Depoimento de Sérgio Picchiarini
Entrevistado por Cláudia Leonor e Valéria Barbosa
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 23 de outubro de 1994
Transcrita por Lúcia Marina G. A. Oliveira
P - Bom eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento do senhor.
R - Sergio Picchiarini, nascido na Itália, Bagni di Lucca, 8 do 10 de 34.
P - Qual o nome dos pais do senhor?
R - Ricciotti Picchiarini, e minha mãe é Maria Ilide Possentini Picchiarini.
P - E onde que eles nasceram?
R - Nasceram a... o meu pai em Popiglio, em Toscana, na Itália, e a minha mãe em Bagni di Lucca, também Toscana, Itália.
P - Qual que era a atividade do pai do senhor?
R - Era mecânico industrial.
P - Eu queria que o senhor falasse da infância do senhor, o senhor me disse que ajudava o avô...
R - É, eu ajudava meu avô na oficina mecânica que tinha lá numa cidade pequena lá da Itália, chama Popiglio, onde essa oficina vinha já de diversas gerações, e então eu ajudava meu avô. Mas depois por um azar, que eu tinha feito uma, uma inscrição lá pra fazer engenharia mecânica e continuar no ramo do meu avô, não pude continuar porque fui fazer um curso de garçom, em Viareggio, e comecei mudar a profissão. E por esse motivo... de eu ter ido a Viareggio e ficado com a ________ ________, eu tinha que fazer um curso de aperfeiçoamento no exterior e pra fazer esse curso no exterior eu tinha que sair da Itália. Eu tinha 18 anos, minha mãe não achava... era filho único e tal, era impossível ela me mandar sozinho ou pra França ou pra Inglaterra, pra Suíça. E com a ajuda de um pessoal da cidade mesmo: "Não, você tem que mandar o rapaz pra fora, deixa ele ir embora, pra progredir, fazer alguma coisa a mais." E na escola tinha dado um currículo pra nós, quer dizer, pra escolher o país que nós queríamos ir, então França, Itália, Bélgica, outras cidades da Europa mesmo. Mas no final do, da coisa, eu tinha...
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Entrevistado por Cláudia Leonor e Valéria Barbosa
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 23 de outubro de 1994
Transcrita por Lúcia Marina G. A. Oliveira
P - Bom eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento do senhor.
R - Sergio Picchiarini, nascido na Itália, Bagni di Lucca, 8 do 10 de 34.
P - Qual o nome dos pais do senhor?
R - Ricciotti Picchiarini, e minha mãe é Maria Ilide Possentini Picchiarini.
P - E onde que eles nasceram?
R - Nasceram a... o meu pai em Popiglio, em Toscana, na Itália, e a minha mãe em Bagni di Lucca, também Toscana, Itália.
P - Qual que era a atividade do pai do senhor?
R - Era mecânico industrial.
P - Eu queria que o senhor falasse da infância do senhor, o senhor me disse que ajudava o avô...
R - É, eu ajudava meu avô na oficina mecânica que tinha lá numa cidade pequena lá da Itália, chama Popiglio, onde essa oficina vinha já de diversas gerações, e então eu ajudava meu avô. Mas depois por um azar, que eu tinha feito uma, uma inscrição lá pra fazer engenharia mecânica e continuar no ramo do meu avô, não pude continuar porque fui fazer um curso de garçom, em Viareggio, e comecei mudar a profissão. E por esse motivo... de eu ter ido a Viareggio e ficado com a ________ ________, eu tinha que fazer um curso de aperfeiçoamento no exterior e pra fazer esse curso no exterior eu tinha que sair da Itália. Eu tinha 18 anos, minha mãe não achava... era filho único e tal, era impossível ela me mandar sozinho ou pra França ou pra Inglaterra, pra Suíça. E com a ajuda de um pessoal da cidade mesmo: "Não, você tem que mandar o rapaz pra fora, deixa ele ir embora, pra progredir, fazer alguma coisa a mais." E na escola tinha dado um currículo pra nós, quer dizer, pra escolher o país que nós queríamos ir, então França, Itália, Bélgica, outras cidades da Europa mesmo. Mas no final do, da coisa, eu tinha sido, colocaram uma parte onde dizia: "Se algum aluno quer ir para a América do Sul, ninguém foi ainda hoje pra lá, né, se tiver um candidato que gostaria de ir lá, experimentar, ver como é esse campo aqui na América do Sul." Então, minha mãe vendo aquilo ali, como tinha uma irmã da minha mãe que morava aqui em São Paulo falou: "Bom, se você tiver que ir num país estrangeiro, você então vai pra América do Sul, vai pra São Paulo, que lá você vai com a minha irmã." Por isso que eu (cheguei, vim?) ficar aqui no Brasil.
P - Senhor Sergio, eu, bom, antes do senhor falar da vinda do senhor pro Brasil, eu queria que o senhor falasse um pouco da sua infância, das lembranças que o senhor tem, da casa que o senhor morava, dos amigos, das brincadeiras...
R - É... sabe, a minha infância foi na guerra, né, Segunda Guerra Mundial, então a brincadeira nossa era um pouco até violenta, assim posso dizer, porque é... fazíamos, mesmo os amigos da escola... era sempre luta, nós tínhamos o batalhão da cidade de baixo contra o batalhão da cidade de cima, seria o exército mesmo de criança e a gente não jogava pedrinha não, jogava bomba um contra o outro. (riso) É, a gente pegava essas bomba, essas bombinha é... bomba de mão que era pra fazer explodir a dinamite, né, pegava dos alemães que tinha um depósito de armas, pegava, roubava deles, ficava, depois lutava um contra o outro, fazia essa infância meio violenta. Até que nós tivemos um acidente feio, onde dois, é, um amigo meu e o meu primo ficou cego e outro meu amigo morreu, e dali em diante paramos de fazer essas brincadeiras, aí ficamos estudando melhor, mas tive uma infância violenta, por causa da guerra.
P - E da cidade?
R - A cidade é uma cidade, Pupílio é uma cidade da Toscana, de montanha, muito bonita, pequena, é... pertinho do La (Betônia?) onde tem os esportes invernais, e campeonatos mundiais de esportes, né, eu moro mais ou menos distante das pistas uns 30 quilômetros. E aí a gente, é um lugar assim de montanha, não muito, quer dizer, temos montanha alta atrás, até quatro mil metros, dois mil metros, três mil metros, mas onde eu morava, lá era 800 metros, mais ou menos, de altura. Eu fiz a escola lá, depois fiz esse superior aí nessa (Marcelo Pistoiece?), que é uma cidadinha maiorzinha perto, né, e depois fui fazer esse curso em Viareggio, né, e daqui eu fui parar aqui no Brasil.
P - Quando o senhor veio pro Brasil, como é que o senhor sentiu, assim, da diferença...
R - Aventura, pra mim era uma aventura. (riso) 18 anos, apesar que eu vinha pra minha tia que eu conhecia, mas pensei sempre num, um passeio, uma aventura, um país novo. Chegando aqui eu tive uma, uma certa... porque eu vim aqui pra aprender, pra estudar o ramo de garçom, de hotelaria e aqui não havia nenhuma escola naquela época não havia nada, hoje tem, hoje tem muita... é bem diferente, tem profissionais muito bom, naquela época únicos profissionais que tinha no ramo de maître de hotel ou coisa assim, eram pessoas que tinham vindo do estrangeiro, eram espanhol, italiano que estavam residente aqui e eles que exerciam essa profissão. Aqui não, naquela época não havia nada pra se aprender, então, tanto é verdade que, quando eu cheguei aqui eu não pude continuar o meu curso, nada né, de aprender mais alguma coisa, porque eu sabia mais, com o pouco que eu tinha estudado, mas eu sabia muito mais do que ___________ aqui. Então a minha coisa era voltar para a Itália o quanto antes, por isso a minha coisa de não ficar aqui, mas devido que, a volta minha teria que ser paga, eu tinha que pagar a passagem de navio, então eu tinha que ganhar esse dinheiro pra poder ir embora. Então comecei a trabalhar de garçom, primeiro no Restaurante (Papai?), ali na Praça Júlio Mesquita, aí na Avenida São João e trabalhando ali, dois, três meses, eu tive uma ajuda de uma professora do Caetano de Campos, naquela época me ensinou um pouco o português, eu aprendi logo...
P - Ela era freguesa?
R - Ela era freguesa do restaurante e ela veio me ajudar, colaborou comigo, me dava uma lição à noite que eu trazia, no outro dia eu trazia mais ou menos estudado, ela pegava uma sabatina comigo, e assim me fez aprender um pouco de português bem rápido, aquilo que precisava. Dali eu mudei para o Restaurante Carlino, fui fazer garçom no Restaurante Carlino na... o Restaurante Carlino era na Avenida São João também, mas já pegado ao Art Palácio, no Paissandú, em frente. O dono era Marcelo (Jane?), um italiano de Lucca, da minha região lá, não conheci, conheci aqui, mas pra mim foi que nem um segundo pai; ele me ajudou em tudo, me deu bastante apoio de verdade, que depois de um ano e meio que eu estava com ele lá ele mesmo me incentivou a fazer uma sociedade, então compramos, eu comprei um restaurante em sociedade com mais dois, dentro do Clube de Regatas Tietê, lá na Ponte Pequena. E eu fiquei no restaurante durante um ano e meio, fiz dois carnaval lá, passei dois carnaval lá, é muito bom, mas sabe como é, clube, sócio, tem muito diretor, e todo mundo queria mandar, e eu achei que não era aquele o meu lugar, aí vendemos, se retiramos da sociedade. Aí eu voltei pro Carlino novamente porque tinha o apoio do seu Marcelo (Jane?) tal, e aí...
P - Nessa época quem eram os fregueses do Carlino, quem que freqüentava o restaurante?
R - Ah, freqüentava muitos, muitos artista italiano, europeu, porque ali tinha o Municipal, que funcionava com ópera, com concerto, naquela época em 54, 56, tinha muito cantores italianos que vinham, né, e comitiva e, fora uma clientela que ele tinha, muito grande, de italiano mesmo e de brasileiro também. Mas por ele estar perto do Municipal, e ser um restaurante assim tradicional como ele era, e nós tínhamos muito, muita influência desses artistas que vinham para o concerto aí no Municipal e se dividiam, vinham no Carlino, no (Espadone?), no Brahma, esses eram os restaurantes daquela época, os melhores daquela redondeza, né, o Bolonha, ali no Anhangabaú, né, então eles se dividiam nesses restaurantes, uma vez em um, outra no outro; então essa era a nossa, a nossa clientela, né. E aí, aí eu resolvi ir pra Itália porque já tinha o dinheiro pra passagem e... só que antes de ir para a Itália me veio uma idéia, eu falei: "Agora eu quero conhecer um pouco de São Paulo, da cidade, do interior do estado, do Brasil; voltar pra Itália, pelo menos contar alguma coisa que eu vi, não vim só pra São Paulo, não vi só Santos", né. E aí pus um anúncio no jornal, era: "Moço, com 19 anos, se oferece pra viajar pra qualquer parte do país, viajando pra representação, qualquer coisa, ou caixeiro viajante, qualquer coisa." Só eu, a minha idéia era unicamente pegar pra três, quatro, cinco meses assim, conhecer mais ou menos o Brasil e depois me retirar pra Itália, esse era meu plano. Mas, com isso aí, veio uma firma italiana que era na Vila Prudente, e tem indústria, chamava Empreendedor de Tecidos e Papéis Litespa Ltda. e o dono era, um era italiano, os outros era descendentes, acho que é italiano também, mas pela parte judaica. E se deram, gostaram de mim, me pegaram pra fazer as representações e comecei a viajar. Nas primeiras viagens eu comecei a ter lucros maravilhosos, aí comecei a mudar um pouco a idéia de, de não voltar pra Itália. (riso) Passaram-se dois, três anos trabalhando com essa firma, só exclusivo, vendedor exclusivo dele, mas ganhando razoavelmente bem. Aí eu resolvi: "O que eu vou fazer na Itália? Fazer garçom, fazer isso, voltar fazer mecânica com o meu avô..." Meu avô já tinha me, já tirado da herança até dele porque eu tinha passado pra ser garçom não mais mecânico, né, tinha quebrado a tradição da família e aí eu resolvi que era melhor o campo... eu tinha achado um campo muito bom, estava bem protegido com essa firma, tinham um bom lucro, razoável, é... tinha uma estabilidade certa, porque a firma me dava bastante apoio e eu também. Vendo isso eu chamei... eu tinha minha mãe sozinha na Itália, resolvi e falei: "Olha mãe, pra eu voltar aí eu não sei o que eu vou fazer, aqui eu já estou mais ou menos colocado, eu acho que é melhor você vim pra cá pra nós ficar junto." Aí ela veio, veio em 58, comprei uma casinha, no mesmo lugar onde...
P - Aonde era?
R - ... aonde eu cheguei, quando eu cheguei fui pra Rua ___________ , comprei uma casa na Rua _____________ mesmo e aí ficamos na casa e começamos a vida de representações. Eu trabalhei de representante até 1970, em 70 surgiu mais uma outra fase na minha vida que o antigo, um dos antigos sócios que foi sócio comigo no Clube de Regatas Tietê, me chamou e falou: "Sergio, você não quer fazer uma sociedade?" Eu falei: "Uma sociedade? Aqui em São Paulo?" "É, aqui em São Paulo." "Mas o quê é que vamos fazer?" "Não, sabe o que acontece, o Restaurante Fasano, a Confeitaria Fasano, que era do Liquigás, já naquela época não era mais da família Fasano, era da Liquigás, está querendo se desfazer das Casas Fasano, e tem a parte industrial, na Rua Anhaia, e nós somos já quatro sócios, e já compramos a parte industrial, e vamos ficar com a Vieira de Carvalho - que era na cidade, o Restaurante Fasano." Mas depois eles viram que... que tinha uma loja no Shopping Center Iguatemi muito melhor que uma coisa assim e eles resolveram então desistir da Vieira de Carvalho pra ficar com o shopping. Mas como eles eram... um era, o Aldo Morelli tinha confecções, o Orestes (Vocá?) tinha uma loja de tecidos, o Juliano Jóia tinha loja de jóias e o outro sócio que entendia do ramo, que era o Donato, do Massas Donas; e me chamaram eu justamente pra ajudar porque eu entendia mais ou menos um pouco e pra eu ajudar na sociedade e também pra colocar cinco casas novamente como o Fasano era, mais ou menos parecido com o Fasano. A sociedade não deu certo, se desentendeu e eu fiquei lutando pra ficar com o Piatto Doro até hoje eu tenho, eu estou com o Piatto Doro que é o sucessor do Fasano. Eu fiquei com a fábrica na Rua Anhaia, depois tive que vendê-la porque eu saí do shopping em 85. Fiquei 15 anos no shopping e o restaurante, a confeitaria Fasano no shopping, eu digo, a Confeitaria Piatto Doro no shopping era um ponto de muita gente, era um ponto de encontro, era um nome já feito na praça muito bom, era um local bem freqüentado, bem... Tanto é verdade que quando eu fui obrigado, por causa de uma reforma que o shopping fez e me tiraram a área da parte da cozinha, então não havia condições de ficar mais o Piatto Doro daquele jeito, então eu fui obrigado a desistir. Mas eles se arrependeram muito, muitas vezes me chamaram: "Ah, porque vamos arranjar uma outra loja, vamos fazer uma outra coisa..." Mas eu não... eu tinha montado uma já na Rua Iguatemi, pertinho mais ou menos do shopping, no início da Iguatemi com a... em frente ao Traineira, ao Rubayat, a pracinha, aí perto do, como se chama, da Cidade Jardim na ________ Iguatemi, eu tinha comprado um ponto lá e montei o Restaurante Piatto Doro lá e até hoje está lá o Piatto Doro, eu passei a ser, a fazer o restaurante.
P - Lá no shopping era restaurante já?
R - Era restaurante, era a confeitaria, tinha uma porção de coisas mas, mais era rotisserie, rotisserie. Tinha... mas, como nós tínhamos feito a confeitaria, doce, tem uma confeitaria, tem a seção de, para viagem, de tudo: lanche, tinha as famosa coxinha Fasano que são famosa aqui em São Paulo, conhecida, continuam no Piatto Doro comigo, essa continua. É, tem muitas pessoas que até hoje, dizem que no shopping vinham, com dez anos, hoje estão com 30, 20 anos, se lembram e vêm comer a coxinha lá. É diferente, é uma coxinha muito boa e bem feita.
P - O que é que tem de diferente nela?
R - O sistema diferente, e a turma gosta mais do que... Ah, diz que igual aquela não tem, eu duvido, que tem outras que são boa também, não tenho dúvida nenhuma, né. Nós estamos ali agora, na Rua Iguatemi.
P - Além da coxinha tem algum outro produto... especial?
R - Tem a comida... Agora ali virou mais restaurante, né, do que rotisserie. Ainda temos fregueses de rotisserie, o freguês já conhece a casa desde o shopping, então continuaram. "Não Sergio, eu quero isso, quero aquilo que você fazia lá." E a gente faz, né, mas propriamente lá é mais restaurante do que rotisserie. Rotisserie só mais no sábado e no domingo, é restaurante mais que rotisserie. No shopping já era, as pessoas escolhia, fazia pratos, servia na mesa, certo, mas ela escolhia na rotisserie, fazia o prato dela ali mesmo como se fazem agora nessas casas que vendem por quilo, aquelas coisas mais. Então naquela época, já em 70 eu fazia isso, porque... não é que fui eu o inventor disso não, foi os fregueses, porque tinha as coisas lá para viagem, então tinha pimentão, champignon etc. e tal. "Ah Sergio, tanta coisa boa que tem aqui, não pode pôr um pouquinho no prato, eu como aqui." Comia de pé, não tinha mesa naquela época, comia de pé, no pratinho, no balcão assim, então eu servia um pouco de cada, pesava, era vendido, eu vou dizer o preço era vendido a peso, né, naquela época. O próprio freguês é que começou, então um vendo o outro, um vendo o outro assim, começou, tinha... na hora do almoço, tinha lotação em cima do balcão só pra comer essas coisa. Aí mais tarde, quando foi aí que eu coloquei as mesinha da...
P - No shopping?
R - ...no shopping mesmo, eu coloquei o que coube, não era muitas, né. Nós tínhamos 20 lugares pra sentar, então aí ficou mais cômodo pro freguês comer e tal. Aí começou a querer vender uma lasanha, uma coisa, um prato quente, não só mais o prato frio. Aí depois de 85 veio... que eles quiseram fazer aquela reforma deles então eu fui obrigado a sair do shopping.
P - Senhor Sergio, a produção da... eu queria saber o trabalho do senhor, o que o senhor faz...
R - Eu mantenho toda a produção do restaurante, eu e os meus profissionais. Eu tenho um empregado já comigo está há mais de, desde antigo, ele está comigo até 15 anos, 14 anos, esse aprendeu, sabe, já são profissionais ensinado por mim, eu hoje não preciso ensinar muita coisa pra ele, mas normalmente vem um novato, eu ensino, eu faço e, eu, quando aperta o negócio eu vou na cozinha, eu faço prato.
P - O senhor faz?
R - Ah sim, o freguês sabe que eu faço mesmo, me pede alguma coisa diferente, eu vou lá, eu ensino qual é a coisa diferente, mas eu mesmo faço.
P - E, e serve também?
R - Sirvo, sirvo na mesa, se precisar servir, sirvo na mesa, ajudo a manter o restaurante.
P - O senhor tem fregueses que fazem questão de serem atendidos pelo senhor?
R - Ah, tem freguês que só procura a gente, muitas vezes tem freguês mesmo que fala: "Onde que está o Sergio?" "Ah, está lá em cima." "Chama ele que eu quero falar com ele." Pra ser atendido por mim e não pelo garçom, isso tem.
P - Bom, em relação à loja do shopping e quando o senhor foi pra Rua Iguatemi, né... O senhor sentiu alguma diferença, o que é que mudou assim...?
R - No shopping, no shopping era uma outra, uma outra coisa. Na Iguatemi tive que montar uma outra coisa completamente diferente, partir mais pra restaurante. No Iguatemi era mais um... pode-se dizer uma delicatessen, não? A pessoa comia coxinhas, salgadinho, croquete, então eu havia posto uma estufa maravilhosa com todo tipo de salgado, a pessoa ia lá pra tomar um chope, salgadinho, um lanche, sanduíche de pão italiano, tinha inventado um sanduíche de pão italiano e esse foi um sucesso no shopping, o sanduíche de pão italiano. E depois, mais tarde, apareceu no shopping o Viena, né, que hoje é uma cadeia muito grande, mas foi na minha época... ele imitou bastante o Piatto Doro, imitou bastante o Piatto Doro, começou a fazer o sanduíche igual, outras coisas mais, igual e ele teve um sucesso maravilhoso.
P - Bom, eu queria que o senhor falasse do casamento do senhor, como que o senhor conheceu sua esposa...?
R - Como eu conheci minha esposa? Eu com a minha esposa somos um pouco parente, somos terceiro primo... um pouco parente. Quando eu cheguei da Itália é... eu trouxe uma filarmônica, um órgão, né, chama filarmônica, italiano, é... justamente pra essa moça, essa menina que tinha 12 anos, 11 anos pra 12 anos, que depois virou minha esposa. Ela... por intermédio da minha tia, não que eu sabia que eu vinha da Itália e tal, e ela estava estudando música, (filarmônica?), então, sabendo que eu vinha: "Não, você traz uma harmônica pra ela e tal, mamãe vai te pagar." "Tudo bem, tá." Então eu trouxe uma harmônica pra ela, então ela veio até o porto de Santos para pegar a harmônica dela, pra pegar a coisa, e na volta, na subida da serra de Santos, pra cima, acho que o taxi estava muito carregado, ela dormiu no meu colo, (riso) até São Paulo, por incrível que pareça, hoje virou minha esposa.
P - E como é que foi? Aí vocês começaram...
R - Aí dali começou, eu sempre é... tinha mais idade, ela ficava estudando, se víamos , porque na mesma rua, na mesma rua, e ela acho que ficou impressionada, não sei, acho, ela disse, ela disse que ficou impressionada desde que me viu lá em Santos e falou: "Ah, eu quero esse moço." (riso) E talvez é por isso que ela tenha conseguido, ela ficou sempre atrás, uma coisa e outra e deve ter sido isso.
P - E atualmente ela trabalha junto com o senhor?
R - Trabalha junto comigo no restaurante.
P - E qual é a função dela, que ela faz?
R - Função dela é a parte administrativa, caixa, ela vê mais a parte mais comercial, né, compra, ela faz; e eu fico mais na parte de produção, pra administrar, tentar atender o freguês, e a receita, inventar pratos novo, fazer cardápio novo, tudo é parte minha, né.
P - Como é que é essa coisa de fazer... inventar cardápios?
R - É, precisa ter um pouco de idéia, um pouco de imaginação também, né, e um pouco também de esperteza, copiar, ver. Você por acaso vai num restaurante, almoçar fora, eu não só almoço no meu, né, de vez em quando que eu saio, vou no exterior, numa coisa e outra, eu fico olhando, fico apreciando alguma novidade, alguma coisa e eu já penso quando voltar já aplicar no restaurante. Então eu vou inventando, vou mudando de acordo com o meu padrão, né, muitas vezes a receita é de um modo mas eu a modifico de um modo que me sirva pro meu restaurante.
P - O senhor... tem restaurantes que o senhor gosta de freqüentar aqui em São Paulo?
R - Sim, tem diversos, tem diversos... O que, onde nós vamos, conhecemos muito bem a (Bucca Romana?), muito boa, é um bom restaurante, e só pensar que chegou aqui mais ou menos acho que uns cinco, seis anos só, já tem diversas casas, é um restaurante de comida bem agradável.
P - Bom, em relação a esse ramo aí de restaurantes e tal, desde quando o senhor chegou, quer dizer, o senhor falou que... que falava, escreveu para Itália, a primeira carta que escreveu, que aqui não tinha nada...
R - Ah sim, quando eu vim pra continuar a escola, né, porque eu vim pra continuar aqui no exterior com algum aprendizado superior daquilo que eu tinha aprendido, não?, se eu tivesse escolhido Bélgica e a Suíça, a Inglaterra ou França, ou Alemanha ou qualquer coisa dessa natureza, o que acontece? Eu continuaria aprendendo, me aperfeiçoaria muito mais em língua, como em comida, em modo de viver, é... quer dizer, o que precisa. Porque na Itália eles cuidam muito da parte hoteleira, porque a maior renda da Itália é o turismo, então os hotéis têm que formar profissionais bem qualificados, e bem, bem .é... então existe muita escola nesse sentido pra formar profissionais, tanto para restaurante, hotelaria, pra portaria, pra diretor de hotéis, pra dirigir, eles vivem disso, né, então o que acontece, eles têm que fazer. Então eles fazem um intercâmbio em termos... a Itália manda para a França 10, 20 alunos, e a França vem, da França vem mais 20 alunos pra estudar na Itália, e com isso aprende-se comida típica, essas coisas mais, é... modo de servir, modo de viver também. Só que eu escolhi o Brasil e aqui, quando eu cheguei aqui, não tinha escola, nada pra aprender, só para, (riso) só podia ensinar aquilo que eu tinha aprendido. Não consegui fazer, continuar, tanto é verdade que meu curso da escola parou, depois aqui eu não consegui mais, pra continuar esse curso eu teria que voltar pra Itália ou pra Europa, não mais aqui no Brasil. Depois passei a outro, outra finalidade... outras coisas aqui, né, então me dediquei mais a restaurantes e representações e não teve mais como continuar a parte de estudar a parte de hotelaria, né.
P - Bom, pensando... falando de hoje, né, da época de quando o senhor chegou aqui, como é que o senhor vê as mudanças aí nesse...
R - Ah, houve muita mudança, a bem da verdade, aqui, mesmo o Senai, o Senac, fizeram, tem escola de hotelaria muito boa, é... tem já professores capacitado pra ensinar. Agora, os profissionais a... quer dizer, não é muito, não temos muito, ainda poderia ser muito maior ainda, acho que tem uma em Águas de São Pedro tem um hotel que é hotel escola, né, e eu fui visitá-lo porque gosto de ver essas coisa e... é uma escola muito, muito interessante onde estão ensinando muito bem, estão formando profissionais bom pra hotel, né.
P - Em relação à clientela, o senhor acha que o público é mais exigente ou não, mudou, não mudou?
R - Ah sim, o público sempre é exigente. Agora, o restaurante tem que estar capacitado mesmo pra atender, né. A exigência dos meus fregueses, quando eles vêm lá eles querem ver, se querem comer, sabe que é um restaurante italiano, querem comer uma coisa italiana, eu não faço feijoada, eu não faço isso porque a minha clientela quando vai pensar em comer uma feijoada não vai pensar nunca num restaurante italiano, no Piatto Doro, né, vai pensar em uma outra cantina típica.
P - O senhor tem algum estilo assim, no caso do estabelecimento do senhor em que o senhor fala: "Não, isso... a gente trabalha dessa forma, nesse estilo de atendimento...?"
R - Não, a casa é pequena, não é muito grande não, então a gente atende mais possível, o atendimento melhor que a gente pode dar, apesar que temos, nessa classe minha de restaurante médio, não de alto nível, nós temos que trabalhar com uma mão-de-obra quase toda do Nordeste. Os profissionais são cearenses, são pernambucanos, e a gente ensina a essas pessoas, muitas vezes analfabetos, não sabem ler mas sabem fazer a comida, porque ensina, não porque... eles aprendem, a gente treina, treina, treina, faz aquele prato, aprende fazer o prato italiano, um cearense. Aliás, um dos maiores restaurantes daqui de São Paulo, a parte de cozinha você pode ver, é tudo cearense, pernambucanos, baianos... A mão-de-obra, quando eu cheguei da Itália era mesmo cozinheiro, garçom, até garçom, eram tudo espanhol...(fim da fita 060 / 001-A) ... tinha maître em hotel italiano, esse, cozinheiro italiano, só existem alguns restaurantes porque importou, ou senão fez um contrato de trabalho e trouxe um cozinheiro italiano, então ali tem um cozinheiro italiano na cozinha, mas se não fosse isso que fizesse contrato, mas são as casas mais finas que têm esse tipo, agora numa casa, na classe média são tudo profissionais feito aqui mesmo e são todos nosso, a maioria é tudo do Nordeste.
P - No caso desse treinamento no restaurante do senhor, eles recebem no dia-a-dia ou tem...
R - Não, no dia-a-dia, dia-a-dia do movimento, é, tem que dar, não pode dar um ensinamento de ficar ali sentado numa mesa com ele não é?, durante o dia eles começam a fazer uma coisa, dali passam a fazer outra coisa, e vão aprendendo a fazer mais coisa, e de repente, depois de três, quatro anos que estão com a gente sabe fazer muita coisa.
P - Vão aprendendo, né?
R - Vão aprendendo.
P - Bom, em relação... uma pergunta mais geral, em relação ao comércio, o que o senhor gosta de comprar, quando o senhor sai pra fazer compras onde o senhor gosta de ir, ou gostou de ir...?
R - Ultimamente eu tenho ido mesmo, porque eu acho, tenho ficado muito no shopping, tenho ido de shopping em shopping, realmente na rua, não tenho comprado pouca coisa; na Lapa tem a Avenida 12 de Outubro, também é famosa mas, tenho... antigamente comprava muito por lá, né, mas depois que surgiram os shoppings, uma coisa, é muito mais fácil pra mim andar no shopping.
P - O que é que o senhor não gosta de comprar e às vezes tem que comprar?
R - Ah, se não gosta de comprar acho que não vou comprar. (riso)
P - Supermercado, o senhor gosta de ir?
R - Não, eu gosto de fazer, eu sou obrigado a fazer supermercado e tal...
P - É o senhor que faz as compras do restaurante?
R - Faço, junto com a minha mulher, minha mulher faz mais do que eu também, muitas vezes agora que a, todos os dois estamos fazendo compra, olhando o restaurante, tudo em função do restaurante, claro, ou da casa né?
P - E aonde o senhor costuma ir adquirir os alimentos pro restaurante?
R - É, mais ou menos nós vamos no Ceasa, Macro, né, supermercados grandes, atacados grandes, pra ter um preço melhor, Ceasa...
P - No Mercado Central?
R - Não, o Mercado Central ele fica fora da minha mão, muito longe, num ponto muito difícil de acesso, para quem trabalha na Faria Lima é muito mais fácil Ceasa, Macro, é... não sei, outro supermercado como o Eldorado, que está perto, algum Pão de Açúcar que é mais perto, né, e alguma coisa. E tem vendedores que vêm visitar a gente e a gente compra por pedido, né.
P - Como é que é essa relação do senhor com os fornecedores?
R - É, têm fornecedores que vêm quase semanalmente, outros vêm mensalmente, outros vêm... depende do artigo que você precisa, né. Então tem uma relação, tem a Antárctica, é bebida, sai muito, então tem duas vezes por semana, o vendedor é obrigado a passar pra fazer reposição é... outro também tem os frios, Perdigão, a... Sadia, já sabe que não precisa passar, passa de mês em mês e compra uma quantidade, é tudo assim, né. A gente compra uma quantidade pequena pra justamente ter sempre o produto o mais fresco possível, nunca se comprou quantidade pra guardar muito.
P - Senhor Sergio, eu queria que o senhor falasse um pouco mais da época que o senhor trabalhou como representante, que tipo de produto o senhor representava e quais os locais que o senhor percorria, quem era a clientela do senhor?
R - Não, que... quando eu peguei essas representações, eu não conhecia nada do Brasil, nada do Brasil, só conhecia São Paulo, então eu peguei essa representação de propósito pra conhecer o Brasil; então eu peguei, eu tinha, a firma me deu campo livre fora da capital, eu podia andar onde eu quisesse pra vender os produtos. Então eu fiz todo o estado de São Paulo, todinho, cidade por cidade conheço, viajei aquelas, viajei de 57 até 70, então soma diversos anos; e parte do Triângulo Mineiro, do estado de Goiás, sul de Minas é, até... fiz Minas diversas cidades, até Varginha, nunca fui a Belo Horizonte, não conheço Belo Horizonte.
P - Sul de Minas, né?
R - É, mas agora, da parte de cá, norte do Paraná, conheço todas as cidades, até Paranavaí. Até me fizeram uma brincadeira em Paranavaí, quando eu cheguei... chegaram uma das minhas primeiras viagens, eu cheguei, naquela época, o norte do Paraná era só barro, daqueles vermelhos, a gente tinha que andar com cachecol, e virando o colarinho da, da...
P - Camisa.
R - ... da camisa porque você chegava na cidade, você tinha uma poeira que parecia um tijolo, e com o suor, que você transpirava com o calor, e mais o pó que... (riso)
P - Formava um barro...
R - ... formava, formava um tijolinho mesmo, incrível, né, então a gente virava o cachecol pra poder chegar na cidade e estar mais ou menos em condições de entrar na cidade, isso era a vida naquela época. Depois asfaltaram, tudo bem, foi um progresso rápido, o norte do Paraná foi um progresso rápido. Mas quando eu cheguei, a primeira viajem que eu cheguei em Maringá, cheguei no hotel, então à noite sempre se reúne todos os vendedores pra jogar um baralho, faz um bate papo, então eu perguntei pra ele se tinha mais alguma cidade, porque eu não conhecia, né, queria conhecer, andar mais pra lá, e os... acho que dois vendedores estavam ali brincando comigo talvez, se olharam um com o outro e disseram: "Ah, existe Paranavaí mais adiante." Então eu falei: "Então amanhã eu vou pra Paranavaí, né." Me deixaram, eu peguei a jardineira pra Paranavaí, fui, cheguei em Paranavaí, o que era Paranavaí? Era uma aldeia... era um território índio ainda, era um território índio, tinha um cruzeiro, um cruzeiro e um empóriozinho só, que onde os índios vinham comprar comida, né, (riso) e não tinha nada na cidade, aquilo que era Paranavaí. Mas me mandaram de propósito, que era primeira minha viagem, então ia lá pra vender, pra estofar móvel, essa coisa Paranavaí, que vai encontrar lá, não tinha nada, aí foi uma brincadeira que eles fizeram, né. O pior de tudo que, quando eu cheguei lá com o ônibus, eu entrei no empório e eu a... precisei a... pedir pra ir a um mictório pra urinar, fui ao mictório, quando eu voltei o ônibus tinha ido embora. (riso) Eu falei: "Onde que está o ônibus? Eu tinha que voltar com o ônibus." "Não, ele não te esperou, foi embora." "E agora?" "Agora só tem de noite, só daqui, só às 5 horas volta." Eu fiquei o dia todo naquele empório, vendo os indiozinhos comprar isso, aquilo, quer dizer, foi ima boa experiência. Aí quando eu cheguei no hotel peguei os dois camarada lá, falei: "Olha, eu vou aprontar pra vocês alguma coisa também, não fica assim não, vou te aprontar." A brincadeira que eles fizeram.
P - Essas viagens que o senhor fazia o senhor se locomovia mais de trem, de ônibus...?
R - No início, no início era de trem, ônibus, jardineira, né, naquela época jardineira, depois de 59, 60, comprei o meu primeiro meu carro, aí comecei a andar de carro, fusquinha.
P - Quem eram os clientes, assim nessas cidades que o senhor falou, quem eram os clientes?
R - O cliente eram, eram indústria de móveis, porque nós tínhamos pano couro pra estofamento de móveis, encadernação de livro que nós tínhamos (percaline?), tínhamos pano oleado para fazer encadernação e... também a indústria fazia uma lona pra jipe, impermeabilizava o tecido de lona pra capota de jipe, então vendia nas agência de jipe mesmo, né, as... só as lona, e o tapeceiro fazia a capota pro jipe. Então por isso que o norte do Paraná era das minhas melhores clientelas, porque no norte do Paraná só ia jipe, naquela época, era tudo barro, tudo lama, né, o jipe era o maior carro de lá, e todo mundo, os fazendeiros... qualquer coisa, a maioria que andava lá no norte do Paraná era jipe, então se usava muito a lona, que a lona estragava, tem que trocar a capota, furava, então era uma boa venda com um bom comércio também. E no estado de São Paulo além da encadernação de livro, tal, tinha as indústria de sapato, que a indústria de sapato, também a palmilha que vai dentro do sapato, muitas vezes não é feita de couro, você pode ver é um (panholado?), é um plástico agora, ou é uma lona, ou é uma coisa, e também pode ser de papel, naquela época era de papel, era um papel impermeabilizado e com uma resina, coberto de resina, imitando couro, perfeito, imitando couro, trocava, durava muito tempo parecia não estragar, mas era de papel, era pra sapato mais popular, mais econômico, né, o sapato mais fino, o sapato mais coisa... colocava couro.
P - E o senhor ia com um mostruário, como que o senhor mostrava, como que era esse mostruário?
R - Sim, com mostruário. O mostruário são amostras como se fosse vender pra... que nem tapeceiro, você vai escolhendo as cores, né, tinha diversas cores, então cada tapeçaria usava uma cor, um produto, você chegava com o mostruário, mostrava, ele: "Eu quero dez metros, 20 metros, 50 metros..." Isso vendia assim, né, por rolo, né, que nem hoje se vende o rolo plástico. Na época não tinha, acho que rolo plástico, a Vulcan e a Plavinil vieram depois da (Etespa?), antigamente a (Etespa?) era o pano oleado, pano couro chamava, né, era um dos melhores; depois vieram as firmas a Vulcan, a Plavinil e lançaram o plástico. E o plástico acabou completamente com o pano couro, a indústria mesmo, a (Etespa?) mesmo foi obrigada a se modernizar e fazer plástico também, fazia um plástico diferente mas fazia plástico, não fazia mais pano couro porque passou a pouca, era um produto melhor o plástico. E a clientela era indústria de sapatos, casa de móveis, fábrica, indústria de móveis e encadernadora de livro ou fábrica de livros, coisas assim.
P - Tinha alguma região que saía determinado tipo de produto? Que regiões que eram?
R - Ah sim, ah tem, tinha certas regiões é... Franca já era sapato, é uma das melhores cidades que eu tinha, né, é... aqui na região de Limeira, Campinas era metade, metade, metade calçado e metade sapato, digo, metade é... calçado e metade móveis, né.
P - Norte do Paraná?
R - É... móveis de carro, é... estofados, né, estofados. Tapeçaria mesmo, era tapeceiros, nós não vendia diretamente, algum tapeceiro que tinha uma pequena loja, montava uma pequena loja, que queria ter um estoque direto, vinha, procurava e comprava uma quantidade pra colocar na tapeçaria, mas normalmente a gente vendia numa casa de comércio que depois revendia para o tapeceiro, picado. Eu... o tapeceiro que pegava um carro cor marrom, ele gasta mais ou menos dez, 12 metros, então não podia comprar uma peça de 40metros, 50 metros, que era uma bobina, então chegava no comércio comprava só os quatro metros pra fazer aquele carro e assim por diante. Agora... a pessoa faz agora móveis, vai na tapeçaria, o tapeceiro só compra a quantidade do corte certo pra aquele móvel porque não adianta comprar mais.
P - E como era feito o pagamento, a forma de pagamento?
R - Ah, era faturado, a gente pagava 30 dias, 60 dias dependendo, dependendo, a indústria mesmo dava prazo, dava prazo, não era vendido à vista, no interior ainda tinha o transporte, né, a gente vendia e depois a duplicata era pro banco, faturamento era...
P - Nessa época aí do senhor, o senhor lembra de alguma outra história, porque devem ter acontecido várias histórias...
R - Ah, bom, aconteceram diversas histórias, mas assim mais...
P - A esposa do senhor viajava com o senhor?
R - É, teve uma época que viajou comigo, ela gostava muito de viajar, antes de ter o primeiro filho, a Rosângela, nós viajava muito. De vez em quando eu a levava, fazíamos 20 dias fora, porque sempre junto, em conjunto, então viajava. Depois que ela ficou grávida aí continuamos a viajar até bastante tempo, mais tarde quando veio o segundo filho, chama Ricardo, (riso) este, aí então viajamos com ele pequenininho, diversos lugares. A gente não tinha problema nenhum porque ia no hotel, né, ele, eu deixava no hotel, eles olhavam a cidade, brincavam e eu fazia as minhas vendas, depois voltava à noite no hotel, e quando eu mudava numa outra cidade, e assim se divertia um pouco, passeava um pouco. (pausa)
P - Bom, seu Sergio, atualmente como é o dia do senhor, o cotidiano do senhor?
R - Meu cotidiano é ir pro restaurante, abrir mais ou menos 9, nove e pouco, né, e ficar lá mais ou menos, eu saio de lá 2 da manhã, 3 da manhã. Eu, ou vou pra fazer compra ou pelo restaurante, estou sempre preso pelo restaurante; de terça a sábado o restaurante fica aberto até meia-noite, o domingo eu decidi pra ter um descanso, um pouco, só trabalhar no almoço até 5 horas e depois então fecha, né. E segunda-feira é descanso semanal de todos os empregados, aí só reabre na terça-feira, com isso eu tenho um descanso também pra mim, na segunda-feira, porque senão, direto é difícil.
P - E nas horas de lazer o que o senhor gosta de fazer?
R - Viajar, se pudesse viajar pro exterior, pra outro lugar, pra Itália, muito bom. Em setembro agora eu fui pra Itália, gostei demais, voltei pra minha terrinha, muito bom, se eu pudesse ainda continuaria... se eu pudesse, qualquer coisa que eu pudesse fechar o restaurante pra ficar... aliás, inclusive eu fiz de propósito férias coletivas, já dois anos, que muito poucos fazem isso, eu fecho o restaurante de propósito pra poder viajar, porque... Então todo mês de setembro eu vou pros Estados Unidos, tenho família lá, e vou pra Itália, quando eu puder uns dias mais. Agora, lazer aqui, aqui em São Paulo, em outro lugar não tem mais nada, é restaurante, restaurante, restaurante.
P - Seu Sergio assim, pra detalhar um pouco mais, né, quando o senhor fez o curso de garçom, na Itália, o que o senhor aprendeu exatamente assim, o que é ensinado nesse curso?
R - Bom, lá não é só ensinado, aliás, eu quando fui fazer esse curso de garçom, eu não era pra fazer o curso de garçom, era só pra poder ficar um pouco no mar, que o curso era no mar.
P - Conta um pouco essa história. Por que é que o senhor escolheu esse curso?
R - Bom, pra dizer a verdade eu não fui, não foi bem uma escolha. Eu tinha pedido para fazer engenharia mecânica em Pistoia, é uma cidade da Toscana, a maior da província, né, e quando me inscrevi, fiz o pedido de inscrição, me veio a resposta que o curso tinha sido completo e que não havia mais vaga. E no meio da correspondência me mandaram que se eu quisesse fazer um curso de hotelaria em Viareggio, que era uma cidade de mar, muito bonita, da Itália, da Toscana. Eu até brinquei: "Poxa, eu estou pedindo engenharia mecânica o camarada me manda pra fazer garçom, hotel." Eu peguei e pus na gaveta, mas em função, naquela semana, durante a guerra, sabe, a gente era muito, eu tinha, eu era meio anêmico, eu tinha uma anemia mais ou menos então tinha ido no médico naquela semana, e quando fui no médico, ele falou: "Olha, esse moço desenvolveu muito, cresceu muito e está um pouco anêmico, seria bom passar um tempo no mar, lhe faria muito bem." A gente, na Itália tem, tinha uma casa, está certo, tinha, meu avô tinha terra, tinha coisa, mas dinheiro assim disponível mesmo, que minha mãe, meu pai morreu na guerra, minha mãe trabalhava, era a única que trabalhava, não tinha assim manter dez, 20, 30 dias num hotel, numa cidade de mar, na Itália. Aí eu fiquei: impossível, não ia dar para ir para o mar. Mas no dia seguinte, um dia depois, mexendo na gaveta onde eu tinha colocado aquele negócio do curso de Viareggio, firma de garçom, me veio, eu peguei aquelas coisa ali e falei: "Puxa vida, é uma chance boa. Mesmo, eu estou esperando seis meses pra entrar no curso de engenharia, nesses seis meses eu me inscrevo nesse curso de garçom, vou, não me interessa eu fazer garçom, eu só quero ir no mar, passar seis meses no mar, depois desisto do curso e vou fazer o meu curso de engenharia mecânica." Foi assim que, a idéia era essa, mas depois quando eu fui pro mar, fui fazer garçom e tive uma outra vivência, uma outra, com uma outra clientela, com outro povo, outro sistema, aí eu comecei a gostar do ramo, a gostar, a gostar e então eu completei o curso porque não fiquei só o único seis meses, fiquei um ano e meio, né, completando o curso. E eu tinha que fazer o curso exterior, depois que eu, aí continua a história de eu vir pro Brasil.
P - E como que era esse curso? - respondendo a Cláudia.
R - O curso era assim, começamos, inclusive eu, como me inscrevi muito, 20 dias de atraso, o curso já havia começado quando eu cheguei em Viareggio, já estava com 20 dias, então eram 66 aluno que entrava. É um hotel, é um hotel alugado pelo... do governo, né, propriedade do governo e essa escola é do governo, é do governo italiano, chama (Ernoic?), né. E quando eu entrei pra mim foi uma surpresa, eu pensei que eu ia no mar todo dia porque ali tinha o mar, né, eu vou na escola mas vou no mar, eu não tinha feito militar ainda porque eu era filho único, meu pai tinha morrido na guerra, então não precisava fazer o militar, mas acho que eu fiz lá nesse hotel, por quê? Porque eles eram, era um regime, um regime mesmo firme. Então me puseram, me deram um quarto do hotel, do hotel mesmo, nós tínhamos cada dois em cada quarto... só se usava mesmo os quartos do hotel, dos hospedes, porque era um hotel escola, né. Então, quando eu cheguei lá: "Vai na secretaria, se apresentar na secretaria." Fui lá na secretaria, convercei na secretaria, me deram um pacote assim de livro, era francês, inglês, técnica (berguera?), arte culinária é... pro vinho... qualidade de vinho... Eu fui, olhei pra todo aqueles livros ali e falei: "Poxa vida, eu vim aqui pra passar o mar mas eu vou ter que estudar todos esses livros aqui? Ainda inglês e francês..." Ah, aí eu dei uma olhada assim mais ou menos mas nem cortei as folha do livro, né, deixei na cômoda do... O que acontece? Três, é isso, como eu entrei no dia vin... 20 dias de atraso, não, 26 dias, 27 dias, já tinha um exame, uma prova para aqueles... [pausa]
P - Bom, o senhor estava dizendo que logo que chegou na escola já começaram os exames...
R - Já começaram os exames pra aquelas pessoas que já estavam lá estudando desde o início do mês. Então, aí me chamou, o meu colega de quarto me chamou: "Sergio, você está vendo exame?" Eu falei: "O que tem?" "Olha, olha, olha a plaqueta que (bela?)." Fui lá e vi - que chama: (Tuti de alunia citi?) - é... enfim, como tinha feito nota melhor, né, e os últimos dois da fila estava em vermelho, ele falou: "Olha, você está vendo esses dois vermelhos, vão pra casa, são eliminados do curso; todo mês vai, os últimos dois que ficarem vão pra casa." E tirando os dois eu era o último. (riso) Eles me deixaram de propósito ali no penúltimo porque eu tinha entrado só fazia três dias, né? Então eu falei, quando vi assim, falei: "Puxa vida, voltar pra minha cidade, expulso da escola é uma, é demais, não vou querer fazer isso aqui." Aí eu voltei pro quarto lá, comecei a abrir os livros, né, começar a estudar um pouco, né, pelo menos... eu falei: "Ah, quero me colocar pela metade, não quero ser o... lá em cima, né, pelo menos me proteger pra não me expulsarem da escola, né?" Foi assim que eu fiz, comecei e tá, tá, tá, e comecei e consegui ficar pela metade, eu falei: "Aqui, aqui estou, aqui eu fico, não me interessa mais do que isso."E eu, a minha idéia era justamente passar seis meses só, sete meses, e depois eu desistir do curso pra pegar o outro curso. Mas depois eu comecei a gostar do negócio e aí eu completei um ano e meio de curso e aí veio que eu tinha que fazer especialização pro exterior, e por isso que eu saí da Itália e vim pro Brasil.
P - E quais eram as, as matérias que o senhor tinha?
R - É, matéria, tinha francês, inglês, técnica (berguera?), técnica (berguera?), arte culinária, arte culinária.
P - Como é que eram as aulas de culinária?
R - As aulas de culinária eram de prática também, se faziam junto com o chefe da cozinha, porque o garçom, na Itália, não faz o prato mesmo, mas ele sabe tudo o que vai no prato, o chefe, o maître de hotel, um chefe de _________, um garçom... Bom, pra ser garçom na Itália, num hotel de duas, três estrelas pra cima, ele tem que no mínimo saber duas línguas ou três línguas, é... normalmente conhecer cozinha de diversos países, né, e o prato que está sendo servido por ele, não é?, ele tem que saber, se o freguês pergunta o que é que tem isso, ele tem que dizer desde o cheirozinho até o sal e a pimenta, porque vai. Porque muitas vezes o freguês não gosta do alho, não gosta da cebola, não gosta de uma coisa, ele tem que saber, então se fala: "Ah não, não quero isso, né, não quero isso porque eu não como alho, não como isso, não como aquilo..." então o garçom é obrigatório determinar todo certinho o prato. Então (tosse) a gente a... tinha a escola de técnica (berguera?), de arte culinária, mesmo na cozinha com o chefe, como um chefe de gabarito, eles faziam o prato. Porque a escola é assim: tinha tantos alunos pra garçom, tantos alunos pra portaria, tanto aluno para administração, tantos alunos pra cozinha e tanto aluno pra manutenção do hotel. O hotel era mantido pelo grupo todinho, então nós tínhamos cozinheiro, então éramos divididos em duas equipes, uma equipe de dia era estudo, então, e outra equipe de serviço, o que é de serviço é que fazia a comida... o cozinheiro, ajudante de cozinha faziam a comida pra todos os alunos do hotel, pra todos, né, eles almoçavam primeiro, porque de serviço almoçava primeiro, e depois o que era de estudo, a gente saía das aula e ia pro salão como freguês, éramos servidos por nossos colegas, pelos nossos gar... outro grupo e ele, você tinha que apontar todos os defeitos que ele cometia, o outro. Você era servido como cliente, com todas, como se fosse um hotel de primeira linha, né, então aquele dia você era servido mil maravilha, prato especial, é... típico, servido com etiqueta mesmo, com maître de hotel, com (miêr?), com garçom; no outro dia era ao contrário, ele que era o freguês e você que trabalhava servindo ele, e assim por diante, duas equipes, e era mantido o hotel assim todinho. Depois, quando chegava o verão, porque isso aqui era mais no inverno, né, esse preparo, quando chegava o verão, o hotel entrava em funcionamento com turista ou com... então escolhia-se, escolhiam-se os melhores de garçom, os melhores da cozinha, os melhores de cada, de cada seção, os outros alunos eram levados, foram mandados para (posto de guerra?), eu fui um daqueles que ficou, né. Fiquei no salão, então atendi, fiquei servindo durante seis meses o turista mesmo, aí já nós era com, com clientela mesmo, que se rendimento eu acredito eles fazem funcionar é justamente pra manter a escola, talvez, não sei, seria um retorno, né. É assim que se fazia a escola, aqui também acho que em São Pedro, não, em São Pedro parece que é diferente, tem cliente mesmo, esse, esse ensino o... já diretamente com, com clientela. Lá não, nós, quando era no início, além de... bom, lá a gente tem francês, inglês, é... arte culinária, como se está, tem que aprender desde estender uma toalha em cima da mesa, colocar um guardanapo, um talher na posição certa, o copo na posição certa, tudo isso é ensinado, o maître do hotel é muito, sabe muito.
P - Tinha alguma matéria que o senhor gostava mais?
R - Bom, eu gostava mais de técnica (berguera?), arte culinária muito bem, não... detestava inglês, demais, e francês. Língua, pra mim, não era o meu forte, nem italiano agora não é, eu quando, matemática, desenho, essas coisas na escola eu era espetacular, agora chegava na língua... italiana, ah... não, não dá, é, eu tinha, passava sempre raspando, é, eu passava sempre de um ano pra outro sempre raspando. Agora, inglês... meu Deus do céu, eu tive que, a própria professora de inglês, eu acho que eu passei nesse curso no final em função mais do que eu sabia de técnica (berguera?), arte culinária, mas pelo inglês eu não teria passado de jeito nenhum. Tanto é verdade, que ela falou: "Como é que eu faço te... pra dar uma nota pra você." Eu falei: "Olha, me chama na hora que não tem um diretor, então eu venho aí." E de fato e ela colaborou comigo é... ela, o diretor estava na mesa dela, e combinava, até combinava com a professora, combinava: "Olha, o diretor vai sentar na minha mesa, sempre fica 10, 15 minutos, depois muda pra outra mesa, depois fica 10, 15 minutos na outra mesa, então quando ele sair da minha mesa eu não chamo ninguém, você, você entra e vem na minha mesa." E foi assim, ele saiu da mesa, eu fui pra outra mesa e eu peguei e entrei, fiquei frio, porque ele voltou pra mesa, eu falei: "Pô." Mas tinha só esquecido a caneta, pegou a caneta e foi embora outra vez. Eu falei: "Graças a Deus." (riso) Essa foi boa. Aí cheguei lá, nós conversamos em italiano, não em inglês... (fim da fita 060 / 002-A) ...ela falava: "Por que você não está aprendendo inglês, é uma boa língua, você tem que aprender." Eu falei: "Ah, mas é difícil pra mim..." Bom, a minha idéia não era também aquilo, no início, né, mas o inglês foi difícil mesmo, nunca, nunca gostei muito dessa língua, não... é um pouco mais difícil pra mim, francês não, francês ainda dava pra aprender mais ou menos, mas inglês... Hoje, tenho ido pros Estados Unidos diversas vezes por causa dos meus parentes que estão lá, fica um pouco mais fácil, não sei porque, talvez seja a convivência uma coisa, até o som é... antigamente não, o som mesmo do inglês pra mim era, não entrava no meu ouvido, né, agora não, agora acho que é por causa da convivência.
P - Bom, eu acho que a gente pode caminhando aí, né Cláudia? Pra encerrar, eu queria saber do senhor qual é o sonho do senhor?
R - O sonho meu? Agora, depois de tantos anos de restaurante, tanta coisa, é de, é de parar, (fechar a cantina?) do restaurante, e seria um sonho eu voltar pra minha terra, né... passar um bocado de tempo lá na minha terra, a Itália. Isso seria um bonito sonho, mas é um pouco irrealizável porque já tenho família, já tenho filho, é um pouco difícil você deixar tudo isso pra trás, né. Mas quem sabe eu consiga fazer pelo menos, não sei, uma boa, uma boas férias, não mais de dez dias, 15 dias, mas um ano, dois, né, e matar bastante a saudade.
P - Bom, seu Sergio, pra concluir... o que o senhor achou de ter passado essa hora aqui com a gente deixando registrada a trajetória, a história do senhor, a história da sua vida, do seu trabalho?
R - Ah, foi bom, agradável, aliás muito obrigado por me convidar.
P - Nós é que agradecemos.
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