci nesse meio, porque na época a gente não tinha internet, então era muita oralidade. Então, era uma família com bastante história para contar.
(05:20) P1 - Você tem irmãos?
R1 - Eu tenho, tanto por parte de pai, o Murilo, que tem onze anos, e pela parte da minha mãe, eu tenho meu irmão Gabriel, o meu irmão Lucas e meu irmão Joaquim.
(05:33) P1 - E como é a relação de vocês?
R1 - Enfim, por conta desse contexto da minha mãe, a gente acaba não tendo uma relação muito próxima, mas eu os conheço. O Joaquim, o Lucas e o Gabriel eu a vi gestando. O Gabriel foi mais próximo, porque na época eu morava com ela ainda, então eu a vi engravidando, vi meu irmão nascendo, então ele acabou sendo a pessoa que eu tenho mais proximidade, mas é uma relação de uma história muito complexa, de muitas idas e vindas e aí, atualmente, tem certas questões, mas a gente tenta, de uma certa forma, estar próximos, enfim.
(06:24) P1 - E existe algum costume especial na sua família, alguma coisa que vocês gostam de comemorar?
R1 - Sim, existe o costume de tomar o café da tarde juntos. (risos) Mais pela parte do meu pai, porque é a família que eu tenho mais proximidade, então a gente tem o hábito de se encontrar durante a semana, depois que eu saio, muitas vezes, da minha jornada de trabalho e as minhas tias são a minha rede de apoio; então muitas vezes quando eu preciso trabalhar, elas que acabam ficando com os meus filhos. E aí, nessa, muitas vezes a gente já emenda dela ficar com as crianças, para ir lá e tomar café da tarde com o meu avô, por exemplo, que é o bisavô dos meus filhos. Então, esse costume de tomar café da tarde desde que eu me entendo por gente, na casa das minhas tias, sempre teve, de reunir a família, o momento da reunião é o café da tarde.
(07:13) P1 - E o que vocês comem, geralmente, nesse café?
R1 - Pão com sal sempre tem (risos) e a minha tia Angélica é uma ótima boleira, então ela sempre faz bolo de fubá, bolo de laranja. Então, é muito comum você chegar na casa da minha tia e ter o cafezinho dela, o pão e ter um bolo.
(07:33) P1 - Você lembra da casa onde você passou sua infância? Eu imagino que você morou em mais de um lugar.
R1 – Sim, eu morei em mais de uma casa e tenho memórias muito frescas ainda na minha cabeça, da casa da minha mãe, por exemplo. A minha mãe é uma mulher periférica, uma mãe solo e quando criança a gente morava na beira do córrego, no bairro do Limoeiro. Então, eu lembro muito bem que era uma casa muito humilde, uma casa de telha, mas nessa casa tinha um quintal e nesse quintal tinha um pé de urucum e então eu lembro muito bem da minha bisavó Ana colhendo urucum e amassando-o no pilão. Então, essa é uma memória que eu tenho, muito recente e eu era uma criança que brincava muito na rua, que era uma rua de córrego, então tinha uma ponte e meu sonho, quando criança, era que a casa da minha mãe tivesse uma ponte, porque nessa época quem tinha ponte para atravessar o córrego era quem, supostamente, tinha um poder aquisitivo maior. Isso, dentro desse contexto de periferia. Então, eu lembro muito bem que o meu sonho de criança era que um dia a minha mãe conseguisse fazer uma ponte do portão da casa dela para a rua. Então, eu caí muitas vezes nesse córrego, brinquei muito nessa rua e é onde até vem a origem do meu nome artístico Lama, porque eu sempre tive muito contato com argila, com a lama, quando chovia brincava muito em poça de lama, enfim. E a casa do meu pai era no mesmo bairro. Aliás, a casa do meu pai, dos meus avôs paternos, era no mesmo bairro, só que eles já moravam em uma rua asfaltada, em uma casa mais próxima à avenida. Então, era uma casa que tinha uma estrutura melhor, já era uma casa que tinha mais quartos, tinha um quintal grande, uma casa de alvenaria. Era diferente da casa da minha mãe. Então, era um lugar que parecia ser mais protegido, por conta desse contexto de como era formada a casa, mas foram duas casas onde eu cresci e que eu me sentia… eram relações diferentes. Então, na casa da minha mãe eu sentia mais a liberdade de poder ser quem eu era quando criança, de brincar e na casa do meu pai era um lugar da proteção, que eu sabia que estava protegida de enchente, de chuva, de rato, que não era a realidade da casa da minha mãe. Então, tinha esses dois contrapontos, por mais que fossem casas de periferia, tinha essas grandes diferenças.
(09:59) P1 – Por quanto tempo você morou com a sua mãe?
R1 - Eu morei com a minha mãe até os dez anos de idade.
(10:04) P1 – E aí você foi pra casa das suas tias?
R – Isso. Aí depois eu fui morar com as tias, que são as irmãs do meu pai.
(10:10) P1 – E como era a casa delas?
R1 - Essa casa de alvenaria. Lá, o bairro onde a gente mora chama Jardim Pedro José Nunes. Então, você tinha esse bairro aqui e aí você descia essa rua, literalmente, é uma rua gigantesca, e você já saía no Córrego do Limoeiro. Eu subia essa rua, saía de uma realidade que era uma rua de terra, de não asfalto, para ir para uma rua asfaltada, então eu fazia essa trajetória de subir essa rua. Por mais que seja muito perto, tinha uma grande diferença social que eu percebia quando criança; eu não entendia, mas já percebia essa diferença.
(12:09) P1 - E quando você se mudou de casa, você continuava brincando na lama?
R1 – (risos) Esse lugar do brincar na rua, como eu disse, na casa da minha mãe era muito diferente, porque a minha mãe ela dava essa liberdade de eu ir para a rua, por mais que ela era uma mulher que se preocupava, era uma mãe, enfim, que tem todas essas preocupações maternas de estar na rua, mas eu tinha mais essa liberdade quando eu morava com a minha mãe e era muito interessante, porque na casa onde ela morava você tinha dois portões, então você tinha o portão da casa dela, que dava para o córrego e você subia o quintal, tinha um outro portão, que dava numa rua de cima, então eu brincava muito mais na rua de baixo, do córrego, do que na rua de cima, mas eu tive esse experiência de ter, em alguns momentos da minha infância, onde eu brincava com as crianças que moravam nessa rua de cima, mas a minha vivência maior era com essas crianças que estavam ali, na beira do córrego e a gente brincava muito na rua, tinha dias, época de férias, por exemplo, que passava o dia na rua brincando de pegar frutinhas nas árvores. Quando eu fui morar com a minha tia, o contexto já era um pouco diferente, até mesmo porque a rua tinha poucas crianças da minha idade, então acabava já tendo essa diferença, de uma rua que tinha muita criança na rua, pra uma rua que já era… que tinha algumas crianças, mas as crianças ficavam mais em casa. Mas de uma certa forma eu brinquei bastante na rua da minha tia também, inclusive foi onde eu aprendi a andar de bicicleta, porque é uma rua reta e eu brincava com algumas crianças também, mas eram brincadeiras diferentes. A gente brincava muito no quintal quando eu morava com a minha tia, a minha tia fechava o portão e colocava a gente para o lado de dentro, um quintal muito grande. Então, na minha tia, eu brincava dentro do quintal, com a minha mãe eu brincava literalmente na rua, que eu não tinha esse lugar do quintal.
(13:57) P1 - Você tinha alguma brincadeira favorita?
R1 - Pega-pega, com certeza, esconde-esconde eram as brincadeiras mais legais da época, a gente brincava muito disso.
(14:16) P1 - Você tinha costume de assistir TV, ouvir rádio?
R1 - O rádio, na época... a minha mãe ouvia muita vitrola, era a mulher do disco, assim. Então, sempre em casa, na casa da minha mãe [sempre] teve muita música, ela acordava ouvindo música, limpava a casa, passava o dia, tinha a trilha sonora de limpar a casa, então a minha mãe era uma mulher bem eclética. Então, ela ouvia desde o rock’n’roll até o Só Pra Contrariar. Então, o dia de limpar a casa era o pagodão, o samba e aí, os dias que ela estava em casa com as amigas era muito rock, muito Legião Urbana, muito Raul Seixas, Chico Science e Nação Zumbi. Então, minha mãe era uma mulher da música mesmo, ela gosta muito de música. A família do meu pai também gosta muito de música, mas eu tenho memórias do tipo música do rádio de dentro do carro, de sair com a família e o meu pai ligar o radinho de dentro do carro e a gente ficar ouvindo Tim Maia, Jorge Ben, Legião também, acho que era uma banda que, na época, ali nos anos oitenta, noventa, a ‘galera’ ouvia muito. Então, [a] música sempre esteve muito presente. E a televisão, a minha mãe não tinha, eu lembro que na época ela tinha uma televisão de tubo, laranja, que a imagem ainda era preta e branca, então na época era Glub Glub, era TV Cultura, e aí, na casa da minha tia tinha uma televisão um pouco mais moderna, mais colorida, então eu tenho memórias do tipo: acordando para ir para escola de manhã e aí estar passando TV Colosso, por exemplo, (risos) que é da minha época. Então, tinha esse lugar das diferenças, até dessas questões de equipamento, mas são famílias que estão muito conectadas com a música, de uma certa forma.
(16:00) P1 - Você também é conectada?
R1 – Sim, com certeza. Tanto que meu nome DA LAMA vem por causa do álbum Da Lama ao Caos, de 1994, do Chico Science e da Nação Zumbi. A música é um enredo de criação para a minha vida, sempre foi.
(16:21) P1 - Você tinha alguma comida que lembra da sua infância, quando você lembra agora?
R1 – Tenho. A minha mãe é uma mulher que cozinha muito bem, tem um tempero nordestino muito bom, que eu gosto muito, tanto que eu gosto de tempero, gosto de pimenta, gosto de cebola, de alho, porque ela é uma mulher que usa muito desses temperos e aí tinha uma comida que ela faz, que ela fazia quando eu era criança, que era um frango de panela, que ‘criava’ um caldinho ali no fundo, com legumes, que, nossa, só de falar assim já me vem o gosto, sabe, muito presente. E aí, na casa das minhas tias, a minha avó que cozinhava e minha avó cozinhava muito bem também, aí tinha, na casa da minha tia, carne de panela. Então, na minha mãe era frango na panela e na minha tia era carne de panela e o bolo, que a minha avó também fazia muito bolo e a minha tia Angélica também faz. Então, são comidas de memórias afetivas que, quando eu como, eu não tenho como não lembrar dessas histórias.
(17:28) P1 - E ainda quando criança você já pensava: “Quando eu crescer vou ser tal coisa”?
R1 – (risos) Quando criança o meu sonho era ser atriz ou professora. Tem essa história que a minha tia fala que, quando eu era criança, eu brincava muito de ficar encenando, então eu montava uma mesa e eu era uma criança que era muito lúdica e falava muito sozinha, então eu criava uns personagens e usava as roupas da minha avó, que era bem elegante. Eu gostava de entrar no quarto dela, abrir o guarda-roupa dela e vestir as roupas dela. Então, eu tinha esse sonho de trabalhar como atriz e eu falava: “Se eu não ‘virar’ atriz, eu vou ‘virar’ professora de artes”. Eu falava brincando, porque eu gostava muito de pintar. Então, acho que, de uma certa forma, desde criança eu já trazia um pouco dessa essência artística, não sabia qual o caminho que eu ia percorrer, mas já era uma vontade que eu tinha, de trabalhar com arte, de uma certa forma.
(18:20) P1 - E a sua primeira escola era próxima da sua casa?
R1 – Sim. Eu estudei na creche, a minha primeira escola foi a creche e a minha mãe conta que eu entrei na creche bebezinha ainda - se eu não me engano, eu não tinha nem um ano - e aí eu fiquei nessa creche até meus sete anos, que na época você ficava na creche até os sete, depois você já ia para a escola e eu estudei, então, nessa creche, eu entrei quando bebezinha, até os sete anos e aí depois eu fui para uma outra escola, que eu estudei da primeira série até o terceiro colegial, então eu conhecia todo mundo da escola, todo mundo me conhecia, porque passei uma trajetória aí de quase doze anos dentro dessa escola, onde depois as minhas primas foram estudar, enfim. Então, eu estudei nessas duas escolas, de infância.
(19:04) P1 - E como é que foi esse período da escola?
R1 - Por exemplo, na Ceic (Centro de Educação Infantil Conveniado), a creche, tem uma professora que me marcou muito, que é a Cláudia. Hoje em dia eu não tenho contato com ela, mas não porque eu não queira, mas porque eu não sei realmente quem é essa pessoa, só lembro dela, da fisionomia e do nome, e ela foi uma pessoa que foi muito carinhosa, que me acolheu muito, ela era muito atenciosa e eu me sentia muito amada por essa professora e era uma relação muito boa. Então, ir para a creche, para mim, era muito significativo, porque eu sabia que ela estaria lá, a professora Cláudia. Isso, na creche e aí, depois, na escola, no Padre Nildo, eu tive ótimos professores também, professores muito importantes: professor Juliano, de História da Arte, por exemplo. Então, eu acho que eu tive grandes mestres da educação que, querendo ou não, me fizeram ser quem eu sou hoje em dia, sabe?
(20:08) P1 - E qual matéria que você gostava mais?
R1 - Artes, (risos) sempre foi Artes. Eu gostava muito de História também, era uma matéria que eu me identificava bastante. Tanto que, quando eu estava terminando o ensino fundamental, eu cheguei a pensar em fazer História da Arte, era uma vontade que eu tinha e eram as duas matérias que eu mais me identificava: Artes e História.
(20:29) P1 - Falando em Artes, você falou que gostava de desenhar. O que desenhava, geralmente? Você lembra?
R1 – Olha, a minha tia guarda desenhos, eu acho isso muito bacana, que até hoje, quando você vai na casa dela, você tem alguns desenhos desde a creche até a época que eu entrei na escola. Na verdade, quando criança eu gostava mais de pintar. Então, por exemplo, eu tinha um sonho, que era ter uma caixa de lápis de cor da Faber-Castell, de 24 cores, que era um material que eu só fui ter depois de adulta, porque não era um material acessível e aí, quando eu via crianças na escola onde eu estudava, com esse material, eu lembro que era um sonho, eu almejava ter o lápis de cor da cor azul bebê, que só tinha quando vinha nessa caixa de lápis. Então, quando eu era criança acho que meu lugar era mais da pintura, eu sempre gostei muito de pintar e aí o desenhar veio mais na adolescência, mas [na] pintura eu sempre fui muito apaixonada.
(21:23) P1 - E durante a adolescência, esse período que as coisas ficam mais difíceis? (risos)
R1 – Então, durante a adolescência foi um momento de descobertas. Por exemplo, eu gostava muito de rock e o meu sonho era tocar guitarra e aí eu fui tentar aprender violão, mas eu percebi que eu não tinha coordenação motora pra tocar e cantar, (risos) ao mesmo tempo. Então, ficou meio que... eu cheguei a estudar, o meu tio Rogério me incentivou muito, me matriculou, fez curso comigo, meu pai comprou violão, então era o meu sonho tocar um instrumento e aí eu percebi que não tinha muito esse engajamento pra essa área da música. Eu gostava muito de moda, sempre gostei de me vestir de uma forma diferente, sempre olhei muito, gostava muito de ficar observando o jeito que as pessoas se vestiam e aí, quando eu fui pro mercado de trabalho foi onde eu comecei, então, a ter mais esse lugar do olhar pra moda, mesmo. De ir pra Galeria do Rock, por exemplo. De ir muito em brechó, sempre comprei muita roupa em brechó. Acho que a adolescência foi nesse lugar da descoberta. E aí foi quando eu comecei a me envolver com o grafite, também.
(22:34) P1 – E você comentou comigo que você gostava de fazer roupa de papel.
R1 – É. Tem essa história e eu lembro, também, muito, disso, que a gente tinha... antigamente, era muito comum ter agenda telefônica em casa, porque a gente tinha o telefone fixo e aí, quando ‘virava’ o ano, que sobrava as agendas, eu ganhava essas agendas, pra ficar rabiscando, enfim. E aí tem uma história que durante um bom tempo eu desenhei dentro dessas agendas e eu pegava aquela fita preta, sabe, que a gente usa pra fazer manutenção em casa e aí eu cortava essa fita e fazia vestido, saia e colava nessa agenda, com retalho. Quando você aponta o lápis, que aí sobra aquele coloridinho da madeira, ali, da ponta do lápis, eu fazia muita colagem com isso, era bem lúdica nesse lugar da criação. Então, tem essa história e eu também lembro muito disso, de ficar na casa das minhas tias e ficar inventando diversas artezinhas dentro dessa agenda.
(23:37) P1 – E ainda nessa época da adolescência, você gostava de sair pra se divertir?
R1 – Eu fui uma menina, uma adolescente bem da rua, sempre... eu comecei a trabalhar muito cedo, eu entrei na jornada de trabalho com CLT com quatorze pra quinze anos, que já era um desejo que eu tinha, de ter a minha autonomia financeira. E nessa parte eu acho que meu pai foi fundamental, porque ele me incentivou muito: então ele foi comigo, tirar minha carteira de trabalho no Poupatempo, ele me ajudava, dava dinheiro pra condução, pra entregar currículo. E aí, quando eu conquistei a minha suposta independência financeira, eu não parava em casa. Então eu me lembro de estudar, trabalhar e nos finais de semana estar sempre na rua, ia pra muito barzinho de rock, pro Ibirapuera, tinha alguns festivais ali que eu frequentava bastante. Então, a adolescência eu vivi muito na rua.
(24:42) P1 – Quando você terminou a escola, você já sabia o que você queria fazer da sua vida?
R1 – Não. Quando eu terminei o colégio, a escola, eu optei por trabalhar. Eu falei pra minha família que eu não sabia exatamente o que eu queria estudar, ou se eu queria fazer uma faculdade naquele momento, então foi um momento que eu tirei pra trabalhar, mesmo e aí foi muito legal, porque com dezoito anos eu percebi que eu gostava de fotografia e aí eu comprei uma maquinazinha, [uma câmera] Cyber-shot, um dia, com o salário que eu tinha e eu comecei a fotografar pichação, porque era uma coisa que eu já gostava desde a época da escola. Eu gostava muito de escrever meu nome no caderno, fazer aquela caligrafia do rock’n’roll. E aí, depois, eu descobri a história da pichação, que os primeiros pichadores se inspiravam também nas bandas de rock, como, Sepultura, Black Sabbath, Iron Maiden, por isso que a gente tem essa caligrafia bem esticada, da pichação. Eu percebi porquê eu gostava, então, da pichação, porque tinha uma conexão com o rock’n’roll. E aí eu comecei a fotografar. Eu trabalhava, na época, num call center, ali, na Paulista, e aí eu descia a Augusta e vinha fotografando essas pichações nos prédios, enfim. Aí até que eu descobri o grafite, através da fotografia.
(25:57) P1 – E como é que você começou com o grafite?
R1 – A história, em si, começou a partir dessa fotografia, então, porque eu tinha dois amigos, na época, que era o Bruno e o Jeferson, que estavam começando a fazer bomb, que são essas letrinhas redondinhas, que a gente faz cena rápida, na rua e aí um dia fui fotografá-los e eles falaram: “Poxa, seria legal...”, porque eu vivia com muito homem. Meu universo, quando adolescente, era muito masculino. Eu tinha poucas amizades com mulheres, eu tinha muita amizade com homens e um dia eu fui com eles e achei muito legal aquela expressão artística, nunca tinha visto ninguém pintando, aquela aventura de fazer coisa rápida, pra polícia não ver, enfim, e eu falei: “Nossa, eu acho que eu gosto disso”. (risos) E aí, um dia, o Nelb também, que era um grafiteiro lá do Ermelino Matarazzo, eu passei um dia na casa dele, uma tarde e ele me ensinou, passou umas dicas de como montar, fazer tag, bomb e aí ele me levou um dia pra rua, me mostrou como eu usava spray, como eu poderia usar o látex e aí eu fiz o meu primeiro bomb, com dezenove anos, fiz “Laís” e desde então eu não parei mais de fazer grafite, me identifiquei mesmo, falei: “Nossa, eu acho que eu gosto muito disso”. (risos)
(27:08) P1 – E depois do bomb, você começou a fazer desenhos mais elaborados?
R1 – O personagem surgiu quando eu fui descobrindo, porque o grafite tem muitas linguagens, então você tem a letra, o personagem, aí vem o street art, onde você tem o lambe, tem o estêncil e até então eu não sabia. Quando você chega em algo que é muito novo, você vai conhecendo a história disso e eu fiquei muito curiosa, então eu comecei a frequentar galerias de arte que traziam exposições voltadas à arte urbana, comecei a comprar muito livro, ou então ir atrás de pessoas que tinham livros com essas histórias de grafite, dessa arte de rua. Eu fui descobrindo que também o grafite você pode trazê-lo através de um personagem. E aí eu já gostava de desenhos, mas até então não sabia fazer e fui estudar, então eu fui atrás de fazer cursos, pra aprimorar, pra aprender, por exemplo, luz e sombra, que era uma coisa que eu não tinha conhecimento. E aí, quando surge o personagem, dentro da minha trajetória com grafite, e eu gostava muito de falar da questão da liberdade, então meus primeiros desenhos sempre traziam a chave, fechadura, janela, porta no peito, porque era uma forma que, poeticamente, eu encontrava, de falar de uma expressão de liberdade. E foi muito rápido. Eu lembro que durante um tempo eu fiz letra, aí comecei a fazer personagem e tinha uma questão que era de fazer personagens masculinos, que até então eu não tinha o entendimento do que era o feminismo, então, pra mim, naquele momento, fazer o personagem masculino fazia muito mais sentido. E aí, depois, eu fui descobrindo que eu também poderia falar da minha poética através de um personagem feminino e comecei a fazer só personagens voltados mais ao universo feminino, que é o que eu desenvolvo até hoje.
(29:10) P1 – Com grafite, você conseguiu se encontrar nessa parte da arte?
R1 - Com certeza. Eu acho que o grafite me fez ver quem eu realmente era e eu costumo dizer também que o grafite foi uma porta de acesso e também foi um lugar de liberdade, porque eu tive uma adolescência um pouco complicada, por conta das questões pessoais que eu tinha dentro de casa, com a relação com a minha mãe e por um tempo eu fiquei meio perdida ali, na adolescência, fazia coisas que não eram bacanas, enfim. E quando eu comecei a me envolver com grafite, eu comecei a levar isso tão a sério, que eu comecei a parar de fazer coisas que não faziam sentido na minha vida, porque eu percebi que, se eu queria mesmo me dedicar ao grafite, tinha que ‘abrir mão’ de certas coisas que não faziam muito sentido. Então, estar em um ‘rolê’, por exemplo, ficar madrugadas fora, beber eram coisas que eu comecei a evitar, porque eu queria acordar cedo pra ir pra rua, fazer grafite. Então, eu acho que o grafite veio nesse lugar de transformação, mesmo, pessoal.
(30:24) P1 – Você continuou trabalhando no call center?
R1 – Não. Hoje em dia eu... então, aí, com 24 anos, eu decidi... eu percebi que queria estudar e descobri qual a área que eu queria estudar, que era Artes Visuais. Na verdade, eu tinha uma vontade, um sonho, que era fazer um curso de Moda, uma licenciatura de Moda, um bacharelado de Moda, só que não é uma área, pra quem é da periferia, acessível, as faculdades tinham valores muito altos e aí eu tentei o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e consegui, e aí, quando eu fiz o Fies, eles falaram: “Pra Moda a gente só consegue arcar com 50% da mensalidade, mas Artes Visuais a gente consegue 100% do financiamento” e aí eu fiz Artes Visuais. Falei: “Não, então eu vou fazer esse aqui, que é mais seguro” (risos) e aí foi onde eu entrei, no curso de licenciatura de Artes Visuais e me tornei arte-educadora. Então, hoje em dia, eu trabalho com arte-educação.
(31:21) P1 – E quando é que surgiu esse sonho de fazer Moda?
R1 – Eu acho que sempre teve, dentro de mim, a vontade de fazer Moda, mas eu achava que era uma profissão muito distante pra quem era da periferia. Na época, eu via a moda como algo muito elitista, muito só pra quem tem dinheiro, pra pessoas brancas, até eu descobrir que tinha pessoas da periferia que faziam Moda. Então, por exemplo, uma dessas pessoas foi a minha amiga Thais, que na época ela entrou, se eu não me engano era Senac, que tem ali no Brás. Senac ou Sebrae, enfim, acho que é Senac
mesmo, que é da área da Moda, que tem um instituto ali, no Brás, que você fazia uma prova, passava e ganhava bolsa, pra fazer um curso técnico de Moda. E aí ela entrou, a mãe dela deu uma máquina de costura pra ela e aí ela ficava me passando: “Olha, hoje eu aprendi isso no curso”. E eu tentei entrar nesse curso, mas eu não consegui, por conta da pontuação, mas essa minha amiga vinha me trazendo sempre o que ela tinha aprendido na aula: “Hoje aprendi modelagem, hoje aprendi sobre fazer croqui”. E aí ela comprou, a mãe dela, com essa máquina de costura, deixava na casa dela e como a gente vivia muito juntas, eu ia muito na casa dela pra apertar as minhas calças, por exemplo. Então, a primeira máquina de costura que eu tive acesso foi dessa minha amiga Taís; e aí hoje em dia ela não desenvolve exatamente um trabalho dentro da área da Moda e eu sim, então eu me identifiquei aí. Acho que ela foi uma pessoa que me mostrou esse caminho da moda.
(32:52) P1 – Voltando pra faculdade, como é que foi esse período na faculdade de Artes Visuais?
R1 – Quando eu entrei no curso, acho que foi em 2013, por aí, fiz o primeiro semestre e acabei engravidando do meu primeiro filho, do Otto, logo no primeiro semestre da faculdade. E aí ‘bateu’ aquele desespero - porque não foi uma gravidez... foi desejada, mas não foi planejada – do tipo: “Nossa, eu lutei tanto pelo Fies, passei horas na fila e de repente eu engravido”. E aí me deu aquele ‘baque’, do tipo: “Será que eu vou ter que ‘trancar’?”. Mas acho que o destino mostra pra você caminhos e aí eu consegui ter o meu filho em dezembro, no final do semestre, e quando foi em fevereiro, no semestre seguinte, eu já tinha o nenê e aí continuei a jornada da faculdade, não ‘tranquei’, não precisei parar o curso, mas foi muito ‘puxado’, porque o meu bebê era muito pequenininho, o Otto, na época, então eu lembro de ter que sair muito cedo de casa e aí, quando voltava, ele estava chorando muito, porque não pegava nenhum outro tipo de alimento, outros tipos de leite, então foi um período muito ‘puxado’, mas eu acho que olhando, hoje em dia, eu vejo que valeu a pena esse esforço, porque foi um esforço. Eu não dormia direito, com bebê pequeno, estudando, fazendo estágio, mas foi algo que eu me propus a fazer e eu fui até o fim, não ‘abri mão’, sabe?
(34:25) P1 – Nesse período, sua concepção de arte mudou, também?
R1 – Com certeza. Eu acho que são muitas nuances. Então, por exemplo, a arte da rua te ensina uma coisa: uma história, que é a história da rua, como aquilo surgiu e quando você vai pra um lugar acadêmico, consequentemente, acaba aprendendo a história desde a arte rupestre, até artes contemporâneas e eu acho que isso é importante pra quem deseja aprender, porque você cria um repertório. Então, por exemplo, você chega, às vezes, em certos lugares, onde você tem mais propriedade pra falar, porque você estudou sobre aquilo, então você tem um conhecimento sobre aquilo e eu aprendi técnicas. Até então eu sabia pintar e mexer com spray e com látex. Quando eu fui pra faculdade eu aprendi a fazer escultura, estêncil, xilogravura e eu acho que isso expandiu as minhas possibilidades de criações, que até então eu não tinha conhecimento, sabe? Eu acho que isso é muito importante.
(35:32) P1 – E a sua família te apoiou quando você começou?
R1 – Sim, sempre me apoiaram. Meu pai tinha esse desejo, que eu fizesse uma faculdade e aí, quando eu falei pra ele: “Olha, acho que agora chegou o momento, eu sei qual curso eu quero fazer” eles me apoiaram tanto, que eles são a minha rede de apoio com a criação dos meus filhos. Então, por exemplo, quem ‘olhou’ meu filho Otto, pra eu fazer faculdade, foi minha prima Juliana. Na época ela cuidava dele, então ela era aquela pessoa que estava ali, super presente, ficava: “Olha lá” - mandando mensagem no celular – “está tudo bem. O Otto está chorando, mas a gente está aqui, com ele”. Então, se não fossem elas, eu, talvez, não teria conseguido seguir nessa carreira da faculdade, possivelmente teria que ter ‘trancado’, enfim, parado um tempo e ter essa rede de apoio da família do meu pai foi extremamente importante [para] que eu conseguisse fazer a faculdade.
(36:20) P1 – E qual foi seu primeiro estágio?
R1 – O meu primeiro estágio voltado à arte?
(36:27) P1 – É, dentro da faculdade.
R1 – Na época, foi escola. Então, a gente tinha que ir pra escola pública, pra fazer algumas horas de estágio de arte. Então, esse foi o meu primeiro estágio, mas eu já desenvolvia trabalhos com arte-educação, então na época da faculdade eu dava aula no Caps (Centro de Atenção Psicossocial), de artes, e o Caps era bem em frente à faculdade, então eu saía da faculdade, almoçava e já entrava no Caps. E eu já vinha, antes de entrar no Caps, trabalhei na Fundação Casa, no projeto Arte na Casa, então eu dava aula de grafite e de artes para os meninos e para as meninas que estavam em estado de reclusão, dentro da Fundação Casa. Então, já tinha uma trajetória com arte-educação aí. E aí fazer o estágio foi muito bacana, porque você consegue vivenciar diversas áreas de educação, tanto a Fundação Casa tem um perfil, o Caps tem outro perfil, a escola tem outro perfil totalmente diferente, então acho que isso é importante, pra gente também entender qual caminho que queria seguir, com arte-educação. Foi muito importante fazer o estágio.
(37:28) P1 – E como é que você começou, na arte-educação?
R1 – Então, eu comecei, eu lembro que a primeira vez foi fazendo oficina, se eu não me engano, acho que em Ermelino Matarazzo mesmo, eu dei uma oficina de grafite pra crianças e aí é muito legal, porque é isso: uma porta que se abre ali e começam a surgir outros convites. Então, eu acho que a minha primeira aula como arte-educadora eu era muito jovem, eu devia ter uns dezenove pra vinte anos, aí desde então eu me identifiquei muito, porque aí eu vi uma possibilidade também de sair do call center, com a arte-educação, porque eu ficava muito vinculada a ser vendedora. Então, por exemplo, eu trabalhei muitos anos na Galeria do Rock, como vendedora, antes da galeria eu trabalhei no call center e aí, depois da galeria, foi quando veio essa oportunidade de dar aula e aí, desde então eu comecei a trabalhar com arte-educação e não voltei mais pra esses outros CLTs, que fugissem um pouco da minha área de atuação, que é a arte, sabe?
(38:21) P1 – Uhum. E você teve mais algum outro estágio, durante a faculdade?
R1 – Não. Durante a faculdade, eu só fiz esse estágio na escola, mesmo.
(38:29) P1 – Entendi. E quando você terminou, como você estava, já, dentro da arte?
R1 – (risos) Então, quando você termina a faculdade vem o ‘baque’ da realidade, porque ou eu prestava um concurso público, pra ir pra uma área pública da educação... e aí eu já vinha numa insatisfação com o trabalho com CLT, porque era uma carga muito ‘puxada’ e aí eu tinha meu bebê pequenininho, o Otto, e aí foi quando nasce a DA LAMA, minha marca de roupas, porque eu participei de projetos de moda e aí eu tive embasamento ali, do que era fazer moda periférica e foi onde eu comecei a desenvolver uma moda inclusiva e autoral, pintada à mão, porque é onde eu trazia os meus personagens do grafite, pra essas roupas, eu pintava com os pincéis, e aí um dia eu levei pro Caps essas peças e vendeu todas as peças. E aí o pessoal começou a brincar, falando que eu tinha que criar uma marca, mas eu não me sentia preparada pra ser empreendedora. Nem sabia, na verdade, o que era empreendedorismo, naquela época. Aí eu falei: “Tá. Vou fazer isso”. Aí eu pedi pra sair do Caps, pra ficar com a faculdade e com o Otto, mas aí eu fiquei totalmente sem dinheiro e totalmente dependente do meu companheiro e aí foi quando eu falei: “Acho que eu vou entrar nesse lugar de investir no meu trabalho como estilista”. Na época não entendia também o que era exatamente esse trabalho de estilista, mas esse trabalho com a costura, com a moda, com o grafite… e aí, em 2014, nasce DA LAMA e aí eu começo a ir pra feiras, que é onde eu começo, então, a ir pra saraus, exposições de mulheres, muitas feiras de empreendedorismo e eu começo a levar as minhas peças de roupas, aí nasce o nome. Na verdade, o nome nasceu já por conta do grafite, que eu já assinava Laís DA LAMA no grafite e as pessoas brincavam, falando: “É a roupa da DA LAMA”. Então, a marca, quem colocou o nome foram as próprias pessoas que compraram. Em nenhum momento eu pensei em colocar um nome. As pessoas que falaram: “Olha, acho que é DA LAMA” e ‘pegou’ a marca, assim. Então, foi nesse lugar, de querer sair um pouco do CLT, dos horários fechados e aí ter um pouco mais essa autonomia, como uma mulher empreendedora e aí eu me encontrei no empreendedorismo. Pra mim foi muito bom e foi um caminho muito árduo, porque eu não sabia o que era empreender, então eu tive que ir pro Sebrae, fiz muito curso no Sebrae, me dediquei bastante no começo, nessa questão de precificação, de administração de empresa, abri um Cnpj (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), então você começa a assumir outras responsabilidades, que dependem só exclusivamente de você, sabe? E isso, pra mim, foi muito importante.
(41:05) P1 – E como são as peças?
R1 – (risos) As primeiras peças, eu não tinha curso de Moda, como eu falei, então era tudo muito intuitivo. Eu olhava sua blusa, uma roupa e falava: “Hum, eu acho que pra fazer isso, eu tenho que cortar assim, de tal jeito” e aí eu não tinha embasamento de conhecimento mesmo, técnico. Então, por exemplo, eu não sabia... eu costurava só em máquina reta, porque era o que eu tinha tido acesso, até o momento, não sabia o que era uma modelagem, um croqui, o que era você fazer uma produção de moda desde a ideia, até a concepção da peça final e aí eu entrei, logo depois da faculdade, emendei diversos cursos no Senac, então eu tenho diversas formações pela rede Senac, só voltadas à área da moda, que é onde eu aprimoro as minhas peças da DA LAMA, a partir do momento que eu começo a estudar moda, cursos no Senac. Então, eu fiz costureira, eu sou formada em costura, modelagem, criação de moda e meu último curso foi de estilista e aí as minhas roupas, então, que eram feitas de forma totalmente autênticas, sem embasamento teórico, começam a tomar mais ‘corpo’, então eu começo a entender o que é fazer uma manga de uma blusa, o que é fazer uma gola e aí as minhas peças começaram a tomar uma outra... mantendo a essência da pintura, da peça única, mas agora com uma base mais sólida, de construção, sabe?
(42:37) P1 – E sempre teve essa ‘pegada’ sustentável?
R1 – Sempre, porque eu nunca tive dinheiro pra comprar material, então às vezes eu ia no Brás com, sei lá, cinquenta reais e eu tinha que fazer aqueles cinquenta reais valer muito, (risos) então eu comprava um metro de um tecido, um metro de outro e aí eu juntava aquilo. Então, eu sempre customizei calça jeans. Por exemplo, na época da escola eu cortava as barras da calça e fazia umas bolsinhas e aí eu ia pra escola com aquela bolsinha assim: “Super, nossa, olha, foi eu que fiz!” (risos) Então, acho que esse lugar da reutilização de material está bem já atrás da minha história, então foi algo que eu resgatei e acho que é o que faz todo sentido, porque esse universo da moda é de muito consumo, de muito gasto de material, que mexe muito com a natureza, impacta muito e aí, pra mim faz todo sentido hoje em dia trabalhar com reutilização de materiais, principalmente das roupas jeans, que são descartadas.
(43:37) P1 – E como é que são essas feiras que você participa?
R1 – Agora, atualmente, são voltadas a empreendedorismo, então uma das feiras que eu comecei a participar e que eu participo todo ano é a Feira Preta, que também foi uma base muito importante pra minha marca, pra DA LAMA, porque foi onde eu conheci pessoas incríveis, eles têm um projeto de incubação, que se chama Afrolab, que é onde você passa um tempo com eles, daí eles olham sua marca, te dão consultoria, te mostram caminhos e acho que participar da Feira Preta foi um marco na marca, porque ‘virou uma chavinha’, sabe, de uma pessoa que estava construindo, fazendo roupa só em casa e vendendo pra pessoas muito próximas, aí você atinge um outro público. Quando você vai pra feira, você conhece outras pessoas, começa a criar o seu público a partir disso. Então, atualmente, eu participo de feiras mais pontuais, voltadas ao empreendedorismo.
(44:34) P1 – E no começo não tinha um público-alvo?
R1 – Não. No começo, eu ia pra tudo quanto era evento. Eu não tinha lugar pra vender, então eu ficava chamando... eu via, por exemplo, vai ter um sarau em Itaquera, aí eu mandava mensagem pra pessoa que estava organizando o sarau e falava: “Eu tenho uma marca de roupa, será que eu posso levar minha arara?”. Então, era assim que eu participava e era todo final de semana, eu estava em algum evento (risos) diferente: sarau, exposição, evento na rua. Já passei muito perrengue expondo na rua, já perdi muita coisa, já tive meu físico muito abalado, por conta de ficar carregando peso. Então, uma coisa que eu fazia muito, também, era encher um carrinho de coisas… e eu sempre morei na zona leste, eu pegava o metrô, a linha vermelha, parava lá na República e ia expor na feirinha da República, ou no Anhangabaú. Fiz isso durante muito tempo, até entender que eu poderia fazer um filtro desses lugares onde eu gostaria de estar, mas é claro que também esse lugar tem o lugar de você ter o privilégio da escolha, porque até então eu não tinha o privilégio da escolha, eu tinha que estar nesses lugares, pra ter dinheiro, que senão não pagava as contas e aí, a partir do momento que eu começo a ter uma estabilidade de criação, eu começo a ter mais esse olhar pra feiras mais pontuais, que aí é onde eu entro nessas feiras anualmente, que acontecem, ou feiras na rede Sesc, por exemplo, que aí são feiras que têm uma estrutura melhor, vamos dizer, pra receber diversas marcas, enfim. Faz toda a diferença.
(46:07) P1 – E os cursos que você fez, no Senac, começaram a partir do momento que você criou a marca?
R1 – Não. Os cursos do Senac começaram logo depois da faculdade. Então, eu terminei a licenciatura, aí eu já tinha a DA LAMA e foi onde eu comecei a entender que pra fazer moda... porque a moda tem muitas áreas e aí eu só via a moda como uma coisa só, um núcleo só. Na faculdade, eu descobri que a moda tinha muitos núcleos, eram muitas vertentes. Então, por exemplo, tem gente que faz moda e não põe a mão na máquina de costura e, pra mim, quem fazia moda, fazia tudo: costurava, comprava tecido. Eu comecei a entender que não era exatamente isso. E aí foi onde eu busquei aprimoração. Então, eu terminei o curso da faculdade, acho que logo no ano seguinte eu já comecei [a] fazer Senac. Foi bem na sequência.
(46:57) P1 – E teve algum projeto, alguma iniciativa, que ajudou a impulsionar sua marca?
R1 – O Afrolab, da Feira Preta, foi o primeiro processo de projeto que eu participei, que me acolheu, que deu essa oportunidade de eu mostrar quem eu era, meus produtos e também estar numa feira, com uma estrutura de feira, mesmo. Foi esse projeto.
(47:48) P1 – Pensando tanto... vou voltar um pouquinho: você continua sendo arte-educadora?
R1 – Sim. Eu trabalho com arte-educação. Atualmente eu trabalho no projeto Fábrica de Cultura, onde eu sou educadora-figurinista e eu falo que esse trabalho também foi uma conquista, porque quando a Fábrica de Cultura, esse projeto, esse programa, nasceu eu não fazia faculdade ainda e eu falei: “Nossa, eu quero trabalhar com isso, nesse lugar”. (risos) E aí eu fui fazer uma entrevista e não fui selecionada, porque a pessoa que estava fazendo a seleção falou pra mim: “Você tem faculdade de Artes? Tem Pedagogia?”. Eu falei - nem sabia o que era Pedagogia -: “Não”. Ela falou: “Então, pra atuar na Fábrica” – naquela época, que faz muito tempo, foi há onze anos – “precisa ter embasamento nessas áreas, que você vai trabalhar com criança, adolescente”. E aí foi onde ‘deu o gatilho’ pra fazer a faculdade, falei: “Nossa, agora eu vou fazer essa faculdade, porque eu quero entrar nesse projeto”. Fiz a faculdade, aí a DA LAMA nasceu, a minha marca, o meu filho Otto nasceu e eu dei uma ‘desencanada’ da Fábrica de Cultura, porque eu comecei a focar mais nessa área do empreendedorismo. Há três anos surgiu o convite da Fábrica pra ir trabalhar como educadora de figurino, então faz três anos que eu venho trabalhando na Fábrica também, um trabalho que, pra mim, é muito importante, porque é um trabalho onde eu consigo desenvolver meu trabalho como empreendedora da minha marca, como grafiteira e também como arte-educação, porque tem essa flexibilidade de dias da semana, então um local onde eu vou só duas vezes por semana e no restante dos dias da semana eu consigo fazer os meus outros trabalhos, então não impacta nesse lugar da minha produção. Muito pelo contrário, eu consigo, a partir da Fábrica, foi onde eu consegui criar uma certa estabilidade financeira, pra engajar mais a minha marca, porque até então era muito difícil os recursos financeiros. Todo dinheiro que entrava e que era pouco era já muito pontual pra onde ia aquele dinheiro, era pra pagar as contas da casa, pra comprar roupa da criança (risos) e aí, quando vem a Fábrica, eu consigo, então, olhar pra marca com outro olhar e falar: “Nossa, agora eu consigo comprar mais de um metro de tecido. Agora acho que já dá pra eu comprar três metros de tecido”, (risos) por exemplo”. Então, é muito importante pra mim esse trabalho, também.
(50:08) P1 – E antes disso, você já tinha interesse em trabalhar com figurino?
R1 – Eu nunca me imaginei figurinista! (risos) É muito legal esse lugar do figurino, porque ele vem por conta da DA LAMA, das roupas serem únicas, inclusivas, pintadas à mão e o meu primeiro projeto com figurino foi do Grupo Batakerê, que existe há muitos anos, na zona leste de São Paulo, e eu fiz uma reforma nos figurinos deles e, a partir disso, outros projetos de teatro e de dança da zona leste começaram a me procurar, pra fazer figurinos, então eu fiz figurinos pro Núcleo Ximbra, por exemplo, que foi o primeiro núcleo que eu fiz e pensei o figurino do começo até o fim. Atualmente, ainda trabalho com eles. E aí é muito bacana, que começam a surgir outras indicações e aí também é onde vem a indicação da Fábrica de Cultura. Eles me descobriram através desse projeto de figurino que eu estava fazendo, paralelo à marca. Então, foi muito bacana e eu descobri que eu tinha capacidade pra ser figurinista, que era algo que eu nem imaginava, (risos) mas que de uma certa forma está muito ligada com a moda e é muito importante também você perceber o quanto você é capaz de fazer, pra além daquilo que você se propõe, sabe? Então, a minha proposta até então era só fazer roupas pra minha marca; e aí, quando eu começo a fazer figurinos, pensar figurinos, eu falo: “Nossa, caramba, nem eu sabia que eu tinha capacidade pra fazer isso”. (risos) É muito bom.
(51:32) P1 – Como arte-educadora de produção de figurino, como são seus alunos? Que público-alvo que é?
R1 – Lá, na Fábrica, a gente tem alunos desde os oito anos de idade até adolescente. Então, eu trabalho... eu não tenho uma turma fixa, o meu ateliê é um dos únicos onde você não tem uma turma fechada, pra trabalhar semestralmente, mas eu trabalho com todas as outras turmas, dos outros ateliês. Então, a Fábrica é um lugar onde você tem curso de dança, de street dance, de balé, de circo, música. Então, são muitas áreas, eu trabalho com todos esses ateliês, pensando figurinos pra eles e isso é muito legal, porque então eu convivo com as menininhas do balé, que são as pequenininhas, até os adolescentes do Projeto Espetáculo, por exemplo, onde eu penso a concepção de figurino e cenário, então eu assino essa concepção de produção e de criação e aí eles se tornam meus amigos. Então, por exemplo, a gente teve aprendizes que passaram pro Projeto Espetáculo, que acabaram ficando muito próximos, que depois frequentaram meu ateliê, foram até minha casa. Você acaba criando um vínculo e o que é mais bacana é que eles veem a gente como espelho, então eles falam: “Caramba, você é uma mulher periférica, que fez Moda. Ai, eu acho que eu posso fazer Moda também, se você conseguiu”. Acho que é muito importante. Então, dentro da arte-educação, eu trabalho com crianças e adolescentes.
(52:58) P1 – E a sua marca, quem geralmente compra?
R1 – O público-alvo, a persona da minha marca é a mulher periférica, mãe, que possivelmente já fez uma faculdade, que tem muito interesse por cultura e que tem esse lugar que se importa na hora de fazer a compra, o consumo, então faz um consumo consciente. Então, claro que tem outras pessoas e outros perfis que consomem DA LAMA, mas o perfil principal da minha marca são as mulheres gordas, que têm dificuldade em ir num mercado, numa loja de grande varejo e achar uma roupa que ‘dialogue’ com o corpo dela, que atende a necessidade dela. Em sua grande maioria são pessoas negras e da periferia. Então, o meu público é esse, que é o que eu sou, também, (risos) que está muito próximo a mim.
(53:53) P1 – Sim. E como está, é a DA LAMA hoje?
R1 – Hoje em dia, a DA LAMA vem crescendo cada vez mais. Então, por exemplo, o meu primeiro ateliê de moda da DA LAMA foi feito na casa onde eu morava com meu companheiro, que é uma casa de família, então meu avô João que construiu meu ateliê, que era um quartinho, e eu comprei tudo reciclável: janela, porta e ele montou esse ateliê pra mim, então foi onde eu comecei a fazer as primeiras... onde eu comprei as máquinas, com a minha sogra, na época me ajudou a comprar também, então eu digo que a minha família faz muito parte desse processo da construção da minha marca, porque eu não tinha recurso financeiro pra criar uma marca e quem me apoiou foi a minha família, tanto a do Gabriel, que é meu companheiro, quanto a minha família mesmo, então eu comecei a fazer essa produção dentro de casa, aí depois eu mudei, fui morar de aluguel, aí a lavanderia dessa casa onde eu morava virou meu ateliê e é aí onde eu começo a fazer as primeiras coleções da DA LAMA, criar, pensar uma coleção do começo ao fim, em tabela de cores, em tema e é muito importante, porque aí a marca começa, então, [a] tomar um outro ‘corpo’, sabe? E aí, uma coisa que era um desejo, era sair de casa, não ter mais o ateliê dentro de casa, porque muitas vezes eu ficava muito tempo no ateliê e esquecia de dar atenção, por exemplo, ao meu filho, porque eu ficava muito imersa ali, naquele processo. E aí, hoje em dia, a gente faz uma locação de um espaço, que é só pra montagem do ateliê, a gente tem mais maquinários, mais produtos, mais matéria-prima, pra criação. Então, por exemplo, uma das últimas conquistas também foi um site com uma loja, porque até então eu vendia muito só no presencial e não tinha as peças on-line e atualmente a gente tem as peças on-line, a gente tem esse site, onde você entra lá e vai conhecer a história da marca, quem são as pessoas que trabalham com a gente e você vai encontrar os produtos; e eu vou falar também de arte-educação, de grafite, falo um pouco desses outros projetos que eu desenvolvo pessoalmente também. Então, é isso: parecem ser pequenas conquistas, mas que pra mim são muito grandes, porque, pra quem começou com cinquenta reais, você chegar em um lugar desses já é uma super conquista.
(56:11) P1 – E a DA LAMA, pelo que eu percebi, também, misturou grafite. Você tem obras que são desenhos seus?
R1 – Sim. Eu sempre trouxe. Uma das coisas que eu queria, quando pensei em uma marca de roupas, era trazer, de uma certa forma, a linguagem que eu desenvolvo, na rua, com grafite, com a moda. Então, eu já estive perto, literalmente, não posso dizer que foi um grafite, mas que eu trouxe a mesma técnica que eu uso pra fazer o grafite na rua, já fiz em roupa, que é pintar a jaqueta com látex e com spray, por exemplo, fiz muito isso. E aí eu sempre trago, então, esse traço, que é o que eu desenvolvo na rua, o desenho, a personagem, pras peças de roupa também. Então, tem uma conexão muito próxima do grafite, a marca DA LAMA. Aliás, perdão, as roupas da DA LAMA têm uma conexão muito próxima com o grafite.
(57:02) P1 – E o que você sonha pro futuro da DA LAMA?
R1 – Ai, eu tenho muitos sonhos, que eu sou muito sonhadora. (risos) Mas eu acho que o meu sonho que eu mais me agarro todos os dias é viver da minha marca. Eu amo ser arte-educadora, eu acho que vou exercer essa função pra sempre, na minha vida, até mesmo porque eu sou mãe e a gente acaba sendo arte-educadora dentro de casa também, mas o meu sonho é que eu possa viver só da minha marca, que eu possa dedicar o meu tempo de trabalho somente à minha marca. Quero que a DA LAMA chegue em outros lugares, outras plataformas, quero que a DA LAMA esteja em passarelas de eventos que acontecem no Brasil, em São Paulo. Eu quero que outras pessoas que tenham esse propósito de se vestir com uma marca que tem uma linguagem de rua, que tem um propósito, que é inclusiva, tenham acesso a essa marca, consigam vestir as peças, enfim. Eu acho que o meu maior desejo é montar uma equipe de mulheres pretas, mães, enfim, eu quero que esse público esteja muito próximo da minha marca também. Então, eu tenho esses sonhos de ter um ateliê-loja, por exemplo, porque onde eu faço a locação é um espaço muito pequeno, que é o que eu consigo comportar, no momento, de acordo com a minha renda e pra mim está ótimo, porque pra mim já é uma super conquista, pra quem veio da lavanderia você estar num lugar hoje, de locação, é muito importante, mas é isso: eu quero que a DA LAMA seja mais independente, que eu consiga ter uma loja e nessa loja tenha um ateliê, que as pessoas vão lá e conhecem quem é a costureira que está montando a peça delas, quem é a pessoa que está pensando a modelagem junto comigo e eu acho que esse propósito faz com que eu, enfim, todos os dias acorde e converse com Deus e fale pra Ele assim: “Você está vendo que eu estou... (risos) que todo esse esforço que eu faço de ficar, às vezes, sem dormir, ficar longe das crianças, é por conta desse propósito”. Então, eu acredito muito nisso, de que eu vou conseguir alcançar esses lugares.
(59:14) P1 – E qual a sua visão da indústria da moda?
R1 – No começo, eu não tinha uma visão política, ou uma opinião sobre moda ou [o] universo da moda e eu só fui começar a criar essa opinião a partir do momento que eu comecei a estudar moda. Então, por exemplo, eu não sabia que, pra fazer um rolo de tecido jeans gastava-se mais de cem litros de água. Não tinha consciência disso. E aí é quando eu começo a estudar, que começo a entender que, dentro da moda, você tem o slow fashion e o fast fashion e fast fashion são essas marcas que fazem cem camisetas iguais e as vendem num valor no mercado que muitas vezes é muito exorbitante do nosso poder aquisitivo e que a costureira que está por detrás daquela montagem daquela peça ganha, sei lá, cinco centavos, ou cinquenta centavos pra fazer aquilo. Eu não tinha noção disso. E aí, quando eu chego no Senac, que eu vou começar a estudar Moda, que eu conheço outras pessoas da área da moda, isso me impactou muito. Então, eu já fazia uma moda de reutilização de material, mas não era 100% pensado nessa questão ambiental, era mais por conta de uma questão de acesso. O acesso que eu tinha era com aquilo, porque eu não tinha poder aquisitivo pra comprar materiais. E aí eu percebo o quanto eu estava no caminho certo, intuitivamente, e aí eu começo a ter um olhar pra isso com um lado mais político, mais crítico e eu acho que a moda, em si, é linda as possibilidades que você tem de trabalhar com a moda, mas, ao mesmo tempo, ela é muito avassaladora, ela ainda tem um lugar muito de não valorizar certas pessoas que estão dentro da moda, principalmente as que estão na parte da produção, da construção, de costura, de modelagem. A gente tem, ainda, infelizmente, notícias de pessoas que trabalham em estados análogos à escravidão, dentro de quartinhos, fazendo ‘trocentas’ roupas, que depois são vendidas caríssimas e a pessoa não ganha nem um terço por aquilo. Então, acho que ter essa visão também faz toda a diferença, dentro desse trabalho com a moda. Faz eu perceber que eu tenho que manter a minha essência, que não é porque, a partir do momento que eu tenho conhecimento disso, que eu vou mudar isso. Muito pelo contrário, faz com que eu me agarre, cada vez mais, à minha essência de criação de moda, porque eu percebo que é importante pras pessoas que têm uma identificação com a moda autoral e com uma marca, principalmente, que tem um propósito que é ligado ao ambiente, ambiental, você pagar uma pessoa pra ela fazer algo e ela ser remunerada de uma forma justa. Então, acho que isso faz toda a diferença e era algo que, até então, eu não tinha essa visão. Eu comecei a ter a partir do momento que eu começo a estudar Moda.
(01:02:09) P1 – Você acha que as coisas estão mudando?
R1 – Eu acho que gradativamente, sim. É bem sutil, mas eu acho que as mudanças vêm acontecendo. Então, por exemplo, quando você tem marcas que são de pessoas da periferia e que galgaram muito e que chegaram em lugares de patamar onde outras marcas de grandes renomes estão lá, você vê que isso é uma mudança. Então, se você tem um público, por exemplo, estilistas trans, negros, da periferia nesses lugares, nessas passarelas, nessas lojas, isso já é uma mudança, mas ainda é muito sutil, porque essa mudança tem que ser ampla, mais, chegar em mais lugares, até mesmo porque eu estou falando de um universo de uma pessoa que mora em São Paulo e o Brasil é gigantesco. Então, eu imagino que em diversas outras periferias, de diversos outros estados, tem pessoas como eu, fazendo moda também, que também não têm esse engajamento ainda do mercado, porque não somos vistas, somos invisibilizadas, por estarmos onde estamos. Então, acho que a mudança da moda tem que ser maior ainda, mas eu acho que é isso: é uma construção histórica, então pessoas que vão conquistando esses espaços vão abrindo ‘portas’, pra que a gente vá chegando junto, também.
(01:03:32) P1 – E na época da pandemia, como que foi pra você, no aspecto profissional?
R1 – Pra mim, no aspecto profissional, principalmente pensando em DA LAMA, foi uma ‘chavinha’ que girou, ali, onde eu vi que eu tinha que me dedicar mais à marca, porque eu ainda não tinha CLT, a Fábrica, eu vivia só com a DA LAMA e aí tudo fechou: as lojas de tecido fecharam, as pessoas não podiam sair de casa e aí foi onde eu fiz a minha primeira coleção 100% feita de calças jeans e de doações. Então, eu joguei na internet, nas redes sociais, que eu estava recolhendo roupas que seriam descartadas fora, pra criar uma coleção e é onde eu faço uma coleção, então, 100% só de reutilização de material. Eu não comprei nenhum metro de tecido, pra fazer nada. Eu só desconstruí as calças e as peças jeans e construí novas peças, a partir daquilo. Então, acho que a pandemia foi avassaladora. Enfim, a gente perdeu muitas vidas, ela trouxe muitas instabilidades, pra muitas pessoas, que ainda estão tentando se erguer após... não após, depois desses dois anos. Mas, pra mim, nesse aspecto de criação foi positivo nesse lugar de eu me ver como uma estilista, porque até então eu só me via como uma costureira e uma pessoa que gostava de fazer coisas, e aí, na pandemia, eu entendi que eu era uma estilista, que eu pensava a peça do começo ao fim, eu desenhava aquela peça, depois eu a montava. Então, nessa parte de criação, pra mim foi um ‘ponto chave’, de mudança, sabe? Eu me vi bem criativa. (risos) Aprendi a bordar, por exemplo, durante a pandemia, porque eu fiquei muito tempo dentro de casa, ficava assistindo vídeo no Youtube e aí era uma coisa que eu queria muito fazer, trabalhar com bordado e eu aí eu comprei as coisas tudo pelo site, chegou na minha casa, aí eu comecei a bordar, comecei a pegar os pontinhos no Youtube e aí, nessa coleção, por exemplo, das roupas jeans, eu trago algumas peças bordadas, então eu comecei a trazer outras técnicas manuais pra marca, sem ser a pintura à mão.
(01:05:47) P1 – E pessoalmente, como é que foi?
R1 – Eu acho que aí, pessoalmente, já foi diferente, porque, por exemplo, meu filho Otto ficou dentro de casa dois anos e ele estava bem na fase do letramento, então foi muito difícil pra mim e pra ele, e pro pai também - que na época a gente não tinha o Yan, ainda, enfim -, de fazê-lo estudar, dele estar mais presente na escola, estando distante. Então, eu lembro que os primeiros meses, por exemplo, não tinha aula. A professora ficava mandando recado, eu o via muito ansioso e eu também não sabia o que fazer. Então, eu comecei a incentivá-lo a pintar muito e os trabalhos começaram a não vir mais, porque os lugares fechavam. Então, por exemplo, na época da pandemia, a gente estava desenvolvendo um projeto muito legal com o Sesc e foi parado o projeto, porque a pandemia veio e não deixou a gente executá-lo. Então, muitos projetos que eram presenciais foram pausados, por conta da pandemia. Então, isso impactou muito financeiramente também, mas eu gestei o meu segundo filho durante a pandemia, que era um desejo que eu tinha, de ter um outro filho, e aí nasce o Yan, durante a pandemia também. Então, eu fiquei mais em casa, que era uma coisa que não acontecia. Eu estava sempre muito na rua, trabalhando, e aí, durante a pandemia eu tive a oportunidade, por exemplo, de ter dias, à tarde, de sentar no sofá e passar a tarde inteira com o Otto, assistindo filme, coisa que eu nunca tinha conseguido fazer, até então. Então, acho que eu sempre tento olhar, por mais que teve muitas mazelas, a pandemia [foi de] muitas dores, eu tento fazer esse olhar do que foi bom, de uma certa forma. E, pra mim, o que foi bom foi esse lugar de estar mais próxima da minha família, do meu filho, de poder respirar um pouco e de ter uma pausa, pra pensar o que eu gostaria de fazer, porque até então eu não tinha essa pausa, eu só tinha que fazer, porque eu tinha muitas demandas. E é isso. Então, a pandemia tem esse lugar de mexer muito com a estabilidade financeira, mas, ao mesmo tempo, eu tento sempre fazer essa leitura do que eu consegui tirar de bom da pandemia, sabe?
(01:07:59) P1 – E você falou bastante do seu companheiro, como é que vocês se conheceram?
R1 – (risos) O Gabriel, meu companheiro, eu já o conhecia porque durante um tempo eu participei de um projeto de moda e grafite feito por mulheres da periferia e ele é irmão, na verdade, de uma dessas meninas que era desse projeto também, então a gente já se conhecia aí. Na época eu tinha um outro relacionamento e ele também, então nunca passou pela minha cabeça que um dia ele seria o meu namorado, enfim. E aí a gente ficou solteiro na mesma época, acabou coincidindo, então eu já o conhecia, já tinha uma vivência com ele. De uma certa forma não era amiga, mas já sabia quem era a pessoa dele e aí a gente acabou se envolvendo, nesse término, eu não estava mais com a pessoa, ele também não estava mais noivo, enfim e aí a gente começou a se relacionar e estamos juntos até hoje.
(01:08:52) P1 – E como foi ser mãe, pela primeira vez?
R1 – Foi impactante. (risos) Foi um choque, porque eu já falava, quando o conheci, já trazia essa vontade de ser mãe e ele também tinha muita vontade de ser pai, mas a gente não planejou o nascimento do Otto, simplesmente aconteceu, quando a gente estava ainda começando a se relacionar. Então, foi difícil por conta disso, que eu ainda morava com as minhas tias e aí eu me vi nesse lugar de sair de casa, porque eu falei: “Eu não quero criar o meu filho aqui, com a minha tia, eu acho que a gente tem que assumir as responsabilidades juntos” e ele ‘topou’. Eu também estava super disposta pra aquilo, então a gente começou a morar juntos e aí chega o Otto e aí, quando o Otto chegou, que eu falei: “Nossa! Maternidade é muito mais (risos) avassaladora do que eu imaginava”. Então, por exemplo, eu tive o Otto de parto normal e aí seu corpo muda, sua mente muda, sua responsabilidade muda, seu tempo pras coisas muda completamente. Nada mais era só sobre a Laís, agora era sobre o Otto, sabe? Então, a maternidade vem nesse lugar da responsabilidade. Eu sempre fui uma mulher muito responsável, mas aí eu me vi nesse lugar de ser mais responsável ainda, de assumir contas, de cuidar, de perceber que tem uma pessoa agora que depende 100% de mim, que antes eu dependia das pessoas e agora eu me via nesse lugar de ter uma pessoa, uma criança que dependia de mim pra tudo, desde pra comer, até pra estar vestida, pra ir ao médico e isso, pra mim, de uma certa forma, foi muito bom. Tanto que depois eu até quis ter outro filho e tive. (risos)
(01:10:35) – E aí, o segundo filho foi...
R1 - Já foi mais tranquilo, porque aí o Otto já tinha seis anos, então eu já tinha essa experiência com a maternidade e já sabia o que me esperava. Então, já sabia como era o processo, os enjoos, como meu corpo ia mudar, como minha mente ia mudar e até em questões, por exemplo, do parto, porque eu queria ter um parto humanizado, com a gestação do Yan eu consegui ter um parto humanizado. Com o Otto eu tive um parto normal, mas eu tive que tomar... no momento que ele nasceu, eu só o vi no meu colo e do Yan, depois, eu entendi, pela cartilha do SUS, que você pode exigir, se seu corpo e seu pré-natal estiver tudo bem, ter um parto humanizado. Então, eu fiz essa exigência quando eu cheguei na maternidade e foram gestações muito diferentes. Então, o Otto nasceu de 38 semanas e o Yan nasceu de quase 41 semanas. Então, quando eu cheguei no hospital o médico falou: “Olha, mãe, se ele não nascer hoje a gente vai ter que fazer a cesárea, porque já deu o tempinho dele de ficar na barriga” e eu entrei em desespero, porque eu não queria fazer uma cesárea, por exemplo, mas aí os médicos que estavam no dia do plantão foram super compreensivos e estimularam, tanto que o Yan nasceu de parto totalmente normal, não tomei nada pra tê-lo, não tomei o soro, pra estimular, não tomei raqui, ele nasceu no tempinho dele. Então, é isso: a minha cabeça estava mais preparada pra sentir a dor, o ‘baque’ da amamentação, de ficar dias e noites sem dormir, então é totalmente diferente quando você está, supostamente, mais preparada pra ter um filho, sabe? Porque na primeira eu não tinha preparação nenhuma. Eu deslumbrava o que era maternidade, até viver e com o Yan já não, eu já sabia o que era essa experiência, os caminhos que, por mais que cada filho seja totalmente diferente um do outro, mas tem coisas que se repetem. Então, esse lugar da amamentação, de ficar sem dormir, a hora do parto, é tudo muito semelhante, ali, então eu já estava muito mais preparada.
[Pausa]
(01:13:21) P1 – Você tinha comentado comigo antes que você passou por uma escola aqui perto.
R1 – Sim, é.
(01:13:26) P1 – E você lembrou que você grafitou uma das salas de aula. Como foi?
R1 – É. Foi uma experiência incrível ter um projeto que é coordenado por um grafiteiro que se chama Célio, onde ele convida grafiteiras e grafiteiros, pra colorir as salas de aula. E aí, vindo pra cá, eu passei pela escola que eu participei, onde eu colori essa sala de aula e é muito legal, porque depois mandaram fotos das crianças dentro da sala de aula, com o grafite atrás. Eu acho que é de extrema importância que os grafites estejam nesses ambientes escolares, que as crianças tenham acesso a isso, até mesmo pra ‘quebras’ de paradigmas, porque muitas vezes a arte de rua é muito ligada ainda a uma questão marginal, então acho que a gente tem que ‘quebrar’ esses parâmetros das crianças e os pais, enfim, os responsáveis têm que entender que isso é uma linguagem da arte e de pura comunicação, porque a gente está na rua, então a gente comunica muito com as pessoas que estão transitando por esses locais e escola, então, é da mais extrema importância ainda, pra que as crianças desmistifiquem esse lugar da marginalidade e vejam esse olhar como uma possibilidade de trabalho, de criação, de que o grafite é positivo no seu ato de fazer, que tem muitas mulheres grafiteiras, acho que isso é mais importante ainda, porque o universo do grafite é muito masculinizado, então, hoje em dia, você tem muitas mulheres grafiteiras, muitas mulheres mães, mulheres trans, mulheres lésbicas, então eu acho que é legal pras crianças terem acesso a isso, pra elas entenderem todas as vertentes do grafite e acho que pintar na escola é muito importante.
(01:15:07) P1 – Legal. A gente já está encaminhando pras perguntas finais.
R1 – Tá bom.
(01:15:12) P1 – E eu queria perguntar: além do seu trabalho, o que você gosta de fazer? Você tem algum hobby?
R1 – Eu tenho. Eu amo viajar e amo tomar banho de rio, de cachoeira, de mar. Eu sou uma pessoa das águas, então, pra mim, viajar com a minha família, com as minhas amigas, é extremamente importante. No começo eu achava que não, porque eu achava que eu tinha que só trabalhar e que eu não podia ter lazer, até que eu descobri que, se eu não tenho lazer, chega uma hora que eu não ia conseguir mais trabalhar, porque você adoece demais. Então, pra mim, por exemplo, o momento que eu estou com os meus filhos, passeando num parque ou num zoológico, quando a gente vai pra outro estado, é extremamente prazeroso. Então, atualmente eu fiz a minha primeira viagem com as minhas amigas, eu nunca tinha feito uma viagem só com mulheres e a gente passou cinco dias no Rio de Janeiro e foi incrível. Acabou de acontecer essa viagem. Então, é esse lugar da permissão também, de eu me permitir também ter o meu lazer, porque muitas vezes eu fico muito focada só no trabalho e aí eu percebo quanto é importante pra mim também ter essa vivência, de estar com outras pessoas, em outros ambientes, sem ser a trabalho, porque muitas vezes a gente vai viajar a trabalho também. Então, acho que viajar pra ‘curtição’, descanso é muito importante. Meu maior lazer, por exemplo, sempre que eu posso, é viajar, ou ficar na minha casa, fazer uma boa comida, assistir um bom filme, me permitir o momento do descanso, de não ficar em rede social, não ficar respondendo e-mail, porque eu criei o limite também, porque antes era muito desenfreado, estava todos os dias respondendo mensagens, todos os dias trabalhando e não tinha aquele momento da pausa. E aí, a partir da maternidade, depois, eu comecei a olhar que tinha um momento que eu tinha que parar um dia e não ficar no celular, não ficar respondendo e-mail e hoje em dia, sempre que possível, eu me permito esse lugar de estar com a minha família, de final de semana, em casa, de não ficar me cobrando. Porque tinha muito esse lugar da cobrança: “Se hoje eu não fizer uma postagem, se hoje eu não responder um e-mail, vou perder meu trabalho, eu vou perder um dia” e não é bem assim. Eu acho que tem que ter um equilíbrio aí, que é essencial.
(01:17:34) P1 – Quais são as coisas mais importante pra você, hoje?
R1 – Os meus filhos, com certeza, acho que são as pessoas mais importantes na minha vida. É por conta deles que eu estou aqui, por exemplo, hoje, o que é muito importante. E se for falar de coisas materiais, eu acho que a DA LAMA é muito importante, porque é a filha que eu não tive. Eu gestei essa marca e sustento essa marca como se fosse uma extensão da minha pessoa, a minha marca. Então, depois dos meus filhos, eu acho que esse lugar com a minha marca é algo muito importante na minha vida. E a minha família, claro, porque é minha rede de apoio e sem eles eu não consigo executar tudo isso que eu falei aqui, sabe? Então, é essencial pra mim.
(01:18:20) P1 – E qual é o seu maior sonho?
R1 – Nossa, que pergunta difícil! (risos) Acho que o meu maior sonho é ficar bem, viver bem, dar uma vida boa pros meus filhos, ter uma estabilidade financeira, ter uma boa casa, pra que eles possam crescer bem, seguros. Que eu esteja bem também comigo, então acho que esse é um sonho de muitas mulheres que são mães da periferia, que é a estabilidade financeira e que os filhos estejam em um bom lugar, sabe? Então, eu posso falar de muitos sonhos, como ir conhecer outros lugares, enfim, mas nada disso faz sentido se eles não estiverem bem e seguros, então o meu maior sonho, que eu acredito que eu venho conquistando, é essa estabilidade, deles terem uma boa casa, de não faltar nada, sempre que possível levá-los pra passear. Que eles tenham, enfim, uma comida gostosa dentro de casa. Acho que isso, pra mim, faz toda a diferença, é um sonho já que eu conquistei e estou conquistando, enfim.
(01:19:25) P1 – E o que você acha que vai deixar, de legado, pras próximas gerações?
R1 – Eu acho que a minha história já é um legado, de uma certa forma. Não estou falando de um achismo, mas de coisas que eu ouço, por exemplo, dos meus alunos, quando eles olham pra mim e falam: “Nossa, é legal, porque eu vejo que eu posso ser também o que eu desejo ser, porque eu vejo que você é”, entendeu? Então, eu acho que esse é um legado que eu já deixo pra vida que, pra mim, é extremamente importante, que a minha história gere um impacto positivo nas outras pessoas que, muitas vezes... eu digo, pessoas da periferia que acham, que acreditam que não possam ser, porque estão na periferia, porque não têm, muitas vezes, o acesso e aí, quando veem uma pessoa com a minha trajetória, veem uma possibilidade. Então, isso, pra mim, já é um grande legado.
(01:20:18) P1 – Tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de acrescentar?
R1 – Não, eu acredito que foram incríveis as perguntas, pude falar bastante. (risos)
(01:20:28) P1 – Então, por fim, te perguntar como foi contar um pouco da sua história, hoje.
R1 – Eu sou uma pessoa muito comunicativa, que eu gosto muito de falar, eu sempre até digo assim que a minha maior ‘arma’ é o meu sorriso, porque eu sempre estou sorrindo, enfim, mesmo quando eu não estou bem, sempre busco trazer essa energia boa, pras pessoas que estão próximas a mim. E eu acho que, sempre, falar da minha trajetória de vida mexe em lugares que são doloridos, mas que ao mesmo tempo eu entendo que é necessário eu falar, porque faz parte de mim. Então, eu acho que é muito importante quando você tem esses espaços pra contar sua trajetória de vida e você vê o quanto... que aí eu estou aqui, falando e eu estou vendo que, nossa, conquistei bastante coisas, fiz bastante coisas e às vezes eu não tenho essa noção, porque eu estou vivendo, estou aí fazendo ainda. Então, acho que quando você tem oportunidade de contar sua trajetória e trazer... por exemplo, você me fez falar de coisas da minha infância que, muitas vezes, no dia a dia, eu não lembro e aí, hoje, aqui, eu mexi nessas memórias e que foram muito boas, pra mim, de certa forma. Então, pra mim é muito bom poder contar minha trajetória.
(01:21:37) P1 – A gente fica feliz por isso!
R1 – Eu também. Fico muito grata.
(01:21:40) P1 – Então, muito obrigada!
R1 – Eu que agradeço.Recolher